quarta-feira, 30 de março de 2011

Os árabes:a caminho da liberdade

Cunha e Silva Filho


Um mundo conturbado em vários flancos: violência urbana e, por vezes, no campo, corrupção em vários níveis da sociedade e das instituições públicas, tsunamis e terremotos e ameaça da radiação nuclear de grandes proporções a partir do Japão, crimes motivados por razões torpes ou banais, crises econômicas pipocando aqui e ali em nações européias, enfim, o quadro que se nos apresenta nada é animador. Muito ao contrário.
Entretanto, se não é uma notícia de causar inveja, é pelo menos um sintoma animador embora concretizando-se em meio a lutas sangrentas entre filhos da mesma nação.
O fato é que os povos árabes, depois de um longo período de agressões à cidadania, ao direito de expressão individual, à liberdade plena de pensamento e a toda sorte de repressão a reivindicações contra as vilanias do poder autoritário, usurpador, fascista em vários países árabes, parece ter seus dias contados.
Os primeiros sinais partiram do Egito dominado por Mubarack, primeira mudanças para um novo fase de cidadania de um povo. Observe-se que aquelas velhas palavras tantas vezes ouvidas de ouvidas em manifestações ocidentais “um povo unido jamais será vencido” não deixam de ter sua atualidade neste contexto do mundo árabe.As manifestações em ruas de milhares de opositores aos regimes discricionários ou teocráticos mostram que têm peso e voz e são realizadas com coragem, porque enfrentam o fogo policialesco a serviço dos ditadores. Sempre eles com a mesma mise-en-scène, as mesmas características de “baixar o pau” nos costados de indefesos manifestantes. A única diferença entre eles e outros assemelhados em todo o Planeta é a língua, já que matar, esfolar, machucar não necessitam de entendimento, quando o que vale mesmo é o poder do gás lacrimogêneo, do gás de pimenta, dos tiros pra matar inocentes. São meros atos de barbárie, sem razão, nem raciocínio,nem diálogo, no quais os meios justificam os fins. São farinha do mesmo saco impondo determinações do poder que se alimenta da força das armas - único combustível do Estado assassino e covarde.
Vivemos a primeira década do século atual e por isso, com tanta avanço científico feito pro bem e pro mal, tendo o mundo passado, num mesmo século, por duas guerras mundiais – dois grandes inimigos da humanidade, portanto - , e com um avanço nos estudos do Direito, das Ciências Políticas e do aperfeiçoamento das instituições democráticos em muitas países, ou seja, com inúmeros paradigmas que bem poderiam servir de espelho a nações autoritárias, ainda infelizmente estamos atravessando uma onda de uso indiscriminado da força contra a liberdade dos povos.
Não é mais possível que o autoritarismo, os regimes de força ainda persistam em submeter nações aos seus desígnios e prepotências, como se fossem donas da vontade e da liberdade por algum direito divino ou dádivas dos deuses com pé de barro.
No quadro geral do mundo árabe, povos, cansados da opressão e da “servidão humana”, têm manifestado, ainda que com perdas de vidas, a convicção de que vão se cercar de todas as formas possíveis contra opressores na Síria, no Iêmen, no Bahrein, na Jordânia, entre outros povos árabes A Líbia agora, está enfrentando os bombardeios em suas defesas bélicas, o seu espaço aéreo está isolado, sob a mira de caças franceses e ingleses, em obediência a determinações de órgãos de segurança internacional , tendo à frente a ONU e a OTAN e o apoio dos Estados Unidos, os quais se mostram algo tímidos diante deste conflito naquele país de Kadafi que, até agora, não deu sinal de rendição ou de mesmo renunciar ao seu “reinado” de quatro décadas de mandonismo e truculência contra o povo líbio.
Suponho, com o andar da carruagem, que Kadafi dispõe de poucos trunfos nesse combate contra forças internacionais poderosas. Sua recusa de de deixar as delícias do poder o impedem de ver que o cerco está cada vez mais estreito para ele e nação há como capitular ou partir para uma negociação mais segura pra a sua integridade física. Nenhum homem da Terra pode se arrogar o direito de se perpetuar no poder. O fim dos tiranos não é fácil de se prever. A despeito das diferenças de costumes, de religiões, de tradições e visões que os árabes têm, eles, como nós ocidentais, somos seres humanos e, por conseguinte, indivíduos que anseiam pelo bem-estar de sua família e da sua sociedade. A democracia, extraordinária criação dos gregos (em Atenas precisamente) não é assim tão difícil de ser absorvida pelas nações. Conquanto naquela forma de governo possa haver de defeitos, ainda assim seria um caminho universal de entendimento melhor entre os povos.

domingo, 27 de março de 2011

Um poema de John G. Saxe( 1816-1887)*

Find a way or make it


It was a noble Roman,
In Rome’s imperial day,
Who heard a coward croaker,
Before the castle, say:
“They are safe in such a fortress;
There is no way to shake it!”
“On! On!” exclaimed the hero,
“I’ ll find a way, or make it.”

Is Fame your aspiration”
Er path is steep and high;
In vain you seek her temple,
Content to gaze and sigh:
The shining throne is waqiting.
But he alone can take it
Who says, with Roman firmness,
“I’ll find a way, or make it.”

Is Learning your ambition?
There is no royal road;
Alike the peer and the peasant
Must climb to her abode;
Who feels the thirst for knowledge
In Helicon may slake it,
If he has still the Roman will,
To “find a way, or make it!”

Are riches worth the getting?
They must be bravely sought;
With wishing and with fretting,
The boon cannot be bought;
To all the prize is open,
But only he can take it,
Who says, with Roman courage,
“I’ll find a way, or make it!”

* John Godfrey Saxe, poeta americano

Encontre o caminho, ou o construa


Um nobre romano era
Dos imperiais tempos de Roma,
Quem um resmungão covarde ouviu
Dizer diante de um castelo:
“Nessa fortaleza a salvo estão;
Não há quem a destrua!”
Prosseguir! Prosseguir!”, o herói exclamou,
“Um caminho hei de encontrar, ou então construí-lo.”

É a Fama a sua aspiração?
Dela íngreme e elevado é o caminho;
Seu templo debalde procura,
Feliz em contemplá-lo e por ele suspirar:
Resplendente, o trono o aguarda.
Contudo, só quem o consegue,
Com firmeza romana, é aquele que assevera:
“O caminho hei de encontrar, ou construí-lo!”

Nossa ambição é o Saber?
De realeza caminho não há.
Tanto nobres quanto camponeses
Obrigados são a ascenderem à morada daquele.
Quem do conhecimento sente a sede
No Helicon apagá-las poderá
Se ainda da vontade romana dispuser
De “um caminho encontrar, ou construí-lo!”

Riquezas valem a pena?
Com bravura procuradas devem ser.
Com anelos e agitações
Dádivas não se compram,
A todos o prêmio se destina,
Porém, só quem o arrebata
É quem, com coragem romana, afirma:
“Um caminho hei de encontrar, ou construí-lo!”


(Tradução de Cunha e Silva Filho)

quinta-feira, 24 de março de 2011

Minha querida Liz Taylor

Cunha e Silva Filho


Lá nos inícios dos anos 40, você já surgia na tela em preto e branco, estonteantemente bela, com aquele sorriso de invejar todas as meninotas de sua idade. O olhar, nem se fala... Eram olhos de alegrias e de ingenuidade, de pura inocência fagueira, de uma menina, que, ao longo da vida, não chegaria à velhice majestosa dos oitenta anos, e haveria de viver tantas emoções, dores, decepções, doenças, vícios, casamentos desfeitos( um refeito), tudo, enfim, que parece ser uma espécie de sina sombria que acompanha alguns grandes artistas mundiais. Há esse grande mistério, insondável mistério que prodigaliza seres esteticamente maravilhosos, de beleza incomparável, e, no fim dos seus dias, lhes cobra alguma coisa em forma de padecimentos e desgraças, morais, físicas, psicológicas, existenciais.
Jamais saberei explicar que mistério é esse de final infeliz ou problemático que, por assim dizer, faz parte de algumas pessoas famosas que poderiam morrer de velhice, sentada tranquilamente num sofá de sua casa cercada de carinhos e da amizade de todos, ou seja, morrendo qual um passarinho, dando o último suspiro de uma vida em parte belamente vivida, intensamente vivida nos seus amores e nos seus sentimentos, pois, como se costuma dizer, tinham tudo pra serem felizes plenamente e não o foram.
A atriz inglesa de lindos olhos cor azul-violeta, de voz aguda e doce, carregando, numa das faces, um lindo sinal, durante bom tempo atraiu a atenção de milhões de homens atraídos e magnetizados pela doçura de seu rosto, de sua pele, e de sua cintura fina, e permaneceram-lhe fieis súditos de sua invejável beleza física. Elisabeth Taylor (1932-2011), essa inglesinha de Londres e filhas de pais americanos conquistou corações não só de adultos mas também de adolescentes que nos deslumbrávamos com a sua carinha linda, sua vozinha feminina, seu nariz perfeito, sua boca escultural, sua meiguice, seus olhos de tom azul-violeta, provavelmente os olhos mais lindos que o cinema mundial já nos deu. Não é apenas a cor dos olhos que torna as pessoas belas: é, antes,o olhar que elas nos dirigem, a expressão que nos transmitem a sensação de quem está diante do belo que é eterno, como afirmou o poeta romântico John Keats( 179601821).
Não deixam de passar pelas nossas retinas filmes com os quais ela nos encantou com a sua presença de protagonista, Cleópatra, Ivanhoé, Um lugar ao sol, A última vez que vi Paris , entre tantos outros filmes.
Liz Taylor, como era mais conhecida, não só se fez pela beleza mas pelo talento dramático. Ganhou dois Oscars de melhor atriz. Ganhou prêmios e honrarias tanto nos EUA quanto na Inglaterra. Liz é mais do que uma atriz do cinema. Como lembrou um colunista nosso, ela foi algo quase virtual em termos de cinema. Foi muito além de um ícone. Era uma estrela que se eternizou.
Teve participação social , mesmo já doente, lutou em campanha contra a AIDS, contra preconceitos. Foi, pois, participativa. Era amiga fiel dos seus amigos (Rock Hudson, Michael Jackson). Adorava jóias.
Sua vida sentimental-amorosa foi intensa, oito casamentos. Amou apaixonadamente, e foi por ele correspondida, o ator irlandês Richard Burton, seu marido por duas vezes.
Minha querida menina-atriz de There’s one Born every minute, no papel de Gloria, de 1942, ou da série Lassie come home, de 1943, interpretando Pricilla. Você viu a fama que conquistou, sentiu que o mundo a amou e encantou-se com você. Então, minha bela Liz, só me resta, ou melhor, só nos resta pranteá-la nesta ausência da beleza e da dor universal.

Na Terra do Sol Nascente

Cunha e Silva Filho


Os primeiros contatos que tive com a nação japonesa têm uma ideia muito ligada a alguns contos japoneses que há muito tempo li de uma antologia traduzida: eram histórias fascinantes, histórias que, se mal pudesse comparar, tinham muito de suaves mistérios, de brilhos, de ações encantatórias, próprias dos mistérios orientais, sobretudo de mistérios interligados às mulheres nipônicas, aos seus amores, às vezes tristes, à vezes, delicadamente alegres. Eram, em geral, histórias comoventes, que me prendiam profundamente a atenção e nelas embarcava como leitor cativo.
Um outro contato foi através da leitura, já adulto, de uma pequena tese de meu pai para professor catedrático de História do Brasil da Escola Normal Antonino Freire. A tese tem por título A odisséia do cativeiro no Brasil (Teresina: Imprensa Oficial, 1952). Quase ao final desse pequeno e preciso e claro ensaio, mas importante do ponto de vista dos temas discutidos, há uma exposição que ele faz do espírito de tenacidade, de arrojo e determinação desse povo, cuja inteligência levou-o a uma sobranceira posição como terceira maior potência mundial.
E repare-se que, segundo bem assinala Cunha e Silva (1905-1991), o Japão, há oitenta anos da data da escrita da tese, era um país atrasadíssimo. Nas palavras daquele autor: “O Japão era uma nação quase bárbara” ( op. cit. p. 59). O pais era um mundo isolado da civilização ocidental. Só com a abertura dos seus portos ao mundo adiantado, e com o desenvolvimento de um sistema de ensino “popular” eficaz e sério, conseguiu o país soerguer-se, cinquenta anos mais tarde, a uma patamar de grande potência.
Isso é mais do que admirável porquanto os japoneses sofreram enormemente na Segunda Guerra Mundial, a despeito de se aliarem, constituindo as potências do Eixo, ao nazifascismo da Itália e da Alemanha, e ainda foram vítimas de duas desnecessárias e lamentáveis tragédias praticadas pelo então governo norte-americano: Hiroshima e Nagazaki – dois marcos de extrema violência a que as guerras podem levar as nações envolvidas, de resto, duas indeléveis nódoas praticadas , não pelo povo norte-americano, que é nobre e ousado, mas por seus dirigentes de plantão.
Um terceiro contato mais de perto que tive com o povo japonês foi quando trabalhava como professor de inglês in–company de uma famosa empresa japonesa. Fizemos boa amizade. O jovem aluno era atento, sincero, persistente e honesto. Nunca mais nos vimos, porém dele guardei boa e forte impressão de firmeza de caráter. É pensando em tudo isso que me volto para esta espécie de holocausto da Natureza contra a nação japonesa. O Japão não merece pelo que está passando. Um país que atingiu o nível de que desfruta atualmente não poderia ter sofrido, em tão pouco tempo, tanta destruição em seu solo, e sobretudo em astronômica perda de vidas ocorridas com tanta violência das forças naturais.
Nação de povo sério, educado, honesto, persistente, amigo do trabalho e do progresso, já tendo conquistado um lugar expressivo no concerto dos povos civilizados, o Japão precisa da ajuda e compreensão do mundo inteiro.
Seu luto por quase oito mil mortos e dezenas de feridos e desaparecidos com a recente invasão do assassino tsnunami e do grande terremoto atingindo quase o pico na escala Richter, sofrendo, ademais, do funesto desastre de sua usina nuclear de Fukushima, uma cidade japonesa, põe em alto risco mais vidas humanas sob a ameaça da radiação que, se não for contida, poderá se espalhar por vastas extensões do país, contaminando tudo, a começar da biodiversidade, da produção de alimentos, da água potável, enfim, da energia elétrica para as suas indústrias e fábricas. Não há como ficar calado diante de tanta dor, sofrimento, vidas perdidas, prejuízos econômicos incalculáveis ao país. Uma nação assim fica fragilizada, quase perdendo o rumo e, se não o perde, é porque o nobre e destemido povo japonês sabe o que sejam padecimentos, sobretudo a partir da Segunda Guerra Mundial.
Tenho imensa certeza de que o país há de encontrar novas formas de recuperar-se de todos esses males de que foi vítima, e vítima inocente, diria quase, porque a Natureza, como o mar, semelha, em circunstância algo parecida, aquela imagem soturna e indiferente – por isso profundamente triste -, que presenciamos na leitura do romance Moby Dick, de Melville. Contra a fúria assassina dos acts of God pouco se pode fazer. Nos resta, agora, o consolo das preces dos crentes de todas as religiões. Amém!

segunda-feira, 14 de março de 2011

Aos leitores

Prezados leitores :

Por motivo de saúde, estarei, por uns dias, afastado do meu Blog.

Forte abraço do

Cunha e Silva Filho

quinta-feira, 10 de março de 2011

A vida: uma nonada

Cunha e Silva Filho


Não vou nem mesmo falar do que ocorre no mundo dito civilizado, seja no Oriente, seja no Ocidente. Falo do Brasil, do que está acontecendo aqui com nossos compatriotas. O quadro é aterrador: mata-se alguém por qualquer motivo, até sem motivo. Não são as festas das folias, uma semana ou mais de Carnaval, dependendo do local, que me vão fazer mudar de ideia sobre o que venho pensando dos brasileiros. Me reporto, em sentido geral, à massa, ao povo, à sociedade, porque, de um local qualquer, na cidade ou no campo, inesperadamente surge mais uma tragédia familiar ou entre pessoas desconhecidas. Nos dois casos, a gravidade dos relacionamentos sociais existentes hoje está passando dos limites imagináveis.
Há pouco li um artigo no Globo ( 05/03/2011, Coluna História) falando sobre a consternação em que ficou o povo brasileiro com a morte do Barão do Rio Branco (1845-1912) quando o governo do Marechal Hermes resolveu postergar a data do Carnaval do Rio de Janeiro em razão do falecimento daquele homem público que, conforme relata o livro, O dia em que adiaram o carnaval – política externa e construção do Brasil (Ed. Unesp), recentemente publicado pelo diplomata brasileiro Luís Cláudio Villañe G. dos Santos, mexeu tanto com a emoção de nossa gente que, ao invés de um só Carnaval, houve dois, um não-oficial por escolha do povo, e outro adiado pelo presidente da República. O primeiro Carnaval aconteceu em fevereiro e o segundo, em abril, do dia 6 ao dia 10. Mas, o que isso tem a ver com o primeiro parágrafo desta crônica?
É que a articulista, Roberta Jansen, faz um retrospecto das origens do Carnaval no país, remontando-as ao período colonial., mostrando as mudanças que foram se acrescentando a essa disputada festa nacional, com a incorporação, já no fim do império, dos batuques africanos e de toda uma simbologia negra, por exemplo, a figura do Rei Congo e a sua versão tropical de realeza, bem como modelos europeus com a inclusão de figuras emblemáticas carnavalescas, como a do Rei Momo, do Pierrô e da Colombina. Segundo a articulista, o aproveitamento de elementos do Carnaval europeu coincidia com a modernização do Rio na virada do século 19 pro século 20.
Mais adiante, no artigo, a autora levanta a questão de outra fonte de alegria do povo, o futebol, introduzido aqui em 1896. Ao comentar, porém, seguramente respaldada na obra do Luís Cláudio Villafañe G. Santos, a articulista refere a dois símbolos nacionais, o futebol e o conceito de territorialidade, considerados pelo diplomata como “dois dos mais fortes símbolos nacionais” que para ele são “bem recentes”. Mais adiante, a articulista alude a outra afirmação do diplomata, segundo a qual “a extroversão e a alegria do brasileiro é algo “bem recente”. Não consegui atinar com o sentido dessa assertiva, que me pareceu um pouco imaginosa.
Ora, um povo alegre e extrovertido, segundo conceitua o diplomata, para mim não combina com a avalanche de tragédias que tem ceifado a vida de muita gente na sociedade brasileira, afastando, em grau considerável, qualquer resquício de sentimento de cordialidade, de cordura, de nosso povo.
O que se tem presenciado nos últimos tempos de forma recrudescida não confirma qualquer sinal de que sejamos um povo pacífico, sobretudo quando se trata de relacionamentos interpessoais da família, de parentesco, de convivência e independentes de estratos sociais. Desta forma, é preciso aprofundar mais esta questão de “povo cordial”, manso, pacífico, ordeiro. Isso tudo não passa de falácia ou de formas construídas ideologicamente.
A criminalidade hoje, além daquela ligada ao tóxico, ao tráfico, ao lenocínio, ao latrocínio e a outras manifestações espúrias do comportamento brutal do ser humano (nas ruas, nas estradas, no trânsito, nos bancos, em toda parte) se manifesta poderosamente nos interstícios dos contatos humanos. Mata-se alguém por uma nonada. Talvez aqui se possa identificar por que pais matam filhos, filhos matam pais, maridos matam esposas, irmãos matam irmãos, mães matam seus bebês, velhos espancam velhos, enfim, um estatística colossal de vidas produtivas que se perdem, criando um estado quase permanente de perplexidade diante de tantas perversidades constantemente anunciadas pelos meios de comunicação. E não estamos falando de outra mazela também perniciosa que se alastra entre nós: a corrupção nos vários setores da sociedade e das instituições públicas Dois remédios que, a meu ver, não são meros paliativos, são fundamentais que se levem em consideração para tentar diminuir em parte esses males sociais:
1) cuidar-se da formação escolar e educativa das crianças, ou seja, reformar substancialmente hábitos escolares vigentes, fazendo com que os governantes se deem conta de que sem maciço investimento na escola brasileira, sobretudo a pública, tendo como prioridades a qualidade da aprendizagem e a formação moral de nossas crianças e adolescentes, de nada adiantarão outras com quistas e avanços no país.
2) implantar-se, ainda que por tempo provisório, uma legislação drástica em nosso sistema penal, não descartando mesmo a prisão. Nem tampouco as sentenças que, por um motivo ou outro da legislação penal, são reduzidas com o tempo. Criminosos de alta periculosidade não merecem benesses nem recursos legais que suavizem penas. Nada de permitir as conhecidas brechas da lei - verdadeiros estímulos malfazejos à perpetuação da criminalidade diante da impunidade existente. O chamado benefício de bom comportamento para delinquentes não passa de mais uma forma de estimular facínoras. Não falo, é claro, de casos em que o indivíduo que cometeu um infração menor seja penalizado como se fosse um vil bandido. A mão da Justiça deve ser pesada e implacável para os casos de crimes hediondos, em que o infrator comprovadamente cometeu seu delito e até mesmo o confessou publicamente e sem nenhum remorso ou arrependimento.
O que não pode continuar é presenciarmos dia a dia a escalada de selvagerias que se praticam atualmente na sociedade brasileira. Só um freio mudará a face da criminalidade neste país: a derrota da impunidade em todos os níveis de delitos, de comportamentos antissociais, de interação fracassada entre familiares e entre os seres humanos em geral. Os brasileiros de bem já chegaram ao limite máximo de suportarem, desamparados, tanta perversidade sem uma resposta efetiva dos governantes.

segunda-feira, 7 de março de 2011

Transporte de ônibus no Rio de Janeiro: um caso de polícia

Cunha e Silva Filho


O eixo temático deste artigo se limita ao Rio de Janeiro, embora se possa estendê-lo para a cidade de São Paulo, que não deve ser muito diferente. Por ora, quero me limitar ao uso do ônibus e suas implicações para a segurança dos passageiros. Nessas duas megalópoles, os passageiros sofrem muito com a extrema violência, selvageria e truculência de grande parte dos seus motoristas, acrescidas, além disso, da ala velocidade imprimida aos veículos. Em capitais menores do país, a gente sente como os motoristas são diferentes, são mais cordatos, mais disciplinados. Entretanto, isso não justifica o alto nível de agressividade dos ônibus do Rio e São Paulo.Não é por dirigirem veículos de grandes cidades que os motoristas tenham que se comportar como bárbaros no volante e no relacionamento com o passageiro.
As autoridades, governador, prefeito, deputados etc e as pessoas de maior poder aquisitivo que só andam em seus carros particulares, parecem desconhecer a duríssima realidade do cotidiano de quem anda de ônibus, correndo sempre um grande risco, na iminência de que algo trágico possa acontecer a qualquer momento no percurso de uma viagem de seu bairro até o ponto de descida de cada passageiro.
Os motoristas cariocas, em geral, não estão respeitando os passageiros nem cumprindo as normas de segurança e limites de velocidade determinados por lei. Estão pondo a vida dos usuários desse transporte de massa em alto risco. Dirigem os veículos com brutalidade, dando freadas bruscas sem necessidades, sacolejando de propósito os veículos ou mesmo pouco se importando com os passageiros que estão viajando em pé e, por isso, mais vulneráveis a sofrerem quedas e serem seriamente machucadas durante a viagem. Muitas vezes, ao notarem pessoas idosas lhe acenando para embarcarem, não param o ônibus, fingem que não veem e até aceleram mais o carro pelo meio da pista. Alegam os idosos que tais motoristas agem assim por pura desconsideração àqueles que têm gratuidade de transporte.
Ora, o dinheiro não é dos motoristas e nem estes são donos do veículo, nem serão, que eu saiba, tampouco recompensados com prêmios para fazerem maldades contra idosos. Não creio que recebam recomendações das empresas para procederem assim, o que seria uma infâmia por parte de empresários que não mereceriam desenvolver este tipo de atividade de caráter essencialmente social. Então, por que tanta maldade? Muitas vezes motoristas incompetentes não prestam a devida atenção aos passageiros que estão descendo dos ônibus por detrás, segundo é a norma hoje, e por isso causam acidentes fatais aos passageiros, sobretudo os mais idosos, o que é uma ato de abominável covardia e desrespeito ao ser humano. Não se lembram os motoristas de hoje que, no futuro, estarão na mesma posição de passageiros que dependem da gratuidade. Mas, isso é pedir muito a quem não tem, em geral, visão do mundo e das voltas que este dá.
Como nosso povo suporta tudo sem reclamar, representante do “homem cordial que é, ou por ignorância, ou por covardia, os motoristas indisciplinados se aproveitam desse silêncio e abulia coletivos (sem intenção de trocadilho) e fazem o que bem entendem na direção de um veículo sob sua responsabilidade. Ora, ali se encontra um veículo por vezes lotado de passageiros, aumentando, assim, a possibilidade de um acidente de maior proporção e com desfechos ainda mais trágicos.
Cabe à Prefeitura do Rio de Janeiro tomar as medidas urgentes e definitivas neste sentido, uma vez que essa situação se arrasta há anos, determinando que a Secretaria de Transporte Municipal tome providências rigorosas contra as empresas de ônibus ou de outro veículo de massa, aplicando-lhes pesadas multas, e se o caso form mais grave, cassando-lhes as concessões. As empresas de ônibus, por sua vez, devem demitir por justa causa aqueles motoristas relapsos que estejam praticando estejam praticando infrações de todo tipo e principalmente, repito, colocando a vida dos passageiros em constante perigo.
É preciso de imediato mudar este esta situação aflitiva para os passageiros que, ao tomarem um ônibus, já se sentem angustiados e apreensivos com o que irão encontrar durante o percurso de suas viagem.
Há algumas sugestões que poderiam surtir efeito positivo na melhoria das viagens de ônibus urbano:

1) A seleção de motoristas deveria ser a mais rigorosa possível, sobretudo nos seus aspectos psicossociais. Um candidato a motorista não pode ser um potencial psicopata, um indivíduo desequilibrado. A psicologia já dispõe de meios de aferir se uma pessoa pode exercer ou não uma atividade desta natureza. Por conseguinte, o candidato selecionado deve preencher requisitos fundamentais ao exercício de uma atividade importante socialmente como é a do motorista. Ele vai lidar o tempo todo com vidas humanas e isso não pode ser esquecido;

2) O candidato a motorista deve ter e comprovar conhecimento de leis de trânsito e de saber como tratar os passageiros que, de resto, são as pessoas que garantem o emprego dele;

3) Deve haver constantemente uma pesquisa permitindo que passageiros avaliem seus motoristas. Aliás, tem-se visto que , em alguns ônibus, há uma urnazinha, colocada em lugar visível do veículo, solicitando opiniões dos passageiros sobre o desempenho dos veículos por parte dos motoristas. Contudo, e necessário que os usuários façam a sua parte atendendo a essas solicitações e reclamando insistentemente sobre motoristas irresponsáveis. Os passageiros devem ser solidários uns com os outros sempre que observam que os motoristas estejam conduzindo o veículo de forma desastrada e criminosa;

4) A Secretaria Municipal de Transportes não pode abdicar de sua alta responsabilidade no sentido de fiscalizar permanentemente com todo rigor e aplicação da lei, todos os desmandos e ações criminosas cometidos por motoristas de ônibus;5) Os motoristas devem ter melhores salários e condições de trabalho. Estes benefícios são é fundamentais – assim como em qualquer outra atividade -, para que bons motoristas sejam estimulados a exercer uma atividade social tão fundamental.
6) Uma grande campanha nos diversos meios de comunicação deve ser lançada pelos órgãos municipais competentes chamando a atenção da importância da solidariedade entre passageiros de ônibus e de uma maior aproximação ou melhor entrosamento entre usuários e motoristas. Essa possibilidade é exequível. Basta boa vontade de todos os envolvidos, ou seja, dos passageiros, motoristas e autoridades.

domingo, 6 de março de 2011

O Estado do Rio e sua literatura: uma viagem prazerosa e instrutiva

Cunha e Silva Filho

No ano passado, publicou-se um livro relativamente pequeno ainda não suficientemente divulgado, Viagem literária através do Estado do Rio, (Niterói: Nitpress, 2010, 190 p.), organizado pelo professor Luiz Antonio Barros, professor de língua portuguesa do Colégio Militar do Rio de Janeiro, autor didático, dicionarista meticuloso, estudioso sobretudo de questões etimológicas e semânticas. O livro traz um primoroso prefácio do escritor Roberto Kahlmeyer-Mertens e iluminadoras orelhas de Luiz Augusto Erthal.
O autor, com mais esta obra, confirma seus inegáveis dotes de um pesquisador que sabe como encontrar o melhor caminho de reunir seu material pesquisado, no caso, autores nascidos no Estado do Rio de Janeiro.Contudo, reunir não é o suficiente para este pesquisador, porque ele avança no que está realizando, i.e., compõe uma antologia de escritores, inserindo os de maior projeção e outros de menor projeção ou quase desconhecidos, como Max de Vasconcelos (1891-1919), Walter Siqueira, Menezes Wanderley, dos quais nem dados biobibliográficos sequer encontrou o antologista. Outro, entre outros citados pelo organizador seria o poeta satírico e ator profissional, José Inácio da Costa, pseudônimo de Capacho, que viveu no Rio de Janeiro durante o vice-reino pré-joanino, de quem pouco se sabe e nem mesmo onde e quando faleceu. Disso resulta uma antologia enxuta, agradável, que, na verdade, nada tem das velhas fórmulas de se organizar uma antologia, cuja metodologia consistia apenas em reunir autores, fornecer-lhes dados biobibliográficos e selecionar excertos que melhor atendessem à subjetividade do organizador ou dos organizadores. Naturalmente, esta subjetividade será traço comum a qualquer organizador de antologias.
Para alterar esse modelo já gasto, Luiz Antonio opta por uma forma diferente e mais amena de aliviar o leitor, já que a reunião de autores e textos diferentes torna-se por vezes cansativa, quando prolongada no seu tempo de leitura. Para suavizar essa monotonia, o organizador resolveu, de forma original, apresentar seus autores sinalizando os escritores por grupos geográficos específicos, com capítulos ou seções sugestivos e aliciantes, como, por exemplo, o primeiro capítulo intitulado “Por lagos e mar há algum tempo navegados”.
Pode-se dizer que a antologia abrange a totalidade das cidades do Estado do Rio de Janeiro. Se há omissões de autores, e, neste gênero de publicação sempre os há, creio que não foi por culpa do antologista.
Outra novidade introduzida por Luiz Antonio foi a oportuna e eficaz ideia de, até por associá-la ao próprio título da antologia, fornecer breves informações históricas, etimológicas, econômicas, paisagísticas e culturais sobre a cidade ou região que precedem cada escritor incluído, além de, em alguns casos, resumidas apreciações críticas a respeito de obras significativas dos autores, assim como dados biobibliográficos na medida do possível e do que o autor conseguiu colher das pesquisas por ele empreendidas.
Fica-se sabendo o quanto de valores literários permanecem olvidados pelo povo, mesmo por especialistas em literatura brasileira. Obviamente, a quantidade de autores menores é grande, mas se descobre afinal que, entre os esquecidos, há deles de real valor literário, que são dignos de estudos por parte dos estudiosos de literatura. Já por isso vale a pena conhecer esta antologia.
Quanto aos textos selecionados, vejo que o organizador teve bom gosto e foi criterioso, ele que é um experiente professor e um assíduo leitor de literatura brasileira. Nestes textos, o leitor atento, o professor de literatura, hão de encontrar material inestimável para a sala de aula. Eu, particularmente, me surpreendi com nomes de autores merecedores de estudos pela qualidades de suas obras e pelo quase anonimato em que se encontram no panorama da literatura brasileira, tanto do passado quanto da atualidade. A antologia de Luiz Antonio tem este mérito, o de suscitar o interesse por esse autores pouco ou quase nada conhecidos por especialista, Acredito que isso é uma realidade de âmbito nacional, de solução quase incontornável. A literatura é também feita de injustiças por parte de historiadores.
Seria conveniente ao organizador que mantivesse as partes da antologia uniformes, o que vinha acontecendo sem problema até à citação do escritor Wanderlino Teixeira Leite Netto (p.175). Até aí o organizador vinha inserindo textos correspondentes a cada autor, ficando de fora desta norma, infelizmente, os nove autores que finalizam a antologia.
O organizador às páginas 108-109, discorrendo sobre a cidade de Porciúncula e a origem do seu nome, desta vez não inclui, nenhum escritor. Apenas cita um comentário de dois autores sobre a expressão diminutiva “porciúncula”, que, para eles, não vem a ser o nome pelo qual foi designado aquele município. Para eles, Porciúncula foi assim chamada simplesmente por homenagem a Tomás de Porciúncula, o qual fora Presidente (ou Governador) do Estado do Rio de Janeiro. O texto “Armadilha da sardinha coqueiro”, ali selecionado, aliás, bem interessante pelo seu bom nível literário- humorístico apenas se incluiu, penso eu, pela relação geográfica com o município. Neste caso, o organizador foge ao plano geral da natureza do livro.
Na questão da inclusão de nomes na antologia de Luiz Antonio, que é um nó górdio de qualquer antologista, e que muitas vezes provoca polêmicas devido às suscetibilidades dos autores não incluídos, teria sido bom que o antologista tivesse incluído o nome da escritora, Roza de Oliveira, trovadora, poetisa, ensaísta, autora de literatura infantil,, admirável declamadora, e professora universitária aposentada,nascida em Santo Antônio de Pádua, Rio de Janeiro e residente há muitos anos em Curitiba. Roza continua atuante na atividade literária, mantendo-se em plena forma com suas oficinas de poesia em Curitiba e divulgando seus trabalhos de poetisa e de consagrada trovadora dentro e fora do Paraná. Não culpo o antologista por qualquer omissão involuntária, principalmente porque, o mais das vezes, durante a organização dos dados coletados, ele mesmo não teve notícia de uma autora fluminense que está fora do Rio há anos e nem pudera encontrá-la em obras predecessoras.
Creio que, com esta nova obra, Luiz Antonio, conforme o fizera com o seu útil Dicionário de ditados, provérbios, alusões, citações e paródias (Niterói: Nitpress, 2008, 317 p.) estará prestando mais uma grande contribuição aos estudos literários, ao mesmo tempo em que sua Viagem literária através do Estado do Rio vem tornar mais conhecidos dos leitores cariocas, fluminenses e brasileiros em geral, e nos diversos gêneros literários, alguns escritores de destaque mas menos conhecidos que, ao lado de Machado de Assis, Lima Barreto, Euclides da Cunha, Fagundes Varela, Casimiro de Abreu e tantos outros, nascidos no Estado do Rio de Janeiro, aí estão à espera de serem agora mais bem estudados, divulgados e pesquisados.
Luiz Antonio cuidou, quer pela capacidade de pesquisador, quer pelas atualizadas referências bibliográficas, antecedidas de siglas que, no corpo do livro, facilitam enormemente o leitor, quer, finalmente, pelo impecável índice onomástico, acrescido da página referente ao autor, de preencher esta lacuna e o fez com competência e dedicação, qualidades que sempre nele apreciei desde quando fui dele colega no Colégio Militar do Rio de Janeiro.

sábado, 5 de março de 2011

A ausência de Benedito Nunes (1929-2011)

Cunha e Silva Filho


A crítica literária brasileira, sobretudo a praticada entre nós pelo chamado “alto ensaísmo”, está de luto com o falecimento de Benedito Nunes, professor de filosofia e de literatura da Universidade Federal do Pará. Formado em filosofia em Paris. É considerado um dos mais eminentes críticos literários que o país já conheceu, intelectual respeitado até no exterior.
Meu contato com ele foi apenas através de seus livros e ensaios , sobretudo literários. Porém, a primeira vez que dele ouvi falar foi logo durante o meu primeiro ano de curso de Letras nos meados da década de sessenta. Naquela época se falava muito e bem de uma obra dele de ensaios, sob o título O dorso do tigre, largamente lida e recomendada por professores e colegas universitários. Era, portanto, aquela obra importante que deveria constar da bibliografia nos cursos de Letras.
Entretanto, dele me aproximei ainda, sempre, é claro, através de sua escrita crítico-ensaística, durante a preparação da minha tese de doutorado, quando um aspecto nela abordado dizia respeito à categoria do tempo, fundamental à estrutura de qualquer narrativa ficcional. Para a discussão desse aspecto, uma das obras por mim então utilizadas e que lançou muita luz sobre aquela categoria foi O tempo na narrativa (Coleção Fundamentos Editora Ática), de Benedito Nunes.
Esta obra, pequena e percuciente, discute, com grande força analítica servida por um vasto espectro teórico e de conhecimento bibliográfico atualizado sobre o assunto, a intrincada questão do tempo nos seus vários ângulos e manifestações, em particular no campo da narrativa. Seu conhecimento profundo de literatura universal e de literatura brasileira, aliado às suas especulações de natureza filosófico-linguística, fez dele um crítico para quem o fenômeno literário sempre estaria recebendo uma sólida contribuição de formas de abordagens oriundas do saber filosófico, principalmente da fenomenologia.
Daí ter sido de extremo valor seus ensaios sobre Clarice Lispector, João Cabral de Melo Neto, Mário Faustino, Guimarães Rosa e tantos outros estudos sobre temas filosóficos.Me recordo, agora, de um comentário que Nunes fez sobre a sua formação intelectual. Sabe-se que teve formação linguísitca primordialmente em francês.Um dia, porém, se queixou – lamentando -, de que não dominava bem o alemão – idioma básico pros estudos filosóficos que, no país, tem história desde Tobias Barreto (1839-1889). Como era estudioso de filosofia, essa lacuna não podia suportar. Mesmo assim, me parece que se decidiu, ainda que um pouco mais tarde na vida, a melhorar seu conhecimento naquela língua. Acredito que chegou a dominá-la, o suficiente para ler no original autores germânicos, porquanto no livro Heidegger & ser e tempo ( Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2002) já demonstrava sinais evidentes de domínio do alemão.
Benedito Nunes pertence a um seleto grupo de intelectuais do Pará. Fora colega de Mário Faustino, quando este saíra de Teresina pra Belém. Também teve como amigo e admirador o grande poeta paraense Jurandyr Bezerra, que reside há muitos anos no Rio de Janeiro e de quem tenho a honra de ser amigo.
A propósito da morte recente de Benedito Nunes, veja o leitor um pequeno trecho de Heidegger & ser e tempo (op.cit.) no qual, estudando a obra de Heidegger, O Ser e o Tempo, na seção de título “Morte”(p. 22-24), assim conclui:
“(...) Concorrentes que se traspassam, o ser-para a morte e o poder-ser livre implicam, cada qual, a projeção Dasein para fora de si menor com o que a existência toma a configuração de um êxtase, de um movimento extático que traça o perfil ontológico da temporalidade.” (grifos do autor citado).
Uma palavra final: é preciso reler Benedito Nunes ou mesmo conhecer-lhe a obra superior que nos legou, tanto na crítica literária, no ensaio, quanto nos estudos filosóficos. Sentiremos sua ausência e o seu saber notável.

terça-feira, 1 de março de 2011

Tradução de uma fábula de La Fontaine (1621-1695)

Le coche et la mouche


Dans um chemin montant, sablonneux, malaisé,
Et de tous les côtés au soleil exposé,
Six cheveusex tiraient um coche.
Femmes, moines, vieillards, tout était descendu:
L’attelage suait, sufflait, était rendu.
Um mouche survient par so bourdonnement,
Pique l’un, pique l’autre et pese à tout moment.
Que’elle fait allair la machine;
S’assied sur le timon, sur le nez du cocher.
Aussitôt que le char chemine,
Et que’elle voit les gens masrcher,
Elle s’en attribute uniquqement la gloire,
Va, vient, fait l’empressée; il semble que ce soit
Um sergent de bataille allant em chaque endroit
Faire avancer ses gens ses gens et hater la victoire.
La mouche, en ce common besoin,
Se plaint que’elle aagit seule, et que’elle a tout le soin,
Qu’aucun n’aide aux cheveux à tirer d’affaire.
Le moine disait son bréviere.
Il prenait bien son temps! Une femme chantait:
C’était bien de chansons qu’alors il agissait”
Dame mouche s’en va chanter à leurs oreilles,
Et fait cent sottises pareilles.
Après bien du travail, le coche arrive au haut.
Respirons, maintenant! Dit la mouche aussitôt:
J’ai tant fait que nos gens sont enfin dans la plaine.
Çà! Messieurs les cheveux, payez-moi de ma peine.
Ainsi certaines gens, faisant les empressés,
S’introduisent dans les affaires:
Ils dfont partout les necessaries,
Et partout importuns, devraient être chasses.


O coche e a mosca

Subindo por um arenoso, árduo caminho
Ao sol exposto por todos os lados,
Puxavam um coche seis robustos cavalos.
Mulheres, monges, velhos, dele haviam apeado.
Suava, ofegava, fatigava-se a parelha de cavalos.
Surge, de repente, uma mosca e dos cavalos se aproxima,
Pica um , pica outro e na hora imagina
Tenha ajudado o veiculo a subir;
Na boleia toma assento, no nariz do cocheiro pousa;
Assim que se move a carruagem,
Observa que as pessoas, lá dentro, instaladas estão,
A si exclusivamente o grande feito atribui,
Solidária, vai , vem, até parece
De batalha um sargento deslocando-se a lugares diferentes
Com o fim de, ao liderar os companheiros, antecipar a vitória.
Nesta situação de comum necessidade, a mosca
Alega que, sozinha, fez tudo, que de todos cuidados
E que ninguém a ajudou a livrarem os cavalos da encrenca.
No breviário rezava o monge.
Este, sim, do tempo bom proveito tirou ! cantarolou uma mulher:
De muitas canções precisaria para que também algo fizesse!
Se retirou Dona mosca e, nos ouvidos de todos, zumbir foi,
Além de contar cem parvoíces iguais
Aos tremendo esforço, o coche chega no alto.
Agora, respiremos! Diz a mosca?
De tudo fiz para que todos a planície, enfim, alcançassem.
È isso mesmo! Senhores cavalos, recompensa mereço agora
Desta forma, algumas pessoas, posando de prestativas,
Se intrometem onde não são chamadas:
Mostram serviços por toda parte,
E, por toda parte, por importunas, expulsão mereceriam.

(Tradução de Cunha e Silva Filho)