Acordo ortográfico
Cunha e Silva Filho
Tenho acompanhado com interesse o desdobramento da aprovação definitiva do Acordo Ortográfico celebrado entre Brasil e Portual e alguns países lusófonos, o qual tem gerado uma série de divergências entre escritores, gramáticos, filólogos, lingüistas, políticos e os próprios falantes em geral da língua portuguesa, sobretudo dos países que detêm maior poder de fogo, isto é, o Brasil e Portugal. Tenho lido sobre o tema e mesmo consultando gramáticas a fim de poder tentar tirar conclusões pessoais sobre o assunto. Me lembro de que a minha geração foi escolarizada seguindo as normas ortográfcas de 1943, época em que começou a vigorar o regime ortográfico resultante da Convenção Luso-Brasileira de 1943. As modificações que ocorreram decorrentes de um novo encontro de delegados das duas Academias, a Academia de Ciências de Lisboa e A Academia Brasileira de Letras, em 1945, em Lisboa, denominadas “Conclusões Complementares” do Acordo de 1931, passaram a viger em Portugal a partir de 1º de janeiro de 1946.
As alterações trazidas desse encontro de 45 foram tantas que provocaram protestos de conceituados professores brasileiros como Julio Nogueira e Clóvis Monteiro.Além disso, não vingaram no Brasil, que continuou com a ortografia de 1943. Tal ortografia foi consubstanciada no Pequeno Vocabulário Ortográfico de Língua Portuguesa, organizado pela Academia Brasileira de Letras com aprovação unânime na sessão de 12 de agosto de 1943 sob a presidência de José Carlos de Macedo Soares.
Em pleno regime militar, foi aprovado e sancionado o projeto de Lei Nº 5765, de 18 de dezembro de 1971, resultante também de um parecer conjunto da Academia Brasileira de Letras e da Academia de Ciências de Lisboa, obedecendo ao disposto no artigo III da Convenção Ortográfica selada em 29 de dezembro de 1943 entre os dois países, que dispunha sobre alterações referentes ao trema, acento circunflexo diferencial e acentos circunflexo e grave. As alterações foram, ainda de pouca monta no complexo universo do cipoal ortográfico da língua portuguesa.
Conforme ensina Rocha Lima ( (Gramática normativa da língua portuguesa. 27 ed., Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1986, p. 38), a história da ortografia portuguesa conhece três períodos: o fonético, o pseudo-etimológico e o histórico-científico. O primeiro se situa na fase arcaica da língua portuguesa, indo até o século XVI; o segundo surge no Renascimento e se prolonga até o século passado; o terceiro teve início com a chamada “nova ortografia”, e data de 1911.
É preciso acentuar que, de todas as reformas por que passou a ortografia portuguesa, o que lhe trouxe maior consistência foi o início dos estudos lingüísticos ( a partir de 1868, cf. Rocha Lima, op. cit, p. 39.) em bases científicas realizados em Portugal por Adolfo Coelho e, posteriormente, pelo eminente filólogo e romanista Aniceto Gonçalves Viana, através de seus estudos reunidos na obra utilíssima Ortografia Nacional, saída a lume em 1904. O trabalho desse estudioso foi tão influente que o governo português designou uma Comissão, em 1911, para elaborar as bases da reforma ortográfica portuguesa para a qual foram convidados os mais proeminentes filólogos portugueses de então, como, entre outros, Leite de Vasconcelos, Carolina Michaëlis, Adolfo Coelho, Julio Moreira, José Joaquim Nunes. As pesquisas de Aniceto Gonçalves Viana foram, segundo Rocha Lima, acolhidas com ligeiras alterações.
Ainda no ano de 1911, foi oficializada a “nova ortografia” em Portugal. No Brasil, em 1931, essa ortografia foi também adotada após Acordo celebrado entre a Academia de Ciências de Lisboa e a Academia Brasileira de Letras Nossos melhores filólogos da época, Silva Ramos, Mário Barreto, Sousa da Silveira, Antenor Nascentes, Jacques Raimundo, entre outros, a receberam com aplausos. Esse Acordo, porém, teve curta duração devido a motivos políticos (estávamos no período revolucionário de Vargas). Desta forma, a Constituição Brasileira de 1934 exigiu que a norma ortográfica refluísse para o sistema de 1931.
A proposta atual atende a antigas reivindicações de gramáticos e filólogos brasileiros, como, dentre outros, Rocha Lima, Antonio Houaiss. Na realidade a proposta presente reúne características da ortografia com base fonética combinada com o período histórico-científico. Portugal, Brasil e as antigas colônias portuguesas englobando o universo lusófono, compreendido por Cabo Verde, São Tomé e Príncipe já aprovaram o novo Acordo Ortográfico. Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e Timor-Leste deverão certamente acompanhar aqueles países. A nova Reforma Ortográfica no país fica dependendo da sanção do Presidente da República, estando prevista para 1º de janeiro de 2009.Em termos práticos, contra ou a favor, já nos vamos preparando para o seu uso nas novas publicações respeitando os períodos de carência e outros expedientes protocolares envolvendo o espaço editorial e a mudança que se acena pra os nossos hábitos de escrita.
Me preocupa um pouco a exclusão dos acentos nos ditongos abertos e do acento circunflexo em hiatos formados de vogais iguais, forma gráfica aliás, já utilizada em nossa grafia anterior a 1943, uma vez que sendo fonético o princípio fundamental da reforma, essas mudanças ofereceriam dificuldades a quem está aprendendo a ler e sobretudo a estrangeiros que estão aprendendo o português. Também me parecem tímidas as alterações no emprego ou não do hífen – calcanhar de Aquiles tanto de professores de português quanto de alunos e usuários ou utentes – com se diz em Portugal - da língua escrita. Além disso, reincorpora as letras k, w e y que, agora, passam a integrar o alfabeto, o que me parece uma redundância.
Tenho restrições à extinção do trema nos vocábulos formados de qu e gu, seguidos de e ou i, que podem dar margem a erros crassos de pronúncia mesmo entre falantes de língua portuguesa. Imaginem os estrangeiros... A Reforma é muito restritiva nas suas alterações e está longe de uma reforma simplificadora e abrangente que viesse mesmo tornar mais racional, eficiente e menos
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