sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

ENTRE O "CÉU" E O "INFERNO"

                    


                                                                                     Cunha e  Silva Filho

   O mês de dezembro transcorre com duas comemorações de grande importância no calendário ocidental: o Natal e o Ano Novo. Na primeira, celebra-se o nascimento de Jesus Cristo, fundamento do cristianismo; na segunda, festeja-se a abertura de um novo ano  deste segundo milênio. Ambas as datas mexem muito com os nossos sentimentos, nossas emoções,  nossos  desejos,  nosso empenho de confraternização, de novos projetos,  como se fora mesmo   uma nova  vida, com uma expectativa de que seja melhor do que a do ano  que se finda. 
   No mundo globalizado, mudanças se fizeram  com as comunicações  relacionadas ao cumprimentos de Natal e Ano Novo: em vez dos consagrados e tradicionais  cartões de Natal sempre combinados com  os votos de um Feliz Natal e Feliz  Ano Novo,  os quais  estão praticamente   fora de circulação, vindo a diminuir  a venda de cartões  e  os gastos com  o envio  pelos Correios,  entraram  em cena as redes sociais, quer pelo computador, quer  pelo celular ou  outro aparelho do universo  virtual. Acredito que vieram para ficar.
   Aqui me lembro de, nessas datas, procurar os endereços das pessoas queridas nas agendas ou em outros lugares já um tanto  esquecidos  a fim de, nos novos cartões, passar um bom tempo, ainda que cansando a munheca,  escrevendo à mão mensagens criadas no  instante da escrita, pequenas, médias e longas em tom  afetuoso  e até mesmo  lírico, dependendo do grau  de maior ou menor  amizade. Entretanto,  posso afirmar que os velhos cartões de Natal e Ano Novo  ainda me deixam um travo de  saudade. O lucro dos Correios sofreram prejuízos  com  a quebra do hábito  dos cartões. As mochilas dos carteiros  perdera  também peso.
    O leitor, até aqui,  deve estar se perguntando ou me perguntando se tudo o que escrevi  acima tem a ver com o título desta crônica. Tem e o fio do novelo  se concentra em  volta dos festejos natalinos  e do novo ano, 2018. Explico-lhe a seguir.
   Já há algum tempo  venho repisando que a realidade  social brasileira persiste em ser múltipla  e resistente  a mudanças para melhor. As modernidades (Eduardo Portella)  continuam fortes e firmes. Nenhum sinal  de melhoria da estrutura  do Estado brasileiro. Ao contrário,   na essência,   permanece como sempre esteve  e ainda pior nos últimos anos   para quem  toma consciência do que  acontece no país  em setores vitais   a uma Nação que não  se corrige, porém  mantém-se sólida na resistência férrea de dividir  o  bolo de suas riquezas  com o povo, rigidamente  clivado em  classes que vão dos milionários – uma minoria  a quem cabe  as benesses e o paraíso brasílicos -,  aos miseráveis e analfabetos  que  chafurdam no lodaçal  dos barracos  sujos e fétidos  das favelas dos morros e dos casebres insalubres tanto nas grandes cidades quanto  no interior do país.  Ou seja, os pobres continuam  pobres e os ricos se tornam ainda mais ricos segundo o binômio concentração versus  miséria, agravado ainda  com o pior  problema que enfrenta a sociedade, o da violência galopante e sem precedente  tomando conta  do território nacional e sem perspectiva de solução. A esses problemas  se adicionam a ruína  da saúde pública, a falência de alguns estados  brasileiros, sendo o pior deles o do Rio de Janeiro e, para complementar o quadro  da tragédia,  a corrupção deslavada  no seio  da política  brasileira.
   Ao falar de “Céu” e “Inferno” quero  aludir  ao descompasso  do cotidiano brasileiro  multifacetado, i.e.,  o país  dispõe de  vantagens  e privilégios para alguns  assim como  de agruras   e sofrimentos para outros. Para os senhores do poder,  até parece que   nada de ruim   acontece  com  o povo. Estão indiferentes  no aconchego dos palácios das mil e uma noites de prazeres  e regalias desmedidas.
  Sabedor da índole  pacata  desse povo,   o governo federal, vai amansando   a população,   liberando  um beneficiozinhos de quando em quando e, assim, vai amortecendo  possíveis  atritos  sociais, administrando  subliminarmente  reações de indignação, manifestações do populacho controladas por pão e circo: futebol,  carnaval,  shows musicais e programas  de terceira linha  dirigidos  ao povo.  
  Ora, diante  da riqueza de poucos essas migalhas sociais   nada custam aos cofres  públicos,  principalmente  porque tudo o que o governo  libera vem  do bolso  do contribuinte,  do mais humilde ao mais  aquinhoado  financeiramente. Agora, realizar  uma redistribuição   de renda em escala nacional, taxar os grandes capitalistas,  isso nunca. Mais valia e reserva do mercado são determinantes  na manutenção    concentracionária.  
   No “Céu” estão as mansões, o consumismo  desenfreado  dos endinheirados, os melhores planos de saúde, os melhores hospitais,  os melhores transportes, os mais ricos alimentos, as bebidas mais   refinadas,  as festas pantagruélicas, a suntuosidade,  o perfume,   as roupas, calçados  e bolsas de grifes, as viagens  maravilhosas,  os melhores hotéis,  balneários, o bem-bom dos potentados.
   No “Inferno”,   o desemprego,  o transporte deficiente, a moradia sem  saneamento  básico,  os bairros periféricos e humildes  ou  os barracos das favelas, a falta de assistência nos hospitais  públicos,  a ausência de planos de saúde, as escolas  sucateadas,  as universidades  falidas, os professores com  salários atrasados, os policias  com baixos salários e armas  inferiores aos dos  traficantes. Os doentes pobres morrendo  por falta de atendimento  médico, de remédios,  de equipamentos médicos, de vagas no hospitais.
   No “Céu,” a elite política, o nepotismo,   a herança política de pai a filho  ou neto, parentes e aderentes,  os dignitários do governo atual, escolhidos não por competência mas sobretudo  pelo aulicismo da  politicagem tacanha,  os ministros autoritários  com decisões   tomadas com mão de ferro semelhantes ao que  ocorre nas ditaduras escancaradas,  os polpudos salários,  as mordomias, a impunidade,  o foro privilegiado,  a compra de votos vultosos de parlamentares para manter o presidente da República no seu cargo,  o indulto  presidencial  a ladrões do  Erário Público e criminosos hediondos,  os corruptos  passivos e  ativos, a alegria da burguesia festeira,   carnavalizada,  indiferente  aos desfavorecidos  no país de crônicas  injustiças.
   No “Inferno,” a caixa de Pandora aberta por Epimeteu, os sem-teto,  os moradores de rua, os esquecidos, a ralé,  a patuleia,  a arraia miúda, cega (por ignorância) aos grandes problemas  nacionais,   cega ao dar o seu voto aos mesmos canalhas   que se  perpetuam  na politicalha  brasileira como se fossem  donatários de capitanias  hereditárias.
     Até nas prisões continuam as regalias  e os arbítrios em favor  das ratazanas que,  ao serem  premiados com  tornozeleiras eletrônicas (isso é uma comédia de erros, nome  técnico de uma aparelho  importado e imitado  para encobrir  as brechas da Justiça  em terra de  peculatos e  tranquibérnias de políticos e empresários  venais) vão para suas mansões de  marajás.
    Oh, como é bom  ser rico e ganhar o “Céu” no Brasil!  Enquanto isso,  o “Inferno” no país   se enriquece de  balas perdidas, de traficantes, de drogas,   de feminicídios,  de estupros,  de assaltos  e mortes  abomináveis, de governantes ladrões,  de impunidades, de progressivos  benefícios  a criminosos,  de prisão condicional, de brechas  da Justiça, de  indultos para marginais pobres ou de colarinho branco.  No país persiste,  insiste e não desiste o convívio  imposto entre a Casa e a Senzala, entre o senhor  e escravo.
   O mais curioso é que o  país é idiossincrático,   quase inexplicável    porque as coisas  aqui   acontecem    entre a bonança  e a fome,  entre o que funciona e o que  está  arruinado,  entre a favela e o luxo,  entre o luxo e o lixo;
   Dizem que a economia vai bem melhor do que nos últimos  anos. No entanto,  os alimentos  são caros,  a  comida é cara,   a vida é cara,  os remédios são caros, a moradia é cara,  a saúde,  via planos, é cara. Em suma, o Brasil é uma “Serra das Confusões” que, pontualmente,  parece  estar  melhorando, mas, na verdade,  no geral,  está muito mal, sobretudo  na imoralidade política,  que é corrupta, cínica e autoritária,  adjetivos que são necessários repetir ad nauseam.
    Alguém afirmou e bem que  não adianta  ter-se uma economia  dando   bons sinais de retomada do crescimento se a sociedade  múltipla e desigual  vai  muito mal,  quer dizer,  se  os ricos  tornam-se mais ricos e os pobres e miseráveis  continuam   marcando passo num ritmo secular  e inexorável. Para terminar,  esta crônica de antípodas  convém  repetir uma expressão usada por um ilustre  ministro do Supremo, Roberto Barroso: o Brasil é uma  “tragédia de corrupção.”
    Ou por outra: o país, no campo da má justiça,  não passa ainda, mutatis mutandis,  da mentalidade  dos meirinhos do tempo del-rei  Dom João VI (1767-1826) genialmente descrita   e narrada no romance Memórias  de um Sargento de Milícias (1854-55) de Manuel Antônio de Almeida (1830-1861), capítulo 1,  ”Origem, Nascimento e Batizado”  ou   daquela cena  tragicômica, capítulo 8,  de título “O Pátio dos Bichos” da guarda palaciana  do reinado joanino, cena  esta exemplar  do que seja o sistema  de segurança na mãos dos velhuscos oficiais dorminhocos e tagarelas, vítima das chacotas de eventuais transeuntes e até dos soldados subalternos  que se divertiam  a valer  com a cena hilariante  e de alta comicidade. Essa alusão que faço ao romance  picaresco-malandro-carnavalizado  de Almeida sempre me vem à baila   quando  penso nos males crônicos  do país.
  

   

terça-feira, 19 de dezembro de 2017

UM BRASIL E UM NATAL DE 2017 PARA CADA UM



                                                                      Cunha e Silva Filho



            Assim como, leitor,  já se afirmou  uma vez  que  não há Brasil mas brasis (essa foi a impressão que meu  pai teve quando  foi,  em 1968, participar de um Congresso  de Jornalista em  Porto Alegre, viagem  que  lhe rendeu um artigo  “Dois” Brasis”) tomando como  comparação a divisão entre Sul e Norte, podemos dizer que o Natal se divide em natais. O que quero  significar  com  esta divisão? Simplesmente que o nosso país,  continental como é,  oferece de tudo, todavia de forma errada e caótica: minoria  extremamente  rica e detentora da  riqueza  financeira  e outra parte subdividida  (“dividir para reinar”) em classes médias difusas. pobreza e miseráveis, tão miseráveis que nem tantos anos de Bolsa Família conseguiram  resgatá-los dessa  desumana posição.  Em país  socialmente injusto  tal qual o nosso, é de  se esperar   tamanha  diversidade  negativa   de bem-estar  de sua  população espalhada  em seu território.
         Daí o sentido principal  deste artigo: o Natal múltiplo, cujos extremos mostram   a riqueza dos poderosos cada vez  mais concentradores e gananciosos a todo custo   do bolo econômico e o Natal dos despossuídos, da fome, da ausência total  em  todos os setores da atividade humana: moradia, saúde, salário,  alimento, direitos  sociais, lazer, em suma,  um quadro  de tragédia  humana coexistindo no mesmo  espaço geográfico  da Federação. Realmente,  não dá pra  elogiar  os tempos de Natal, sobretudo dos últimos anos  e,  em especial, dos – vamos usar um termo em moda para referir-se ao  tal governo Temer -  “desmandos” do PMDB provocados  e projetados ao futuro  por essa sigla  que causa  calafrios nos brasileiros   conscientes da situação  política de agora.
         Como daria certo um  partido, no início  da ditadura,  foi  criado  para  servir  de oposição  seletiva  ao regime  de arbítrio? Como se confiar numa  partido  que  se compõe de um   quadro  ministerial   tão insignificante    em competência e em valores humanos e intelectuais ( com exceção do ministro da Fazenda)?  Como se confiar  nas intenções,  promessas e ações num governo  federal  em que alguns  membros do  poder  estão sendo investigados  pela  Lava-Jato?
        Se o que o atual governo federal  alega   que encontraram  o país arruinado  nas finanças e  em outros  setores e, para  solucionar  tão gravíssimos  problemas,  vai  cobrar do bolso já por si  esvaziado do brasileiro  os milhões e milhões de falcatruas e  roubalheiras  dos assaltos  ao Erário Público, não seria  tal  atitude  injusta e perversa? Que culpa tem o brasileiro  de que  governantes  mancomunados com  o alto empresariado  tenha  realizado a maior  esbórnia   de desvios  do dinheiro  do Estado  brasileiro? E mais: por que  penalizar   o nosso  povo, os funcionários  públicos  com essa história  não bem contada de  reformas   trabalhistas e sobretudo de reforma  previdenciária, invocando o instrumento  isonomia   de teto  de aposentados privados e públicos  quando se sabe que isso  é um projeto  descaradamente  injusto?
         Acreditaria nessa  paridade  de teto  máximo  igual para todos  se a aplicação dela incluísse tanto  os , digamos,  senadores,  deputados, juízes,  desembargadores,  presidente da República,  enfim, todos  os  que, hoje em dia,  usufruem  dos supersalários,  acúmulo de três ou quatro  aposentadorias e outras   vantagens  que  são, em muitos casos,  muito  maiores do que os já altos  salários que  percebe essa elite dos Três Poderes.  Se não fizerem  isso,   uma reforma  previdenciária  como a que foi adiada para fevereiro  seria um monstro  de injustiça  e ilegalidade  no tratamento    das aposentadorias.
    Obviamente,  não  quero  tampouco ser  contrário a uma melhoria  dos aposentadores da Previdência Social  que, por longos anos, têm sido  injusta  com os trabalhadores da iniciativa  privada. No entanto,  ao dar paridade de salários de aposentadoria  aos funcionários  públicos que têm, na maioria de seus quadros,   pessoas   de alta competência e   dedicação  às suas funções, sejam  equiparados   indiscriminadamente   com  outros funcionários  do setor  privado.
     Por outro lado,  se houvesse  mesmo  isonomia para todos, do alto da pirâmide à base da pirâmide, eu poderia  acreditar  em justiça  social  no país. Esses argumentos  em defesa da isonomia  são tão  insustentáveis até para um leigo que  mais me parecem   estar o governo   elaborando num  mundo  surrealista, sob o comando  de um presidente  que, sem ter  sido eleito,  deu na veneta de resolver  os magnos problemas   do Brasil  à custa dos  enormes sacrifícios  da sociedade.
    Se com  esse tipo de reforma previdenciária   os donos do poder de plantão estão pensando  em artifícios e estratégias  a fim de  angariar  vitória  nas eleições do PMDB e seus  asseclas e aliados em 2018,  o que  pretendem  não  vingará  mesmo, uma vez que o povo  não está mais assim  tão  imbecil  politicamente  e não dará  respaldo a um partido   que se caracterizou  por escândalos  e desgovernos ao longa da história política  brasileira.  
    Há algo que sempre me intrigou no cenário  nacional: os analistas  econômicos, com a frieza  que lhes é peculiar, de braços dados com   a mídia em geral tendenciosa à direita,  se comportam como uma imenso séquito neoliberal  de cooptação   da vida econômica  e não veem  que,  no miúdo,  o quadro  não é tão panglossiano assim como estamos vivendo  no país. Que o digam os menos  favorecidos e as donas de casa. Se alegam  que  está havendo  retomada do crescimento,  esse fato  não se pode  negar naturalmente,  Entretanto,   os analistas  tendem a ocultar  o lado  que não lhes interessa   revelar, o qual  inclui  a continuidade  de aumento  dos preços, dos alimentos,   dos remédios,   dos planos de saúde,  dos  aluguéis,  dos condomínios, tarifas públicas, entre outros itens  que poderia   citar.
    Só lembro a esses comentadores  da economia brasileira que  o país  não vai bem se apenas  crescem suas exportações, ou diminui  sua recessão.  Um pais pode ser  rico  - veja os EUA – e,  no entanto,   ter grandes  problemas  sociais, pobreza,  violência,  sistema de saúde pública  precário, ensino caro em nível superior. Um país só é feliz  se  a sua riqueza for melhor  distribuída (e não é o caso  brasileiro) se a educação, saúde,  transportes,  segurança forem aprimoradas, se seu  povo  for civilizado,  sem preconceitos  de  qualquer natureza,  unido, solidário e, last but  not the least,  se  seus governantes forem probos e   benquistos  pela sociedade.
    Aproveito este espaço para desejar, do fundo da minh’alma, um Natal  humanizado, com paz,  saúde, alegria e bem-estar geral. Feliz Natal em 2017, leitor.⁢
     







terça-feira, 12 de dezembro de 2017

ONDE ESTÁ A VERDADE DA POLÍTICA BRASILEIRA?




                                                               Cunha e Silva Filho


         Eis uma pergunta  bem difícil de responder. Se o leitor me  perguntar sobre ela,  dir-lhe-ei que só o vento  poderia  me dar. Entre os eleitores potenciais, sei que deles não receberei senão respostas evasivas, indiferentes a candidatos,  indiferente a partidos. Votarão por votar, votarão como se fossem  a um show de música funk, ou sertaneja, ou a um show de um  velho  roqueiro estrangeiro, ou ainda a uma roda de samba. De um  eleitor aposentado e que já ultrapassou o limite obrigatório de votar, receberei, pelo menos, duas respostas:  Primeira,  que  irá votar  por ser um cidadão  que  quer o bem  do seu país, que vai  votar para  “exercer “ o seu  inalienável “direito”  de cidadão  comprometido  com os destinos do Brasil; segunda, que sempre há um candidato que melhor convém, quer para presidente da República, quer para outros mandatos.
      Acho que foi um sacerdote que, numa homilia,  incluiu uma afirmação de natureza  política: “Votem no melhor.” Foi numa missa  pela televisão.  Lembro-me  de que, na época,  minha  esposa aproveitou a ocasião para se perguntar: “Mas quem  é o melhor?” Para o padre,  para o telespectador,  para os fiéis da missa ou para quem?
    O melhor, no meu entender, pressupõe uma opção ideológica. O melhor é pura  subjetividade de quem   o diz e o melhor, para mim,   pode até não ser nenhum candidato  dos que estão em campanha. O melhor, quiçá, não seja tampouco  para você, leitor, nem para outros e outros e outros.   Daí, a dificuldade  de se saber  em quem  votar. E a dificuldade ainda  aumenta no atual  e tumultuado  momento  da vida política brasileira.
     Durante anos a fio,  após o Segundo Reinado (1840-1889),  quando  a República Velha (1889-1930) assumiu as rédeas do governo,  instituiu-se  o voto de cabresto, fruto do  mandonismo,  coronelismo   rural  que exigia  o voto aberto a fim de que  o pobre  subjugado sufragasse  o nome   do candidato  exigido pelos “coronéis”  do latifúndio. Desse voto  de cabresto ao voto  eletrônico,  a mesma cantilena  se ouviu  de eleitores e de políticos: as promessas de campanha, as brigas entre partidários  adversários,  entre políticos e políticos segundo o surrado binômio situação-oposição de tal forma que se  estabeleceram  duas “verdades,”  as quais, para simplificar, seriam, nos extremos: direita e esquerda. 
      Essa mesma cantilenea hoje foçi substituída  pelo  exibição da propaganda eleitoral na televisão  que não passa de uma forma  ridícula  e falaciosa  de  oportunista  desejosos  de  entrar ou se perpetuar  na vida política. Hoje, está mais sofisticada com  os avanços da mídia e dos meios eletrônicos, cujo exemplo mais   degradante   foi o surgimento, durante as campanhas políticas, dos chamados marqueteiros,   profissionais da publicidade que, em muitos casos,   se tornaram  milionários à custa do farto  dinheiro  distribuído   não só pelo governo  como  pela via mais   criminosa, que é a prática  ignominiosa da propina, da  corrupção ativa  e passiva, do  conchavo  entre  grandes empresários e políticos inescrupulosos, conforme sobejamente  demonstraram  as  denúncias e as investigações   da LavaJato  na caça aos maus políticos e aos  empresários   mafiosos.   
     Nas velhuscas campanhas  do  interior  do país,  a sociedade civil se  bifurcava em duas vertentes antagônicas e ao mesmo tempo   pertencentes à elite local, em geral duas famílias tradicionais que dominavam  a vida  política num jogo de alternâncias de poder   que perduravam  por longo tempo até que   o outro partido  conseguisse assumir  o poder. E, assim, foi por um longo período da  vida nacional.  As refregas eram tão violentas que,  por vezes,   se cometiam de ambos os lados  crimes  entre essa famílias. Quando  não,  os donos do poder  não se falavam,  nem admitiram  que   seus filhos se casassem  com  filhas de adversários  políticos. A política era,  um fascínio  e ao mesmo tempo uma tragédia. Até os adolescentes, como  foi  exemplo, o meu pai,  jornalista Cunha e Silva (1905-1990), em Amarante, Piauí,  discutiam  política,  em debates  inflamados, cada parte  se sentindo  dona da verdade.
    Cronologicamente,   esse fatos  ocorreram, no século passado, dos anos 1910 aos anos  1950, aproximadamente,  incluindo, o tempo  do Estado Novo (1937-1946) mas com uma política local    vivida  sob  tutela da ditadura  Vargas e, portanto,  com todas  as especificidades   inerentes a um período de exceção. Pesquisar esse longo período da vida social brasileira voltada para a prática política no  interior dos estados brasileiros constitui um inesgotável  e extensíssimo  campo de investigação digno  da atenção de  cientistas políticos e sociólogos.
     A dimensão  política  era indissociável  da vida quotidiana  daquelas sociedades   passadas e mesmo  poderia   afirmar que a intensa  vida política  do interior era, por assim dizer,  o locus   mais  adequado  para se aprender   o jogo  político  entre as pessoas, de adolescentes a adultos. Era um verdadeira  escola de aprendizagem   sobretudo  para os que  gostavam  de questões  sociais,  econômicas e políticas,  da - para usar dois termos  emprestados   à Economia -, micropolítica à  macropolítica,  uma vez que o que se passava nos grandes centros de decisões  do poder, posto que numa comunicação um tanto atrasada e dependente, em grande parte, de jornais ou de rádios, chegava aos pequenos, médios ou  grandes  municípios e capitais fora do eixo Rio de Janeiro-São Paulo. 
     Atravessamos vários  governos  ditos democráticos ou  discricionários. No entanto,  a recorrente   questão da verdade na política, nos  políticos e eleitores tem-se, nos últimos quinze anos,  aproximadamente,   tornado  um  nó górdio, ou melhor,  uma vexata questio, na pós-modernidade, onde não se tem mais  tanta  certeza do que seja verdade ou mentira nesse tempos  de agora,  useiro e vezeiro  em notícias fake, não mais apenas nacionais, mas transnacionais, como foi exemplo  a campanha para eleição de Donald Trump, bastante  entrelaçada  de verdades e pós-verdades envolvendo  interferências  da Rússia no pleito  americano   que elegeu   um presidente   trapalhão e, por conseguinte,  prejudicial  às relações de paz  na geopolítica mundial.
      Sabe Deus até que ponto  Trump  será digno de  governar um país  da importância   dos Estados Unidos. Só se tem  a certeza  de que, nesses poucos meses  no poder,  ele só tem prejudicado a imagem  desse  país como também  tem   provocado  nova onda de ira contra  o atual  governo americano com a recente  declaração  de que a Israel  cabe  ter como capital Jerusalém  em detrimento de alguns direitos alegados  pelos palestinos   sobre Jerusalém e, portanto, sobre a possibilidade de  ela vir a ser  a capital da Palestina. O índice empregando  um termo  do domínio da semiótica -,  de indignação mais emblemático, em tal  conjuntura,   é  o imediato gesto de tocar fogo na bandeira americana, O fato é que, de uma forma ou  de outra,  o que a posição de Trump significou   para a  recorrente disputa  sangrenta entre árabes e judeus já está surtindo   seus efeitos deletérios com  o acirramento dos ânimos  exaltados entre árabes e judeus, resultando já  em  300 palestinos  feridos e dois mortos nos confrontos   deflagrados  após  a declaração  de Trump.
       Os EUA  não podem se arvorar em  juízes do mundo  e, assim,  tomarem  decisões unilaterais  com  referência  à situação  geopolítica   de dois países  soberanos  no  Oriente Médio. Eles não  representam  a ONU  sozinhos.  As decisões  mais   importantes sobre   questões territoriais   no mundo  não podem  ser  tomadas  por um só país  com se vivêssemos nos tempos  de Alexandre  Magno,  do  expansionismo  do Império Romano, da era napoleônica, do colonialismo europeu,  do nazismo  hitlerista e de outros   conquistadores   pelo mundo afora.  Ninguém  é dono do mundo, sobretudo em  tempos  globalizados.
     Os EUA não podem, sob  hipótese  alguma,  agir  unilateralmente  tomando as dores de países  com os quais  mais se afinam   nas relações  internacionais. Recorda o leitor a  insensatez do medíocre Bush, filho,  ao enviar   as forças militares americanas a fim de  invadir  e bombardear  covardemente  o Iraque sob a alegação de que  esse país   possuía arsenal   nuclear, quando  logo se descobriu  que  isso não passava  de uma   grande mentira e que provavelmente as razões  eram  bem  outras que não as alegadas  pela fúria de Bush, filho?   Se não me engano, foi o  governo  britânico  quem  chamou a atenção para  essa ação genocida  do presidente americano.
   Para dirimir grandes e intricados conflitos entre nações já temos  suficientes  organizações  internacionais   às quais  se destinam  a esse  fins. O tempo do imperialismo  já passou. O que se espera das  nações  do mundo  é que   lutem, em fóruns  internacionais,  pelos seus direitos  de justiça,  de paz,   de liberdade  de expressão  e de locomoção. Os meios diplomáticos  são ainda os únicos   indicados para  tentarem  solucionar  a paz mundial e eliminar  guerras   futuras.
    Todos os grandes problemas  que  afligem  o mundo contemporâneo  têm raízes  assentadas  nos descumprimentos   de normas    e leis internacionais. Da mesma forma,  países como  o Brasil  atingiram   o atual   momento  de   agudas crise de  imoralidade  em decorrência  de desvios  éticos  no campo da governança  e da ação política. A degenerescência de nossas instituições derivam das ações humanas tipificadas no  comportamento   desonesto de grande parte de nossos  políticos que, cinicamente,   afundaram  as finanças do  Estado  Brasileiro através  do generalizado  emprego   de propinas para enriquecerem  políticos e  grande s empresários. A ponto de  tornar-se quase   impossível   diferenciar  o comportamento  de um  político do de um marginal  e  perigoso delinquente.
      Vilipendiados pela maioria dos eleitores brasileiros, os políticos   atingiram  a mais  abjeta  forma  de  exercerem  seus mandatos   conquistados com o voto popular. É nesse ponto que a questão da “verdade”  entra como  um dos  componentes mais decisivos  práxis  da política  brasileira. As ideologias  múltiplas que nos cercam,  os partidos  extremos,  segundo acentuamos  atrás,  direita e  esquerda,   não são mais   um conjunto de   princípios confiáveis e   norteadores de uma mudança  visando à melhoria  da  nossa sociedade  dividida em classes e isoladas  entre si, insolidária,  egoísta e individualista  na sua generalidade, sobretudo em tempos de pós-modernidade e  escassez de humanismo no mundo contemporâneo.
      Ora,  para alcançar o eleitorado todos os artifícios são utilizados,  sedo o primeiro  o da chamada “verdade” de cada  agremiação partidária. “Verdade” que não encontra convalidação em outras “verdades’   propaladas por outros  partidos, porquanto cada qual tem a sua “verdade”  que, no fundo,  não   traduz  a verdade profunda   do espírito  humano, mas uma verdade  edulcorada,,   gestada  para fins  eleitores   e que  se reproduz há  décadas  na  vida  brasileira por todos os partidos  sem exceção. È evidente que, num partido  em que seus   membros deveriam ser  uniformes   na obediência aos seus princípios ideológicos,  pode haver   membros  com  boa vontade  de  querer  o bem-estar  do país. 
       O Brasil de hoje vive o impasse entre a verdade e a pós-verdade. As redes sociais ( à frente o Facebook) estão aí  para tão bem ilustrarem esse dilema  brasileiro. Esse dilema  compreende  a soma  de verdades  e  mentiras,  de noticias  fraudulentas e de notícias   verdadeiras. Ora, tudo isso  é fator gerador de  divisões, no meio do eleitorado consciente ou  não,  de  acirradas clivagens  político-ideológicas,  fomentadoras de inimizades e de  rompimento de   amizades  em todos os níveis de  escolaridade, o que é lamentável  na formação  social  saudável  de um  povo.
     Um  povo  dividido,  hostilizando-se por querelas  políticas  do baixo clero, será um  povo  infeliz  e desunido, um fator desagregador   e perverso  da unidade  nacional. Talvez, de alguma maneira,  eu tenha pelo menos   suscitado   um debate  cívico e independente  que pudesse nos conduzir  a uma resposta   mais  fundamentada à indagação  que dá título a este artigo.
    
     
      

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domingo, 3 de dezembro de 2017

POR QUE TANTA PRESSA?



                                                               Cunha e Silva Filho


           Estamos em pleno domínio do mundo  entrelaçado com  a rapidez  instantânea dos fatos e  notícias – uma inflação de notícias verdadeiras ou fake (para dar um tom de uso corrente do termo no mundo atual) a que  com muito custo  tentamos digerir  ou digerir mal porque a tônica da pós-modernidade  em que estamos  engolfados  é a pressa e seu complemento, a realização  hic et nunc. Os dias, os segundos, os minutos,  as horas, as semanas,  os   meses e os anos passam  numa vertiginosa  rapidez que  nos provocam perplexidade. Por que tanta pressa? “Festina lenta,”  diz uma máxima latina. Não vamos morrer amanhã literalmente.
         Então,  por que tanta afobação, “passageiro  da agonia”  dos tempos que correm? Que mal existe em, pelo telefone, ou,  o que é mais usado,  pelo celular, comunicar-nos uma informação a um receptor distante ou dele recebermos uma  instrução  apressada que mal  dá tempo de captar algumas  palavras? Repetindo, direi mais: o mundo não vai acabar  amanhã. Você não vai  receber  um prêmio milionário de um bilhete de loteria. Pra que a pressa? Devagar, que chegaremos lá.
      O jovem de hoje quer por força estabelecer-se mal saído da puberdade. É preciso  ter tudo: muito  dinheiro,  casa própria, um carrão,  uma mulher bonita uma vida de  luxo. Calma, companheiro  de viagem. A vida não é isso o que pensa a sua pressa. Há protocolos  a cumprir,  tempo  de preparação e tempo de  amadurecimento  e de  realizações  benéficas.
      Se pensar  profundamente no título daquele grande romance de Ernest Hemingway  (1899-1961)– The sun also rises (1926) - , você verá  que a coisa não é tão fácil assim. Dê tempo ao tempo, pois, se for  crente em Deus,  verá que ao céu não  chegaremos  com tanta pressa  e  avidez de tudo  conquistar  tão cedo assim não é o melhor conselho que se pode dar  mocidade.. Relaxe, relaxe, relaxe. Você tem a vida pela frente. Os franceses dizem: “Il y a temps pour  tout,  pour le travail,  pour le plaisir.” Nem só de pão  vive o homem.
     Tempos modernos, pós-modernos, terceiro milênio – tudo converge para a ideia e a fetichismo  da pressa,  do chegar logo, de ser o primeiro,  o mais  belo,  o mais inteligente,  o mais sábio. Ora,  pensando bem,  o último  adjetivo  demanda tempo,  maturidade,   estudos,  dedicação  e  um espírito  aberto,  livre  e sem as amarras  e os modismos  que cercam  a juventude apressadinha e afoita nos seus  projetos, nas suas conquistas  pessoais  e profissionais. Calma, que Inês é morta. Tudo tem  seu tempo e hora.  Só a eternidade não tem  pressa. O mundo não se fez num só dia mas em seis segundo  as Escrituras. Terá Deus cometido  um grande  engano  de cálculo? Quem sabe...
     Talvez Deus devesse tê-lo feito em mais tempo. A pressa é inimiga da perfeição e não há ser tão cheio de defeitos  como o homem. E essa má qualidade   é responsável  por tantos  desencontros e incompreensões entre as pessoas sem distinção  de  credos,  raça e línguas. Por isso,  foram providenciais para a melhoria do ser humano, desde o nascimento, a  criação e  desenvolvimento  da cultura,   do saber,   das instituições sociais  e  políticas  quando bem  conduzidas  por homens  probos.
    Por que tamanha pressa,   projetos  a serem  feitos   do dia para a noite, se os podemos   realizar  com mais calma, com mais   precisão e solidez? Não, seguramente, a pressa, sobretudo, nos moços, não é uma virtude mas  uma  defeito e esse defeito  pode leva-lo à decisões erradas  de que , mais tarde, se arrependerá de tê-las  tomado.
     Somos seres incompletos,   somos uma obra in progress. A certa altura da vida isso é bem perceptível de compreender, mas, então,   não há mais tempo  para um   regresso  às origens de nosso  aprendizado na vida. Reverter o percurso  existencial  é-nos  impossível. A vida anda para  a frente no tempo e no espaço.  Essa incompletude  é uma fato  inconteste. Daí que a plenitude da vida  não passa de uma  vã  ilusão, de um ledo engano,  de um  passo errado ou de uma escolha  que nos levará  àqueles dois caminhos  propostos  no poema de  Robert Frost (1874-1963), “The road not taken”(1916).
   Julgo que é nesta fase de opções de dois  caminhos que reside uma grande parcela   dos acontecimentos de nossa existência, assim como  a dura  realidade   que se põe diante de nós: o que  conseguimos conquistar, uns com mais facilidade e menos tempo,  outros com mais sacrifícios e mais tempo, ou, como diria o meu pai,  com “sangue, suor e lágrimas.” É neste ponto  que uma via  de possibilidade  se nos abre  pela frente: o mundo  além da vida,   a dimensão  transcendental, a espiritualidade,  a vida eterna  sob as bênção  de Deus ou sob as malhas   tenebrosas  do Inferno, este sem  nenhuma possibilidade de remissão  porquanto virou  vazio  e nada. Aos eleitos a promessa de uma nova  vida no caso de serem  cristãos ou espiritualistas. Aos espíritas, a reencarnação, abrindo também uma possibilidade de aperfeiçoamento pessoal  em outras dimensões  da vida.
    A mocidade não quer  pensar nessas coisas  invisíveis. Acredita  no presente, no viço, na força, na energia física e mental,  na alegria de ser jovem e parecer eterno  enquanto dura. No entanto,  o sentido  profundo da incompletude  persiste no homem amadurecido e  descrente das ilusões  passadas. Há uma obra  abissal  de Tristão de Athayde (Alceu Amoroso Lima,1893-1983) que  discute  todas as fases da existência humana: Idade, sexo e tempo – Três aspectos da psicologia humana. (Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1938).
    O livro do pensador católico  e grande crítico literário, a meu ver, tem ainda muitas  lições de vida a  oferecer o  leitor de hoje. Em alguns   aspectos, é claro,  envelheceu, uma vez que  foi escrita   para o  momento  em que  viveu, anos 1930, a sua contemporaneidade. Contudo,  como toda grande obra bem pensada, e com os recursos do conhecimento  e bibliografia     daquela  época,  o livro tem algo que se  projeta além do seu tempo e é justamente  na visão   avançada  do  autor,  ao refletir  sobre  as fases da vida  humana, que ele mantém  certa validade  de abordagem  dos  temas ali ventilados por um grande  escritor.
   Não é com tanta pressa  dos dias de hoje que  os jovens e a mocidade   resolverão seus  problemas  pessoais  e suas inquietações  de conquistar,  açodadamente  um lugar   ideal  que os  leve ao que se chama felicidade do mundo material. Para que tanta  pressa,  jovem,  se sabe que tem todo um caminho  a percorrer  a seu favor?
    
      
    

    
     

       

quinta-feira, 30 de novembro de 2017

TRADUÇÃO DO POEMA "LES DIX PARTIES DU DISCOURS", AUTOR DESCONHECIDO





LES DIX PARTIES DU DISCOURS



Le plus maigre de toute la famille
A de sa race le plus l’estampille:
C’est l’article mince comme une fille.

Le nom se prélassee fait l’important,
Du domain des phrases il est roi tant
Para l’égoïsme que par le clinquant.

L’adjectif, son três humble satellite,
L’aCcompagne comme une ombre maudite
Ou comme sa chienne favorite.

Tel un proconsul romain, le pronom
Tient le haut rang de son maître le nom
Don’t il va sauvegarder le renom.

Verbe est l’exécuteur de hautes  oeuvres
De sa majesté  le nom. Mais il oeuvre
Souvent une trahison de coulevre.

Et fait de son  souverain son sujet,
Ou sa victime, aidé par son valet,
Le participe passé, grand suspect.

Comment agir voilà ce que l’adverbe,
Em sourdine ou  bruyamment, dit au verbe.
En mal, il peut changer l’acte superbe.

Enfin trois personnages en second:
Conjonction, officier de liaison
De l’État-Major général du nom.

Préposition, l’argent diplomatique
Qui decide de façon emphatique
Si l’on sera pour ou contre en pratique.

Et le clown, cet  inévitable fou:
Intejection: plein de bruit, de corroux,
Vide de pensée, pauvre bouche-trou.


  AS DEZ PARTES DO DISCURSO



De toda a família a mais magra
Da sua espécie e mais visível
É o artigo, delgado como uma donzela.

Tem ares de prelado o substantivo
Do domínio da frase é rei tanto
Pelo egoísmo  quanto pelo falso brilho.

O adjetivo, seu satélite mais humilde,
Qual sombra maldita
Ou como seu cão favorito o acompanha.

O pronome que nem um procônsul romano
De seu mestre substantivo ocupa a alta  posição,
Cujo renome salvaguardar vai.

De altas obras de seu executor
De sua majestade, o substantivo é o verbo.
Pois, por vezes, age como uma serpente.

 E  de seu soberano o lugar assume
Ou dele faz vítima por seu criado auxiliado
O particípio passado, grande suspeito.

Como fica, assim, o advérbio
Que, em  surdina,  ou barulhentamente, ao verbo fala?
No mínimo, ele pode o ato soberbo  mudar.

Por fim, três personagens auxiliares:
Conjunção, funcionário  de  ligação
Do Estado Maior geral do substantivo.

Preposição, o  agente diplomático
Que, de modo enfático,  decide
Se, na prática, seremos  prós ou contras.

E o clown, este inevitável desvairado:
Interjeição: cheia de bulha, de furor,
Vazia de ideias, simples figuração.

                                                    (Trad. de Cunha e Silva Filho)




domingo, 26 de novembro de 2017

MODERNISMO BRASILEIRO: A DIMENSÃO QUE LHE FALTOU( CONCLUSÃO)




                                                                  CUNHA E SILVA FILHO



6. CONCLUSÃO


    È ponto pacífico que o Modernismo brasileiro foi o grande emancipador da literatura brasileira, sobretudo pelo que pôde realizar  e de atualizador da realidade nacional, aproximando-se, se não do povo, ao menos de nossos crônicos problemas sociais.
     Não é possível que a esta altura do desenvolvimento alcançado pelo país, posto que com  tantas desigualdades e injustiças gritantes,  a surrada questão  xenófoba possa tomar força entre defensores nacionalistas provincianos que não vêem  na troca de cultura a vantagem de países se beneficiarem mutuamente. O que seria reprovável é a completa passividade do povo em geral de só valorizar voluntariamente, ou por influência de um colonialismo  cultural ainda  arraigado  e reforçado  pelo globalização da mídia,   o que é de fora, sejam teorias modas, produtos ou lazer.
     Repensar o movimento Modernista a partir da perspectiva do povo, tanto como sujeito de nossa realidade como  voz narracional é um passo decisivo para integrarmos o movimento em suas raízes autônomas que pudessem continuar nessa direção o filão inaugurado por Manuel Antônio de Almeida, passando – por que não? – por Machado de Assis (1839-1908), Lima Barreto (1881-1922), Marques Rebelo (1907-1973), Antônio Fraga(1916-1973), e alcançando resultados brilhantes em João Antônio.
    Os conceitos de Modernismo e Modernidade não podem ser dissociados de pressupostos econômicos e culturais, mas também não são corolários indispensáveis ao desenvolvimento só pelo caminho do neoliberalismo. Entretanto, nos parece que os tentáculos neoliberais procuram instilar nos espíritos menos avisados que as premissas  da Modernidade devam sempre estar nas promessas da economia programada além  fronteiras. É possível ser moderno sem ser neoliberal e sem ser tampouco xenófobo.



7 . REFERÊNCIAS  BIBLIOGRÁFICAS.

1.ASSIS,  Machado de. Obra  completa.Rio de Janeiro:  Editora Nova  Aguilar, 1977. Org. por Afrânio Coutinho, V. III.
2.ANDERSON, Benedict. Nação e consciência nacional. São Paulo: Ática, 1989. Série Tema, v. 9. Trad. de Lóror Lourenço de Oliveira.
3.BOURDIEU, Pierre. Contrafogos – táticas para enfrentar a invasão do neoliberalismo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998. Trad. De Lucy Magalhães.
4. BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira.  3. ed. São Paulo: Cultrix, 1986.
5. BRASIL, Assis. História crítica da literatura brasileira.o  Modernismo. Rio de Janeiro: Pallas S.A., 1976.
6.COUTINHO, Afrânio. Conceito de literatura  brasileira. Rio de Janeiro: Ediouro,, s.d.
7. EAGLETON, Terry.  Teoria literária – uma introdução. São Paulo: Martins Fontes, 1997. Trad. de Waltensir Dutra..
8. HOLLANDA, Heloísa  Buarque de. Pós-Modernismo e política. (org.).
Rio de Janeiro: Rocco, 1991.
9.MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia – dos pré-socráticos a Wittenstein. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997.
10. PORTELLA, Eduardo. Fundamentos da investigação literária.  3. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1981.
_______. Confluências – manifestação da consciência comunicativa.  1. ed. Rio de Janeiro:  Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983.
11_____ et alii. As modernidades. Revista  Tempo Brasileiro, 84:5/9. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1986.
12. ____ et alii. Premissas e promessas da modernidade. Revista Tempo Brasileiro,130/131: 5/10. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,  1997.
13._____et alii. Qual modernidade? Revista Tempo Brasileiro, 111: 109/112. Rio de janeiro, 1992.
14._____et alii. Sentido(s) da modernidade. Revista Tempo Brasileiro,76: 118/127. Rio de  janeiro: Tempo Brasileiro,1984.
15. ROUANET, Sérgio Paulo et alii. Perspectivas da cultura brasileira no início do século XXI. Revista Tempo Brasileiro,  130/131: 83/103. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.

16. THEODORO, Janice et alii. “América Latina”: visão especular. Revista Tempo Brasileiro. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

MODERNISMO BRASILEIRO: A DIMENSÃO QUE LHE FALTOU (3)





                                                                           Cunha  e Silva Filho


5. MODERNISMO E MODERNIDADE



         Não só no campo literário como também nos setores institucionais, culturais  e econômicos, o país que pretende inserir-se era da modernidade deve  levar em conta um saber a ser construído tendo como condição prévia as  idéias de diferença, sob pena de se manter unilateralmente uma postura absolutista e autoritária. Esta postura assumida não pode ter por isso um caráter intransitivo.
       O projeto de modernidade brasileiro será eficaz na medida em que se abrir  para a alteridade – a via de acesso à “vida do mundo.” Se, porém, limitar-se às imposições do discurso próprio e não admitir a travessia para o discurso diferente não se constituirá  em projeto solidário e democrático[5]
        Todo discurso autoritário esquece e anula qualquer argumento em contrário. Vejam-se,  no caso brasileiro, a era do Estado Novo, o longo período  da ditadura  militar com o apoio de faixas da sociedade civil. O discurso político brasileiro, mesmo nos períodos considerados democráticos, não se fez tendo como princípio diretivo o bem-estar coletivo do país,  a massa da  população. O desenvolvimento do país, quando houve, foi feito sempre por exclusão. A modernidade que daí surgiu teve sempre um sentido de incompletude. Os grandes projetos de desenvolvimento industrial, tecnológico, as reformas econômicas foram concebidas sem consultar as populações em nossas Casas Legislativas.
       Os dois últimos  governos federais que  tivemos, o de Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso, assimilando modelos de economias  advindos do neoliberalismo, são dois flagrantes exemplos de como o conceito de democracia se relativizou. O que esses governos nos impuseram, através de medidas  provisórias, alterou profundamente a sorte dos brasileiros, sobretudo dos mais desfavorecidos. Tudo isso se fez em nome de uma suposta modernidade de abertura do país à globalização da economia. Ora, alterações bruscas no sistema econômico, se por um lado alavancavam o país a muitas conquistas no campo   da economia do mercado, por outro lado essa modernidade deixava lacunas em que certas camadas da população ainda ficaram presas a modos de vida arcaicos e abandonados pelo Estado brasileiro.
          A melhor imagem que teríamos dessa modernidade abrupta  e intempestiva é a de um país que se tem construído por saltos e com tamanho açodamento que a realidade brasileira se torna um mosaico de realidades convivendo, até hoje,  ao mesmo tempo Primeiro Mundo com Terceiro Mundo, considerando aqui  essa divisão meramente de desigualdades e tempos  desencontrados ou assimétricos. Basta vermos  o que oferece o interior do país não só no Nordeste, mas no Sul e em toda parte, sem se falar das periferias urbanas.
          São populações que – é preciso enfatizar - vivem em tempos   diferentes e num país que se arvorou de chegar à modernidade. Aludimos aqui à coexistência de realidades sociais díspares. Por exemplo, convivemos ainda com  crônicos problemas : analfabetismo, analfabetismo funcional,  ignorância da população sobre benefícios sociais vigentes ou que, no vendaval das reformas, são retirados pelos governos,sem consultar os interessados. E não estamos falando de outros gravíssimos problemas  que permanecem  nos desafiando: violência, educação pública deficiente,  transporte coletivo insuficiente, saneamento  básico precaríssimo.[6] Essa situação assincrônica da realidade brasileira corresponde, no plano cultural, à  advertência de Eduardo Portella: “Com  a chegada da pós-modernidade corremos  o risco de sermos uma cultura pós-moderna sem termos sido moderna.”[7]
      Que modernidade é essa que permanece subserviente a  interesses de em organismos transnacionais que ditam o que bem entendem sobre a  realidade de um país do mudo, gerando mais miséria e um contingente cada  vez maior de desempregados? Que democracia é essa que vem a reboque das ditaduras econômicas? É nessa altura de nossa reflexão que percebemos a pertinência da interpelação lúcida do crítico Eduardo Portela:

 (...) para que serve a modernidade se não é capaz de reforçar a democracia? Se não  conseguir ampliar o campo da justiça social? Não se pode negar que o Brasil vem fazendo algum avanço âmbito da democracia real. Menos satisfatórios ou mesmo insuficientes, se  levarmos em conta cada vez mais a velha  e cada vez mais concentração de rendas, são os ganhos em termos de equidade social. (...) [8]
 
         Na esfera literária, os dois conceitos Modernismo e Modernidade para Eduardo Portella merecem ser melhor equacionados e compreendidos. O  ensaísta levanta, primeiro, uma questão moderno?”  O que sucedeu  ao verde-amarelismo não foi senão   ter descambado para ideários fascistoides?
       No pensamento do ensaísta o que seria mais saudável e proveitoso  à nossa herança cultural teria sido não uma cisão, mas um aproveitamento do legado romântico e a apreensão das novas contribuições que vieram somar-se àquelas oriundas do Romantismo, movimento cultural com amplas ressonâncias que vão até às vanguardas.
      A  realização plena e compensadora entre polos diferentes só se efetiva na convivência das diferenças, ou, como assinala Portella, no “... chegar  de coabitação fácil e frutíferas  convivências imprevisíveis e de intercâmbios simbólicos inabituais.” [9]
      Portella propõe três tipos de modernidade no quadro da cultura brasileira contemporânea, convivendo sucessivamente ou, segundo ele próprio sugere, simultaneamente: modernidades das nações, dos nacionalismos e das desnacionalizações. O ensaísta ainda fala de uma outra, a que chama de “derradeira modernidade.”
          Antes de se configurar como um povo com contorno nítidos o  brasileiro sofre o impacto catastrófico do anonimato e de uma realidade conturbada pela invasão das massas e presa fácil, conforme acentua o ensaísta, de manipulações.
         Retomando  a advertência feita anteriormente no mesmo ensaio ao afirmar  que os  podíamos cair no risco de sermos pós-modernos sem sermos modernos, Portella reclama por uma revisão crítica do Modernismo. Todavia, na concretização desse objetivo ele desqualifica a discussão por ele denominada peleja mesquinha entre mundialização dos mercados e mundialização dos valores. Nesse ponto, não vejo  como peleja mesquinha uma discussão  mais ampla entre duas realidades confrontadas pela Modernidade.
          A globalização afetará, sim, a universalização dos valores. Os males provocados pela economia globalizada neoliberal trazem no  seu bojo os  sacrifícios populações mais desafortunadas, sobretudo com o desemprego, a instabilidade no trabalho com o temor implantado sub-repticiamente    pela engrenagem dos mecanismos psicológicos, a miséria, a fome em gruas progressivos, assim como – e já estamos sentindo isso na pele em nosso país -  a redução do papel do Estado  como   responsável por áreas vitais como saúde, educação, formando um quadro social injusto e comprometendo as condições de vida no planeta.[10]
         Seria muito bom e tranquilo para os destinos da humanidade se a globalização e o universalismo na visão que nos passa Rouanet[11] tivessem na práxis os resultados por ele pretendidos. Não bastam só organismos democraticamente formados para decisões de foro internacional a fim de que soluções sejam encaminhadas convenientemente. O vetor da racionalização, para usarmos o termo desse ensaísta, ipso facto, não vai, posto que de forma duradoura, conviver pacificamente  com o vetor da emancipação dos indivíduos.
          A economia  - ninguém pode refutar esse fato – pouco está se importando com o comportamento humano, uma vez que o racionalismo    nela está assente  em fatores tais como lucro, risco e competição, os quais, por só, nada têm a ver com solidariedade e sentimentos piedosos...
       Portanto, o pensamento projetivo de Rouanet nos parece mais um objetivo de teor triunfalista e mesmo utópico, ainda quando procura atenuar conceitos como  globalização e internacionalismo ao defender  aqueles que lhe parecem mais apropriados ao entendimento da modernidade: autonomia e  universalismo. (Continua).

NOTAS:


[5] PORTELLA.  Eduardo (1984. Op. cit
[6] Este ensaio é uma versão refundida de uma  monografia escrita durante o meu Doutorado na UFRJ, em 1998. A perspectiva  histórico-ideológica se restringe à realidade do país das décadas de 1980 e 1990.  O tema desenvolvido se encontra ainda bem atual.  A  situação social, com  a economia em recessão, foi agravada profundamente. O resultado de governos mal  administrados e perdulários, entre outros  malefícios que nos afligem,  logo se fez  evidente na  escalada da violência.   A nação atravessou e está ainda atravessando  uma  fase de imoralidade política  jamais  vista  na historia política brasileira diante do pipocar de  escândalos de  corrupção governamental nos níveis federal, estadual e municipal.    Corruptores e corrompidos se deram as mãos  no enlace  fatídico e cínico entre o público e o privado. A senha entre público e privado passou a ser a propina, o dinheiro em malas, a formação de quadrilhas e a lavagem de dinheiro   no setor público aliado  a parte do alto empresariado  conforme se viu no Escândalo  do Mensalão, Operação LavaJato e tantos outros  surgidos atualmente no país envolvendo os governos Lula, Dilma, Temer, governadores  e políticos no exercício de seus mandatos.
[7] PORTELLA, Eduardo (1984), op.cit., p.6.
[8] PORTELLA, Eduardo (1986), OP. CIT., P. 5-6.
[9] PORTELLA, Eduardo (1997), OP. CIT., P. 7.
[10] BOURDIEU, Pierre. (1999).
[11] ROUANET,  Sérgio Paulo 1997). Op. Cit.

terça-feira, 14 de novembro de 2017

MODERNISMO BRASILEIRO: A DIMENSÃO QUE LHE FALTOU (2)





                                                                     Cunha e Silva Filho




 3. AS CONTRADIÇÕES: O NACIONAL E O ESTRANGEIRO.



        Nenhum movimento cultural é autônomo nas suas implicações e procedimentos. Portanto, quando reclamamos para o nosso caso uma literatura que reflita o nosso  povo e a nossa nação, tal premissa se exime de ser absoluta em si. Não há essa ideia de pureza e de primitivismo quando delimitamos nossa definição de nacional. Exatamente porque no nacional está implícita a tradição literária por via  da qual se transmitem as técnicas e formas  literárias do exterior.
      É preciso estabelecer com  critério  o conceito de nacional sem o preconceito xenófobo. Lembre-se aqui a oportuna  página de Machado de Assis contida no  ensaio “Instinto  de nacionalidade: O que de deve exigir do escritor antes de tudo é certo sentimento  íntimo, que o torne homem do seu tempo e do seu país, ainda quando trate de assuntos remotos no tempo e no espaço.”[3]
       Sendo o Brasil um país de cultura transplantada e, depois, modificada a custo de variantes mesológicas, étnicas e culturais, a formação de nosso patrimônio literário esteve constantemente recebendo o influxo externo. Por conseguinte, o que aqui se formou foi acompanhado sempre do contributo de fora, primeiro pela influência  portuguesa,  depois, pela francesa e inglesa, sobretudo desta última ainda vigorante. Nosso primeiros homens  ligados à cultura tiveram formação europeia e de lá nos trouxeram as modas  literárias e as doutrinas  filosóficas correntes.
        Quando pleiteamos uma literatura nacional  não estamos  somente nos referindo à temática  local, mas também a fatores  intrínsecos que nos enformaram literariamente, dos quais, entretanto, vamos  pouco a pouco nos libertando por força de uma realidade nova.
     A escrita literária não se originou de um grau zero. Ela se insere no circuito de experiências e conquistas da tradição ocidental. Não fosse por isso, não teríamos nunca entre nós a contribuição de técnicas e descobertas no campo da poesia, da ficção e da teoria que já foram trabalhadas lá fora e, por via  indireta,  dos livros estrangeiros ou nacionais a que os autores locais tiveram  acesso.
     Recusar simplesmente a contribuição alienígena é praticar um ato de insensatez intelectual, sobretudo agora que temos à nossa volta a pressão do conhecimento globalizado via Internet.
     A grande incongruência que existe entre o nacional e o estrangeiro se coloca quando decorre no âmbito das instituições sociais e políticas, conforme se deu em nosso  pais, onde o pensamento liberal de estofo europeu se chocava com o sistema escravocrata do Império ou com  outros  procedimentos  de convivência social avançada apenas para inglês  ver. Da mesma sorte, em outros setores da vida social,  modas, hábitos, lazer, leituras etc.


4. O POVO COMO OBJETVO DE PESQUISA, MAS NÃO COMO SUJEITO PARTICIPATIVO


        Se o Modernismo brasileiro pretendia aproximar a realidade da literatura, não se compreende como, na primeira fase,  a iconoclasta, ele tenha se constituído do ponto de vista de recepção do leitor,  em movimento visceralmente elitista, principalmente no tratamento da linguagem  poética ou ficcional. Neste sentido, o Modernismo deu as costas para o povo, que não leu e ainda não lê a sua produção. Estamos pensando em obras seminais à compreensão desse movimento, como Pauliceia desvairada (1922), Macunaíma (1928), Pau-Brasil (1929), Memórias sentimentais de Joao Miramar (1924).
       É bem provável  que essas obras como outras apenas tenham despertado certa curiosidade no povo, porém não a iniciativa de efetivamente  realizarem  sua leituras, com exceção,  nos parece,  dos autores da ficção de 30, donos de uma literatura em geral sem hermetismos formais e,  por isso, mais acessíveis à média da  população. Haja vista a obra de Jorge Amado (1912-2001).
        Se o movimento procurou a todo custo fazer um balanço das potencialidades do homem  brasileiro, no sentido  até documental, nada indica que ele tenha se afastado de suas vinculações com a burguesia de então,  pelo menos nos seus primeiros  momentos. Quem iria dar efetiva contribuição, pelo menos como  propósito  de transformar o povo em matéria ficcional e, além do mais,  como  voz narrativa seria um contista, surgido na década de 1960 - João Antônio.[4]    
          Na sua ficção deu ele voz a seus personagens, a maioria  do submundo do eixo Rio-São Paulo. Porém, tanto os modernistas   quanto João Antônio, e bem assim  os ficcionistas da geração de 30, que inauguram o ciclo do de romances  do Nordeste, iriam se defrontar  com um  impasse inescapável à condição do intelectual que se vê enredado no dilema  de difícil superação: como lidar com uma literatura que fixa e movimenta uma galeria  de despossuídos que jamais lerão seus livros e não têm o nível suficiente  de escolaridade e de leitura  para se verem retratados nessa ficção marginal?
        Na época do surgimento do romance brasileiro, a partir do Romantismo, o público leitor pertencia em geral à classe burguesa. Por outro lado,  não se poderia  também recriminar um ficcionista à altura dos anos 1960, 1970  e 1980 –  caso de João Antônio e de outros autores  da sua época -  por fazer uma literatura centrada primordialmente nas camadas  desfavorecidas  da população  brasileira, assim como nos temas em torno da vida de malandros (figuras que fizeram do contista  um dos seus mais hábeis  intérpretes na literatura brasileira  moderna), marginais, prostitutas, traficantes,  não obstante   ser a ficção joãontoniana de alta qualidade  literária.
   Assim como não poderíamos reprovar  o fato de que ele se beneficiaria comercialmente dessa temática  populista, uma vez que  a obra ficcional produzida pelo mercado transforma-se em produto de consumo e, por vezes, faz de seu criador, se este provém de classe menos favorecida (exemplo  também de João Antônio) um instrumento do jogo capitalista, gerador de lucro. Da parte da função de escritor, a meu  juízo, não houve apelação ou expediente  espúrio de  explorar  temas que lhe granjeassem  ascensão social  ou  sucesso econômico. O escritor como intelectual é caudatário do sistema que ele próprio  repudia.
      Jorge Amado,   por exemplo,  foi um escritor que,  em determinada fase  de sua  produção literária, foi  duramente criticado  por alguns críticos por fazer  algumas  obras  para deleite do turismo e não por sua  qualidade  literária. Contudo,  essa crítica, sob pena de  se tornar injusta,  não poderia  estender  seu julgamento à obra geral dele. No exemplo de João Antônio, guardadas as diferenças  com  Jorge Amado, o nível  estético  de sua ficção  não sofreu   nenhuma queda.
      O contista não se  sustentou tão-somente com a temática  dos despossuídos,  já que ainda com  boa  qualidade  literária  passou  a explorar   temas da classe média, da qual era um  crítico  feroz  e demolidor, ainda que,  aparentemente  uma contradição,   a sua  nova condição social  o colocasse na classe média. Esse, na verdade,  é o dilema  de  qualquer escritor  que tenha vindo   dos estratos mais  modestos  da pirâmide social. Não importa,  burguês ou não burguês, o escritor  será um porta-voz, seja das classes mais altas, seja   das médias e das humildes. Uma coisa têm os escritores  em comum  no seu ofício: sua arma é a linguagem, não a baioneta.(Continua)




[3] ASSIS, Machado de. Instinto de Nacionalidade. In: Obra Completa, p. 804. V; III.
[4] O autor deste ensaio defendeu, em 2002, uma Tese de Doutorado sobre João Antônio abordando  primacialmente  a figura do malandro no contista paulista. Título da Tese: O conto de João Antônio: na raia da malandragem. Faculdade de Letras,  Rio de Janeiro:  UFRJ, 2002, 349 p. Tese de Doutorado em Literatura Brasileira.