quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Garimpando no sebo e outras ponderações



Cunha e Silva Filho



Não sou leitor compulsivo, mas, dentro do meu ritmo, procuro, ainda que tardiamente, dar conta de algumas leituras fundamentais. O importante é o preparo, com critério seletivo. A leitura, uma atividade intelectual in process, ou aproveitando a quase sutileza de quem disse que nunca se sabe ao certo quando acabamos a leitura e um Guimarães Rosa (1908-1967) ou de um Clarice Lispector (1920-1977) São escritores múltiplos, formuladores de enigmas.
Porém, não é minha intenção aqui nessa conversa analisar aqueles dois ficcionistas. Deixarei para o espaço do ensaio. Quero-lhe falar, leitor – longe de mim pluralizar este termo – teria que brigar com os leitores de Machado de Assis.O que é pior, por cima de tudo, não sou ficcionista – hélas! – mas o que hei de fazer se os deuses da prosa não me bafejaram com o talento dos que têm criado, bem ou mal, mundos de criaturas “de papel”?
Estive, hoje, no Centro do Rio, e para não quebrar a regra, deu um pulinho na velha São José, um dos mais antigos sebos cariocas. Só o proprietário, o Germano, tem sessenta anos de atividade nesse ramo de venda de livros.
Desta vez, comprei muito pouco, pouquíssimo.A safra não estava boa no terreno das letras. No velho sebo da São José já houve dias gloriosos, com um oferta de fazer inveja a qualquer bibliófilo ou bookworm. “Garimpei” aqui, “garimpei” ali, e dei de cara com dois autores, antigos tanto quanto a São José e o seu acervo: um velho livro que há anos queria comprar, do filólogo Silveira Bueno, Manual de califasia, califonia, calirritmia e arte de dizer ( 4.ed. São Paulo: Edição Saraiva, 1952) O outro, As fontes da criação literária, de Carmelo M. Bonet. 1 ed. Tradução de Antonio G. Gonçalves, (São Paulo: Ed. Mestre Jou, 1970). Óbvio, que a São José também vende livros novos, mas a sua especialidade é o sebo que, por sua vez, torna-se o ganha-pão do livreiro.
Por falar em livro usado, o Germano lamentou que as vendas estão em baixa. A coisa está preta. Já fecharam sebos conhecidos no Centro do Rio. Não, só sebo, uma livraria i importante como a Martins Fontes, que também é editora de grande porte, fechou seu endereço na principal avenida do Rio, a famosa Avenida Rio Branco. Mau sinal para o comércio dos livros. Essa livraria mudou-se para a Zona Sul carioca. Antigamente, entrar na seção de livros estrangeiros da Martins Fontes era um grande prazer: o tratamento dado ao cliente era nota dez. O nível de atendimento foi caindo, caindo... até chegar àquele desfecho amargo. Não sei não, contudo prevejo que há o dedo aí de outros modos de vender livros, cujo principal responsável seja talvez a Internet.
Não culpemos só a Internet. Pode estar havendo uma decadência de poder aquisitivo da população. O livro é produto caro, mesmo o do sebo. Há também a concorrência forte de livrarias online, brasileiras e estrangeiras. Com vendas remetidas pelos Correios, o cliente, um pouco acomodado, prefere fazer a encomenda via Internet.
Um outro agravante, a meu ver, seria um certo desinteresse geral por obras antigas (dirá melhor estudos antigos) em determinadas áreas do conhecimento humano. Vejamos no terreno dos estudos lingüísticos, filológicos. Basta dizer que, numa recente conferência, a que assisti na Academia Niteroiense de Letras o filólogo Maximiano de Carvalho e Silva, professor emérito de língua portuguesa da Universidade Federal Fluminense, a certa altura de sua exposição acerca de aspectos culturais de Niterói, sobretudo a constituição dos cursos de letras e seus fundadores, mencionou o triste fato de que alunos (e bem provavelmente alguns professores universitários, diria eu) não dão tanta importância a alguns teóricos de um passado não tão remoto assim, tais como os já falecidos Said Ali, o português Herculano de Carvalho, Serafim da Silva Netto, Sílvio Elia, (vai ver até que venham a incluir o grande linguísta Mattoso Câmara Jr. e outros autores tidos por eles como desatualizados para os estudos linguísticos de hoje). Ora, isso não passa de um absurdo e de falta de alta visão diacrônica da linguística e da filologia numa época, a dos dias que correm, em que o que mais importa é o imediatismo, a sincronia de um saber afundado, algumas vezes, na superficialidade do “primado do instante”, para usar, mais uma vez, o título de um artigo meu escrito há um bom tempo.
Se o aluno de letras hoje persistir em votar sentimento de indiferença pela filologia e pela história das teorias linguísticas estará construindo castelos de areia O conhecimento filológico e o estudo das humanidades clássicas nunca serão matéria morta, mas sim matéria arqueológica viva que deve ser dominada e conhecida pelas gerações atuais. Sem os estudos helênicos e latinos estará em perigo toda uma vasta cultura erudita que deverá ser cultivada por jovens estudiosos do presente. Imitemos o que seja bom neste aspecto os países adiantados da Europa e mesmo dos Estados Unidos e de certos países das outras Américas.
Enquanto isso, Germano se queixa e com razão. O custo do aluguel de espaço para um a livraria no Centro do Rio é muito caro e a tendência é encarecer mais cm as modificações que essa parte da cidade vai sofrer. Falam da construção de shopping centers. Os olhos dos senhorios vão crescendo. Business is business, friends apart! Não há amizades ou concessões de descontos quando o negócio é aluguel.
Saí da livraria um pouco triste com o que ouvi sobre a situação dos sebos e da vida do livro em geral, aí incluindo alunos, professores, pobreza de ideias, escolas públicas de baixa qualidade, desamor às grandes obras e autores e um certo enfado de estar vivendo no meio de tudo isso. Ainda bem que a 15ª Bienal do Livro no Rio de Janeiro está chegando. Aproveitemos para refletir sobre tudo isso e.... a comprar e ler os livros com o respeito que merecem. Que me perdoem a casmurrice!






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