Cunha e Silva Filho
Não vou nem mesmo falar do que ocorre no mundo dito civilizado, seja no Oriente, seja no Ocidente. Falo do Brasil, do que está acontecendo aqui com nossos compatriotas. O quadro é aterrador: mata-se alguém por qualquer motivo, até sem motivo. Não são as festas das folias, uma semana ou mais de Carnaval, dependendo do local, que me vão fazer mudar de ideia sobre o que venho pensando dos brasileiros. Me reporto, em sentido geral, à massa, ao povo, à sociedade, porque, de um local qualquer, na cidade ou no campo, inesperadamente surge mais uma tragédia familiar ou entre pessoas desconhecidas. Nos dois casos, a gravidade dos relacionamentos sociais existentes hoje está passando dos limites imagináveis.
Há pouco li um artigo no Globo ( 05/03/2011, Coluna História) falando sobre a consternação em que ficou o povo brasileiro com a morte do Barão do Rio Branco (1845-1912) quando o governo do Marechal Hermes resolveu postergar a data do Carnaval do Rio de Janeiro em razão do falecimento daquele homem público que, conforme relata o livro, O dia em que adiaram o carnaval – política externa e construção do Brasil (Ed. Unesp), recentemente publicado pelo diplomata brasileiro Luís Cláudio Villañe G. dos Santos, mexeu tanto com a emoção de nossa gente que, ao invés de um só Carnaval, houve dois, um não-oficial por escolha do povo, e outro adiado pelo presidente da República. O primeiro Carnaval aconteceu em fevereiro e o segundo, em abril, do dia 6 ao dia 10. Mas, o que isso tem a ver com o primeiro parágrafo desta crônica?
É que a articulista, Roberta Jansen, faz um retrospecto das origens do Carnaval no país, remontando-as ao período colonial., mostrando as mudanças que foram se acrescentando a essa disputada festa nacional, com a incorporação, já no fim do império, dos batuques africanos e de toda uma simbologia negra, por exemplo, a figura do Rei Congo e a sua versão tropical de realeza, bem como modelos europeus com a inclusão de figuras emblemáticas carnavalescas, como a do Rei Momo, do Pierrô e da Colombina. Segundo a articulista, o aproveitamento de elementos do Carnaval europeu coincidia com a modernização do Rio na virada do século 19 pro século 20.
Mais adiante, no artigo, a autora levanta a questão de outra fonte de alegria do povo, o futebol, introduzido aqui em 1896. Ao comentar, porém, seguramente respaldada na obra do Luís Cláudio Villafañe G. Santos, a articulista refere a dois símbolos nacionais, o futebol e o conceito de territorialidade, considerados pelo diplomata como “dois dos mais fortes símbolos nacionais” que para ele são “bem recentes”. Mais adiante, a articulista alude a outra afirmação do diplomata, segundo a qual “a extroversão e a alegria do brasileiro é algo “bem recente”. Não consegui atinar com o sentido dessa assertiva, que me pareceu um pouco imaginosa.
Ora, um povo alegre e extrovertido, segundo conceitua o diplomata, para mim não combina com a avalanche de tragédias que tem ceifado a vida de muita gente na sociedade brasileira, afastando, em grau considerável, qualquer resquício de sentimento de cordialidade, de cordura, de nosso povo.
O que se tem presenciado nos últimos tempos de forma recrudescida não confirma qualquer sinal de que sejamos um povo pacífico, sobretudo quando se trata de relacionamentos interpessoais da família, de parentesco, de convivência e independentes de estratos sociais. Desta forma, é preciso aprofundar mais esta questão de “povo cordial”, manso, pacífico, ordeiro. Isso tudo não passa de falácia ou de formas construídas ideologicamente.
A criminalidade hoje, além daquela ligada ao tóxico, ao tráfico, ao lenocínio, ao latrocínio e a outras manifestações espúrias do comportamento brutal do ser humano (nas ruas, nas estradas, no trânsito, nos bancos, em toda parte) se manifesta poderosamente nos interstícios dos contatos humanos. Mata-se alguém por uma nonada. Talvez aqui se possa identificar por que pais matam filhos, filhos matam pais, maridos matam esposas, irmãos matam irmãos, mães matam seus bebês, velhos espancam velhos, enfim, um estatística colossal de vidas produtivas que se perdem, criando um estado quase permanente de perplexidade diante de tantas perversidades constantemente anunciadas pelos meios de comunicação. E não estamos falando de outra mazela também perniciosa que se alastra entre nós: a corrupção nos vários setores da sociedade e das instituições públicas Dois remédios que, a meu ver, não são meros paliativos, são fundamentais que se levem em consideração para tentar diminuir em parte esses males sociais:
1) cuidar-se da formação escolar e educativa das crianças, ou seja, reformar substancialmente hábitos escolares vigentes, fazendo com que os governantes se deem conta de que sem maciço investimento na escola brasileira, sobretudo a pública, tendo como prioridades a qualidade da aprendizagem e a formação moral de nossas crianças e adolescentes, de nada adiantarão outras com quistas e avanços no país.
2) implantar-se, ainda que por tempo provisório, uma legislação drástica em nosso sistema penal, não descartando mesmo a prisão. Nem tampouco as sentenças que, por um motivo ou outro da legislação penal, são reduzidas com o tempo. Criminosos de alta periculosidade não merecem benesses nem recursos legais que suavizem penas. Nada de permitir as conhecidas brechas da lei - verdadeiros estímulos malfazejos à perpetuação da criminalidade diante da impunidade existente. O chamado benefício de bom comportamento para delinquentes não passa de mais uma forma de estimular facínoras. Não falo, é claro, de casos em que o indivíduo que cometeu um infração menor seja penalizado como se fosse um vil bandido. A mão da Justiça deve ser pesada e implacável para os casos de crimes hediondos, em que o infrator comprovadamente cometeu seu delito e até mesmo o confessou publicamente e sem nenhum remorso ou arrependimento.
O que não pode continuar é presenciarmos dia a dia a escalada de selvagerias que se praticam atualmente na sociedade brasileira. Só um freio mudará a face da criminalidade neste país: a derrota da impunidade em todos os níveis de delitos, de comportamentos antissociais, de interação fracassada entre familiares e entre os seres humanos em geral. Os brasileiros de bem já chegaram ao limite máximo de suportarem, desamparados, tanta perversidade sem uma resposta efetiva dos governantes.
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