Cunha e Silva Filho
Está no Brasil um filósofo italiano Nuccio Ordine, da
Universidade de Calábria que publicou um livro, A utilidade do inútil, saído pela Ed. Zahar, em tradução de Carlos
Bombassaro. De acordo com a reportagem que li no Globo, Caderno Prosa,
(27/02/206), Ordine veio fazer palestra no Centro
Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) e fará hoje estará na Coppe
(UFRJ), naturalmente discutindo suas
ideias expostas no mencionado livro.
O que
me despertou a atenção da presença desse
filósofo, aliás, segundo a reportagem de
Leonardo Cazes acompanhada de um entrevista, foi o tema instigante e, a meu,
decisivo para o debate atual num país como o nosso que enfrenta também um leque de
desafios relacionados à visão do filósofo italiano sobre
a realidade brasileira e seus
reflexos nas práticas sociais nossas
tão agudamente voltadas
para os erros e os desvios apontados
por Ordine. É curioso anotar que
estudioso não escolheu logo
os departamentos de filosofia
nem outras instituições diretamente
ligadas à presença de um filósofo, por exemplo os curso de
letras, artes, os centros
voltados para os estudos sociais, políticos de comunicação.
Não custa compreender essa sua
estratégia, de resto, bem
empregada.
Segundo a entrevista, Ordine se define – pelo
menos é o que deduzo de suas palavras - como um
filósofo que almeja atingir
o nó górdio das relações entre a
dimensão humana, para ele tão desprezada na contemporaneidade, no Ocidente (Europa, sobretudo) e a avassaladora
corrida para o “lucro,” o interesse “utilitarista das pessoas em si e do
sistema capitalista que, segundo ele,
caminha para a “autodestruição.” Sobre esse tema, da minha parte, já escrevi
alguns artigos., publicados em jornais, livro e blogs.
Ora,
enquanto a maior parte das sociedades e sistemas de governos que só valorizam o dinheiro, o vil metal, estiver
em ação, o ser humano tenderá a sofrer as consequências dessas
opção desastrosa, porque comporta um tipo de civilização,
cujo ideal é ganhar mais e mais,
sem se importar com valores dignos
de apreço e intemporais: a amizade, a
união, o respeito à vida, à natureza, à
ética de comportamento individual e social, i.e., valores que jamais seriam nocivos à continuidade da espécie humana,
juntamente com outros, como dar
importância ao desenvolvimento e ao
cultivo das letras, das artes, da filosofia, e não abrir mão do desenvolvimento científico direcionado
ao aperfeiçoamento e bem-estar das sociedades do presente e do futuro. Daí o
filósofo querer se comunicar com o mundo acadêmico das ciências
e da tecnologia.
Ordine toca num outro ponto crucial ao afirmar que o “perigo’ de nossos governos no tocante
a verbas destinadas ao
desenvolvimento dos saberes de
cunho humanístico não se encontra meramente na redução do aportes financeiros
canalizados às ciências
humanas, mas também na redução
das verbas alocadas ao que chama de
“ciência fundamental.” Enfatiza o
filósofo que “humanidades e ciências” devem se unir. Daí provavelmente mais uma outra razão de buscar
um diálogo aberto com o mundo acadêmico dos cientistas.
O professor da Universidade de Calábria assume,
assim, a sua postura de lutar por
um humanidade na qual o capitalismo exacerbado não enseje a
sua própria destruição e os fundamentos de valores
caros e fundamentais ao mundo: a
solidariedade, a celebração, o cultivo das artes
não utilitárias e um freio que deveria
ter os descaminhos através da
caça tresloucada pelo dinheiro como
fetiche de uma humanidade que se desumaniza na medida em que assimila
um pecado imperdoável – o
egoísmo, a busca do ter e o
esquecimento da convivência feliz entre os homens.
Lamenta
ainda que a Europa esteja dando as costas para a Grécia – país do
qual viria quase
toda a riqueza e sabedoria nos campos da literatura, das artes em geral, das ciências. Como, pode-se inferir
de sua entrevista, jogar tudo isso fora
e, em lugar disso, voltar-se para o
fetiche dos negócios, dos bancos, dos investimentos, dos bens materiais sem limites e sem consciência de suas consequências
danosas à humanidade?
O
título do livro resume bem o que nos
aguarda a sua leitura. Aliàs, o manifesto a favor do humanismo exposto no livro
já se tornou, conforme diz a
reportagem, um best-seller na própria
Europa. Oxalá não seja apenas uma leitura a mais.
O importante seria que as suas
premissas tocassem no fundo do
coração das pessoas, dos governos, dos
políticos, dos empresários, dos
religiosos das pessoas, enfim, que nunca
é fastidioso repisar a volta dos
valores humanísticos, do espírito
comunitário, da prática do bem e dos respeito aos bens imateriais. Por mais
rasa que seja a mensagem de uma obra, o
que não deve ser o caso do livro
desse filósofo, sua importância deve prevalecer e
suscitar reflexões profundas na mentalidade dos homens em suas múltiplas
atividades.
Ordine recordando o valor inestimável dos tempos da Renascença,
acentua com propriedade que autores como Giordano Bruno, Erasmo e Galileu Galilei tiveram uma
compreensão tão vasta da “cultura” e
da “unidade europeia” que as suas
ideias foram além do seu tempo e do espaço do continente europeu de então.
Tornaram-se universais na compreensão da
posteridade. Resta a nós, de todos os lugares e do tempo atual envidarmos esforços que tornem os homens cada vez mais afastados das incertezas do simples lucro
que as ilusões materiais pensam
ser o caminho certo. Longe disso,
muito longe disso.
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