Cunha e Silva Filho
Um rastilho de pólvora parece indicar novos e sombrios rumos para os países árabes. O maior exemplo disso são as recentes manifestações em massa dos egípcios, sobretudo compostas, segundo ressaltou alguém, na maior parte de jovens que, sem prática em questões político-ideológicas mais profundas – porque nasceram em sua maioria sob um regime ditatorial que já dura três décadas – estão, com o sacrifício de suas próprias vidas, se rebelando contra uma série de problemas enfrentados pelo país sem que, no entanto, em tanto tempo de permanência no poder, o ditador Osni Mubarak tenha realizado reformas substanciais na estrutura do país, a começar da mudança do regime político para uma democracia naturalmente há muito aguardada pelos egípcios. Porém, todos sabemos que os ditadores querem morrer no poder, querem se eternizar e não perder, assim, as paradisíacas regalias propiciadas pelos seus cargos.
A História tem demonstrado queditadores, mesmo com o paradoxal apoio de democracias sólidas, como os Estados Unidos, a França, a Inglaterra, não vingaram. Por vezes, demoram décadas, mas se acabam, se exaurem, apodrecem.. Não há nação que, em pleno século 21 – na era das pós-modernidades, das altas complexidades dos meios de comunicação eletrônica, de sistemas de redes sociais planetárias, prontas até a mudar posições e ações governamentais, inseridas até em países de comunicação fechada e restrita - , mais suporte, sem reações imediatas, o autoritarismo dos governos. Povos civilizados e politicamente conscientes não mais admitem que presidentes ou ditadores se eternizem em seus cargos.
Os egípcios se cansaram e querem dar um basta à passividade discricionária do ditador Osni Mubarak. Não é dissolvendo seu corpo de ministros que ele pode, da noite para o dia, melhorar as condições sociais precárias da vida dos egípcios. O buraco é mais embaixo, Prende-se a forma de sistema político. Se Mubarak continua no poder como ditador, quer dizer, enfeixando nas mãos o controle do governo, de nada adiantam mudanças cosméticas. O que muda os destinos políticos de um é país é abraçar o regime de governo democrático, presidencialista ou parlamentarista, com eleições periódicas constitucionais livres e formação de partidos políticos, os quais, com o tempo, irão amadurecendo práticas democráticas e alternativas de partidos no poder. O que não podem fazer é acenar para alguma reformazinha institucional ou relativa liberdade de imprensa, inclusive esta última não pode sobreviver pela metade. Ou existe imprensa livre ou não existe.
O antiquíssimo e misterioso Egito é um país que transpira história com h maiúsculo, com a sua riqueza arqueológica, os seus admiráveis museus, os seus tesouros ocultos, os seus tempos áureos de faraós e das célebres múmias legadas à posteridade, as suas lendárias pirâmides, como a Grande Esfinge, a sua formação de povo com passado conflituoso, com um intrincado e complexo amálgama de antigos povos e invasões múltiplas, de marchas e contramarchas, de colonização ocidental, de sofrimento e de alegrias, de governantes ruins e governantes bons, de monumentos imponentes, da vida turística intensa.
A presença do rio Nilo, atravessando tantas regiões, a ponto de o historiador grego Heródoto ((c. 484? - 420 a. C.) chamá-lo de “dádiva do Egito,” é, pois, parte intrínseca do progresso egípcio, de sua economia, de sua pecuária. Sem o Nilo o país não passaria de uma região desértica e isolada.
Aprendíamos, nos compêndios didáticos, ser ele o mais extenso rio do mundo, sendo o nosso Amazonas seu rival maior em volume d’água.
Por tudo isso, o Egito assim como em outras regiões do mundo, não merece estar passando por esse período tumultuado de governante autoritário e ilegítimo. Seu povo apenas deseja viver com liberdade, com emprego, estudo, saúde, lazer, segurança, que são objetivos concretos e indispensáveis à vida normal de qualquer ser humano no mundo.
Semelhantes ao Egito agitado por manifestações de descontentamento e injustiça social, se encontram atualmente outros países árabes: Marrocos, Tunísia, Jordânia, Arábia Saudita, Argélia, Líbia, Iêmen. Nesses o rastilho de pólvora poderá se estender e gerar consequências desastrosas para o Mundo Árabe, com reflexos diretos e profundos nas relações diplomáticas com o Ocidente e na delicada situação árabe-israelense. Para o aiatolá Ahmad Khatami, diante dos desdobramentos das manifestações anti-governamentais em vários países árabes, essas revoltas que estão pipocando, aqui e ali, bem podem indicar repetição dos mesmos passos que levaram o Irã à revolução islâmica, ou seja, o que ele define como uma revolução com base no Islã, sob a forma de uma “democracia religiosa”.
É bom que se afirme um princípio: de nada vale derrubar um regime ditatorial através de uma “democracia religiosa” que não seja uma real democracia pelo voto livre e sem pressão ou manipulações tendenciosas a um dado partido. Para isso, há mecanismos de fiscalização de órgãos competentes internacionais a fim de acompanharem se existe lisura nos sufrágios. Resta saber se esses órgãos fiscalizadores são confiáveis e não estão a serviço de alguns países hegemônicos interessados num ou noutro partido do Oriente Médio que atendam aos seus interesses transnacionais. Isso é mais complexo do que se pensa.
Fico imaginando o quanto é injusta e inconseqüente a realidade social nesse intrincado tabuleiro de xadrez de países árabes, muitos dos quais riquíssimos em reservas petrolíferas. Seus mandatários, ditadores ou monarcas, vivem o sonho eterno das mil e uma noites, enquanto suas populações, seus compatrícios já há muito enfrentam diversos problemas sociais, além dos de natureza geopolítica, ideológica e religiosa..
Governos com tanta riqueza são, apesar disso, bombas-relógios prontas a fulminar todos entre si, visto que não há governo que, por muito tempo, resista espoliando seu povo ou deixando-o ao sabor do esquecimento e da indiferença. Que se acautelem todos eles a fim de que o rastilho de pólvora não se alastre devastadoramente e sem retorno às prepotências do mandonismo.
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