Cunha e Silva
Filho
O exemplo da Ucrânia, com a anexação da Crimeia à Rússia, é mais um
exemplo histórico de que um pais,
um povo se acha dividido. O incidente não é fortuito. Sãos múltiplos os
exemplos de separações, por sangrentas guerras civis, caso
dos Estados Unidos, cujo exemplo
maior foi a Guerra da Secessão (1861-1865) entre estados do Norte e do Sul.
Por desagregações dos povos por
motivos de imperialismo e colonização de estados mais
belicamente poderosos, como foram
os do Império Romano,
senhor todo poderoso de parte do
mundo antigo, as conquistas de Alexandre, o Grande, as invasões napoleônicas,
a tentativa nazi-fascista de Hitler na
Segunda Guerra Mundial, cuja sequela
mais aviltante foi o Holocausto ainda hoje negado
por energúmenos de todos os quadrantes.
Outros ainda por razões ideológicas, linguísticas ou religiosas foram fundamentos
desencadeadores de separações,
anexações manu militari, e que
são feridas não
totalmente cicatrizadas a divisão
da Alemanha, do Coreia, do
Vietnam.
No cerne
de todas essas tormentas está mente
deformada ou a cupidez
dos homens, sempre
nos surpreendendo com decisões
que, tomadas, vão prejudicar
povos , nações no mundo inteiro.
Preocupa-me, agora,
o exemplo da Crimeia, preocupa-me também
a situação político-econômica de Portugal, assim como de algumas regiões da África, da Venezuela.
Imagine-se se não fossem os organismos
de paz e de mediação
de que ainda dispomos que, bem ou
mal, conseguem algumas pequenas vitórias
entre nações que
teimam em permanecer em eterno
estado de tensões ou
iminências bélicas, fratricidas ou não, por razões
várias e sobretudo econômicas e
políticas e hegemônicas.
Como está visto,
este mal tendente ao
confronto ou a provocações, caso
da Coreia do Norte, parece não ter fim, assim como outros males
internos de nações que, sozinhas, não chegam
a acordos de paz no sentido
mais geral do termo. Memso no campo cultural, da criação literária,
nações como a Cuba, China e até a Rússia atual, ainda não vêem com bons olhos os escritores que, na literatura focalizam
ângulos sociais e condições de vida
de seus povos que não se alinham
pela cartilhas do que o dictatat
inquisitorial impõe
seu dedo de censura.
Ora, a
literatura é uma arte, a da palavra , que,
para ser originalmente criadora,
precisa de respirar ares
de liberdade. Por mais que alguém possa
subestimar o caráter social ou
político de uma obra literária, a própria
estrutura narrativa já
embute esse componente sem o qual a literatura
seria mera abstração de um significante carente de uma
significado.
Numa entrevista
concedida por telefone, de Nova Iorque, ao jornalista Leonardo Cazes do Prosa &Verso (jornal O Globo,
p. 2-3) de ontem, 19 de abril, a
ensaísta americana, de origem
turca, Elif Batuman, especialista em literatura russa, e ela mesma também
ficcionista, faz um comentário que, nem
por ser assim tão original,
é bom de se ouvir de um intelectual: “A literatura
é uma forma de compreender as complexidades de um país. É uma maneira de enxergar as suas
contradições, independentemente do valor que uma nação
dê à literatura.”
Na mesma entrevista
a ensaísta comenta sobre a
situação política da Rússia e da Turquia
atual, sobretudo dos seus respectivos
líderes, Putin e Erdogan, que, para
ela, são dois líderes “controversos”, os quais têm “em comum,” segundo ela, sedução
do nacionalismo. Ainda acrescenta ela, os dois
são “autocráticos”, têm
apoio popular e alimentam
“ antigas glórias imperiais”. É, portanto, sintomático o recente
episódio de tropas russas na
Crimeia seguidas de
anexação à Rússia.
Por falar em
apoio popular a governos
fortes, autoritários explicita ou
implicitamente e, ademais, com
autoritarismos setorizados que se
alastram por certos governos
estaduais e municipais, essa
realidade que se pode perceber
até entre nós, tem uma dimensão de risco a uma democracia verdadeira.
Vejo como oportuna
a conclusão que o crítico inglês
Terrry Eagleton faz sobre o estágio atual
da crítica literária e suas aporias, tendo por
premissa aquele entendimento a que aludi
acima sobre a estrutura da obra
literária:”A crítica moderna teve origem na luta contra o estado absolutista; a menos que seu futuro não se defina como uma
luta contra o estado burguês,
seria bem possível que nenhum futuro para ela se vislumbre." ((The function of criticism –
from the Specator to Post-Structuralism. London: Verso Editions and NLB,
1984, p. 124).
Uma nação nunca
foi nem tampouco seria um mar de rosa
ideologicamente falando. Nelas existem
continuamente tensões, internas na
estrutura do poder e lá fora,
entre o povo, nas suas
várias classes sociais, nos seus
diversos interesses pessoais, cada qual
parecendo ser, aos olhos
de um observador, um vulcão adormecido que, ainda que dure por muito tempo, pode, um dia, entrar em atividade.
As nações são, por conseguinte, aparentemente
unidas, mas não o são sob condições
adversas de conflitos e manipulações das forças do poder dominante e do poder na expectativa de
domínio. É nessa ciranda, sob corda bamba, que
vivem as nações precariamente.
.
Nenhum comentário:
Postar um comentário