Cunha e Silva Filho
Existe alguém que, na sua área, não deseje ser valorizado? Julgo que
não, salvo se tiver vocação para ser santo, cujo desprendimento extrapola
os limites humanos: um São Francisco, um Santo Agostinho, a figura magnífica de
Jesus entre outros da
hagiografia mundial.
Consideremos, por exemplo, a área da
literatura brasileira. Meu Deus, se
pegarmos o volume antigo Análise literária e Noções de literatura, do autor didático, o gramático, Brant Horta, membro da Academia Mineira de Letras que lecionou no Rio de Janeiro português e latim lá
pelos anos trinta do século passado, encontraremos
dezenas de escritores
brasileiros totalmente relegados
ao limbo. E o mais surpreendente é que
são, em geral, autores de
muito valor, jogados às traças
pelas gerações pós-modernas, olvidados,
esquecidos, mortos pela memória
literária da consciência do
leitor brasileiro. Quem por exemplo, já ouviu falar de Artur Lobo
( (1869-1901), Belmiro Braga (1872-1937), Hermes Fontes (1890-1930), Batista Cepelos (1868-1915)
Pardal Malet (1864-1894), Francisco Mangabeira (1879-1904) Monteiro de Barros
(1871-1915) e tantos outros que aparecem no citado livro de Brant Horta? Há sempre, nos
tempos atuais, uma ânsia
pela valorização dos
contemporâneos. Os autores do passado, nos diversos gêneros literários, ainda que levemos em conta aqueles que, durante um tempo, tiveram
alguma visibilidade, estão
soterrados, não diria a para sempre com referência a todos, mas até que um pesquisador de hoje
os descubram e os resgatem.
E não
estamos aludindo apenas
àqueles que chegaram ao
conhecimento dos historiadores atuais, com repercussão até nacional, como o
do piauiense Da Costa e Silva (1888-1950), que procurei,
na minha dissertação de mestrado, analisar e reavaliar cm instrumental
teórico moderno. Há pouco, folheando
um volume, A literatura brasileira através dos textos, de Massaud Moisés, com várias edições, pude
observar que esse estudioso não arrola Da Costa e Silva, nem entre os parnasianos, nem entre os
simbolistas, talvez porque se
limitasse ao que, segundo ele, representasse
as figuras que não poderiam
deixar de ser citadas no
mencionado volume. Por outro lado, no
segundo volume de uma obra em
três volumes, a sua sempre proveitosa História
da literatura brasileira (Realismo e Simbolismo),
Cultrix, São Paulo. 4. ed., rev.e atualizada, 2004, Moisés dedica uma página e meia analisando
a obra do poeta de “Saudade.”
Todas as
histórias literárias são incompletas,
lacunosas e por vezes injustas e, ao
procederem assim, privam
o leitor de entrar
em contato com autores dignos de
reavaliação. Carecemos, em
nossa historiografia literária, de uma obra
que se destine a propiciar uma visão em síntese mas de amplo
espectro da literatura brasileira
de autores contemporâneos que abarcasse pelo menos da última década do século passado até os dias atuais.
Poderia ser um trabalho
coletivo. Uma boa fonte para a
realização de um estudo coletivo desse calibre seria a Ficção brasileira contemporânea, de Karl Erik Schhollhammer
(Civilização brasileira: Rio de Janeiro,
2009. A parte dessa obra, “Bibliografia de ficção apresenta um bom roteiro para o conhecimento dos nomes de autores mais novos.
Por outro
lado, cumpre mencionar, malgrado todas elas apresentarem aquela natureza lacunosa de que falei linhas
acima, tão característica na feitura
das histórias literárias, as mais
amplas pesquisas nessa área feitas por
autores e estudiosos como, por
exemplo, no passado bem recuado Francisco Sotero dos Reis (Curso de literatura portuguesa e brasileira,
em 5 volumes.), ou menos recuado, Sílvio Romero (História da literatura
brasileira, em 5 vols.), José Veríssimo (História da literatra brasileira),Afrânio Peixoto ( Noções de história da literatura brasileira),
Bezerra Freitas (História da literatura
brasileira) Ronald de Carvalho (Pequena história da literatura brasileira),
Artur Mota, (História da literatura
brasileira, em 2 volumes) Antonio Soares Amora ( História da literatura brasileira), Alceu Amoroso Lima [Tristão de
Athayde], Introdução à literatura brasileira, e Quadro
sintético da literatura brasileira),
Massaud Moisés (História da literatura
brasileira, em três volumes) e, na contemporaneidade, Alfredo Bosi (História concisa da literatura brasileira), Nelson Werneck
Sodré (História da literatura
brasileira), Antonio Candido, com a
sua Formação da literatura brasileira, chegando até o Romantismo, Érico Veríssimo (Brazilian
literature), Afrânio Coutinho (A literatura no Brasil, obra coletiva de
inegáveis méritos), Wilson Martins (História da inteligência brasileira, em 7 volumes)
José Guilherme Merquior ( De
Anchieta a Euclides da Cunha – Breve história da literatura brasileira
estudando autores até Graça Aranha.
Poder-se-iam ainda mencionar, dentro da contemporaneidade, De
Anchieta aos concretistas, de Mário
Faustino, A história da literatura
brasileira, de Luciana Stegno-Picchio, historiadora italiana estudiosa de nossa
literatura, que avançou cronologicamente
na síntese interpretativa de autores
brasileiros de 1964 ao início do
século XXI, a A
literatura brasileira, de José Aderaldo Castelo
em 2 volumes, Assis Brasil, com
a sua A nova literatura brasileira, Sílvio Castro, com a sua obra coletiva
em três volumes, História da literatura brasileira, Luiz
Roncari (Literatura brasileira, dos
primeiros cronistas até os últimos
românticos), Carlos Nejar (História
da literatura brasileira, em dois volumes).
O pior,
retomando parte do tema central
destes comentários, no que concerne ao
esquecimento de autores, são os que
poderíamos rotular de regionais, em que o
Brasil é fértil. Cada estado
desse imenso país possui seus autores representativos, desde os de
níveis inferiores literária até os de
boa ou ótima qualidade. Desses uns poucos
alçam voos mais altos compondo o
cânone nacional de
grandes escritores. Essa passagem
de regional a nacional é espinhosa,
muitas vezes injusta e, assim,
grandes autores regionais
tenderão a permanecerem
sempre dentro dos seus limites geográficos.
Entre
os piauienses, contam-se nos dedos os que se notabilizaram nacionalmente: Da Costa e Silva, Félix Pacheco (1879-1935), Berilo Neves (1901-1974) em menor grau de repercussão, Mário Faustino (1930-1962), Assis Brasil,
Esdras do Nascimento. Martins Napoleão (1903-1981) ainda
seria um outro poeta que
poderia, no seu tempo, vingar
nacionalmente, porém não vingou. Um outro escritor,
H. Dobal (1927-2008), poeta de
elevado valor, poderia ter tido maior renome
nacional, mas não conseguiu
plenamente, provavelmente por
falta de maior divulgação. Os dois
últimos moraram fora do Piauí, viveram
um tempo no Rio de Janeiro,
tendo Dobal vivido
também em Brasília, contudo, por
um ou outro motivo,
não lograram, reitero, maior
notoriedade nacional, o que é uma
pena tendo em vista,
reitero, a alta qualidade
do estro desses dois
últimos citados.
A consagração nacional
depende de vários fatores, inclusive
da iniciativa maior de cada autor, de sua
penetração nos meios mais seletivos
da inteligentzia, geralmente
girando entre o Rio de Janeiro e São Paulo.
Essa passagem do regional para o nacional poderia ser melhor analisada
do ponto de vista da sociologia da literatura, de processo complexos
de publicidade, de maior
dedicação ao meio literário
em que atuou nos grandes
centros do país esses
intelectuais.
O autor de
ontem e de hoje sempre se defronta
com uma gama de
determinantes de vária ordem, sobretudo
no meio editorial de nossos tempos. Superar todas essas
dificuldades de ascensão
ao universo literário
brasileiro tornou-se ainda mais
complexo, verdadeira teia de
aranha contra a qual o autor contemporâneo
deve encetar um combate
árduo, competitivo e de natureza
mercantilista por razões que antes
se podem rastrear nos meandros
do marketing e nos nichos inabordáveis do mundo editorial brasileiro.
Diante das perspectivas nada animadoras da atualidade no campo da publicação e do
crescimento do nome de um autor,
imagine-se tentar fazer o resgates de autores antigos que esperam por um verdadeiro milagre do acaso a fim de serem postos
em evidência quanto
às suas qualidades estéticas.
(Texto republicado, melhorado e revisado)
(Texto republicado, melhorado e revisado)
Palavras necessárias, meu caro escritor. Eu citaria outros tantos, que nunca foram pequenos, como Júlia Lopes de Almeida, aos poucos, agora, revisitada pela academia; o que dizer de Hermínio Castelo Branco e a famosa e profunda "Lira sertaneja"? E o nosso Assis Brasil, eis aí um universo.
ResponderExcluirPerfeitamente, Olívia. V. mencionou muito bem a Júlia Lopes de Almeida, da qual infelizmente só li um livro "A falência."(1901).Um abraço.
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