segunda-feira, 25 de julho de 2011

Visibilidade e invisibilidade em novos e confusos tempos literários

Cunha e Silva Filho


O que é ter visibilidade restringindo-se este termo ao domínio da literatura? Faço esta indagação de sorte que não se confundam várias formas de visibilidade, já que a condição de visibilidade pode se instalar até no submundo da criminalidade, ou das chamadas celebridades do mundo contemporâneo.
O espectro da visibilidade – reconheço - está mais circunscrito às mídias, a formações de grupos acadêmicos e, quando digo acadêmico”, me reporto aos recintos das universidades, geralmente públicas, Lá é onde germinam as sementes que, positiva ou negativamente, se reverterão em sujeitos visíveis que, inter pares, ganharam notoriedade por algum tempo, porquanto notoriedade, fama, consagração são temporalmente conceitos limitados. São situações de projeção pessoal dependentes de momentos culturais históricos e perfeitamente demarcados. São diferentes dos consensos universais apenas restritos a algumas figuras de primeira grandeza na história da cultura e, neste caso, independentes dos humores temporais regionalizados.
O mecanismo dos grupos restritos é que propiciará os eleitos ou incensados. Só que essa eleição grupal sem voto, felizmente, também tem limites e seus valores são relativos. Funciona mais ou menos tal mecanismo sócio-cultural como nos grandes clubes de futebol ou de outros esportes mais em voga.
Se deslocarmos a visibilidade do campo estrito da literatura para outros domínios do conhecimento, notadamente o científico, o tecnológico, aquela visibilidade na literatura se apaga como vela acesa aos poucos se derretendo.
A história literária ocidental – fiquemos no nosso país – ao longo do seu percurso – tem provado suficientemente que a visibilidade tão prezada pelo elitismo intelectual brasileiro contemporâneo não é mais do que uma vã ilusão. Os tempos mudam, os homens morrem, as teorias (muitas) também envelhecem (?) como peças de museu e não mais exerceriam quase nenhuma influência ou utilidade face ao surgimento de correntes estéticas do pensamento crítico de nossos dias. Isso gera crise e impasses que levam intelectuais a, por assim dizer, falarem em morte da crítica literária, morte da poesia, morte do romance e assemelhados. A situação da literatura, em suas múltiplas formas e gêneros, fica tão frágil na atual conjuntura que nem seus próprios cultores parecem diferenciar o que estão escrevendo, se crítica , se resenha, se ensaio. Não paira dúvida de que o contexto literário está diante de impasses para os quais devemos divisar caminhos com objetividade e espírito desarmado.
O mundo contemporâneo se molda pelo tempo presente – sacrossanta era de uma certa ilusão de que o hic et nunc dita conceitos, normas, tendências nos vários segmentos da sociedade afluente e utilitarista, sociedade dos excessos, dos objetos e seres descartáveis. Ao dispensar todas as honrarias ao primado do presente, os fenômenos culturais, em todas as suas configurações de gêneros e estilos, tenderão, em pouco tempo, a provocar mais dissensos e crises do que encontrar uma via de equilíbrio entre a tradição e a contemporaneidade,sendo que esta, de resto, é sempre um termo de abrangência fugidia. O apressado homem do presente semelha um deus de barro mais pretensioso do que aquilo que lhe corresponde ao talento e saber, com seu olhar supostamente altaneiro no que concerne a valores e competências adquiridas em anos de estudos, pesquisas, atualizações de saberes e talento indiscutível.
Cada sujeito da visibilidade possui sua duração mais ou menos com data, marcada. Poucas são as exceções. O tempo do surgimento do sujeito visível se mede dentro da contemporaneidade. Por isso, comumente se reveste de um caráter cronológico. Quando deslocado para o passado, em razão de reavaliações e pesquisas feitas no presente, a visibilidade do sujeito, póstuma como é, tende a atribuir-lhe o devido merecimento. É o caso, por exemplo, do poeta Sousândrade (1832-1902), recuperado aos tempos atuais graças aos esforços dos irmãos Campos. Fernando Pessoa (1888-1935) não teve também visibilidade em vida. Ainda hoje sua obra poética se vai acrescendo de novos inéditos e o valor de sua poesia vai readquirindo novos sentidos de visibilidade e grandeza para os pósteros.

A questão da visibilidade está intimamente também conexionada com o fator negativo do olvido por parte da posteridade. Os movimentos literários confirmam validade e olvido, ou seja, visibilidade e invisibilidade. A chamada tradição literária nunca foi assim tão bem recebida pela posteridade, quer dizer, pelas gerações dos diversos estilos de escrita que a história literária ocidental já conheceu e se convencionou chamar de periodização literária, estilos que sempre se diferenciavam pelo movimento pendular entre razão e emoção, i.e., objetividade e subjetividade, para lembrar as duas tendências da alma humana que remontam aos conceitos de Friedrich Nietzsche (1844-1900) discutidos na obra Nascimento da tragédia ou helenismo e pessimismo (1872).
As vanguardas europeias aparecidas no final do século 19 e continuando até a década do século passado, como manifestações artísticas que adentraram igualmente outras artes, como a pintura, a escultura, promoveram uma radical ruptura das formas de artes literárias, bem como de outras artes, segundo referi acima, pondo por terra maneiras de expressão artística já superadas e que não mais poderiam ressignificar a realidade dos tempos modernos modificados pelas alterações da vida dos indivíduos nos centros industrialização, pelos desastres sociais e econômicos trazidos pela Primeira Guerra Mundial de 1914, pela queda da monarquia russa com a revolução bolchevique de 1917.
As vanguardas, no campo da poesia principalmente, e para o que interesse a esta discussão, foram responsáveis pelas profundas mudanças de índole experimental, substituindo o que se poderia chamar lato sensu de ordem clássica para a “desorganização” estética moderna de visões de vida e de formas de linguagem.
Após o Modernismo de 1922, a literatura entre nós conheceu movimentos de renovação tão amplamente estudados em nossas principais histórias literárias que não seria o caso aqui de historiá-los novamente. Entretanto, cumpre fazer algumas considerações com respeito ao sentido de subversão que eles tiveram para o atual quadro de valores, especialmente tendo em vista que seus autores, nas diversas vanguardas brasileiras, se assim as posso denominar, adquiriram visibilidade graças às alterações formais diante da tradição literária, embora muitos deles hoje retomam uma dicção poética que muito tem a ver com antigos ou menos antigos procedimentos na utilização do discurso poético – espécie de amálgama obtida por incansáveis buscas de exploração do poético em fontes tradicionais da lírica brasileira ou europeia.
A moderna lírica brasileira, em tempos de pós-modernidade, de imediatismo, de alta tecnologia, de bizarrias eletrônicas, da era virtual, da internet, da cibernética, da robótica, do homem-máquina, do vazio individualista – figura um momento de encruzilhada de uma contemporaneidade feita de diluídas fronteiras e de características múltiplas.
Lírica de tempos pós-modernos, de poéticas sem ismos, nas quais o lirismo se sente senhor de suas próprias escolhas, tendências, temas, ritmos e técnicas, porém tendo em vista, na maior parte de sua produção, não perder certos liames da tradição, retrabalhando-a e reajustando-a aos tempos correntes e aos modos pessoais de instrumentalizar a substância – ideologia, recursos formais e técnicas - pela fatura de versos que exprimam os anseios estéticos e temáticos do homem de agora.
Em síntese, a questão do sujeito da visibilidade se oferece, assim, como um desafio mais do âmbito da formação de grupos hegemônicos, compostos do tripé – imprensa literária, editoras de grande porte e de grupos da intelligentsia brasileira recrutados em geral nos umbrais das universidades. Dessa convergência, a que não faltam doses de protecionismo e reserva de mercado, poderão ou não surgir os novos midiáticos da cultura brasileira. Quem, por acaso, estiver fora dos parâmetros mercadológico-elitista-midiáticos desses grupos que se repartem em filiais pelo país afora, estará, pelo menos, para o tempo presente com pretensão de eternidade, relegado à condição de sujeito da invisibilidade.
Superar este óbice me parece tarefa quase instransponível porque, embutidos no emparedamento do sujeito da invisibilidade, existem componentes de natureza idiossincrática, de isolamento, de timidez, de ética individual e de certo enfado existencial que se colocam entre o artista e a arte literária.

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