quinta-feira, 3 de março de 2016

É Tempo de Humanismo




                                             Cunha e Silva Filho


            Está no Brasil  um filósofo italiano Nuccio Ordine, da Universidade de Calábria que publicou um livro, A utilidade do inútil, saído pela Ed. Zahar, em tradução de Carlos Bombassaro. De acordo com a reportagem que li no Globo,  Caderno Prosa, (27/02/206), Ordine  veio fazer palestra  no Centro  Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) e fará hoje estará na Coppe (UFRJ), naturalmente  discutindo suas ideias expostas no mencionado  livro.
         O que me despertou a atenção  da presença desse filósofo, aliás,  segundo a reportagem de Leonardo Cazes acompanhada de um entrevista, foi o tema instigante  e, a meu,  decisivo  para  o debate atual  num país como o  nosso que enfrenta também um  leque de  desafios  relacionados  à visão do filósofo italiano  sobre  a realidade   brasileira e seus reflexos nas  práticas sociais nossas tão  agudamente  voltadas  para  os erros e os desvios   apontados  por Ordine.  É curioso  anotar que  estudioso   não escolheu  logo  os  departamentos  de filosofia  nem outras  instituições   diretamente   ligadas  à presença de um   filósofo, por exemplo os curso de letras,  artes,  os centros  voltados  para  os estudos sociais, políticos de comunicação. Não custa  compreender essa sua estratégia,   de resto,   bem  empregada.
          Segundo a entrevista, Ordine se define – pelo menos é o que deduzo de suas palavras -   como  um filósofo   que almeja  atingir  o nó górdio  das relações entre a dimensão humana, para ele tão desprezada na contemporaneidade, no  Ocidente (Europa, sobretudo) e a avassaladora corrida para o “lucro,” o interesse “utilitarista das pessoas em si e do sistema capitalista que, segundo ele,  caminha para a “autodestruição.” Sobre esse tema, da minha parte,  já escrevi  alguns artigos., publicados em jornais,  livro e blogs.               
          Ora, enquanto a  maior parte  das sociedades e sistemas de governos   que só valorizam  o dinheiro, o vil metal,   estiver  em ação,  o ser humano  tenderá a sofrer as consequências  dessas  opção desastrosa, porque comporta um tipo de  civilização,  cujo ideal  é ganhar mais e mais, sem se importar com valores  dignos de  apreço e intemporais: a amizade, a união, o respeito à vida, à natureza, à ética de comportamento individual e social, i.e., valores que  jamais seriam   nocivos à continuidade da espécie humana, juntamente com  outros, como  dar importância   ao desenvolvimento e ao cultivo das letras, das artes, da filosofia, e não  abrir mão do desenvolvimento científico direcionado ao aperfeiçoamento e bem-estar das sociedades do presente e do futuro. Daí o filósofo querer se comunicar com o mundo acadêmico  das ciências   e da tecnologia.
        Ordine toca num outro ponto  crucial ao afirmar  que o “perigo’ de nossos governos no tocante a verbas  destinadas ao desenvolvimento  dos saberes de cunho  humanístico  não se encontra   meramente na redução do aportes financeiros canalizados     às ciências  humanas, mas também  na redução das verbas  alocadas ao que chama de “ciência fundamental.”  Enfatiza o filósofo que “humanidades e ciências” devem se unir. Daí provavelmente  mais uma outra razão de  buscar  um diálogo aberto  com  o mundo acadêmico  dos cientistas.                         
           O professor da Universidade de Calábria assume, assim, a sua postura de lutar  por um  humanidade  na qual o capitalismo exacerbado não enseje a sua própria  destruição e  os fundamentos  de valores  caros e fundamentais  ao mundo: a solidariedade,  a celebração, o cultivo   das artes  não utilitárias e  um freio que  deveria   ter os descaminhos  através da caça tresloucada  pelo dinheiro como fetiche de uma humanidade que se desumaniza na medida em que  assimila  um pecado   imperdoável – o egoísmo,   a busca do ter e o esquecimento  da convivência  feliz entre os homens.
         Lamenta ainda que a  Europa esteja  dando as costas para a Grécia – país do qual  viria  quase  toda a riqueza e sabedoria nos campos da literatura, das artes  em geral, das ciências. Como, pode-se inferir de sua entrevista,  jogar tudo isso fora e, em lugar disso,  voltar-se  para  o fetiche dos negócios,  dos bancos, dos investimentos,  dos bens materiais sem limites  e sem consciência de suas consequências danosas à humanidade?
          O título do livro resume  bem o que nos aguarda a sua leitura. Aliàs, o manifesto a favor do humanismo exposto no livro já se tornou, conforme  diz a reportagem,  um best-seller na própria  Europa. Oxalá não seja apenas uma leitura a mais.
         O importante seria que as suas premissas  tocassem no fundo do coração  das pessoas, dos governos, dos políticos,  dos empresários, dos religiosos das pessoas, enfim, que  nunca é fastidioso  repisar  a volta dos  valores humanísticos,  do espírito comunitário, da prática do bem e dos respeito aos bens imateriais. Por mais rasa que seja a mensagem de uma obra,  o que não  deve ser o caso do livro desse  filósofo,  sua importância deve prevalecer e suscitar  reflexões  profundas  na mentalidade dos homens em suas múltiplas atividades.
         Ordine recordando  o valor inestimável dos tempos da Renascença, acentua com  propriedade   que autores como Giordano Bruno,  Erasmo e Galileu Galilei tiveram  uma  compreensão  tão vasta  da “cultura” e  da “unidade  europeia” que as suas ideias foram  além do seu tempo e do  espaço do continente europeu de então. Tornaram-se  universais na compreensão da posteridade. Resta a nós, de todos os lugares e do tempo atual  envidarmos esforços que tornem  os homens cada vez mais afastados  das incertezas do simples  lucro  que as ilusões  materiais  pensam  ser o caminho  certo. Longe disso, muito longe disso.


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