Cunha e Silva Filho
No Brasil, leitor, os desvios do dinheiro público não são casos fortuitos. Estão se torando uma regra ou, para um usar uma expressão do campo da medicina, uma epidemia da gatunagem. Confirma-se historicamente uma tendência nossa essa reincidência em locupletar-se do erário público o indivíduo em baixa ou elevada função administrativa ou de fiscalização, a corromper ou ser corrompido e, para agravar mais o quadro sinistro e mesmo trágico, a não ter receio de praticar a ilicitude diante de outro mal que nos persegue na sociedade brasileira: a impunidade, condição realimentadora da roubalheira, da desídia, da rapinagem, da sonegação de impostos, quer de pessoa física, quer principalmente jurídica.
Com o avanço da comunicação virtual, com as redes sociais, com um mais sofisticado aparelhamento de investigações das polícias, com um logística avançada na obtenção de provas ou pistas que identificam mais rapidamente os malversadores do dinheiro do contribuinte, esses inimigos da coletividade e do bem-estar de uma sociedade mais complexa e muito mais afluente estão, não obstante saberem que, mais cedo ou mais tarde, serão encontrados, contudo persistem, com deslavado cinismo, na prática generalizada, seja no setor privado, seja no setor público, do desfalque, do uso da propina, do superfaturamento e de outras mazelas imorais que estão prejudicando profundamente o Estado Brasileiro.
Diariamente, temos notícias de prefeitos, vereadores, ou de outras categorias da máquinas administrativas federal, estaduais ou municipais. São notícias mais ou menos nestes termos: “O prefeito da cidade tal fugiu levando todo o dinheiro da prefeitura, ou seja, dos contribuintes.” Esse exemplo serve apenas de metonímia para denotar todo um estado de putrefação da vida pública brasileira. Tal realidade só tem parelha com a criminalidade em nossa sociedade que já constitui, segundo as estatísticas, 10% da criminalidade mundial. Leitor, este nível de violência é catastrófico, porquanto configura uma estado de semelhante a guerras civis.
Teria solução esses dois grande e gravíssimos problemas que enfrentamos no país? Sim, teria e o vilão maior está encravado na forma de legislação penal brasileira, no nosso Código Penal e nas inúmeras e graves formas de punir erroneamente nossos criminosos e nosso larápios de todos os níveis sociais. Há poucos dias ouvi na Televisão a notícia - que desrespeito ao nossos povo!– de que a Justiça irá libertar uns trinta mil sentenciados só por causa do Dia dos Pais!Onde é que estamos? Que absurdo é esse? Parece até mais um exemplo de pós-verdade. Entretanto, não é.
Essa excrescência de tornozeleira eletrônica para preso domiciliar é uma acinte à inteligência do nosso povo. Prisão domiciliar, tornozeleira e outros penduricalhos não passam de práticas enganosas para não prender mesmo facínoras, corruptos e ladrões. Esses artifícios engendrados por não sei quem ( e desconfio que veio por mimetismo externo, por mera imitação de mentalidade colonizada) não surtem nenhum efeito punitivo algum. Muito ao contrário. Onde é que se viu esse recurso de prisão domiciliar?
Para mim, prisão é na penitenciária de segurança máxima, xilindró, cadeia, sol quadrado, cana mesmo, não formas lenientes de tratar bandidos e patifes de colarinho branco ou traficantes e criminosos hediondos. Deixem de tanta hipocrisia e tergiversações, de postergações que escondem evidentemente o horror de serem atingidos por penas rigorosas valendo para ricos e pobres, e, ao contrário, expurguem essas brechas e recursos e mais recursos “legais” de bandidos a fim de amenizarem longos anos de prisão que deveriam ser cumpridos literalmente, na íntegra. Não podemos viver mais na base dos recurso escusos dos meirinhos da época de Dom João VI, tão bem descritos pelo romancista Manuel Antônio de Almeida (1831-1861) no admirável livro Memórias de um sargento de milícias(1852).
Gatunagem e violência se entrelaçam, são irmãs siamesas, são farinha do mesmo saco. Veja um coisa: corrupção política é uma forma de violência e, como tal, tem que ser tratada a ferro e fogo. Enquanto no país persistir a terrível e abominável desigualdade de tratar criminosos e de todas as formas, quer dizer, amaciar os ricos e brutalizar os pobres e negros não haverá justiça entre nós.
Leis duras e efetivas, sem brechas falaciosas e espúrias, verdadeiros atentados contra a ciência do Direito, é do que precisamos com urgência urgentíssima, leitor. Não são para o futuro não. Têm quer aprovados para o presente, o hic et nunc. O tempo tríduo de que falava Gilberto Freyre (1900-1987). Do contrário, seremos engolidos pela violência tsunâmica pela rapinagem epidêmica, pelo desmoronamento do Estado e, por tabela, pelo caos social e financeiro, já dando inequívocos sinais de exaustão.
Não é somente o eixo Rio-São Paulo que está sofrendo na carne as consequências da alta criminalidade, É o país todo, a Federação inteira, aa cidades e os campo, assim como é nacional o gritante problema da rapinagem no setor público e o mal vem de longe, conforme já assinalei no início deste artigo. A literatura brasileira já tem registrado todas essas mazelas sociais em obras ficcionais de grande qualidade artística. Da mesma forma, o teatro, as novelas de televisão, até os programas humorísticos. Não vale somente afirmar que a história brasileira sempre foi assim desde o Brasil Colônia, ou no primeiro e segundo império, ou na República Velha, Nova ou novíssima.
Posições como estas só avalizam males crônicos brasileiros, como se tudo isso fosse natural e uma fatalidade da nossa gente. Não. É tempo de enfrentar mudanças corajosas, sem hipocrisias nem enganações ou ensaísmos eruditos, acadêmicos, lidos só para iniciados. O país precisa é de pé no chão, de vergonha na cara, de refundação moral, de homens dignos na presidência da República, na Câmera dos deputados, nos governos estaduais e municipais, nos Ministérios, no Judiciário, com igualdade de poderes, sem baixos cleros, sem delongas macunaímicas nem bruzundanguices. A imagem do Brasil não pode ser mais arranhada do que já está. Mudanças morais são necessárias na mentalidade do povo e dos governantes.
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