Cunha e Silva Filho
Já faz praticamente um ano em que tropas rebeldes sírias deram início a combates contra um governo tirânico, como é o Bashar Al-Asssad. O ditador pouco se importa que oito mil pessoas, irmãos da mesma pátria, da mesma língua e dos mesmos interesses por uma vida feliz e livre da mordaça imposta por um governo que não respeita os direitos individuais, coletivos, civis, internacionais.
Não me lembro de que, na sangrentas guerras no Oriente Médio tenha assumido sem eleição, um governo tão prepotente e senhor de todos os seus caprichos. Com ele, estratégias e tentativas de alcançar a paz e o cessar-fogo não têm efeito algum. É um verdadeiro déspota que, tresloucadamente, não pretende arredar do poder e das regalias de um tirano frio, indiferente à sorte de seus compatriotas, para os quais só um “afago” tem a oferecer: o homicídio coletivo, a destruição do próprio país, os bombardeios indiscriminados não se importando se os ataques desferidos pelos seus verdugos travestidos de militares estão trucidando crianças, doentes, velhos e o que de fragilidade apresenta a população das cidades invadidas e incendiadas.
Torna-se inconcebível que, no seu governo, não exista pelo menos algumas pessoas equilibradas que não vejam os crimes contra a humanidade que o ditador está praticando ao arrepio das leis e determinações de todas as instituições mundiais responsáveis pela paz no planeta. Ultimamente, Kofi Annan, ex-Secretário-Geral da ONU, período de 1997 a 2007, esteve em Damasco tentando encontrar uma saída para a mais hedionda situação de guerra civil – esse é o termo mais adequado para definir hoje o estado de beligerância instalado na Síria.
Causa-me espécie que nações ainda poderosas e que detêm a liderança mundial em termos de armamentos como os EUA, a Rússia, a China, a Inglaterra, não tenham atinado ainda para a crueldade que se está cometendo contra os cidadãos da Síria. Preocupados mais com o seu próprio umbigo, os Estados Unidos não têm estado alheio à situação caótica da Síria, mas o que têm feito são apenas advertências contra o governo do ditador. Ora, advertências pertencem, muitas vezes, ao universo da retórica, da diplomacia leniente, e não da passagem da indignação para as ações efetivas, ou para não ser eufêmico em demasia, para ações de alinhamento ao sofrido povo sírio repetidamente massacrado pelas tropas criminosas de Bashar Al-Assad. Já está mais do que provado que o desgoverno sírio decididamente não quer mudanças por vias democráticas. Suas práticas são de natureza bélica contra os compatrícios que não mais suportam a opressão do ditador contra o povo e contra todas os direitos individuais. Se a diplomacia foi tentada, se a Liga Árabe procurou os caminhos do diálogo, se a ONU, através do seu Conselho de Segurança, já se pronunciou contra o genocídio na Síria, então chegamos a um impasse. Ou deixaremos que um país corrupto e ilegítimo trucide parte considerável do seu povo, ou os organismos internacionais terão que repensar com urgência uma intervenção maciça contra o ditador e todos os seus asseclas que com ele compõem a elite do desmando e da intolerância, cujo ponto mais alto se pode definir como crimes contra a Humanidade.
Sabemos que os países ricos enfrentam situações espinhosas financeiramente, inclusive com grandes protestos de suas populações que não querem perder seus já minguados benefícios de aposentadoria e salários e mais outros sacrifícios ´ impostos contra elas, como a contingência de diminuir salários e pensões e aumentar impostos, o que é um flagrante contradictio in terminis.
No entanto, a questão crucial de impedir que mais inocentes morram, à míngua do socorro internacional de povos que amam a liberdade e os direitos dos seus cidadão há meses brutalizados, é um fator que fala mais alto como providência a ser tomada sem delongas pelas nações mais poderosas, sobretudo do ponto de vista de capacidade de dissuasão pela gigantesca força de armamentos de ponta.
Estou pensando agora naquela tão lida e conhecida e brevíssima “Nota Preliminar”, com data de 1901, escrita em São Paulo, incluída na obra de Euclides da Cunha, Os sertões, obra esta publicada , pela primeira vez, em 1902. Brevíssima é essa nota. No entanto, quanto encerra de verdade profunda sobre a condição humana universal, sobre bárbaros e civilizados! Perdeito se revela quando conclui a Nota citando o determinista, o grande crítico e historiador literário francês, Hippolyte Adolphe Taine (1828-1893), cujos conceitos vislumbram com argúcia o que seja falso e verdadeiro por parte daquele responsável por narrar a História dos homens com isenção e sabedoria. Sentir-se na condição de “bárbaros entre bárbaros”, o que equivale, em linguagem atual, torturados e fracos, vale tanto quanto sentir-se um cidadão “antigo” na pele de outro cidadão “antigo”.
A voz da História deve ser a da verdade e não a das aparências, das “meias-verdades”, dos preconceitos, da desinformação. Por isso, em Os sertões, razão de sobra teve Euclides da Cunha em falar de uma ação contra maltrapilhos revoltados.Terminemos citando um atomozinho do sentido geral da revolta de Canudos pelas palavras distantes na escrita e no tempo de Euclides da Cunha:
“Aquela campanha lembra um refluxo para o passado.
E foi na significação integral da palavra, um crime.
Denunciemo-lo.” (1)
(1)CUNHA, Euclides da. Os sertões (Campanha de Canudos). Prefácio de M. Cavalcanti Proença. Capa e desenho de Portinari. Rio de Janeiro: Ediouro, s.d.
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