Cunha e Silva Filho
          Se passarmos, ainda  que por  uns três
dias,  ocupado com uma tarefa  que exige nossa concentração,  perdemos a  noção 
do encadeamento  da novela
lúgubre, cujos capítulos são ininterruptos e, além disso,  nos mergulham   na realidade áspera  quotidiana. A
novela lúgubre a que me refiro 
metaforicamente 
representaria  a imagem humana, social,  política, econômica e espiritual da
contemporaneidade, quer a doméstica, quer a mundial.  
         É assim que me senti por um período
em que só pensava no lançamento do meu 
livro Apenas memórias, ocorrido
numa tarde-noite do sábado  passado. Só o autor avalia  o quanto 
fica tenso com o que vai lançar, se a obra vai agradar,  se a edição saiu  como a gente queria, se, no dia  do evento viriam os convidados a quem  enviamos convites individualmente, se a
divulgação  foi correta e chegou  às pessoas que  o autor 
queria presentes, se outras convidadas não vieram nem se desculparam ou
mesmo não puderem  por motivos  vários 
que só Deus sabe   
        Alguém me contou  que 
um  autor havia convidado  vários  
conhecidos, colegas  e supostos
amigos para um lançamento  de um  livro dele e, 
no dia  marcado,  só compareceu um convidado. Pobre autor!
Estranhamente uma semana depois, esse autor, pessoa até bem  respeitada 
na sua área de estudos, faleceu de repente.Até parece uma história
real  saída da ficção de um Machado de
Assis (1839-1908). Porém, o que tem a ver 
essas digressões com  o
assunto  da crônica?  Peço desculpas ao leitor e, agora,   vou  
me ocupar  do tema  ou temas que lhes  trago à reflexão. 
        A semana passada, quanto a acontecimentos  indesejáveis, foi  muito 
fecunda  do ponto-de-vista  de péssimas notícias, a começar da tragédia de
Nice,  cidade francesa que,  no dia quatorze deste mês,    comemorava 
a Tomada da Bastilha. A memória me leva, agora, quase involuntariamente para
aquele  sintagma de um  breve texto do   livro de Marcel Debrot, Le français au gymnase, adotado pelo meu pai  no tempo em que fui  seu aluno de francês em Teresina: “La prise de
la Bastille.”   Existem   palavras e 
expressões que jamais  esquecemos.
Estão sempre vindo e voltando no 
constante stream of conscience como
nas narrativas  introspectivas da ficção
moderna.De resto, essa expressão foi cunhada pelo escritor americano  Wiliam  
James (1842-1910).
       Ora, 
um dia festivo,  o 14 de julho,
homenageia a queda do reinado do fraco  Luís
XVI e marca o início da Revolução 
Francesa  e da formação da
Assembleia Nacional, em 5 de maio de 1789, que retirou  as regalias 
dos tempos feudais.   Os deboches dos  brioches da Maria Antonieta contra a
população  miserável só lhe valerão,
pouco depois,  a prisão e a guilhotina
junto com Luís XVI.    
   Antes, o seu antecessor, Luís XV governou
a França  com  a imoralidade, esbanjamento e o desprezo  pelas populações  desassistidas e com a complacência dos  membros da Igreja. Ao povo, antes  amesquinhado 
pelo desmandos  reinóis,   foi 
concedida a liberdade, um  dos
apanágios da  Revolução  Francesa, ao lado da fraternidade e da  igualdade. A lição da França  ainda é um acontecimento  vivo e atual, um  alerta aos tiranos, civis ou militares.   
     Nunca se pensa que, em dia de
celebração da  liberdade de um povo,  se vá deparar com uma tragédia dessa
magnitude. O presidente da França, socialista, não me parece estar  agindo com a firmeza  de um estadista. Parece mais se preocupar  só com 
o corte de seus ralos  cabelos.
     Alegar-se que  o país está mobilizado   contra o terrorismo  não é suficiente, pois, na tragédia de Nice, havia  policiamento e, de  repente, 
um caminhão,  passa na rua   apinhada 
de  pessoas alegres  com  o
feriado e atropela  desordenadamente quem
ali estava  valorizando  os sentimentos  da liberdade    de um povo. Como não
desconfiar de um caminhão  acelerado? Que
policiamento   de inteligência  é esse incapaz de  sustar 
o veículo pesado?
    O fato é que as pessoas,  e aqui 
incluo  a segurança,  nunca pensam 
que tudo pode acontecer de onde  menos se espera. Que as coisas  só
acontecem em outro  lugar. Por que não
isolaram  os limites da área
abrangida   pela  população 
festiva?        
    Uma tragédia é  um sinal de alerta
máximo para a situação  das cidades  que pertencem ao Ocidente.Crime hediondo em
massa, deixando  dezenas de  mortos e inúmeros  feridos 
gravemente. Não é mais possível que atos abomináveis como estes  se mantenham em cidades  importantes 
da Europa acossadas pelo  
terrorismo   de fanáticos e
sanguinários, O Estado Islâmico tem que parar com  tanta 
atrocidade. No rol coletivo das vítimas fatais até brasileiros se
encontravam. Que culpa têm os franceses 
comuns,  os turistas, crianças de
serem  alvos de criminosos internacionais
ainda não debelados  pelas potências  mais 
fortes do mundo, tendo,  à
frente,  os EUA? 
    Ora,  é
até  ingenuidade ou  mesmo falta  
de sentimento  das
autoridades  afirmarem que  ações terroristas desses  proporções 
são inevitáveis. Isso  é
confissão  de impotência  e de fraqueza, de  falta de pulso  de nossos governos diante  dos massacres 
que  rondam  pela Europa e outras partes,  inclusive, 
da Ásia,  África e América. Não é
razoável – longe disso – que autoridades venham a público, em tom  de 
quase aceitação    desse  estado de coisas manchado  por tanto sangue humano, com declarações  que até mesmo 
nos tornam mais  irritados. 
  Não é tempo de os governantes  de países  ocidentais deixarem de ser apáticos diante de constantes ataques terroristas insurgentes contra modos de vida diferentes deles?   Nem
pode nunca ser  banalizada a ideia de que
exemplos de atentados  assim  sejam 
imprevisíveis. Não,  eles estão
errados em suas observações  diante  da seriedade e da tragédia que  se 
abate sobre o ser humano  em nosso
dias. As pessoas estão morrendo 
gratuitamente nas ruas,  em
lugares  fechados,  em  
lugares de diversão,  a céu
aberto, nos metrôs,  nos lugares  mais diversos e nada decisivo  acontece 
da parte das autoridades 
mundiais  a fim de  debelar 
ou  diminuir  consideravelmente  esses crimes  
infernais. 
   Não, há algo errado por parte dos
organismos  internacionais de segurança
dos povos. No meu juízo,  órgãos  como a ONU, 
e sobretudo  seu Conselho de
Segurança,  estão  virando 
elefantes brancos  diante  da mortandade 
de inocentes  em tantos  países. Por conseguinte,  é precioso 
fazer-se algo  incomum   e com 
o pensamento   de salvar  vidas 
futuras, Não se pode mais 
viver  na Terra com  o medo, a insegurança,  a iminência de uma a tragédia, de um genocídio.
    Carrascos de seres humanos,  bárbaros  
travestidos  de humanos,   assassinos 
desequilibrados  e bestas selvagens
  não podem  indefinidamente  pôr o mundo em polvorosa,  como se 
todos nós fossemos 
protagonistas    de um 
filme  de horror e  morticínio em larga   escala, Não transforme  o mundo 
em filmes de  terror,   os quais não são exemplos  para nenhum 
país e até se devia  repensar  na  possibilidades
de  limitar  as asas 
da imaginação  de alguns  cineastas 
que,  só por  motivos 
comerciais,  lançam  no mercado 
do cinema  esse lixo  de 
filmes  onde a tônica do  enredo 
é a destruição do próximo.  
    Tal fato  só serve para  incendiar 
mentes  doentias  que 
confundem  cinema (ficção) com a
realidade. Esse lixo que só patenteia  o
horror e a destruição  entre os seres
humanos na tela de nada  serve  para a
mudança de mentalidades Antes só fomentam, 
nas mentes -   repito  -,  de 
indivíduos  despreparados   culturalmente, ideias  internalizando   a naturalidade  de cenas 
horripilantes e de destruição   do
ser humano.
     As autoridade mundiais  que ainda 
tenham  um mínimo de  respeito 
à humanidade  não podem ficar de
braços cruzados,  só  fazendo declarações  inócuas  
que em nada   servirão  para  
solucionar  a ignomínia do
terrorismo  internacional que está
vencendo essa batalha  do Mal contra o
Bem.O maniqueísmo aqui, no tocante ao terrorismo,    tem cabimento.
    Por outro lado,  os países que combatem  o terrorismo 
ou se ocultam   por  razões 
inconfessáveis  para  ganhar 
terreno  no campo  econômico 
de países mais vulneráveis devem  
meditar nos seus    modos  igualmente  
nefandos  de  combater 
os inimigos  e ao mesmo  tempo 
ceifando   inocentes. Aludo a
ataques  contra inimigos  empregando os chamados drones  que, muitas vezes,  atingem 
seus alvos pretendidos mas igualmente 
cometem atrocidades contra 
populações civis que nada têm a ver com 
assassinos terroristas. O certo seriam tropas  deslocadas 
para enfrentamento  das forças  adversárias  Nesta particularidade,  por que não 
acertarem  as diferenças com os
russos que  protegem  outro 
tipo de terrorismo  cometido  pelo 
ditador  Bashar al-Assad,
provocador  de uma guerra civil que já
dura  uns cinco anos  com 
milhares  de mortos?
   Cumpre 
urgentemente  encontrarem-se
meios  sólidos e intenções  diplomáticas 
efetivas  que  livrem, enquanto  se pode, 
a humanidade  de  sucessivos  
atos de terrorismo,  cujos
prejuízos  de vida e econômicos  são incalculáveis, notadamente  no  
campo do turismo   internacional.
    Afirmações  vazias 
 da parte de governantes  ou  
de  funcionários do alto escalão de
países adiantados   vitimados  pelo 
terrorismo  avassalador – repito
-,  estão 
longe de constituírem medidas de dissuasão contra criminosos  e cortadores de cabeças   humanas em pleno terceiro  milênio. Isso envergonha a todos nós  que ainda temos algum resquício de amor  ao próximo e a sensibilidade  de prantearmos  os inocentes 
barbarizados em Nice e em outras 
partes  do mundo. Da mesma
sorte,  votos de pesares meramente  protocolares 
de nossas autoridades  mundiais,  com outras formalidades  de praxe  e fisionomias 
entristecidas pouco ou nada 
valerão diante  dos  horrores 
e perversidades  do terrorismo
tentacular.
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