terça-feira, 27 de março de 2012

O dia em que o mundo foi feliz...


Cunha e Silva Filho

Alguém anunciou no dia anterior: “Amanhã será o dia mais feliz do mundo.” E acrescentou: “Não será para um só pessoa, para um só país, será na verdade para o mundo inteiro.” A imprensa internacional, a nacional, a estadual e a municipal, assim como todos os textos que se escrevessem nesse dia de paz absoluta, tudo só relatava boas ações, até mesmo os congressos sobre meio-ambiente e as decisões da ONU só tinham palavras para declararem um estado de perfeita paz universal, concreta e líquida. Na África, não há mais fome nem guerras, nem ditaduras, nem golpes. É paz, é paz é paz... Israel e os palestinos se tornam irmãos na concórdia sobre direitos de terra e divisão territorial.
As guerras, as revoltas, o Ocidente e o Oriente se davam as mãos. Acabavam-se as guerras em várias partes do mundo, sucumbiria o terrorismo internacional, As ideologias mais conhecidas e antípodas, capitalismo e comunismo, chegavam a um acordo de compreensão mútua e de entendimento de diferenças. O ditadores, como num passe de mágica, iam a público anunciar o cessar-fogo definitivo. As manchetes só falavam de ocorrências alegres, as rádios só diziam notícias alvissareiras, as tevês só mostravam fatos heroicos. As ruas, os bairros, as cidades, os países todos voltados para um único propósito: a ideia de felicidade potencializada, concretizada.
O Vaticano, lá da sacada papal, Urbi et Orbi, rimbombava, pela voz dos Pastor-Mor: “Enfim, hoje, povos da Terra, estamos em perfeita paz, a paz tão anelada por todos os homens de boa vontade está em vossas mãos amadas. “Pax in Terra.”
A China, a Rússia, o Irã irmanam-se às nações democráticas numa inacreditável mudança de atitudes político-ideológicas. Até os EUA foram os primeiros a afirmarem universalmente: “Todas as armas nucleares de que dispomos serão destruídas hoje com toda a pompa de que gostam os americanos em cerimônias especiais da nação. Milagre dos milagres. Guantánamo é desativada. Cuba liberta todos os seus presos políticos e chama de volta os cubanos dissidentes: “Venham, irmãos da mesma pátria, não percam o dia de hoje. Todos estão anistiados.”
Pessoas houve que atribuíam essa mudança à volta de Cristo para aqui reinar eternamente em clima de paz e harmonia entre os seres humanos.
Os grandes males da Natureza, os acts of God sumiriam de vez. As cidades se livravam dos criminosos dos acidentes diversos, dos estupros, dos crimes hediondos, dos desamores, das incompreensões entre os homens, dos individualismos exacerbados, das hipocrisias, das máscaras sociais, a família unida e coesa. Era o fim da era da competitividade desleal e ególatra, das corrupções tanto públicas quanto privadas. As Bolsas de Valores fechavam as portas com o seguinte aviso: “É proibido especular, abaixo os investimentos – os idolatrados deuses de barro dos multimilionários de todos os continentes!”
Todos os conflitos da União Européia seriam solucionados, sem prejuízo para o conjunto de seus países. Não existiria mais razão para o grupo “Ocupem a Wall Street”, uma vez que suas reivindicações foram atendidas. A palavra greve deixou de ter sentido, visto que todos os conflitos salariais foram também sanados entre governos e funcionários, ou entre empresários e operários.
Um dia feliz no mundo no qual os velhos seriam respeitados e trabalhariam, se quisessem, até longos anos de velhice. Não haveria discriminação por parte dos jovens, nem deboches. Todos os velhos seriam acatados, bem tratados e seriam fontes inesgotáveis de sabedoria e de experiência valiosa.
Sumiriam os desafetos, os inimigos cordiais. Ao contrário, instaurar-se-ia uma espécie de paraíso pós-moderno nos vários segmentos da vida e em suas múltiplas manifestações artísticas. A inveja, - esse grande mal do ser humano – seria desterrada para sempre dos corações dos homens.
Um dia feliz num mundo sem prisões, sem torturas, sem matanças, sem problemas. Universo real sob a égide da bondade e do amor. Mundo em uníssono, sem as grandes mazelas do convívio social:
Todas as criaturas sofreriam uma metamorfose simultânea, ubíqua e atemporal: a sociedade, irmanada, apagaria de vez com os valores negativos do racismo das ideias encarnadas pelas psicopatias sociais contra etnias diferentes, cor da pele diferente, situação sociais diferentes, discriminação de opções sexuais, e, no país chamado Brasil, seriam de vez repudiadas das consciências doentias as discriminações contra os naturais dos estados nordestinos. Todas essas aberrações de que o ser humano era capaz de cometer seriam execradas definitivamente.
Se fosse fazer uma comparação, este nosso mundo maltratado e desrespeitado sob tantos ângulos, , me lembraria aquele “muro de um conto de Oscar Wilde (1854-1900) de título “The selfish giant”, no qual a felicidade e a bem-aventurança dependiam de que um “muro” - metáfora da transição do Mal para o Bem, fosse demolido pelo gigante egoísta.
Só com a derrubada do muro, nasceria um jardim de flores desabrochadas e de crianças felizes que nele poderiam, quando quisessem, passear e viver a felicidade infantil verdadeira e pura. A metamorfose para a felicidade, a mudança do estado da subjetividade individualista do personagem gigante também a ele se estenderia. Ou seja, houve aí um processo de desalinenação do personagem central que só aconteceria caso este fosse despertado daquele estado de alienação no qual vivia no início da narrativa.
Contudo, é uma pena, é de lamentar que a voz condutora deste texto a que chamei de “Alguém ,“não passou de um fugaz sonho que este cronista teve na madrugada de hoje. Só são verdadeiras as concepções teórico-literárias e bem assim as alusões literárias nele contidas. O resto não passa efetivamente de uma utopia de um sonho, não obstante alguns valores nele encerrados não sejam mera coincidência.
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