Cunha e Silva Filho
Moro Rio de Janeiro há cinquenta
anos. Já vi muita coisa, boa e ruim, nos
diversos aspectos em que se queira
colocar o que tem atravessado este Brasil,
belo na paisagem, difícil na condução de sua política, nos grandes desafios que teimosamente continuam sem solução, nas descontinuidades
de seus principais problemas: desmoralização da coisa
publica, corrupção crônica que se vai naturalizando, violência insolúvel,
transporte ruim, educação pública municipal e estadual do ensino
fundamental e médio ainda bem deficiente, saúde precária, bons hospitais particulares só para a elite,
segurança do indivíduo por tempo
determinado, só para inglês ver, ou
melhor, para turistas estrangeiros que vieram
acompanhar suas seleções em alguns estados brasileiros.
Perguntando, em dia de jogo de seleções estrangeiras, a um
soldado da Polícia Militar do Rio de Janeiro por que eu não poderia entrar
por uma rua pela qual costumo
passar a fim de dar caminha em volta do Maracanã, ele me respondeu que por ali não poderia,
acrescentando: “São ordens da FIFA.” Então,
lhe respondi, em tom de desabafo e
indignação patriótica, como se eu
tivesse assumindo o papel quixotesco do personagem de Lima Barreto - o tragicômico Policarpo
Quaresma: “Mas a Fifa é quem dá ordens agora no país? “Cadê meus
direitos de ir e vir?” O militar, com ar sorridente, não me disse mais nada e
eu tomei meu rumo.
O país da Fifa é uma quarentena alegre e festiva – não há
como não concordar com a
alegria que paira no ar brasileiro,
sobretudo agora com a vitória do Brasil
sobre o Chile. Vitória suada, arrastada, sortuda porque conquistada pelo acaso
dos pênaltis. A manchete hoje da Folha de São Paulo resume o resultado do
jogo nestes termos desoladores: “Júlio César e trave salvam Brasil
de vexame em casa.”
O país, até no
futebol, está desconcertante. E não
é pela força grande que os
torcedores dão de coração e alma abertos tanto os entusiastas
do futebol quanto os torcedores apenas de Copa Mundial. Embora a nossa seleção não
seja a dos sonhos dos brasileiros, não é
hora de abandonar os nossos jogadores, dentre os quais se destaca a figura de um star, de um craque, o nosso
Neymar Jr. Deus sabe que, diante da tela da TV, acompanhando os jogos
de nossa seleção, tenho me
esforçado para torcer e até me emocionar, derramando lágrimas, quando está em jogo o
destino da nossa seleção.
É neste período dos
jogos da Copa que devemos dar todo o
nosso apoio aos nossos atletas, esquecendo até mesmo
algumas fraquezas de desempenho
dos jogadores. Por cima dos
problemas brasileiros, há
uma voz interior, mais forte do que nós,
que nos
arrasta para manifestarmos o
nosso apoio e os nossos desejos de que iremos
ganhar a Taça. É curioso esta metamorfose que ocorre em tempos de Copa Mundial de Futebol, principalmente. Chamo a isso o sentimento da
pátria, do amor ao solo brasileiro, à nossa língua, ao que temos de
bom, ao que podemos ainda construir.
Em síntese, isso
é patriotismo, sentimento
que fala mais alto do que as misérias
que não podemos nem devemos deixar de
denunciar e reprovar, exigindo constantemente melhorias para nosso país cansado
de tantas mazelas que nos
envergonham e nos entristecem a ponto
de perdermos as esperanças em nossos políticos em todos os níveis de governo.
Se o analfabetismo
que ainda existe no país é um prato cheio para os que
se elegem graças ao clientelismo histórico
de nossos políticos, e à `irresponsabilidade de nosso eleitorado
que dá votos para picaretas que se aproveitam do que conquistaram no meio artístico
de baixo nível ou em outros setores
de atividades que lhes dão
visibilidade e fama, for debelado da cultura nacional, então é possível ter-se alguma
esperança de que teremos melhores tempos para o Brasil.
O país será melhor em todos os sentidos quando
a consciência de nossa cidadania
atingir um nível razoável de visão imparcial de nossos problemas mais agudos: educação, saúde, trans porte e segurança. A sociedade brasileira precisa de encontrar um caminho que, conquanto tenha divergências
ideológicas, possa levá-la a uma convivência solidária, se não em completa
comunhão de ideias, pelo menos a
um estágio de relativo equilíbrio
entre todos os níveis
de classes existentes, sem
preconceitos, nem prepotência,
nem ambições desmedidas e individualismos reprováveis.
Este
relativo equilíbrio a que me refiro é exequível. Pode ser alcançado. Só
depende de forças interiores, de
transformação moral e ética e de um componente que a pós-modernidade e épocas
passadas não souberam aplicar na
práxis da vida civilizada: a dimensão
religiosa sem fanatismos nem cegueiras. Os fanatismos não veem senão seus próprios princípios ou dogmas obedecidos na teoria,
nos rituais, ou nos livros sagrados, tanto no mundo ocidental quanto oriental.
Essa dimensão espiritual, “the missing dimension,”
como a definia um pastor
americano há muito falecido, é que está faltando, com urgência, à população da Terra, agora devastada, poluída,
maltratada. Planeta judiado pelos homens,
pelos governos, pelas pessoas.
As consequências já estão à vista: enchentes devastadoras, estranhas mudanças
climáticas, efeito estufa, degelo das calotas polares, aumento
do nível dos mares – este último um gravíssimo
problema que pode rondar os continentes habitados
do Planeta. Eis a questão.