Cunha e Silva Filho
Vou colocar meu pensamento em suspensão. Apagar por momentos
o que me possa chatear, o que me possa ser aborrecimento, me largar à toa, procurar o nada, o não refletido, o não mentado.
Podem até darem
– não me aborrecerei com vocês - o nome que quiserem: alienação,
não me importismo, sei lá, não
tou nem aí. Desta forma, não abro o jornal, nem
vou pro computador. Chega de notícias, de más notícias, de insoluções, de lengalenga, de empurra pela barriga. De vai não vai. De
leis e contra-leis, brechas e chicanas, de recursos e não recursos. De
Supremos que acolhem e não acolhem. Que voltam atrás. Descaminhos,
louvaminhas, xingamentos, amigos partidos.
Tanto
faz. Tudo se quer mudar para ficar no mesmo, na sarjeta de sempre, na
impunidade, na violência galopante do menor
na prática do crime abominável e
impune. Pode ser. Pode não ser. Fastio de tudo. Até
tenho vontade de dizer, ainda que doa a muitas sensibilidades que não gostaria
de ferir, de todos, mas todos mesmo: o mundo, o meu país,
a minha vida, a vida alheia, as alteridades. Ainda sob suspensão do
pensamento, das ideias, quero embarcar
em outra canoa, diferente, absurdamente
diferente, de uma canoa furada que ninguém deseja para si.
Quero, porém, a luminosidade da verdade, quero o sol,
a lua, as estrelas, o espaço sideral sem Apolos da NASA, sem nada. Quero o céu limpo, límpido, cor de neve, com uma leve e breve brisa farfalhando as folhas
de um pé de manga bem em frente de minha casa, digo
melhor, apartamento. Quero a história, a geografia, a filosofia,
os estudos sociais, as religiões,
as diversidades culturais, linguísticas. Não quero, porém, a fome, a ditadura,
os maus políticos, as guerras civis. Do mundo quero apenas a paz.
Quero o silêncio dos escritores fazendo
suas obras, dos leitores sem pressa de que fala um filósofo
italiano, Nuccio Ordine. Quero a
solidão, não dos justos, porque para mim
seria muita pretensão, mas a solidão dos nostálgicos, dos que não têm pejo de afirmar que amam o
passado em todas as suas formas desde que não deixem de aí incluir as artes, as ciências desenvolvidas
pro bem da humanidade, a que cura
os enfermos, crianças, jovens, adultos e idosos. Quero aquele momento do velho
personagem de Guimarães Rosa (1908-1967), que vai para a “terceira margem do rio,” quiçá, único caminho que poderia encontrar
para sumir das contingências da existência.
Quero a paz interior, um dia só para mim como, numa velha crônica, já afirmei em momentos de escapismo
semelhante a estes. E aqui não poderei
deixar de omitir a Pasárgada bandeiriana, a solidão
intelectual de Álvaro Lins (1912-1970), a beleza eterna de Keats, o entendimento profundo da alma humana, de Shakespeare e,
contraditoriamente, o “pessimismo
irônico" de Machado de Assis (1939-1908) as aporias de Fernando Pessoa
(1888-1935), a anoranza sentimental da
poesia galega, a vontade de partir de Cesário
Verde (1855-1886), a picardia malandra dos contos de
João Antônio (1937-1996), o amor das prostituas de Jorge Amado (1912-2001).
Quero tudo isso e muito mais contanto que seja
para o bem de todos.
Quero
os poetas de todas as latitudes,
principalmente do século XIX, sem
vanguardismos, sem obscuridades,
no eu falado e confessado sem medo de ser feliz, pueril, lacrimoso, bombástico, naîve, sem vergonha de ser, por momentos, passadista.Quero a arte sem tempo e sem lugar definido. A arte em si, a Arte, arte.
Ainda com o pensamento em suspensão, quero apenas
viver a vida alegre, em liberdade
plena, molhado com os primeiros pingos de uma chuva amiga e acolhedora, sem provocações de enchentes nem destruições de rios e de cidades do meu Brasil. Quero mais a ficção do que os fatos,
toscos fatos regidos
pela enunciações objetivas
e burocráticas como a atmosfera dos textos kafkianos, recriada superiormente pelo autor de O processo. Quero a clarté dos franceses, não o romance à Alain Robbe-Grillet. Quero o romance de
personagens de carne e osso(Agripino Grieco
(1888-1973),com personagens que nos
transmitam a “vida” da vida. Quero as
humanidade dos livros e dos autores, já
que em muitos essa combinação do “possível”
não se coaduna com o autor considerado
em sua identidade de registro em
cartório.
Antônio
Candido, certa feita, ou melhor, em
certo texto não teórico, deixou escapar
uma afirmação sobre conceitos
teóricos e realidade literária, numa
análise de um escritor brasileiro que lida com as camadas pobres da sociedade, e me lembro de que tocava na questão de dar nomes aos bois, ao chamar de “autor’ o escritor, sem as
novidades terminológicas que embaralham
tantos os conceitos que passamos
a assimilá-los apenas a partir das incansáveis abstrações
conceituais complexas.
O fare
niente desta crônica tem esse objetivo meio atrapalhado,
meio gauche, confuso, meio salada, meio caótico, meio
contraditório, meio tudo, num caldeirão de visões e de ideias, cuja finalidade é de, por momentos, me livrar da realidade madrasta que, no país, tanto nos pesa
nos ombros já cansados pelos anos e pela experiência acumulada dos desastres e das misérias humanas, cujo
foco, deixo claro, tem seu epicentro no
Brasil de agora. Não deixei ainda
de colocar entre colchetes os meus
pensamentos e divagações. Tenham calma comigo, que chego lá.
Conversando com um médico dos bons,
ele me confesso essas verdades simples e sem subterfúgios: O Brasil é um
país-continente, com muita riqueza, onde a felicidade poderia encontrar seu lugar, com todo o mundo fazendo
a sua parte, de forma honesta e bem
feita. Bastaria isso.
O
que o estraga são os políticos que temos e observei com atenção que ele não fez
ressalvas. “- Upa! Upa! meu pensamento” (poema
“O carrossel fantasma”) - diria o
poeta Da Costa e Silva (1885-1950). Despertei e o colchete se abriu e aqui
volto à realidade.
Na rua, o perigo, de que fala Roberto DaMatta.
Tenhamos, pois, cuidados. “A morte nos
cerca de todos os lados” sentenciou Rui
Barbosa (1849-1923), na obra José
Bonifácio)) e “viver é perigoso”(novamente Guimarães Rosa), o que se
aproxima da fala de um personagem de João Antônio: “Viver é brabo.” (conto
“Dedo Duro”).
Prezado amigo Professor Cunha e Silva Filho, confesso que me identifiquei com a crônica e com o cronista.
ResponderExcluirTambém quero a luminosidade da verdade... Também quero a história, a geografia, a filosofia, ..., diversidade cultural, linguísticas... Também quero a paz interior... Também quero os poetas de todas as latitudes... Também quero as humanidade dos livros e dos autores.
Enfim, quero a vida...
Do seu amigo Benhur
Quanto me confortam as suas palavras, querido amigo. Quanto ânimo de continuar escrevendo e melhor ainda sabendo que leitores há que dão importância às minhas ideias ou até a desabafos ou resmungos. Afinal, nem sempre quem escreve está disposto a dizer só coisas que agradem ao leitor.
ExcluirForte abraço do
Cunha e Silva Filho