segunda-feira, 9 de julho de 2012

Os ócios e os ossos do ofício







Cunha e Silva Filho









A aposentadoria traz vantagens e desvantagens. Nestas últimas por vezes pode-se vislumbrar algum perigo ou algumas tristezas.

Tentarei, a seguir, enumerar as vantagens (algumas que me venham à lembrança):



1) O tempo disponível que surge como o grande momentos das realizações que nos faltaram fazer;

2) A liberdade que sentimos com o peso da escravidão dos horários obrigatórios de sair de casa e ir para o trabalho, enfrentando chefes, ordens, determinações superiores, reuniões enfadonhas, nas quais muitas vezes ficamos calados para evitarmos atritos com patrões ou colegas;

3) A possibilidade ilimitada ( dentro do relativo limite de nossa existência) de não termos satisfação a dar a ninguém em muitos aspectos da vida cotidiana: acordar cedo, tarde, sair sem a preocupação de horários de volta;

4) Tempo livre para ler, estudar, escrever, não, sem aquelas obrigações de data para concluir as leituras,escrever de um livro ou de livros ao mesmo tempo, sem aqueles deadlines tão preocupantes dos tempos de universidade;

5) Confessemos um segredo, tempo disponível até para ver programas de tevê de segunda categoria, só com a intenção de desanuviar algumas mágoas ou pelo mero desejo de divertissment. Gratuito, irresponsável, sem sentido. Estamos falando aqui não só do homem comum como do homem dado às tarefas intelectuais;

6) Tempo de poder ficar em casa, pensar na vida dando algum balanço de coisas boas que fizemo;.

7Tempo de ir à rua, tomar sol, caminhar sem destino, olhar para a vida, para as pessoas sem que elas percebam que para elas estamos olhando;

8) Tempo de ligar o computador, fazer algumas leituras rápidas, ver o nosso e-mail e aguardar uma notícia feliz que nos enche de alegrias. Neste caso, prefiro o e-mail enviado a ser convidado eletrônica e programaticamente pelo computador, ou melhor, pelo Facebook;

9) Ficar sozinho em cassa, no meu silêncio, só com os meus pensamentos e sentindo o palpitar a vida ou o pensamento “em suspensão”;

10) Ver que meu horário programado numa folha de papel foi mais descumprido do que eu imaginava. Os horários que nos impomos são interrompidos porque a vida e as suas surpresas nos impedem de ser certinhos, como se fôssemos robôs;

11) Ter a consciência, com o avançar da vida que, como afirmou o velejador e campeão Lars Grael, a vida precisa ser b em aproveitada, instante a instante, onde o hoje, o agora têm mais relevância do que o futuro .



Agora, passemos às desvantagens (algumas dentre as que não me ocorrem no momento da escrita):



1) A aposentadoria pode significar a fase de existência em que irrevogavelmente se tem a impressão de que tudo que podíamos fazer o fizemos. Essa é uma impressão que, de quando em quando, nos bate ao espírito e isso não é bom porque nos pode levar a nos sentirmos inúteis e descartáveis, o que de forma alguma pode ser levado em conta por ser uma ideia negativa absurda;



2) A de saber notícias desagradáveis, como a de que alguns companheiros de trabalho faleceram inesperadamente, porquanto aparentavam estar bem de saúde. Essa realidade do aposentado lhe dói muito e lhe serve de lição mais uma vez do quanto somos finitos;

3) Se voltamos ao lugar do trabalho onde desenvolvemos intensa atividade e onde travamos conhecimento com tanta gente, algumas excelentes, outras boas, outras sofríveis, outras indiferentes, o ambiente físico-psicológico já é diferente. Vem-nos aí a sensação de que nação pertencimento, de que não somos mais dali e, nesse caso, dá-nos vontade muitas vezes de não lá voltarmos mais a fim de não experimentarmos um certo desconforto, uma certa ideia de que pouco temos mais a dizer. É por essa razão, que amiúde acontece de diminuirmos a frequência de volta ao antigo espaço de trabalho. Na realidade, isso acontece mais do que supomos.

4) A aposentadoria nos obriga a dedicarmos mais horas úteis a obrigações mensais: ir mais a supermercado, banco, frequentar mais vezes o médico em razão do envelhecimento,

5) O ócio devido à inatividade de nossa função principal pode nos deixar mais lento nãos nosso hábitos de leitura, na dinâmica de nossa produção intelectual (se for o caso de um escritor), as leituras se adelgaçam mais e aquela energia de outrora vamos perdendo aos poucos, embora acredite que, com o tempo, e se tivermos plena lucidez, ainda podemos fazer muita coisa útil em nossa á área de atividade . Há poucos dias, li uma longa entrevista do escritor Hélio Pólvora, que está cm oitenta e três anos, e me surpreendi com a vivacidade de sua inteligência e o dinamismo que ainda imprime à sua produção literária, ele que é ensaísta, crítico, tradutor e ficcionista. Exemplos como esses deveriam pautar os que se sentem mais deprimidos com o avançar da idade. A velhice dever ser corajosa, plena de ânimo, a fim de que outros , até menos idosos, possam se espelhar nos exemplos dos mais velhos de atitudes bem mais jovens, tema há pouco abordado na crônica de título “Os novos Matusaléns”, do poeta e escritor piauiense Elmar Carvalho ao discutir os grandes feitos das ciências modernas e sua correlação com fatores determinantes da longevidade;

6) Com a aposentadoria, muitos indivíduos deixam de levar a cabo algumas boas ideias sobre projetos que ainda têm temo de concretizar. Não o fazem por mera indolência, seja intelectual, seja física, o que agrava problemas de decrepitude por falta de de um contínua e disciplinada atividade cerebral;

7) Com certeza, os anos de alcance mais limitados impedem de desenvolvermos certas metas que demandam anos de preparação. Isso nos dá indicativos de que a vida humana bem poderia encerrar possibilidade de continuidade após nosso missão na Terra. Sentimos que, em todos os homens, há uma a consciência de que a nossa obra deixada, nos diversos ramos da inteligência, ficará inconclusa, pois precisaríamos de mais tempo para uma conclusão maior e mais abrangente. São como lapsos de tempo não aproveitado como deviam, ou pela inexperiência e falta de orientação, ou por circunstâncias fora do nosso controle;

8) Outros grandes percalços de que podemos ser vítimas na velhice útil são as doenças da velhice, os achaques senis, a falta de lucidez, como o que está ocorrendo com o famoso escritor colombiano de Cem anos de solidão (1967), Gabriel García Marquez, vítima do mal de Ahzheimer, numa fase de vida que ainda tinha que concluir parte de uma obra que vinha escrevendo;

9) Na aposentadoria, há inegável perda de amigos que se afastam, colegas de infância, parentes, até irmãos. Essas perdas afetivas agravam a solidão dos aposentados e podem causar melancolia, depressão,  angústia. Na vida agitada de nossos tempos, tudo quase contribui para o isolamento das pessoas aposentadas, Os filhos passam a ter suas vidas próprias, seus problemas, seus horários apertados, suas inquietações familiares. A vida, que mais do que nunca, se tornou veloz e indiferente, cuida de pôr mais lenha na fogueira dos desastres da solidão dos velhos na sociedade contemporânea, circundada de tecnologias, de automatismos, de mundos novos huxleylianos, que, irremediavelmente, já se concretizam diante de nossos olhos. Que pena!





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