segunda-feira, 8 de março de 2010

Meu reino por um mercado

Meu reino por um anúncio

Cunha e Silva Filho


Você já imaginaram, leitores, um jornal de grandíssimo porte que tudo faz desde que o “abre-te sesamo” lhe entre nos polpudos cofres? Não importa que alguém tenha alma, tenha espírito, tenha crença, seja ateu, seja velho, moço, criança. O que importa é que seja um objeto de lucro, de lucro insaciável. Com os diabos os valores morais, éticos, intelectuais, o passado, o currículo de alguém, o que tenha feito, o que não tenha feito. Aquilo que se levará sempre em conta será o vil metal, o tilintar das moedas, não patacas, tostões, mil réis, cruzado. Importa, e muito, se for real, dólar, libra esterlina, euro ou assemelhado. Para o cofre! Eia, esta é solução única, desejada, agradecida, bem-vinda. O que estiver fora desse campo magnético, ó maravilhas do presente imediato, do hic et nunc, do certo e líquido, do acertado e combinado e, principalmente, do pago antecipadamente, com dinheiro, cash, cartão de crédito, débito ou outro processo virtual/real desde que encha, encha, encha até a tampa do cofre surdo aos valores metafísicos, aos valores da vida cultural, do passado histórico-literário, da participação outrora de movimentos de mudanças e novos rumos das letras nacionais. De produção criada com a dor do coração ensanguentado, das noites mal dormidos.
Se não estás na mira da mídia, da arte massificada, do pouco-tempo, do estrelato fabricado, vá tirando teu cavalinho da chuva, que nada e ninguém te virão em socorro na vida e sobretudo no além-túmulo. Oh, tristes figuras erráticas do além-túmulo que viveram angustiadas pela espera do sucesso honesto e desapadrinhnado! A memória no país dos Bruzudangas é curta e injusta. Enterra, mesmo quem não deveria ir para o limbo do “never more”. E o faz sem dó nem piedade. Piedade por quê? Não há piedade na náusea humana.
Não há misericórdia para os esquecidos, para os que morrem de fome de justiça, de ansiedades e angústias no nosso meio lítero-cultural ( me perdoem o provincianismo da expressão). São, como certa vez, já disse, os outcasts de Poker Flat. Sim, desterrados e enterrados com o espírito afundado no sofrimento de ter passado na Terra sem ter sido merecidamente recompensado, não em dinheiro ou fortuna de bens móveis ou imóveis, de dividendos, de overnights acumulados e egoisticamente guardados no cofre da perdição da alma, mas recompensados pela virtude do merecimento, dos feitos de ter tornado a vida chã mais fértil em estesias e deslumbramento que só a Arte pode conseguir. Bolas para a alma! O importante é o mercado, o lucro – esse o orgasmo dos milionários. Nada de valores estéticos, os únicos que contentariam o homem de letras que nasceu vocacionado para os embates da criação intelectual.
Sonhaste o sonho dos inocentes, dos que julgavam a princípio que a partida da corrida teria um um happy end. Contudo, happy ends só existem no plano do onírico ou nos filmes românticos hollywodianos, no plano mesmo daquilo que viste elaborado com alma e dor em forma de obras, de livros, de projetos, de êxitos perseguidos e, ao final, naufragados. Teus feitos, para o mundo dos espetáculos e das estéreis efemeridades contemporâneas, sobraram apenas para alguns poucos, para íntimos, muito íntimos ou apenas admiradores formando um pequeno grupo. Tudo o mais desapareceu como aquela embarcação de Moby Dick, ou seja, tudo tragado pela força do mar e da natureza indiferentes à sorte dos mortais. O homem se foi, virou cinzas,. Sua obra fica. Ainda que não seja lida agora, poderá sê-lo em outra época. O tempo é esfinge, surpresa e mistério.

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