Cunha e Silva Filho
Há alguns anos, passando por uma difícil fase existencial e material, recebi de uma colega do magistério uma fita com mensagens gravadas por Chico Xavier (1910-2002) cujo centenário de nascimento se está comemorando agora e com todo o merecimento possível a que essa personalidade humana tem direito. Inclusive, estreará, em abril próximo, um longa-metragem sobre a vida do grande médium brasileiro, dirigido por Daniel Filho e baseado na biografia escrita por Marcelo Souto Maior.
Não me dei ao trabalho logo de ouvir as mensagens do famoso médium brasileiro, cujos poderes mediúnicos cedo percebidos pela família foram, a princípio, tidos como sinais de alienação. Essa anormalidade mental foi logo descartada pelo reconhecimento de que ele não passava de um genuíno médium a serviço da prática do bem social, da caridade e da procura de disseminar o bem como princípio de vida. Chico Xavier,, pelas virtudes e ações demonstradas, passou a ser um líder espiritual que conquistou os corações praticamente do país inteiro. Seu Centro Espírita em Uberaba virou um lugar de peregrinação, procurado por todas as classes sociais, por toda gente que nele procura encontrar a paz e o acalanto para inúmeras tristezas e dores.
Um dia, contudo, coloquei a fita no rádio-gravador e ouvi com atenção o que dizia o médium. Logo no início das palavras de Chico, percebi uma sensação agradável de alguma coisa que me deixava menos tenso, menos pesado. Era uma espécie de onda magnética que produzia em meu íntimo um bem-estar indescritível.Essa sensação escondi-a de todos. Só dizia respeito a mim e só agora estou revelando.
Me recordo que as palavras do médium, se não mudaram as minhas inquietações e angústias, produziram alguma alteração no meu espírito, no meu pequeno e solitário mundo interior. Numa palavra, só me fez bem ter ouvido aquele conteúdo cujo centro de maior interesse ou valia estaria localizado numa forma de vida conduzida com o sentimento do amor, da paz e da felicidade servindo de elementos de contraponto às minhas apreensões e aos meus dissabores diante da existência.
Nunca mais ouvi a gravação. Nem tampouco sei se ainda a tenho no meio dos meus pertences. Possivelmente, possa estar em algum lugar esquecido entre tantos livros e papéis antigos.
Vendo a reportagem na TV comemorativa dos cem anos de nascimento do grande médium, vejo que, entre as informações que colhi de sua vida e de sua obra, há um indiscutível ponto de intersecção que por isso mesmo agora vem reforçar o valor dessa criatura fisicamente frágil, de voz mansa, cuja passagem na Terra representa um marco positivo de possibilidade de se pensar o mundo espiritual como uma dimensão que não pode ser negligenciada. Ao contrário, somente tende a crescer em nós a convicção de que a mera ação prática desse homem, em interação com os seus semelhantes, já lhe permite um lugar sobranceiro no panteão daqueles que vieram ao nosso planeta com uma missão: a de apenas fazer o bem e a de concretizar uma das bases principais do Cristianismo, ou seja, o amor ao próximo, ou, conforme suas palavras, “amar aos outros sem esperar nada em recompensa, apenas amar.” Tal fundamento de humanidade cristã me parece um dos pilares para a conquista da paz entre os homens. Não foi à toa que o nome de Chico Xavier foi uma vez cogitado para o Prêmio Nobel da Paz.
É assombrosa a produção psicografada pelo médium. Somam mais de quatrocentas obras, nas quais o seu guia espiritual Emanuel transmitiu-lhe textos discorrendo sobre temas múltiplos em vários gêneros literários, sem contarmos a numerosidade de mensagens psicografadas no cotidiano da vida do médium.
Sua predisposição como líder caridoso foi impressionante. Sua falta deixou um vácuo. Sua obra assistencial ainda permanece. Sua atitude como privilegiado psicógrafo espiritual concorreu decisivamente para a ascensão da doutrina cardecista no país. Não sei, entretanto, se Chico Xavier estudou e pesquisou a doutrina de Allan Kardec (1804-1869). Só sei que seu trabalho de cunho social-assistencial, independentemente de paradigmas religiosos, merece a admiração e o respeito dos brasileiros.