sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Tragédias anunciadas

Cunha e Silva Filho


Nos tempos de paz e de alegrias nos períodos de férias ou no cotidiano urbano ou periférico tudo parece indicar que se vive o momento presente como se ele fosse a eternidade dadivosa em todos os aspectos da vida. A realidade não é assim. Ela, sem aviso, nos pega de surpresa e nos reserva amargas surpresas muitas vezes. Foi o que se deu agora em três importantes cidades serranas: Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo. Conheço as três mas, com mais familiaridade, o centro de Petrópolis, que lembra cidades europeias, a começar do clima, que muda os costumes da indumentária com mais frequência que no Rio de Janeiro. As três belas cidades são o encanto de turistas brasileiros e estrangeiros. Quem tem mais posses, em geral compra uma casa ou um apartamento por lá, a fim de fugir do calorão carioca. É um refrigério.
Por isso, no passado, figuras importantes da vida pública e cultural lá foram residir ou lá tinha um segundo endereço: Ruy Barbosa, Santos Dumont, Tristão de Athayde. Algumas outras lá lecionaram (Universidade Católica de Petrópolis) como o grande linguista brasileiro Mattoso Câmara, de quem fui aluno na Faculdade Nacional de Filosofia, no curso de Letras e Roberto Alvim Correia, grande ensaísta ligado à cultura francesa, que conheci de vista naquela mencionada universidade e através de seus trabalhos como autor de um ótimo dicionário Francês-Português e Português-Francês, de uma excelente gramática francesa publicados pela antiga FENAME, e sobretudo de ensaios da melhor qualidade..
Pois foi nessas regiões montanhosas e verdejantes que uma grande tragédia acaba de acontecer matando mais de quatrocentas pessoas de todas as classes. A imprensa a classificou como a maior tragédia brasileira no que concerne a catástrofes provocadas por variações climáticas.
As tragédias no país, sobretudo no Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e estados do Sul e do Sudeste, se repetem como se fossem uma segunda natureza, ou seja, se tornaram naturais, banalizadas, sem que efetivamente da parte de diversos governos tivessem sido tomadas as medidas preventivas de longa duração, com obras de engenharia de ponta, planejadas por geólogos altamente especializados dos quais não faltam em nossas universidade públicas ou privadas.
Tudo, a meu ver, se resumiria em planejamento, em vontade política séria e não demagógica. Não se tem hoje um Ministério de Integração Nacional? Presumo que essa instituição pública federal conte com um corpo de funcionários competentes,engenheiros, geólogos, técnicos especializados no setor de enchentes, em contenção de encostas, e principalmente em prevenção continuada e vigilante de possíveis sinais de condições meteorológicas que possam, com grande antecipação, prevenir-se contra calamidades de tal porte causadoras de perdas humanas e de danos materiais que seguramente desestabilizarão a normalidade dessas cidades atingidas implacavelmente por tempestades e inundações de proporções gigantescas, praticamente quase destruindo nossas cidades, a sua vida econômica, a sua agricultura, indústria, comércio, lazer, turismo, a vida dos seus habitantes que se veem privados de tudo que conseguiram com sacrifício durante a vida, e sobretudo a perda sem preço de seus entes queridos.
Essas tragédias equivalem a verdadeiros terremotos, lembram tsunamis de água, que invadem violentamente a cidade e tudo que nela existe ou de lama que desce das montanhas com rochas soltas que vão devastando tudo que encontram pela frente, ate prédios de boa construção.
O pior, indiscutivelmente, é o saldo trágico dos mortos, crianças, jovens, adultos, velhos. Nem bombeiros, que prestam um inestimável serviço à vida humana e ao patrimônio privado ou público, escaparam dessa vez e foram tragados e levados pelas águas em fúria.
Esta não é a primeira vez que sofremos tais tragédias. Temo, contudo, que ainda desta vez as providências que sugeri acima ainda não sejam devidamente analisadas e implementadas.
As três belas cidades estão de luto. O povo brasileiro está de luto. O país já não aguenta mais protelações e paliativos. É preciso que, como oportunamente disse um conhecido cantor brasileiro, que não se fique apenas expressando a nossa “emoção”, cumpre que se parta para a “ação.”
O brasileiro é muitas vezes pouco racional, vai muito pelo impulso, pela improvisação, do momento presente, mas não se detém para refletir de modo mais racional, exigindo dos governantes e da sociedade que mudanças sejam feitas , que se cumpram as leis de uso do solo urbano, que não haja complacência com a corrupção burocrática, nem se tergiverse em questões de autorização de “habite-se” em áreas cujo solo é inapropriado para construções, seja de ricos, sejas de pobres.
A lei de planejamento urbano tem que ser rígida, inflexível. Os assentamentos que ainda existem devem ser objeto de análises profundas para verificação da adequação ou inadequação de condições seguras de moradia, a fim de que ações eficazes dos governos municipais, estaduais e federal sejam implementadas sob a fiscalização de órgãos competentes federais com respeito a verbas alocadas aos setores dos governos municipais e estaduais para assuntos de planejamento urbano, habitação, assentamento, e exames geológicos nos casos de cidades cercadas por morros ou atravessadas por serras.
A escolha de técnicos e engenheiros para esses quadros e funções não deve se pautar por indicações políticas, mas sim deve ser recrutada no universo acadêmico das nossas grandes universidades ou, quando não, todo esse know-how de ponta deve servir de consultoria aos governos. As pessoas de poucos recursos financeiros devem ser reassentadas em lugares seguros, onde o perigo de inundações e deslizamentos de terra seja, o quanto possível, zerado.
O país não pode mais esperar de braços cruzados por novas tragédias e sim procurar urgentemente impedir que elas, que não dependem da vontade do homem, pelo menos venham menos violentas e reduzam drasticamente mortes e outros tipos de destruição, porquanto tanto a tragédia quanto os danos materiais nos dão a sensação de que nossas cidades também estão morrendo tão sombria e melancólica é a paisagem que fica diante de nossos olhos em lágrimas.

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