Tudo é fugaz neste mundo.
Machado de Assis, Memorial de Aires
Cunha e Silva Filho
Não sei se já escrevi sobre o que vai adiante, leitor. Não tenho certeza de que o tenha feito Mas, vá lá. Deixemos que essa mania de tanta racionalidade sobre a exatidão das coisas do passado seja posta de lado. Ainda tenho felizmente o presente diante de nós, posto que um presente sentido diferentemente, sem - é claro - mais aquela naturalidade avoenga, aqueles períodos já “idos e vividos,” nos quais, com marcas e fronteiras aproximadas ou mais ou menos aproximadas e indistintas, vivia-se um mundo interior sem sobressaltos quanto às dores do tempo, pois o tempo não nos ameaçava com rótulos negativos nem preconceitos implícitos ou explícitos sobre o passar do tempo e a visão amedrontadora da sua fugacidade inexorável que, vez por outra, nos assalta e nos faz sentir toda a sua imensa realidade e temores.
Eu me lembro bem daquelas noites ou mesmo tardes em que, sozinho, na rede, no quarto meio escuro, me via perscrutando o destino de um adolescente que sonhava e sonhava. Eram um imensidão de sonhos, de visões futuras, de fatos, acontecimentos, vitórias e fracassos. Não chegava a ser uma visão dantesca. Porém, vinha em borbotões, sem espaço nem tempo definido. Só sei que se voltavam para os tempos futuros, para o lugar do destino, de algo que poderia ocorrer, de então a cinquenta anos, por exemplo. Sonhava e sonhava. Ninguém me importunava naqueles sonhos do futuro, assentados numa ponto que, excetuando acidentes naturais, haveria de vivenciá-los ou não.
Aquelas vigílias eram reais. Eram sonhos, imagens indistintas, visões em potência que me punham naquele estado de espírito afastado da realidade lá fora. Como fenômenos eram possibilidades, fatos que poderiam acontecer mas, no futuro, poderiam ser diferentes dado que a visão do passado se misturava com a capacidade de imaginação do futuro. Nada, creio eu, aconteceu conforme aqueles sonhos imaginados, desejados, profetizados no mundo da imaginação e da exaltação adolescente.
Mas quem disse que não temos, em cada década de vida aproximadamente, a apreensão algo dolorida dos sinais do tempo? Ou eles são provocados pelos outros, ou, por vezes, sobre eles refletimos num átimo como se o tempo nos estivesse lembrando de nossa condição temporal e do seu fluir. ”Professor - me disse muito tempos atrás, um aluno a propósito de um assunto relacionado ao tempo, à minha idade – o tempo está passando.” Apenas sorri contrafeito para ele. Em casa, fiquei pensando no que o aluno me dissera. Deixei pra lá. Eu tinha somente vinte e oito anos. Tinha o mundo pela frente.
Mais ou menos pela mesma época, escrevi um artigo de título “O primado do instante,” publicado no jornal Estado do Piauí. Era um artigo de crítica à importância exagerada que se dá ao presente. Falei do tempo tríbio de Gilberto Freyre (1900-1987), e de outros aspectos desfavoráveis dos adoradores de tudo que seja ligado ao presente (passado na época) e, hoje, futuro.
Numa apostila de inglês que preparei nos anos 1970 para o Curso Policultura, curso preparatório aos exames do antigo Artigo 99 e vestibulares, situado no simpático bairro da Penha, abordando as preposições inglesas, escrevi a seguinte frase: “ I shall be an old man in the end of the XX century.”("Serei um velho no final do século XX."). Só agora percebo que havia exagerado na compreensão da minha idade, porquanto, no final do século XX, eu estaria apenas com cinquenta e cinco anos. Veja-se daí que um jovem de vinte e cinco anos, tempo em que estava trabalhando naquele curso, pensava que um homem de cinquenta e cinco já fosse velho. Agora, penso no quanto estava errado. Ah, mocidade apressada e irrefletida nas suas declarações!
Uma vez, antes de completar trinta anos, fiquei na dúvida se iria fazer vinte nove ou trinta. Senti o sinal do tempo. Eu estava em Teresina a passeio. “Meu Deus, vou completar vinte nove ou trinta?” A dúvida me atrapalhava a memória e a lucidez por instantes Será que era porque percebia que já me abeirava dos trinta e, que, pela primeira vez, a ideia da fuga do tempo me exasperava? A confusão durou apenas, como disse, questão de segundos.
Costumo afirmar que não gosto do tempo, no que sou contrariado pela minha esposa, que, ao contrário, é uma grande amiga do tempo. Sua defesa do tempo é bem simples e bem racional: “ O tempo é meu amigo, ele iguala todos. Não escapa ninguém e ninguém o engana,” sentencia ela com ares de pensadora. Ela se refere à questão das mudanças físicas do indivíduo, mudanças que tanto abarcam os ricos quanto os pobres, as mulheres bonitas e as não tanto. “Nem a plástica consegue detê-lo,” conclui ela. A plástica tem seus limites após os quais nada se pode mais fazer. O tempo, então, se recompõe e toma o seu rumo normal, a não ser que viremos todos um Dorian Gray da vida, com todas as consequências de que se tem notícia. E que consequências, que Deus nos livre!