quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Caminhada

Cunha e Silva Filho



Vou, por uma meia hora aproximadamente, esquecer os problemas graves que está vivendo o velho Egito, a notícia dos novos parlamentares brasileiros, o rescaldo devastador na região serrana, os desconcertos da existência, as notícias dos falecimentos de pessoas estimadas, talentosas em suas respectivas atividades e meter o pé na estrada, ou melhor, na rua a fim de respirar melhor, evitar os dissabores do aumento dos triglicerídeos, da pressão alta, das dores físicas e olhar as ruas de uma quarta-feira de calorão carioca, simplesmente olhá-las com atenção, com carinho, com vontade de melhor conhecê-las, ver o que têm de interessante e de fonte de conhecimento, desse conhecimento só adquirido quando se procura também sair às ruas, ver pessoas, paisagens, em suma, o humano e o construído, o natural e o artificial, o comum e o excêntrico, o interior, se possível, e o exterior, o grito e o silêncio, pois as ruas por vezes são silenciosas, pelo menos em alguns segundos, e esse silêncio me interessa como observador.
O silêncio também ensina. O que os estudiosos chamam de distração muitas vezes não passa de nossos momentos de monólogos interiores, tão produtivos à nossa inteligência, ao nosso pensamento. A nossa memória interior nos conduz, em camadas de imagens e ideias sobrepostas e quase simultâneas a pessoas diferentes, lugares diferentes, tempos diferentes. Num átimo, regressamos ao presente e ao pragmatismo da existência. Esses monólogos são de natureza recorrente e, de alguma forma, complementam nossa existência pessoal. Contudo, na rua, esses estados da memória não podem se estender muito sob pena até de porem a nossa vida em perigo e como disse um conhecido antropólogo, “o perigo é a rua.”
Muitas vezes, moramos em vários anos no mesmo bairro e nunca aprendemos a conhecê-lo de verdade: saber-lhe os nomes das ruas, examinar pelo menos aquelas que mais nos dizem respeito, que estão mais próximas de nós. Conhecer as ruas é saber o que nelas existe. Se são casas, prédios de apartamentos, se são arborizadas – as de que mais gosto -, se nelas há também lojas, pequenos comércios, botequins, restaurantes de diferentes níveis de qualidade. Muitos são os aspectos que podemos considerar sob a nossa visão tentando exercitar as nossas qualidades de flâneur, não com a intensidade e maestria descritas pela pena de Walter Benjamin ( 1892-1940) mas de um simples mortal que sente prazer de ver o que sucede à sua volta e considerando os dois lados da rua, é claro, ou da avenida.
De bermuda, tênis e meias curtas, vestindo uma camiseta esportiva que me dá a sensação de que estou mais rejuvenescido, lá vou eu, com passo mais firme, fazer a minha caminhada pelo lindo e velho bairro da Tijuca. Como é bom respirar em plenos pulmões, “oxigenar” estes segundo recomendava uma médica amiga e ir andando sentindo o gosto da vida, vendo pessoas, passando por abrigos de pontos de ônibus!
Sei que é um truísmo, mas a vida é movimentação, dinamismo, de gente, de carros, de barulhos, de poluição vindo dos canos de descargas dos veículos. Pessoas em toda a parte, principalmente na Rua São Francisco Xavier. Passo pela velha calçada à altura da entrada do Colégio Militar. Dou uma rápida olhadela para a alameda ladeada de palmeiras possivelmente tão centenárias quanto o famoso Colégio. No meio das palmeiras até uma certa distância, o caminho de calçamento abre para um largo com prédios antigos e a Casa Rosa, a Casa de Tomás Coelho, que abriga várias salas com funções diferentes. Numa delas instala o gabinete do Comandante, em cujo cargo fica por dois anos. Não há prorrogação para esta função.
Continuo a minha caminhada. De repente. Uma jovem vindo em direção contrária na calçada na mesma São Francisco Xavier, me interpela: “Senhor, sabe me dizer onde fica a rua Lafayette Cortes? “Sim, continue andando em frente e, na esquina, vire à esquerda.” “Obrigada”, me respondeu com um sorriso simpático e me olhando com seus belos olhos azuis.
Andando e sempre olhando para o que me chama a atenção, resolvo descer mais uma quadra e virar para a rua Almirante Cochrane, uma rua também muito arborizada. Passo adiante de outros prédios de apartamentos, vejo placas e nomes de curso de inglês, a Cultura Inglesa, uma casa de festas; mais adiante, uma Igreja Evangélica e, do lado da calçada por onde estou andando, atravesso de uma calçada a outra e passo por uma espécie de prédio com uma grande garagem. Mais à frente, um supermercado. Para passar por ele, devo com cuidado atravessar uma pista de entrada separando um pedaço de uma calçada para outra. No meio da rua, que é muito movimentada e nos dois sentidos, vejo um relógio digital de rua, no qual só está funcionando a marcação das horas, porém não está mostrando a temperatura, que deve estar em torno de 40 graus. Faz tempo que o relógio está assim.
Não vou até o fim dessa rua. Meu percurso me faz dobrar à direita da primeira esquina, já na Rua Pareto que vai dar numa espécie de largo, separando duas ruas e, em linha reta, iniciando a rua Soares Passos. No final desta, viro à direita e entro na Barão de Mesquita. Já estou pertinho da minha rua.
Muito suado, porque o calor é intenso àquela hora de sol a pino, entro no meu prédio, tomo o elevador e, finalmente, estou em casa. Que alívio! Nada melhor do que uma boa ducha fria para concluir a caminhada. Não terminei ainda: nada melhor do que um copo dágua geladinho para o sagrado esforço da minha caminhada. O dia foi ganho e a saúde, idem.

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