Cunha e Silva Filho
5. MODERNISMO E MODERNIDADE
Não só no campo literário como também
nos setores institucionais, culturais e
econômicos, o país que pretende inserir-se era da modernidade deve levar em conta um saber a ser construído
tendo como condição prévia as idéias de
diferença, sob pena de se manter unilateralmente uma postura absolutista e
autoritária. Esta postura assumida não pode ter por isso um caráter intransitivo.
O projeto de modernidade brasileiro
será eficaz na medida em que se abrir para a alteridade – a via de acesso à “vida do
mundo.” Se, porém, limitar-se às imposições do discurso próprio e não admitir a travessia para o discurso diferente não se
constituirá em projeto solidário e
democrático[5]
Todo discurso
autoritário esquece e anula qualquer argumento em contrário. Vejam-se , no caso brasileiro, a era do Estado Novo, o
longo período da ditadura militar com o apoio de faixas da sociedade
civil. O discurso político brasileiro, mesmo nos períodos considerados
democráticos, não se fez tendo como princípio diretivo o bem-estar coletivo do
país, a massa da população. O desenvolvimento do país, quando
houve, foi feito sempre por exclusão.
A modernidade que daí surgiu teve sempre um sentido de incompletude. Os grandes
projetos de desenvolvimento industrial, tecnológico, as reformas econômicas
foram concebidas sem consultar as populações em nossas Casas Legislativas.
Os dois últimos governos federais que tivemos, o de Fernando Collor e Fernando
Henrique Cardoso, assimilando modelos de economias advindos do neoliberalismo, são dois
flagrantes exemplos de como o conceito de democracia se relativizou. O que
esses governos nos impuseram, através de medidas provisórias, alterou profundamente a sorte
dos brasileiros, sobretudo dos mais desfavorecidos. Tudo isso se fez em nome de
uma suposta modernidade de abertura do país à globalização da economia. Ora,
alterações bruscas no sistema econômico, se por um lado alavancavam o país a
muitas conquistas no campo da economia
do mercado, por outro lado essa modernidade deixava lacunas em que certas
camadas da população ainda ficaram presas a modos de vida arcaicos e
abandonados pelo Estado brasileiro.
A
melhor imagem que teríamos dessa modernidade abrupta e intempestiva é a de um país que se tem
construído por saltos e com tamanho açodamento que a realidade brasileira se
torna um mosaico de realidades convivendo, até hoje, ao mesmo tempo Primeiro Mundo com Terceiro
Mundo, considerando aqui essa divisão
meramente de desigualdades e tempos
desencontrados ou assimétricos. Basta vermos o que oferece o interior do país não só no
Nordeste, mas no Sul e em toda parte, sem se falar das periferias urbanas.
São populações que – é preciso enfatizar
- vivem em tempos diferentes e num país
que se arvorou de chegar à modernidade. Aludimos aqui à coexistência de
realidades sociais díspares. Por exemplo, convivemos ainda com crônicos problemas : analfabetismo,
analfabetismo funcional, ignorância da
população sobre benefícios sociais vigentes ou que, no vendaval das reformas,
são retirados pelos governos,sem consultar os interessados. E não estamos falando
de outros gravíssimos problemas que
permanecem nos desafiando: violência,
educação pública deficiente, transporte
coletivo insuficiente, saneamento básico
precaríssimo.[6] Essa
situação assincrônica da realidade brasileira corresponde, no plano cultural,
à advertência de Eduardo Portella:
“Com a chegada da pós-modernidade
corremos o risco de sermos uma cultura
pós-moderna sem termos sido moderna.”[7]
Que modernidade é essa que permanece
subserviente a interesses de em organismos
transnacionais que ditam o que bem entendem sobre a realidade de um país do mudo, gerando mais
miséria e um contingente cada vez maior
de desempregados? Que democracia é essa que vem a reboque das ditaduras
econômicas? É nessa altura de nossa reflexão que percebemos a pertinência da
interpelação lúcida do crítico Eduardo Portela:
(...) para que serve a modernidade se
não é capaz de reforçar a democracia? Se não
conseguir ampliar o campo da justiça social? Não se pode negar que o
Brasil vem fazendo algum avanço âmbito da democracia real. Menos satisfatórios
ou mesmo insuficientes, se levarmos em
conta cada vez mais a velha e cada vez
mais concentração de rendas, são os ganhos em termos de equidade social. (...) [8]
Na
esfera literária, os dois conceitos Modernismo e Modernidade para Eduardo
Portella merecem ser melhor equacionados e compreendidos. O ensaísta levanta, primeiro, uma questão
moderno?” O que sucedeu ao verde-amarelismo não foi senão ter descambado para ideários fascistoides?
No pensamento do ensaísta o que seria
mais saudável e proveitoso à nossa
herança cultural teria sido não uma cisão, mas um aproveitamento do legado
romântico e a apreensão das novas contribuições que vieram somar-se àquelas
oriundas do Romantismo, movimento cultural com amplas ressonâncias que vão até
às vanguardas.
A
realização plena e compensadora entre polos diferentes só se efetiva na
convivência das diferenças, ou, como assinala Portella, no “... chegar de coabitação fácil e frutíferas convivências imprevisíveis e de intercâmbios
simbólicos inabituais.” [9]
Portella propõe três tipos de
modernidade no quadro da cultura brasileira contemporânea, convivendo sucessivamente
ou, segundo ele próprio sugere, simultaneamente: modernidades das nações, dos nacionalismos e das desnacionalizações.
O ensaísta ainda fala de uma outra, a que chama de “derradeira modernidade.”
Antes de se configurar como um povo com
contorno nítidos o brasileiro sofre o
impacto catastrófico do anonimato e de uma realidade conturbada pela invasão
das massas e presa fácil, conforme acentua o ensaísta, de manipulações.
Retomando a advertência feita anteriormente no mesmo
ensaio ao afirmar que os podíamos cair no risco de sermos pós-modernos
sem sermos modernos, Portella reclama por uma revisão crítica do Modernismo. Todavia, na concretização desse
objetivo ele desqualifica a discussão por ele denominada peleja mesquinha entre mundialização dos mercados e mundialização
dos valores. Nesse ponto, não vejo como peleja
mesquinha uma discussão mais ampla entre
duas realidades confrontadas pela Modernidade.
A globalização afetará, sim, a
universalização dos valores. Os males provocados pela economia globalizada
neoliberal trazem no seu bojo os sacrifícios populações mais desafortunadas,
sobretudo com o desemprego, a instabilidade no trabalho com o temor implantado
sub-repticiamente pela
engrenagem dos mecanismos psicológicos, a miséria, a fome em gruas
progressivos, assim como – e já estamos sentindo isso na pele em nosso país
- a redução do papel do Estado como
responsável por áreas vitais como saúde, educação, formando um quadro
social injusto e comprometendo as condições de vida no planeta.[10]
Seria muito bom e tranquilo para os
destinos da humanidade se a globalização e o universalismo na visão que nos
passa Rouanet[11]
tivessem na práxis os resultados por ele pretendidos. Não bastam só organismos
democraticamente formados para decisões de foro internacional a fim de que
soluções sejam encaminhadas convenientemente. O vetor da racionalização, para usarmos o termo desse ensaísta, ipso facto, não vai, posto que de forma
duradoura, conviver pacificamente com o vetor da emancipação dos indivíduos.
A economia
- ninguém pode refutar esse fato – pouco está se importando com o
comportamento humano, uma vez que o racionalismo nela está assente em fatores tais como lucro, risco e
competição, os quais, por só, nada têm a ver com solidariedade e sentimentos
piedosos...
Portanto, o pensamento projetivo de Rouanet nos parece mais um objetivo
de teor triunfalista e mesmo utópico, ainda quando procura atenuar conceitos
como globalização e internacionalismo ao
defender aqueles que lhe parecem mais
apropriados ao entendimento da modernidade: autonomia e universalismo. (Continua).
NOTAS:
[5] PORTELLA. Eduardo (1984. Op. cit
[6]
Este ensaio é uma versão refundida de uma monografia escrita durante o meu Doutorado na
UFRJ, em 1998. A
perspectiva histórico-ideológica se
restringe à realidade do país das décadas de 1980 e 1990. O tema desenvolvido se encontra ainda bem
atual. A situação social, com a economia em recessão, foi agravada
profundamente. O resultado de governos mal
administrados e perdulários, entre outros malefícios que nos afligem, logo se fez
evidente na escalada da violência.
A
nação atravessou e está ainda atravessando
uma fase de imoralidade
política jamais vista na historia política brasileira diante do pipocar
de escândalos de corrupção governamental nos níveis federal,
estadual e municipal. Corruptores e
corrompidos se deram as mãos no
enlace fatídico e cínico entre o público
e o privado. A senha entre público e privado passou a ser a propina, o dinheiro
em malas, a formação de quadrilhas e a lavagem de dinheiro no
setor público aliado a parte do alto
empresariado conforme se viu no Escândalo do
Mensalão, Operação LavaJato e tantos outros
surgidos atualmente no país envolvendo os governos Lula, Dilma, Temer,
governadores e políticos no exercício de
seus mandatos.
[7] PORTELLA,
Eduardo (1984), op.cit., p.6.
[8] PORTELLA,
Eduardo (1986), OP. CIT., P. 5-6.
[9] PORTELLA,
Eduardo (1997), OP. CIT., P. 7.
[10] BOURDIEU,
Pierre. (1999).
[11]
ROUANET, Sérgio Paulo 1997). Op. Cit.
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