Cunha e Silva Filho
Através de um programa de TV que o elitismo brasileiro chama de imprensa sensacionalista, classificação da qual discordo, pois, por detrás dessa natureza de programa é que, em primeira mão, fico sabendo do que alguém já chamou com propriedade de “Brasil real,” não o país dos programas televisivos que abordam, em considerável proporção, a chatice de imbecilidades da tevê brasileira, a qual é desnecessário exemplificar visto que os leitores sabem do que estou falando.
Foi num desses programas que tomei conhecimento de um crime escabroso perpetrado por um avô ensandecido contra a própria esposa e o próprio neto, um bebezinho de sete meses, de nome Luís Eduardo. O crime aconteceu em São Paulo.
Um avô, ex-presidiário por homicídio e ex-interno para tratamento psiquiátrico, num dia de fúria, por motivo torpe, assassinou dois entes queridos utilizando-se de um porrete. Segundo seu depoimento na delegacia, ele confessou tudo friamente e ainda deu detalhes sobre a monstruosidade que fez contra dois seres de sua família. Declarou estar arrependido. Já estou cansado de arrependimentos de “monstros” de nossa sociedade em confissões que não nos causam mais nenhum sentimento de comiseração para com eles.
O avô, segundo a reportagem, era pequeno comerciante de um bairro simples, pelo que indicavam as imagens da tela. O avô alegou que cometera os dois homicídios em razão de que não mais queria conviver com o netinho, que não o deixava dormir, naturalmente porque chorava como qualquer bebê. Com isso, achava o assassino que a presença do bebê estava atrapalhando-lhe os negócios, já com queda de lucro. E a culpa punha sobre os ombros do netinho.
Entretanto, a história ainda tem mais um ingrediente, a avó de Luis Eduardo, em discussão sobre a situação em casa envolvendo o bebê, ameaçara o marido de que, se o netinho fosse embora, ela iria também. Foi o bastante para, um dia, o avô tirar-lhe a vida e a do bebê, de resto, uma criança lindíssima, com olhos de cor violeta.
Esta tragédia provoca profunda indignação em todo mundo e, além disso, nos conduz a uma reflexão sobre o estado de degradação moral e mental do que se está vendo no país. Fica além da imaginação o fato de que um tipo de violência dessas possa ter acontecido. Passamos, então, a ir mais fundo na questão do relacionamento familiar, na estrutura da família e nos diversos sintomas de patologia social por que estamos passando no mundo contemporâneo, em muitos aspectos muito mais graves do que em séculos anteriores da história da Humanidade.
A tragédia de Luís Eduardo e de sua avó, pela natureza do duplo crime cometido, é algo que se poderia afirmar como sendo uma tragédia anunciada e, ao aprofundarmos a questão, vamos encontrar responsabilidades que se alojam nos setores da saúde mental e da Justiça brasileira. O avô, sem dúvida, um psicopata enrustido em casa de família, tendo seus negócio para sobrevivência, de comportamento aparentemente discreto, segundo testemunhos de vizinhos, já carregava nos ombros um homicídio e um atentado quase fatal contra um moço em quem dera dois tiros num dos braços. Um vizinho relata um comportamento estranho desse avô desmiolado: ele tinha o costume de rir quando via pessoas, prato cheio para os estudiosos da psiquiatria..
O criminoso tem antecedentes que lhe agravam mais a situação de assassino. Como já acentuamos, tinha passado por uma internação de doente mental. Agora, não é difícil, unindo-se todos os dados pregressos do avô, levantar três questões gerais e fundamentais: 1) Por que, tendo cometido um homicídio há duas décadas, conseguira, graças às brechas e imperfeições de nossas leis criminais, ter recuperado a liberdade pouco tempo depois – é o que presumo - do encarceramento? 2) Que tipo de prisão teve ele, foi num manicômio judiciário, foi prisão comum para pessoas consideradas normais? 3) Que tipo de tratamento psiquiátrico foi o dele, e como obteve a alta da instituição de saúde mental? Qual foi a duração da internação? Como foi o laudo que o liberou para a vida em sociedade?
Ora, todas estas implicações de ordem criminal e de saúde mental são complexas demais para que, a meu ver, se tenha posto um indivíduo psicopata no meio social e, por cima de tudo, ainda tendo constituído família, tendo uma filha, a esposa, além de ser dono de um barzinho.
No plano da estrutura jurídico-social-mental cabe, na minha opinião apenas de leigo e observador da sociedade, um parcela grande de culpa ao Estado brasileiro. Se dispuséssemos de uma estrutura de estado séria, cuidados, competente em todos os níveis de administração e gerenciamento da políticas públicas, muitas tragédia familiares seriam evitadas. A sociedade brasileira paga um alto preço pelas deficiências gritantes de nossas instituições.
O que aconteceu com o bebezinho inocente, desprotegido, vítima da atrocidade de um tresloucado que deveria estar era, sim, num manicômio e não no seio da sociedade, pode se multiplicar por outros casos semelhantes.
Se nos detivermos atentamente para o que ocorre no dia-a-dia do pais, nas grandes e às vezes pequenas cidades, constataremos um elevado número de crimes hediondos, inacreditáveis, porque praticados no seio da própria família, ou entre relacionamentos amoroso com final trágico e por motivos que poderiam ser contornáveis se no país as leis de penalidades fossem endurecidas, até mesmo não descartando o limite da prisão perpétua para crimes de grande selvageria praticados por pessoas de todas as idades.
Uma sociedade que se nos apresenta neste grau de periculosidade em potencial nos espanta e nos deixa perplexos. Alguma coisa deve ser feita de imediato no que tange a esses crimes abomináveis.
O país, assim, dá irretorquível mostras de um estado doentio na sociedade e no meio familiar. O grande salto de qualidade que poderá amenizar tais aberrações patológicas tem que passar por uma mudança profunda na educação brasileira, na qualidade de nossas escolas públicas e algumas privadas e no melhor preparo de nossos professores, sem esquecermos de que estes profissionais urgentemente necessitam de ser valorizados nos seus salários de forma definitiva com planos de carreira que sejam cumpridos pelos governos independentemente de troca de orientação política e adaptáveis às condições de um país que, em alguns setores, mostra melhoria de qualidade da população, conquanto ainda - e infelizmente - em tantos outros setores esteja patinando no mesmo lugar e em nível semelhante a nações subdesenvolvidas.
Espero que a morte de Luis Fernando e da avó seja uma contundente advertência a nossos governantes que, lamentavelmente, de Brasília ainda persistem em dar as costas para os mais graves problemas enfrentados pelo Estado brasileiro. Não dar ouvidos aos protestos da Nação se me afigura, em tempos atuais, como apostar no suicídio do resultado das urnas para reis que ainda pensam que estão vestidos.
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