quinta-feira, 1 de março de 2012

Um anjo na praia

Um anjo na praia.




Cunha e Silva Filho


Seria a primeira vez que ela iria dar aquele passeio. A primeira vez a sentir a areia da praia, a sua umidade, a sua maciez. Com aquele baldinho pronto a encher de areia. Seu minúsculo corpo, todo ele fragilidade, todo ele doçura. A beleza com traços nórdicos. Loura a cabecinha. O rostinho simétrico, belíssimo, vendendo simpatia e meiguice, disseminando alegria e vivacidade na passarela de uma vida breve, literalmente.brevíssima. Rostinho sem um defeito, sem uma traço de desarmonia. Era todo ele a perfeição da beleza. Parecia ter mal saído de uma galera grega, com uma deusinha de cútis impecável, uma pequena deusa pós-moderna.

Deusinha da inocência e do espanto da vida, vida que não chegou a entender no seu estágio puro de anjo e de florzinha mal desabrochada em “campo de lírios.” E o sorriso, sempre o sorriso que parecia eterno enquanto durasse. A minha perspectiva é apenas a de um simples espectador maravilhado diante de tanta candura, de tanta inocência, de tanta suavidade de corpo e de espírito.

Quem há de falar agora de morte violenta diante de uma pequena princesa que subiu ao Céu? Quem há de agora senão vê-la naquele biquíni de quase bebê. Sua idade: somente três aninhos. “Quantos anos você tem, princesinha do mar?” Me diria ela, quase em silêncio na sua super-timidez de anjo celeste: “Três anos, me apontando três dedinhos de uma das mãozinhas lindas e clarinhas.

Como espectador, limitado só ao que a câmera da mídia me permite ver, lá vejo a pequenina Grazielly, ao lado da sua mamãe, ambas a mostrarem-se para um mundo que não era digno da beleza e da candidez daquele serzinho desprotegido das asperezas da vida.

Grazielly conheceu o mar, a areia úmida, a brisa marinha que vinha das ondas desalinhar um pouco alguns fios de seus cabelos. Unicamente queria brincar como qualquer criancinha de sua idade e com seus sonhos de beleza diante daquela fase infantil em que a vida todo dia oferece uma novidade, um aspecto inédito ao pequeno universo de eternos sonhos infantis. Grazielly e seu baldinho. Sua mãezinha sempre bem pertinho dela, protegendo-a dos imprevistos da vida. Grazielly queria somente brincar, encher o baldinho de areia e, num canto da praia, construir seu fragílimo castelinho. Nem mesmo sei se desejava entrar na água fria, à beira do mar e sentir as ondas se desfazerem na praia.

De repente, não se sabe como um objeto estranho e extremamente violento surge e se choca no frágil corpinho de Grazielly, que desfalece. Seu coraçãozinho, sendo apalpado pela mãe, ainda bate levemente querendo parar para sempre. Tumulto de gente em torno da pequena princesa da praia. Alguém pede socorro urgentíssimo. O resgate demora a chegar. Chega finalmente e levam o corpinho miúdo e belo para um hospital. A mãe de Grazielly reclama que o socorro veio tarde. Quem causou a morte de Grazielly fugiu sem lhe prestar socorro. Fugiu até de helicóptero. Fugiu covardemente, desumanamente, irreligiosamente.

Os culpados no primeiro momento: a negligência de uma família, gente endinheirada, importante socialmente. Podia-se pensar também na responsabilidade do caseiro ou de outros envolvidos com a permissão do uso do jet ski.

O objeto que provocou a morte da criança é um jet ski – esse esporte que, embora feito para o lazer de pessoas sérias, já há algum tempo tem se transformado em arma mortífera para quem vai à praia ou praticar alguma natação. Nem mesmo a oportuna e necessária campanha publicitária na tevê, sob o patrocínio da Marinha do Brasil, na voz profética do super-campeão velejador Lars Grael, ele próprio vítima de acidente, mutilado que ficou de umas das pernas, numa colisão com um iate dirigido irresponsavelmente, tem servido de exemplo. A campanha, mostrando acidentes de mau uso de barcos velozes e perigosos circulando em áreas de água próximas a aglomerados de banhistas, parece não ter sido considerada pela família de um adolescente que causou a morte de Grazielly.

Esta campanha merece ser ainda mais valorizada sobretudo porque chama a atenção para um ponto fundamental: os usos de jet skis ou outros tipos de barcos de alta velocidade não podem ser permitidos em áreas de banhistas e praticantes de natação no mar. Há que se encontrar – e a Marinha do Brasil tem autoridade para isso - limites de separação segura para a prática desses esportes, além de regulamentar todas as condições de segurança para que tais esportes possam ser praticados e não venham pôr em risco a vida das pessoas.

Urge com veemência repetir: quem são os culpados? A família do garoto parece ser a primeira resposta, visto que o menor não é responsável, na sua idade, pelos seus atos impensados que culminaram com a tragédia de Grazielly, a qual deixa um jovem casal sem o maior bem que tinha, a pequenina Grazielly. As leis brasileiras - tenho repetido amiúde em minha coluna -, têm que endurecer no país. A morte da pequenina não pode ficar assim impune. Nem as mortes de outros delitos que andam rondando os brasileiros.

Há que se procurar punir de alguma forma legal e indenizatória o culpado ou os culpados pelo mal causado a toda uma família enlutada do anjinho da praia: os pais, os avós, os parentes, os amigos, as amiguinhas dela, a sociedade civil que se vê ferida afetivamente e na dor comum da tragédia. Não se fale aqui de fatalidade, porque o acidente não foi fatalidade, mas mau uso do aparelho de navegação em alta velocidade, que, de resto, acaba agora de fazer outra vítima provocada, em razão de negligência, pelas próprias mãos do pai de um menino também vítima de uma tragédia. Sem documentos exigidos para navegação, sem fiscalização rigorosa e continuada dos poderes públicos, sem a responsabilidade dos pais, essas tragédias podem se multiplicar se nenhuma ação pronta e enérgica não for tomada pelo comando da Marinha do Brasil.

Os brasileiros somente irão mudar seu comportamento desrespeitoso e violento se leis duras forem aprovadas, atualizando o nosso cediço Código Penal aos tempos atuais e mandando para a cadeia criminosos e corruptos sem distinção de níveis sociais. Ricos ou pobres, se cometerem crimes, devem responder por eles na forma de leis justas e rígidas de molde a inibir futuros criminosos em todos os tipos de delitos e de atos de hediondez.

Se o Brasil não sair do círculo vicioso da brechas da atual justiça, das progressões por bom comportamento ( é fácil “fingir” bom comportamento na prisão), das prisões privilegiadas, de liberdades condicionais, e das absurdas prisões domiciliares, não passaremos nunca de um país de expressão secundária no concerto nas nações adiantadas do mundo. Criminoso é criminoso e o seu lugar justo e irremissível é o cárcere.



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