Os demais contos da coletânea retratam situações ora dramáticas, ora humorísticas, ora irônicas da condição humana. O espectro engloba igualmente histórias que retomam alguns ângulos que não aparecem no primeiro e derradeiro contos. Desta maneira, dois outros contos se inserem no mesmo espaço regional daqueles contos. Aludo, primeiro, ao conto “Promessa vã e mirabolante”, com enredo em torno da influência do fazendeiro Nhôr Pré sobre questões de eleição. Em seguida, ao conto “O destino da “Primavera,” que explora a decadência e ruína da fazenda homônima, com a dispersão, para a felicidade ou o infortúnio, de alguns personagens conhecidos, como o fiel capataz Aristides, NHõr Pré, entre outros.
Grande parte desse conjunto de contos persegue temas ligados à vida de pequenas cidades interioranas de Santa Catarina ou até do Paraná. São contos mais centrados nos aspectos do enredo (plot), configurando uma diversidade de temas que a seguir relacionamos:
a) O cotidiano das pessoas e seus problemas pessoais (conto O despejo”);
b) Interesses e ambição em casamento sem amor (conto “ Casamento por amor”);
c) A morte de uma velha viúva solitária cercada de mistérios envolvendo heranças (conto “O enterro da velha senhora”);
d) A morte inesperada de um passageiro de ônibus, lembrando, de longe, o clima tragicômico do personagem central de Quincas Berro d’Água, de Jorge Amado (1912-2001), conto “Incidente de percurso”);
e) A curiosa história de um burrico que, se supunha, tinha dor de cabeça ( conto Cefaleia muar”);
f) A influência de fazendeiros na política interiorana, que guarda alguma semelhança com o coronelismo nordestino (conto “Promessa vã e mirabolante”);
g) Decadência econômica, física e moral de uma fazendeiro ( conto “O destino da “Primavera”);
h) A estagnação de um próspero e feliz povoado ao se transformar em
município ( conto “O maior do mundo”).
Este conjunto de contos expõe toda a perícia do autor em selecionar fatias da vida e do homem do campo que propiciem ao leitor conhecer (e aprender) aspectos da vida rural e ao mesmo tempo poder sobre ele exercitar sua capacidade crítica além do prazer de ler histórias escritas com aquela fluência de uma linguagem de sabor local e escrita com a leveza de um estilo personalíssimo e atual. Não há na sua linguagem intenções de experimentalismos tão em voga em alguns ficcionistas contemporâneos.
Esta não é, me parece, a marca deste escritor. Seu intento estilístico trai muito a herança dos autores que, sem as ousadias e pirotecnias de elaboração ficcional, se distinguem pelo uso correto e dúctil da língua literária, porém com o pé na atualidade e com boa carga comunicativa, aliando a tradição literária à objetividade necessária à natureza de cada narrativa.
Neste ponto, o contista, tanto quanto o cronista, sabe lidar com a clareza, seja descrevendo com mão de mestre a paisagem física e o drama humano, seja narrando montando com espontaneidade os pólos da enunciação e do enunciado, no diálogo vivo e natural e no relato indireto entre a habilidade de fundir narrador em primeira pessoa ou terceira com o domínio pleno do discurso narrativo.
Em outras palavras, o contista ainda por vezes se atira ao trabalho de recorrer a procedimentos de narrar com consciência metaficcional, conforme fazem alguns autores contemporâneos e com o fizera no seu tempo o nosso Machado de Assis(1839-1908), quer dizer, rompendo com o ilusionismo do Realismo e do Naturalismo. Para somente ilustrar este caso, veja-se a enunciação exclamativa, no final da crônica “Obstáculo inesperado ou o desafio de uma escada, explicitamente de natureza metaficcional, ou em outra instância, no conto “O enterro da velha senhora”, no seu último parágrafo:
Como nas novelas, porem, os resultados só seriam conhecidos em capítulos, de forma que o eventual leitor terá que se encher de paciência e esperar. Não tardarão a brilhar as luzes da verdade e aqui estaremos para registrá-las”(p. .28).
Conhecendo mais um pouco da biografia do autor, embora isso seja um pormenor extrínseco no campo estritamente literário,não deixa esta particularidade referencial de contribuir e mesmo arejar a compreensão da função do escritor.
Todas as crônicas do livro agregam diversos temas e situações, segundo mais adiante mostrarei, ao abordar, em resumo, o assunto de cada uma, cujo fito é despertar alguma curiosidade no leitor levando-o a compartilhar com o narrador ( que bem poderia ser o próprio autor) as experiências e reações particulares ou pessoais.
O cronista, como qualquer autor em gênero semelhante, é sempre alguém que tem a vocação seletiva a fim de escolher um fato, um acontecimento, ou mesmo uma percepção, real ou imaginária, que lhe aguce o interesse ou lhe caia como motivação provocadora do ato da criação literária.Ou seja, uma vontade inescapável de escrever numa reação intelectual de natureza - diria – epifânica.
Misturando suas próprias vivências, sua cultura, suas idiossincrasias, suas vivências, o cronista está atento a todos os apelos ou sinais da vida. Por isso, seu leque de temas pode se dirigir a múltiplas possibilidades de apreensão do drama humano considerado na sua totalidade e variabilidade, com cores diferentes ou matizadas prontas a serem representações da existência, ora levando o cronista a este ou àquele acontecimentos, fato, circunstância, em tempo determinado ou vago, traduzidos em discurso lírico, trágico, humorístico hilariante, tragicômico, dramático, de fundo social, crítico, de denúncia, de vontade de se expor, num desnudamento sem amarras, com preconceitos ou sem preconceitos, com visões que comunguem com outrem, ou que são dissonantes de outrem,. Não importam as opções do cronista, ele é senhor de sua própria criação e de sua criatura.
No caso de Enéas Athanázio, e pelos argumentos que formulei no parágrafo anterior, suas crônicas são interessantes, curiosas, irônicas, ilustrativas, articuladas em linguagem apropriada ao gênero, mas que, na sua generalidade, denunciam o estilo de linguagem do autor, desprovido um pouco dos procedimentos utilizados nos contos mais bem planejados e com maior densidade temático-expressiva. (Continua).
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