sexta-feira, 30 de março de 2012

Um poema de Robert Browning (1812-1889)

The patriot: an old story


It was roses, roses, all the way
With myrtle mixed in my path like mad:
The house-roofs seemed to heave and sway,
The church-spires flamed, such flags they had,
A year ago on this very day.

The air broke into a mist with bells,
The old walls rocked with the crowd and cries.
Had I said, “good folk, mere noise repels –
But give me your sun from yonder skies!”
They had answered, And afterwards, what else?”

Alack, it was I who leaped at the sun
To give it to my loving friends to keep!
Nought man could do, have I left undone:
And you see my harvest, what I reap
This very day, now a year is run.

There’s nobody on the house-tops now –
Just a palsied few at the windows set;
For the best of the sight is, all allow,
At the Shambles’Gate – or, better yet,
By the very scaffold’s foot, I trow.

Go in the rain, and, more than needs,
A rope cuts both my wrists behind;
And I think, by the feel, my forehead bleeds,
For they fling, whoever has a mind,
Stones at me for my year’s misdeeds.

Thus I entered, an d thus I go!
In triumphs, people have dropped down dead.
“Paid by the world, what dost thou owe
Me?” – God might question; but instead
“It is God shall repay: I am safer so.


O patriota: uma velha história


Rosas, rosas, por todos os lados, rosas
No meu caminho murtas, muitas murtas:
Do casario os telhados levantar-se e balançar pareciam.
Das igrejas as torres flamejavam, tantas as bandeiras tremulando.
Completa um ano essa celebração.

Nevoento o ar aos sinos se fundia,
Com a multidão as velhas paredes se abalaram.
Dissesse eu: “Boa gente, a quem um simples ruído não contenta -
O vosso sol dai-me além dos horizontes!”
Seguramente seria eu atendido. E depois, como seria?”

Pobre de mim! Caberia a mim ao sol me dirigir
A fim de aos meus amados amigos trazê-lo.
Se eu próprio não o fizesse, quem deles o faria?
Vede, agora, em mim os frutos que colhi
Hoje mesmo, após um ano.

Por cima do casario é só deserto
Salvo um pequeno grupo que se fez notado nas janelas.
Decerto está por vir o melhor da festa:
No Portão do Matadouro – ou antes, creio eu,
Junto aos pés do cadafalso.

Pela chuva caminho inutilmente
Rasga meus pulso uma corda.
Na dor sinto que também sangra minha fronte.
A bel-prazer pedras me arremessam por causa dos
Meus pecados daquele ano.

Assim, lá entrei. Assim se cumpriu!
Nas vitórias, me consagra, reverente, o povo.
“Pago fostes pelo mundo, o que Me deveis?”
Pergunta Deus. Não é bem assim.
A Deus cabe justo preço. Agora, me sinto mais seguro.

(Trad. de Cunha e Silva Filho)

O Brasil perde mais um grande talento



Cunha e Silva Filho


Meu filho Francisco Neto, que mora no Paraná, toca o telefone e me comunica que Millôr Fernandes faleceu hoje. Não há coração brasileiro que aguente tanta notícia de desfalques de parte da vida intelectual brasileira. em tão estreito intervalo de tempo. Há dias foi Chico Anysio. Quem é que suporta tanta emoção, tanto sentimento de lamentação, tanta pena de perdas inestimáveis de nossos valores artísticos.

Estava, em Curitiba, na casa de Roza de Oliveira, poeta e trovadora de grande expressão, nascida no estado do Rio de Janeiro, mas, desde muito pequena, radicada no Paraná. Rosa é declamadora de talento. Tem memória portentosa e, conversa vai, conversa vem, falando de escritores de sua preferência, entre outras coisas me falou que só declamava aquilo que a emocionava mesmo. Então, lhe pedi que me declamasse um poema. Adivinhem qual foi: “Poesia matemática”, de Millôr Fernandes. O leitor não imagina como foi comovente a declamação feita sem vacilações e em tom de voz que me parecia estar ouvindo uma bela canção de amor.

Aquela história de dois apaixonados, o Quociente e a Incógnita(a Hipotenusa) sem fim feliz, tornou-se emblemática na produção poética do autor, principalmente se levarmos em conta a constelação de léxicos de que se serve o poeta, mobilizando o campo semântico da geometria. É no congraçamento semântico que o poema se realiza de maneira a atender à sua lógica interna, onde o tema, o amor, se tece pelo lado do humor, do humor fino, a princípio divertido e, ao final, corrosivo, ácido, tendo como chave de ouro uma lição de pessimismo existencial que não se limita apenas a desconstruir o sentimento amoroso à romântica, como sobretudo invade os meandros da crítica social, flagrada nos seus aspectos mais caóticos, que são os do plano moral, dos desvios da ética amorosa para os descalabros da “relatividade” dos agora desfibrados laços do amor em sociedade. Esse sentido de aviltamento da moralidade para o lado do que a sociedade em geral vem acentuadamente se inclinando já era sintomático desde a época em que o poema foi escrito como parte do livro Tempo e contratempo (Rio de Janeiro: Editora O Cruzeiro, 1954), para o qual Millôr usou o pseudônimo de Vão Gogo. Diferentes pseudônimos ele usaria na publicação de outras obras ao longo da sua trajetória.
O citado poema, nas décadas de setenta e oitenta, era presença quase obrigatória nos livros didáticos de Português. Justamente pelo que oferecia de divertido na sua construção literária, como pelo tema que levava ao debate em torno dele devido à sua original composição,sobretudo considerando o divertido e inusitado jogo semântico. Levava ao riso e também à reflexão. Não era um poema complicado, mas era um poema extremamente bem estruturado e que elevava por certo o interesse e a curiosidade de jovens adolescentes. Basta ver, agora, se pesquisarmos na internet, a copiosidade de referências a esse texto de Millôr.
Uma vez me chateei com uma crítica de Millôr a Agripino Grieco. Pensando bem agora, vejo o quanto me equivoquei com o que dissera o humorista sobre o crítico que no seu impressionismo tanta força tinha também de veia satírica e humorística.
Millôr Fernandes, visto na sua totalidade artística, tanto quanto na sua produção jornalística, ao lado de outros poucos corajosos escritores que enfrentaram os anos da Ditadura no país, será um escritor que só com o tempo – e este tempo virá – será devidamente valorizado e conhecido pelas gerações mais jovens. Seu nome está ligado a importantes publicações brasileiras onde se praticava um jornalismo de alta qualidade tanto no aprofundamento dos temas quanto no valor da escrita. Publicações como O Cruzeiro, Cigarra, Veja, O Pasquim, entre muitas outras, foram trincheiras formidáveis para expressarem as mazelas e e os descalabros da realidade social e política e cultural brasileira. E não estou falando ainda do tradutor autodidata que ele foi, do crítico literário, do poeta, do dramaturgo de alto nível técnico, do desenhista, do humorista, do fabulista, do criador de frases que se tornaram um verdadeiro repositório de máximas inteligentes que dificilmente serão apagadas da memória dos seus leitores.
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Sua sagacidade como analista de texto de obras que lia com a razão em primeiro lugar e com a emoção em segundo lugar, fez sucesso com as análises hilárias e inteligentes desancando estilística e estruturalmente o livro Brejal dos Guajas narrativa de José Sarney, segundo se pode constatar na obra Crítica da razão impura ou o primado da ignorância (L&PM, 2002). Nesta mesma obra Millôr critica o livro Dependência e desenvolvimento na América Latina, de Fernando Henrique Cardoso.
Como referência permanente de sua contribuição ao teatro brasileiro, “... na linha do humorismo sofisticado de Silveira Sampaio...”(Cf.: STEGAGNO-PICCHIO, Luciana. História da literatura brasileira. Trad. de Pérola de Carvalho e Alice Kyoko. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2004, p. 688), Millôr Fernandes escreveu, entre outros, Um elefante no caos (1955) e Vidigal, memórias de um sargento de milícias (1981).
Esta voz agora que, agora, se cala vai deixar um Brasil ainda mais órfão de vigor crítico, de pensador social, desses escritores de raça que tanto me fascinam, sobretudo porque nunca ficaram surdos e acachapados diante da ignomínia, da injustiça e da prepotência dos poderosos neste país ainda de tantas agruras sociais, de tantos absurdos cometidos contra um povo ainda tão sofrido, tão maltratado na educação, na segurança, na violência, na saúde e nas suas práticas políticas

terça-feira, 27 de março de 2012

O dia em que o mundo foi feliz...


Cunha e Silva Filho

Alguém anunciou no dia anterior: “Amanhã será o dia mais feliz do mundo.” E acrescentou: “Não será para um só pessoa, para um só país, será na verdade para o mundo inteiro.” A imprensa internacional, a nacional, a estadual e a municipal, assim como todos os textos que se escrevessem nesse dia de paz absoluta, tudo só relatava boas ações, até mesmo os congressos sobre meio-ambiente e as decisões da ONU só tinham palavras para declararem um estado de perfeita paz universal, concreta e líquida. Na África, não há mais fome nem guerras, nem ditaduras, nem golpes. É paz, é paz é paz... Israel e os palestinos se tornam irmãos na concórdia sobre direitos de terra e divisão territorial.
As guerras, as revoltas, o Ocidente e o Oriente se davam as mãos. Acabavam-se as guerras em várias partes do mundo, sucumbiria o terrorismo internacional, As ideologias mais conhecidas e antípodas, capitalismo e comunismo, chegavam a um acordo de compreensão mútua e de entendimento de diferenças. O ditadores, como num passe de mágica, iam a público anunciar o cessar-fogo definitivo. As manchetes só falavam de ocorrências alegres, as rádios só diziam notícias alvissareiras, as tevês só mostravam fatos heroicos. As ruas, os bairros, as cidades, os países todos voltados para um único propósito: a ideia de felicidade potencializada, concretizada.
O Vaticano, lá da sacada papal, Urbi et Orbi, rimbombava, pela voz dos Pastor-Mor: “Enfim, hoje, povos da Terra, estamos em perfeita paz, a paz tão anelada por todos os homens de boa vontade está em vossas mãos amadas. “Pax in Terra.”
A China, a Rússia, o Irã irmanam-se às nações democráticas numa inacreditável mudança de atitudes político-ideológicas. Até os EUA foram os primeiros a afirmarem universalmente: “Todas as armas nucleares de que dispomos serão destruídas hoje com toda a pompa de que gostam os americanos em cerimônias especiais da nação. Milagre dos milagres. Guantánamo é desativada. Cuba liberta todos os seus presos políticos e chama de volta os cubanos dissidentes: “Venham, irmãos da mesma pátria, não percam o dia de hoje. Todos estão anistiados.”
Pessoas houve que atribuíam essa mudança à volta de Cristo para aqui reinar eternamente em clima de paz e harmonia entre os seres humanos.
Os grandes males da Natureza, os acts of God sumiriam de vez. As cidades se livravam dos criminosos dos acidentes diversos, dos estupros, dos crimes hediondos, dos desamores, das incompreensões entre os homens, dos individualismos exacerbados, das hipocrisias, das máscaras sociais, a família unida e coesa. Era o fim da era da competitividade desleal e ególatra, das corrupções tanto públicas quanto privadas. As Bolsas de Valores fechavam as portas com o seguinte aviso: “É proibido especular, abaixo os investimentos – os idolatrados deuses de barro dos multimilionários de todos os continentes!”
Todos os conflitos da União Européia seriam solucionados, sem prejuízo para o conjunto de seus países. Não existiria mais razão para o grupo “Ocupem a Wall Street”, uma vez que suas reivindicações foram atendidas. A palavra greve deixou de ter sentido, visto que todos os conflitos salariais foram também sanados entre governos e funcionários, ou entre empresários e operários.
Um dia feliz no mundo no qual os velhos seriam respeitados e trabalhariam, se quisessem, até longos anos de velhice. Não haveria discriminação por parte dos jovens, nem deboches. Todos os velhos seriam acatados, bem tratados e seriam fontes inesgotáveis de sabedoria e de experiência valiosa.
Sumiriam os desafetos, os inimigos cordiais. Ao contrário, instaurar-se-ia uma espécie de paraíso pós-moderno nos vários segmentos da vida e em suas múltiplas manifestações artísticas. A inveja, - esse grande mal do ser humano – seria desterrada para sempre dos corações dos homens.
Um dia feliz num mundo sem prisões, sem torturas, sem matanças, sem problemas. Universo real sob a égide da bondade e do amor. Mundo em uníssono, sem as grandes mazelas do convívio social:
Todas as criaturas sofreriam uma metamorfose simultânea, ubíqua e atemporal: a sociedade, irmanada, apagaria de vez com os valores negativos do racismo das ideias encarnadas pelas psicopatias sociais contra etnias diferentes, cor da pele diferente, situação sociais diferentes, discriminação de opções sexuais, e, no país chamado Brasil, seriam de vez repudiadas das consciências doentias as discriminações contra os naturais dos estados nordestinos. Todas essas aberrações de que o ser humano era capaz de cometer seriam execradas definitivamente.
Se fosse fazer uma comparação, este nosso mundo maltratado e desrespeitado sob tantos ângulos, , me lembraria aquele “muro de um conto de Oscar Wilde (1854-1900) de título “The selfish giant”, no qual a felicidade e a bem-aventurança dependiam de que um “muro” - metáfora da transição do Mal para o Bem, fosse demolido pelo gigante egoísta.
Só com a derrubada do muro, nasceria um jardim de flores desabrochadas e de crianças felizes que nele poderiam, quando quisessem, passear e viver a felicidade infantil verdadeira e pura. A metamorfose para a felicidade, a mudança do estado da subjetividade individualista do personagem gigante também a ele se estenderia. Ou seja, houve aí um processo de desalinenação do personagem central que só aconteceria caso este fosse despertado daquele estado de alienação no qual vivia no início da narrativa.
Contudo, é uma pena, é de lamentar que a voz condutora deste texto a que chamei de “Alguém ,“não passou de um fugaz sonho que este cronista teve na madrugada de hoje. Só são verdadeiras as concepções teórico-literárias e bem assim as alusões literárias nele contidas. O resto não passa efetivamente de uma utopia de um sonho, não obstante alguns valores nele encerrados não sejam mera coincidência.
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sexta-feira, 23 de março de 2012

O riso brasileiro silenciado



Cunha e Silva Filho


O humorismo brasileiro é tão típico, tão particular que Chico Anysio, lamentavelmente falecido hoje à tarde, já madurão, tentou uma vez ir trabalhar na América, procurar abrir uma brecha ao humorismo em palcos ianques. Não dera certo.
Nunca dera certo nem daria por motivos vários e contrastantes: a barreira da língua, a formação de sua cultura artística tão impregnada de nordestinidade ainda que estivesse por tanto tempo fora do Ceará. Nordestino tão-só. Um norte-americano, afeito às tecnologias do humorismo adquirido nas suas sofisticadas escolas de teatro, de cinema, para expressar a realidade na prática os valores e as mazelas da terra do Tio Sam, jamais teria entendido o que visceralmente estava implantado na alma do humorista brasileliro. Chico Anysio, era todo ele voltado para fazer rir – isso sim - o brasileiro, o seu povo tão identificado com os seus personagens multifários, compostos de uma galeria de tipos quase todos enraizados em figuras populares: o fazendeiro bronco nordestino e loroteiro, o malandro carioca, o preto mandingueiro, o professor Raimundo – personagem que o tornou famosíssimo dada a alta audiência da série na TV Globo.
O seu humorismo, entretanto, vai bem mais fundo, porque sabe explorar o tipo representativo de um segmento social, em geral, de extração baixa ou média. Interessava ao humorista talentoso a captação do momento exato, do ponto perfeito na combinação do retrato moral do personagem com a situação vivida. Se nele podemos rastrear elementos da comédia que remontam a um, por exemplo, Martins Pena (1815-1848), nele também podemos divisar tomadas de humorismo mais bem sofisticadas do ponto de vista cênico-temático, como a figura daquela personagem cujo interlocutor exerce a função mais relevante do país. Era aí, neste diálogo de mão única que o fio contundente da denúncia social-política – veio amplo e material farto para a exploração do humorismo de natureza frequentemente paródica (lembram-se daquele personagem dele, imitando um conhecido cantor e compositor baiano?) em clave maior de sutileza crítica, reforçada admiravelmente por uma capacidade original do próprio uso da linguagem, em que a repetição de uma palavra, por via iterativa, se dava num crescendo até o ponto decrescente, cujo limite era o silêncio como metáfora dos absurdos do cotidiano da política nacional: “eu juro, juro, juro, juro...”
O humorismo anisiano se fez dessa fragmentação, desses pedaços do povo e do país, divertindo mas castigando como na comédia de Sêneca.
Não há bom humorista que passa incólume com os percalços e os desconcertos do seu país, com os seus costumes, suas misérias, suas enganações e sua hipocrisia. No humorismo bem estruturado e feito com criatividade, como era o dele, desvela-se com facilidade uma realidade que é nossa, um grito mesmo contra as situações aflitivas de um povo. Enquanto o riso rola, existe, nas camadas subtextuais, a revelação e síntese do comportamento de um povo, de tudo o que forma a sua célula moral, amoral ou imoral. O humorismo levado a sério não se contenta com a superficialidade da bufonaria, do clown, dos bobos da corte. Estes fazem o riso pelo riso, são inócuos, não desalienam.
O humorismo é a rebaixamento dos valores para o reino da carnavalização, usando esse termo no sentido bakhtiniano. Mostrar a deformidade, a feiúra, a idiotice dos seres, o absurdo humano, que constituem a vida em sociedade, é uma das funções dessa arte do riso e da alegria misturada a com o patético e tragicômico da condição humana, múltipla, variada, camaleônica.
Chico Anysio, nordestino vitorioso na grande cidade, foi desses artistas que encontraram seu próprio caminho, seu domínio de eleição para uma carreira que o tornou respeitado e admirado pelo brasileiro. Por isso, me indignava quando alguém dizia que o grande humorista já deveria pendurar as chuteiras. Qual nada! Todo seu esforço teve decerto um projeto de implantar uma escola de humorismo distante das improvisações e dos sucessos efêmeros e cmerciais. Não o seu sucesso, que teve uma linha ascendente de grandeza, de criações, sempre em direção ascendente nas suas virtualidades e nas suas realizações no palco ou na tela da tevê.
O programa “Chico City”, bem como outros de sua lavra, torna-se um exemplo obrigatório de quanto o humorista cearense-carioca fez em termos de criação de personagens, de situações cômicas, de uma grande construção de um universo do riso, da galhofa, da diversão, da denúncia, e de uma síntese de caracteres do Brasil brasileiro, sem a maquiagem e as muletas da indústria norte-americana. Sua obra de humorista ressuma brasilidade, nos seus defeitos e virtudes, nas suas imperfeições e na sua originalidade.
Além disso, ao humorista virtuose aliaram-se outras facetas artísticas, a de escritor, de pintor, do compositor musical, de roteirista, de ator dramático, faceta esta que, a meu ver, não o via com muito talento. Mas, ninguém é perfeito em tudo.
Com o desaparecimento do grande humorista brasileiro, o riso, a alegria, a gargalhada, o mundo criado por ele feito de arte e de inegável criatividade, se encolhe e silencia. Obrigado, Chico Anysio, pelos anos de alegria e de divertimento não isentos de ironias e de sutilezas proporcionados a todo o país. Dizem os ingleses e com razão que o melhor remédio é o riso.

Mais uma vítima por engano de uma ação da polícia na Austrália



Cunha e Silva Filho


Jovens brasileiros costumam tentar a sorte no exterior, principalmente Estados Unidos, Inglaterra, Canadá, até mesmo em alguns países asiáticos. Em geral, todos saem na esperança de viverem dias melhores, com mais possibilidades de um emprego, de uma carreira, o que, todavia, nos dias de hoje, não parece algo tão tentador assim. Outros viajam para estudos a fim de aprender línguas e, quem sabe, ao voltarem para o Brasil, estar de posse de um currículo mais vantajoso no que tange aos competidores que não tiveram experiência no exterior.
Acho válida essa procura de melhores oportunidades na vida, uma vez que estão cheios de energias e prontos a enfrentar o mundo com maior determinação, vontade de se superar e conquistar a felicidade que, na Terra, sempre é relativa.
Todos se lembram do operário brasileiro de Minas que, no metrô de Londres, foi assassinado por engano por policiais despreparados. Agora, foi a vez de um outro jovem, o Roberto Laudisio Curti, de 21 anos, que, numa situação de confusão numa loja (não sei ao certo) , foi perseguido por policiais que se utilizaram de uma nova arma – o taser – a qual, disparada, provoca choques paralisantes nos músculos e, segundo os peritos, não letais. Imobilizam o suposto criminoso ou outra pessoa que, por um ou outro motivo, seja alvo da ação repressora da polícia..
Costumo dizer que a polícia, no grosso - e acredito mundialmente -, se mostra com frequência violenta, bruta e descontrolada dado o fato de que são detentores de armas de fogo e de armas não letais, como este triste taser. As explicações dos especialistas em armas não me convencem muito, quanto ao seu uso prático, diante da reação imediata da polícia frente ao suposto criminoso. É preciso que um policial seja bem treinado, tenha um excelente equilíbrio e tenha o que falta em muitos deles – sentimento, compreensão, prudência, humildade - sem essas qualidades dificilmente se tem uma polícia confiável, amiga da população. Pessoas com tendência à agressividade e à violência inata, quando procuram seguir a carreira da ordem e da lei, nunca deveriam ser selecionadas pelos examinadores de concursos dessa natureza.
Só os candidatos que procuram, por vocação, a carreira militar, seja da polícia civil, seja das forças armadas, seja para cargos de segurança privada, podem se tornar bons profissionais, como pessoas dignas, que se sentem bem ao defender os injustiçados, os fracos, os frágeis, a população indefesa, só estes é que deveriam abraçar essas carreiras. Por isso, os exames de seleção devem ser rigorosos, tanto os de ordem cultural, competência de estudos, quanto os psicológicos e psiquiátricos. Naturalmente são indivíduos que, pela responsabilidade de cargos, têm que ser bem remunerados de tal sorte que nunca sejam levados a situações extremas de recursos a greves por melhores salários.
Se os governos tomassem a si a responsabilidade com ações efetivas na melhoria da situação e da qualidade de suas polícias, tais tragédias seriam minimizadas ou mesmo suprimidas da vida em sociedade.
Roberto, o jovem paulista, tinha em mente dominar a língua inglesa. Não se contentou com aprendê-la “by trial and error”. Queria aprendê-la de forma completa, com domínio escrito e oral. Era isso que, a meu ver, provavelmente lhe passava pela cabeça.” Quantos sonhos acalentados, pensando na volta ao seu país natal, cheio de histórias a contar, e por que não, de experiência a transmitir a outros jovens de sua idade.
Regressar ao Brasil, rever sua família, seus amigos, sua cidade e ingressar no mundo pesado e competitivo dos adultos cm a esperança de ser simplesmente feliz.
A embaixada brasileira na Austrália deve fazer todo o possível para esclarecer esta tragédia de mais um brasileiro que é assassinado lá fora.Cumpre investigar com minúcia e rigor para que os policiais culpados sejam punidos pelas leis daquele país distante.
Estou sendo informado pela imprensa de que já se está cogitando em suspender o uso do taser na Austrália. Não sei se no Brasil essa arma perigosa já causou alguma vítima entre nós.

Urge repensar maduramente o uso dessa arma por policiais brasileiros, sobretudo quando o seu uso seja em manifestações ou passeatas que possam, por um ou outra razão, desaguar em confrontos mais sérios com os órgãos responsáveis pela ordem pública. Muita cautela, pois, em se tratando do uso de uma arma supostamente não letal.

No calor de confrontos entre polícia e manifestantes, ou mesmo na abordagem de indivíduos supostamente perigosos, toda precaução vale a pena ser considerada. O policial deve ser, acima de tudo, inteligente, bom observador, prudente e equilibrado.

Universidades, concursos públicos e zonas de sombra



Cunha e Silva Filho


É aspiração voluntária, desejada e necessária que professores estudiosos, competentes e com projetos de contribuir para o desenvolvimento do saber ingressem no ensino superior público ou no setor de relevo privado. Nada mais do que justo tudo isso.
Na prática, porém, para ingresso à universidade, o candidato a docente enfrenta atualmente no país um série de percalços: quase que rotineiramente, a universidade - vamos ficar com o exemplo das públicas -, federais ou estaduais, só oferece uma única vaga a ser disputada em certames para os quais se inscrevem um bom número de pretendentes, todos presumidamente competentes, com experiência docente e com currículos vitae variados em níveis de produção científica. De qualquer modo, supõe-se que os postulantes à vaga única desejem , cada um , preencher a vaga oferecida. Aí que as dificuldades começam a surgir principalmente na sequência de etapas a serem atravessadas pelos candidatos: a prova escrita , a leitura da prova escrita, que é assistida por todos os candidatos, caso o queiram, a prova didática (ou de aula) , a prova de títulos.
Na prova escrita, durante a fase de leitura pública, cada competidor vai avaliando em que medida ficou acima ou abaixo do nível de seus concorrentes, levando-se em consideração que o candidato seja dotado de um espírito isento de subjetividades e narcisismos impeditivos de avaliar o colega de forma independente e imparcialmente, o que é , reconheço, algo difícil no período dos exames. Da parte da banca, vai depender também de que ela se revista de alto discernimento, de isenção, que, se não foram considerados, podem descambar para um julgamento injusto ou por um julgamento que se fixe apenas nas falsas impressões de um cultura de citações dos candidatos que, no conjunto da aferição da banca, resulte parcial e flagrantemente injusta. Essa etapa da prova escrita e, depois, lida pelo candidato, não deixa de ser influenciada pelo subjetivismo dos examinadores de acordo com o tipo de orientação teórica e linha de abordagem de cada um.
Na etapa da prova didática, ou de aula, os mesmos componentes de subjetividade podem prejudicar o candidato, já que uma aula “artificial” – e não há como rotulá-la diferentemente - que será ministrada pelo candidato jamais será o verdadeiro espelho daquela que o candidato daria em condições normais de docência em sala de aula e enfrentando a normalidade da rotina de um professor tarimbado e que disponha de toda uma vasta experiência em lidar com a realidade do discente sem os constrangimentos daquela “aula artificial”, cujo maior objetivo deveria ser - e não o é muitas vezes - o de detectar possíveis falhas dos candidatos, desde, por exemplo, a sua postura, a sua técnica de desenvolver a aula acompanhada de possíveis instrumentos didáticos, realia, a sua voz, o seu domínio do tema abordado e o seu jogo de cintura que não passa de uma demonstração da sua personalidade intelectual e do nível e alcance de sua competência e vivência com a matéria, não deixando de fora fatores como vocação para o magistério superior, o prazer de lecionar, o entusiasmo inato para a função e senso de alta responsabilidade diante do grupo de discentes sob a sua orientação e responsabilidade.
Nessa fase do concurso, poderão surgir outros componentes da parte da banca que, se não forem conduzidos com grande critério de objetividade e visão geral da figura do concorrente e até de deduções lógicas, dificilmente poderão encontrar no candidato ocultas virtualidades que dele fariam um excelente profissional digno de ingresso a uma universidade, e até servindo mesmo como fato determinante para elevar o nível do corpo docente da instituição de ensino superior.
O complexo cipoal do corpus do editais para concursos falha muitas vezes no que diz respeito à avaliação da média dos candidatos. Por exemplo, considerar para tirar a média geral do candidato e classificação final, a condição da aprovação, que tem caráter eliminatório, da prova didática. Ora, isso não passa de um condição injusta e ilógica, porque abre a possibilidade de aprovação de candidatos que tenham títulos abaixo da insuficiência necessária à aprovação das notas todas.
Por outro lado, há ainda uma parte do concurso que se sobrepõe ao conhecimento do candidato. O candidato não saberá nunca como se processo o resultado final dando a vaga àquele candidato que obteve , na media final, a melhor nota. Nesta zona de sombra é que podemos aventar possibilidades do que se poderia denominar “ajuda oculta”, favorecimento a um candidato, manipulação de notas de candidatos, para que não pudessem concorrer, na etapa final da prova de títulos. Sei, por experiência, de caso em que já se sabia a quem iria a banca conceder o prime iro lugar num concurso do tipo que estou comentando. Por exemplo, indicação de candidato sem experiência docente nenhuma e, portanto, sem lastro de títulos e de formação de currículo praticamente nula, vencendo um concorrido concurso de uma universidade para a qual candidatos de alto valor intelectual e de grande experiência docente além de um boa produção científica.
Estas zonas de sombras constituem um dos mais calamitosos e vexatórios, para não dizer injustos, exemplos da educação superior brasileira, cujos pontos mais execráveis são as demonstrações do espírito moralmente desvirtuado de formação de feudos, igrejinhas e conchavos predeterminados que somente aviltam e desprestigiam o conceito sadio que deveria continuamente nortear as práticas docentes e administrativas da universidade brasileira, com as exceções de sempre que não podemos nem devemos subestimar.

segunda-feira, 19 de março de 2012

Um poema de Paul-Marie Verlaine (1844-1896)

Le ciel est par-dessus le toit...


Le ciel est, par-dessus le toit,
Si bleu, si calme!
Um arbre, par-dessus le toçit,
Berce as palme.

La coche, dans le ciel que’on voit,
Doucement tinte,
Um oiseau, sur l’arbre qu’on voit,
Chante as plainte.

Mon Dieu, mon Dieu, la vie est lá
Simple et tranquille.
Cette paisable rumeur-là,
Vient de la ville.

-- Qu’as-tu fait, ô toi que voilà
Pleurant sans cesse,
Dis, qu’as-tu fait, toi que voilà,
De ta jeunesse?


Acima de nós, o céu


Tão azul, tão calmo!
O céu pairando acima de nós,
Por cima do telhado uma árvore,
Sua palma balouçando.

O sino, na amplidão do céu,
Docemente toca,
Na árvore, um pássaro, a céu aberto,
Seu queixume canta.

Meu Deus, meu Deus, e a vida ali está
Simples e tranquila,
Este sussuro de paz
Da cidade vem.

-- Que fizeste, ó criatura de tudo aquilo
Neste choro sem fim,
Dize, ó criatura, de tudo aquilo, que fizeste
De tua juventude?

(Trad. de Cunha e Silva Filho)

domingo, 18 de março de 2012

Meu tio Carlitos: um pracinha da FEB

Cunha e Silva Filho



Ontem, soube que um dos dois tios maternos, o Carlos Alves Setúbal, falecera no dia 3 de fevereiro passado em consequência de um derrame.. Ele, no fim da Segunda Guerra Mundial, tinha-se alistado para compor mais um grupo de brasileiros que iriam combater na Itália contra as forças alemãs, das quais a Itália era aliada, juntamente com o Japão, formando o chamado Eixo. Carlitos, como era conhecido pelos familiares, nasceu em Teresina em 1924.
Nunca, não sei por que razões, dissociava o hipocorístico Carlitos da figura do grande ator inglês Charles Chaplin(1889-1977). Era um associação, uma analogia que do meu subconsciente não conseguia me separar, pois meu tio Carlitos nada tinha de cômico nem de engraçado. Era uma pessoa tratável, simpática, mas séria. De altura média, bem magro na velhice, seus olhos pareciam com os de minha mãe. Não só os olhos, o semblante também, o jeito de perecer estar refletindo distante, sobre alguma coisa insondável.
Quando o conheci, em 1964, estava em plena forma, de sua mocidade de quarenta anos, já casado com a Gelsa, uma carioca alegre e espirituosa, que gostava e ainda gosta de estar informada sobre o que se passa no seu país e que sempre, para mim, era uma boa dona de casa inclusive com os predicados de cozinhar bem.
Calitos, era essa a minha maneira mais tarde de o tratar, sempre me recebeu bem desde quando lhe fui apresentado por um outro tio, ainda vivo, o Zequinha. Foi o tio Zequinha que me levou de Oswaldo Cruz, onde morava, subúrbio do Rio, para Piedade, também subúrbio do Rio. Em Piedade, morava o Carlitos, já casado, com um casal de filhos. Meu tio morava com o pai e a mãe de Gelsa, duas pessoas encantadoras e bem-humoradas, muito gentis, hospitaleiras. Se chamavam Hilário e Ormezinda
Carlitos veio para o Rio muito jovem , ainda adolescente. Posto tenha tido alguma ajuda de um tio o Dico, do lado materno, que era militar e se não me engano, também professor de educação física, Carlitos logo teve que se virar sozinho na cidade grande porém bem mais agradável que era o Rio de Janeiro do final dos anos trinta. Morou em vaga, conheceu a vida noturna carioca e boêmia e meio malandro daquele tempo. Morou na Av. Mem de Sá e provavelmente em outros lugares modestos do velho centro do Rio. O certo é que viveu, a seu modo e com a dificuldades de proteção maior. Ficou adulto, aprendeu a dirigir carros.
O tempo foi passando. Carlitos, finalizada a Segunda Guerra ( agosto de 1945), já tendo regressado da Itália, e na condição agora de pracinha vitorioso da FEB, nesse mesmo ano, retornou a passeio ao Piauí, reviu sua Teresina, foi até Amarante visitar parentes, inclusive minha mãe que, naquela época, lá morava. Mamãe estava grávida, esperando que o autor destes comentários viesse a este mundo, de sorte que viu apenas os meus irmãos Sonia e Winston.
Carlitos, em 1945, embarcou no porto do Rio de Janeiro em navio de guerra para a Itália. Estava-se no ano do final da Segunda Guerra Mundial..Depois de longa viagem, aportaram na Itália. Como tinha aprendido no Rio a dirigir carro, foi logo aproveitado como motorista no front italiano. Uma vez, não sei bem o motivo, numa de suas missões de conduzir militares, seu carro capotou e ele amanheceu, no dia seguinte, em um hospital. Tinha ferido seriamente a cabeça e tivera que se internar. Esta circunstância de guerra me traz à lembrança imagens do romance de Hemingway, A Farewell toArms ( 1929).
Antes do acidente, Carlitos teve também seu tempo de preparação militar a cargo, às vezes, de soldados americanos, esteve em combate, viu, nos campos da Itália, montes de gente morta, soldados alemães, italianos. Viu muita miséria, fome, mulheres que, para sobreviverem, mercadejavam o sexo.
Passou por várias cidades italianas, pelo cemitério de Pistóia,. Em Roma, grupos de destacamentos militares incumbiam-se de levar alimentos para o Vaticano, onde conheceu a Praça de São Pedro e, pessoalmente, as bênçãos do Papa Pio XII (1876-1958), o primeiro Papa romano.
Deixando os tempos da Itália, novamente no Rio de Janeiro, profissionalizou-se como motorista de linha de ônibus cortando a cidade de São Sebastião ainda competindo com a existência dos bondinhos que aos poucos foram desaparecendo como consequência do progresso e das novas necessidades do transporte urbano.
Carlitos, anos depois, foi recompensado com o benefício da pensão do Exército por ter participado como pracinha da FEB. Daí então, melhorou sua vida, teve conforto, conseguindo do Exército o direito de patente de subtenente. Foi bom que tivesse tido a experiência no front da Itália. Sua participação só lhe trouxe benefícios e amadurecimento, assim como lhe deu uma visão mais ampla da vida e da realidade em tempos difíceis. . Voltou com vida e com saúde. Conseguiu sustentar e formar sua família. Comprar, não sem dificuldades, sua casa, uma bela casa, por sinal no bairro de Sulacap. Viveu longos anos de felicidade, sobretudo a partir da sua nova condição de pensionista do Exército.
Sua velhice era simples. Estar junto da esposa, companheira de longos anos, conversar com amigos, vizinhos, jogar sinuca num barzinho, dirigir seu automóvel, fazer compras no supermercado, ler jornal, ver noticiários na tevê. Vida, assim, de um homem simples mas de muitas memórias que lhe ficaram no espírito para sempre. Não era religioso.
Gostava, sempre que lhe pedia alguma informação sobre o tempo da guerra, de me mostrar fotos envergando seu uniforme militar, cheio de vitalidade, de lugares, da Itália, de companheiros de farda, das belas mulheres italianas de então. Seu pai, meu avô materno, Avelino Alves Setúbal, morto precocemente, fora também militar do Exército. Sua fisionomia e porte lembram a aparência física de meu filho mais novo.
Como em muitos falecimentos de entes queridos, não fui, por motivos de comunicação que não me chegou ao conhecimento, ao sepultamento do meu tio Carlitos, agora, jaz no Cemitério Jardim da Saudade. Deixará saudades. Se é um lugar-comum, valerá mais a sinceridade dos meus sentimentos à sua digna família.

quinta-feira, 15 de março de 2012

Por que a insistência no mesmo tema?







Cunha e Silva Filho


Já faz praticamente um ano em que tropas rebeldes sírias deram início a combates contra um governo tirânico, como é o Bashar Al-Asssad. O ditador pouco se importa que oito mil pessoas, irmãos da mesma pátria, da mesma língua e dos mesmos interesses por uma vida feliz e livre da mordaça imposta por um governo que não respeita os direitos individuais, coletivos, civis, internacionais.

Não me lembro de que, na sangrentas guerras no Oriente Médio tenha assumido sem eleição, um governo tão prepotente e senhor de todos os seus caprichos. Com ele, estratégias e tentativas de alcançar a paz e o cessar-fogo não têm efeito algum. É um verdadeiro déspota que, tresloucadamente, não pretende arredar do poder e das regalias de um tirano frio, indiferente à sorte de seus compatriotas, para os quais só um “afago” tem a oferecer: o homicídio coletivo, a destruição do próprio país, os bombardeios indiscriminados não se importando se os ataques desferidos pelos seus verdugos travestidos de militares estão trucidando crianças, doentes, velhos e o que de fragilidade apresenta a população das cidades invadidas e incendiadas.

Torna-se inconcebível que, no seu governo, não exista pelo menos algumas pessoas equilibradas que não vejam os crimes contra a humanidade que o ditador está praticando ao arrepio das leis e determinações de todas as instituições mundiais responsáveis pela paz no planeta. Ultimamente, Kofi Annan, ex-Secretário-Geral da ONU, período de 1997 a 2007, esteve em Damasco tentando encontrar uma saída para a mais hedionda situação de guerra civil – esse é o termo mais adequado para definir hoje o estado de beligerância instalado na Síria.

Causa-me espécie que nações ainda poderosas e que detêm a liderança mundial em termos de armamentos como os EUA, a Rússia, a China, a Inglaterra, não tenham atinado ainda para a crueldade que se está cometendo contra os cidadãos da Síria. Preocupados mais com o seu próprio umbigo, os Estados Unidos não têm estado alheio à situação caótica da Síria, mas o que têm feito são apenas advertências contra o governo do ditador. Ora, advertências pertencem, muitas vezes, ao universo da retórica, da diplomacia leniente, e não da passagem da indignação para as ações efetivas, ou para não ser eufêmico em demasia, para ações de alinhamento ao sofrido povo sírio repetidamente massacrado pelas tropas criminosas de Bashar Al-Assad. Já está mais do que provado que o desgoverno sírio decididamente não quer mudanças por vias democráticas. Suas práticas são de natureza bélica contra os compatrícios que não mais suportam a opressão do ditador contra o povo e contra todas os direitos individuais. Se a diplomacia foi tentada, se a Liga Árabe procurou os caminhos do diálogo, se a ONU, através do seu Conselho de Segurança, já se pronunciou contra o genocídio na Síria, então chegamos a um impasse. Ou deixaremos que um país corrupto e ilegítimo trucide parte considerável do seu povo, ou os organismos internacionais terão que repensar com urgência uma intervenção maciça contra o ditador e todos os seus asseclas que com ele compõem a elite do desmando e da intolerância, cujo ponto mais alto se pode definir como crimes contra a Humanidade.

Sabemos que os países ricos enfrentam situações espinhosas financeiramente, inclusive com grandes protestos de suas populações que não querem perder seus já minguados benefícios de aposentadoria e salários e mais outros sacrifícios ´ impostos contra elas, como a contingência de diminuir salários e pensões e aumentar impostos, o que é um flagrante contradictio in terminis.

No entanto, a questão crucial de impedir que mais inocentes morram, à míngua do socorro internacional de povos que amam a liberdade e os direitos dos seus cidadão há meses brutalizados, é um fator que fala mais alto como providência a ser tomada sem delongas pelas nações mais poderosas, sobretudo do ponto de vista de capacidade de dissuasão pela gigantesca força de armamentos de ponta.

Estou pensando agora naquela tão lida e conhecida e brevíssima “Nota Preliminar”, com data de 1901, escrita em São Paulo, incluída na obra de Euclides da Cunha, Os sertões, obra esta publicada , pela primeira vez, em 1902. Brevíssima é essa nota. No entanto, quanto encerra de verdade profunda sobre a condição humana universal, sobre bárbaros e civilizados! Perdeito se revela quando conclui a Nota citando o determinista, o grande crítico e historiador literário francês, Hippolyte Adolphe Taine (1828-1893), cujos conceitos vislumbram com argúcia o que seja falso e verdadeiro por parte daquele responsável por narrar a História dos homens com isenção e sabedoria. Sentir-se na condição de “bárbaros entre bárbaros”, o que equivale, em linguagem atual, torturados e fracos, vale tanto quanto sentir-se um cidadão “antigo” na pele de outro cidadão “antigo”.

A voz da História deve ser a da verdade e não a das aparências, das “meias-verdades”, dos preconceitos, da desinformação. Por isso, em Os sertões, razão de sobra teve Euclides da Cunha em falar de uma ação contra maltrapilhos revoltados.Terminemos citando um atomozinho do sentido geral da revolta de Canudos pelas palavras distantes na escrita e no tempo de Euclides da Cunha:

“Aquela campanha lembra um refluxo para o passado.

E foi na significação integral da palavra, um crime.

Denunciemo-lo.” (1)







(1)CUNHA, Euclides da. Os sertões (Campanha de Canudos). Prefácio de M. Cavalcanti Proença. Capa e desenho de Portinari. Rio de Janeiro: Ediouro, s.d.

quinta-feira, 1 de março de 2012

Um anjo na praia

Um anjo na praia.




Cunha e Silva Filho


Seria a primeira vez que ela iria dar aquele passeio. A primeira vez a sentir a areia da praia, a sua umidade, a sua maciez. Com aquele baldinho pronto a encher de areia. Seu minúsculo corpo, todo ele fragilidade, todo ele doçura. A beleza com traços nórdicos. Loura a cabecinha. O rostinho simétrico, belíssimo, vendendo simpatia e meiguice, disseminando alegria e vivacidade na passarela de uma vida breve, literalmente.brevíssima. Rostinho sem um defeito, sem uma traço de desarmonia. Era todo ele a perfeição da beleza. Parecia ter mal saído de uma galera grega, com uma deusinha de cútis impecável, uma pequena deusa pós-moderna.

Deusinha da inocência e do espanto da vida, vida que não chegou a entender no seu estágio puro de anjo e de florzinha mal desabrochada em “campo de lírios.” E o sorriso, sempre o sorriso que parecia eterno enquanto durasse. A minha perspectiva é apenas a de um simples espectador maravilhado diante de tanta candura, de tanta inocência, de tanta suavidade de corpo e de espírito.

Quem há de falar agora de morte violenta diante de uma pequena princesa que subiu ao Céu? Quem há de agora senão vê-la naquele biquíni de quase bebê. Sua idade: somente três aninhos. “Quantos anos você tem, princesinha do mar?” Me diria ela, quase em silêncio na sua super-timidez de anjo celeste: “Três anos, me apontando três dedinhos de uma das mãozinhas lindas e clarinhas.

Como espectador, limitado só ao que a câmera da mídia me permite ver, lá vejo a pequenina Grazielly, ao lado da sua mamãe, ambas a mostrarem-se para um mundo que não era digno da beleza e da candidez daquele serzinho desprotegido das asperezas da vida.

Grazielly conheceu o mar, a areia úmida, a brisa marinha que vinha das ondas desalinhar um pouco alguns fios de seus cabelos. Unicamente queria brincar como qualquer criancinha de sua idade e com seus sonhos de beleza diante daquela fase infantil em que a vida todo dia oferece uma novidade, um aspecto inédito ao pequeno universo de eternos sonhos infantis. Grazielly e seu baldinho. Sua mãezinha sempre bem pertinho dela, protegendo-a dos imprevistos da vida. Grazielly queria somente brincar, encher o baldinho de areia e, num canto da praia, construir seu fragílimo castelinho. Nem mesmo sei se desejava entrar na água fria, à beira do mar e sentir as ondas se desfazerem na praia.

De repente, não se sabe como um objeto estranho e extremamente violento surge e se choca no frágil corpinho de Grazielly, que desfalece. Seu coraçãozinho, sendo apalpado pela mãe, ainda bate levemente querendo parar para sempre. Tumulto de gente em torno da pequena princesa da praia. Alguém pede socorro urgentíssimo. O resgate demora a chegar. Chega finalmente e levam o corpinho miúdo e belo para um hospital. A mãe de Grazielly reclama que o socorro veio tarde. Quem causou a morte de Grazielly fugiu sem lhe prestar socorro. Fugiu até de helicóptero. Fugiu covardemente, desumanamente, irreligiosamente.

Os culpados no primeiro momento: a negligência de uma família, gente endinheirada, importante socialmente. Podia-se pensar também na responsabilidade do caseiro ou de outros envolvidos com a permissão do uso do jet ski.

O objeto que provocou a morte da criança é um jet ski – esse esporte que, embora feito para o lazer de pessoas sérias, já há algum tempo tem se transformado em arma mortífera para quem vai à praia ou praticar alguma natação. Nem mesmo a oportuna e necessária campanha publicitária na tevê, sob o patrocínio da Marinha do Brasil, na voz profética do super-campeão velejador Lars Grael, ele próprio vítima de acidente, mutilado que ficou de umas das pernas, numa colisão com um iate dirigido irresponsavelmente, tem servido de exemplo. A campanha, mostrando acidentes de mau uso de barcos velozes e perigosos circulando em áreas de água próximas a aglomerados de banhistas, parece não ter sido considerada pela família de um adolescente que causou a morte de Grazielly.

Esta campanha merece ser ainda mais valorizada sobretudo porque chama a atenção para um ponto fundamental: os usos de jet skis ou outros tipos de barcos de alta velocidade não podem ser permitidos em áreas de banhistas e praticantes de natação no mar. Há que se encontrar – e a Marinha do Brasil tem autoridade para isso - limites de separação segura para a prática desses esportes, além de regulamentar todas as condições de segurança para que tais esportes possam ser praticados e não venham pôr em risco a vida das pessoas.

Urge com veemência repetir: quem são os culpados? A família do garoto parece ser a primeira resposta, visto que o menor não é responsável, na sua idade, pelos seus atos impensados que culminaram com a tragédia de Grazielly, a qual deixa um jovem casal sem o maior bem que tinha, a pequenina Grazielly. As leis brasileiras - tenho repetido amiúde em minha coluna -, têm que endurecer no país. A morte da pequenina não pode ficar assim impune. Nem as mortes de outros delitos que andam rondando os brasileiros.

Há que se procurar punir de alguma forma legal e indenizatória o culpado ou os culpados pelo mal causado a toda uma família enlutada do anjinho da praia: os pais, os avós, os parentes, os amigos, as amiguinhas dela, a sociedade civil que se vê ferida afetivamente e na dor comum da tragédia. Não se fale aqui de fatalidade, porque o acidente não foi fatalidade, mas mau uso do aparelho de navegação em alta velocidade, que, de resto, acaba agora de fazer outra vítima provocada, em razão de negligência, pelas próprias mãos do pai de um menino também vítima de uma tragédia. Sem documentos exigidos para navegação, sem fiscalização rigorosa e continuada dos poderes públicos, sem a responsabilidade dos pais, essas tragédias podem se multiplicar se nenhuma ação pronta e enérgica não for tomada pelo comando da Marinha do Brasil.

Os brasileiros somente irão mudar seu comportamento desrespeitoso e violento se leis duras forem aprovadas, atualizando o nosso cediço Código Penal aos tempos atuais e mandando para a cadeia criminosos e corruptos sem distinção de níveis sociais. Ricos ou pobres, se cometerem crimes, devem responder por eles na forma de leis justas e rígidas de molde a inibir futuros criminosos em todos os tipos de delitos e de atos de hediondez.

Se o Brasil não sair do círculo vicioso da brechas da atual justiça, das progressões por bom comportamento ( é fácil “fingir” bom comportamento na prisão), das prisões privilegiadas, de liberdades condicionais, e das absurdas prisões domiciliares, não passaremos nunca de um país de expressão secundária no concerto nas nações adiantadas do mundo. Criminoso é criminoso e o seu lugar justo e irremissível é o cárcere.