segunda-feira, 6 de março de 2017

VERDADE E PÓS-VERDADE NA POLÍTICA COM REFLEXOS NAS MANIFESTAÇÕES ARTÍSITICAS E CULTURAIS




 

                                                   Cunha e Silva Filho



          Estamos no século XXI e, já nesses  quase dezessete anos, sentimos o preço  alto de suas acontecimentos catastróficas  e de seus  paradoxos, não só no chamado  campo da  realidade  empírica, na qual vivemos bem ou mal, mas da mentira em forma de deformação da verdade, de opiniões relativizadas e das “verdades” chegadas a nós pelos meios de comunicação de massa. Ora,  num mundo tumultuado,  violento,  bárbaro  e indiferente pelos valores  do espírito –ausência de valores humanísticos -    toda essa desarticulação  do equilíbrio lógico-racional  se desmorona  e nos atordoa a todos espantados que ficamos  com  tanta  desordem e caos  instalados  nas sociedades ditas civilizadas, nas quais  o termo  “civilização” já não vale um vintém furado  diante  das fragmentações  do tecido social.
       Clivados em  tribos diferentes  com pensamentos  opostos, entre estagnação  cristalizada e desejos  insopitáveis de mudanças em  todos os níveis da convivência dos seres, somos, agora,  surpreendidos, no campo da  informação   do espaço  político, sobretudo  originário  da eleição   de Donald Trump  para a presidência dos EUA, dos fatos  que a precederam e  da sua  plataforma  de campanha  recheada de  promessas heterodoxas, algumas de natureza estapafúrdia só  causando  mais  tumultos logo no início de seu mandato, acrescidas  de novas  formas de   relações diplomáticas com a Rússia. Se isso tudo, de alguma maneira,   ajudou Trump  a colimar  sua vitória, não sabemos com certeza. Porém, o  fracasso  de Hilary Clinton, em parte, se deveu, entre outros motivos,    à chamada  contra-informação,  a fatos reais  ou  manipulados  que deixaram  a candidata   abalada junto a seus eleitores,  pois as informações referiam a  dados secretos governamentais  que Hilary  não podia  armazenar em seus e-mails de maneira  privada.
       É nesse ponto que entra em cena  uma palavra nova que logo  adquiriu se tornou  moeda corrente no mundo da informação, a  “pós-verdade,” a qual tem, como expressão semanticamente   aproximada,  a expressão “fatos alternativos.”  Ora, se a busca da verdade que é uma atitude   natural  de cada ser humano é complexa  e depende  de tantas correntes do pensamento filosófico,  imagine-se a mera verdade relativa aos acontecimentos  e aos fatos   da política  internacional  ou nacional,  porquanto o nosso país já vem também  atuando em cima desse conceito meio difuso  e, muitas vezes,  comprometedor   no relacionamento  das sociedades  de alta complexidade   do nosso apocalíptico  século,  onde fatos,  imagens,   versões e  mensagens    se nulificam diante de fatos, imagens, versões e mensagens expondo o mesmo conteúdo, porém   se lhes opondo   vertiginosamente e com a mesma força  destruidora.
      O perigo é que as repercussões dessas lorotas da “pós-verdade” ou dos “fatos alternativos, com narrativas  enganosas, podem ser consideradas pelos incautos e ingênuos como  verdades comprovadas. Desse modo, o discurso de um presidente  que se utiliza desses artifícios  passa a ser uma contrafação,  um simulacro. 
      Da mesma maneira,  por exemplo,   nos chamados  editoriais  ou  mesmo  matérias  de jornalismo,dependendo  das suas linhas   ideológicas,  podem  também ser  arrolados como  exemplos de  pós-verdades. E, lamentavelmente,  há seguidores  contumazes, cm boa  ou ótima formação  acadêmica ,   que só acreditam naqueles jornais,  revistas,  publicações  que julgam  dizerem a verdade. Os outros são mentirosas e  tendenciosos.        
      Num impasse dessa envergadura,  ficam os leitores  em geral, sobretudo médios ou de pouca  instrução inteiramente confusos,  enquanto  outros  indivíduos  tomam o partido a favor  ou contra  determinadas  situações   no caso,  da política e da realidade de cada país. Obviamente,  a pós-verdade não é algo  tão novo assim. Sob outros roupagens  já foi  praticada  no passado, em nosso país e em outros países,quer democratas, quer ditatoriais.
       Por exemplo,  os entreveros  entre  partidos  políticos diametralmente opostos em sua visão  ideológico-partidária   davam ensejo  à crença de que  uns  detinham  as verdade sobre  governança e poder, enquanto  os adversários  ideológicos  reivindicam para si   serem donos da verdade. Os estudos de  filosofia,   com  todas limitações que possam ter,  seriam a melhor forma  de  preparar o  indivíduo  na busca da verdade.
     Conforme já se manifestaram analistas da "pós-verdade",  não é gratuito o fato de que  algumas obras  como  O admirável  mundo novo, de Aldous Huxley (1894-1963) e 1984, de George Orwell (1903-1950), ganham  nova relevância e interesse do  leitor de hoje. Outros autores, conforme assinala o jornalista Bolívar Torres no artigo “Literatura de ilusão” (O Globo, Segundo Caderno, p. 05, 18/02/2017), escreveram  nessa mesma  vertente de ficção distópica, como Margaret Atwood, Stephen King, Erick Larsen, Evegueny Zamiantin e Ursula K. Lei Guin, segundo  li
      São conhecidas como  obras literárias  distópicas, ou seja,  obras que, até podendo do estar falando do presente,  se projetam  ao futuro   e têm  traços  ostensivamente   controladores, totalitários avessos, assim,à verdade,à lógica ao raciocínio,  ademais, usando, no caso de Orwell em 1984, uma língua  própria, a novilíngua,  engenhosamente inventada na narrativa,  cujo característica mais  marcante é impedir  que  o indivíduo  pense por si mesmo e tenha   pontos de vista  autônomos, tudo sob o jugo  da linguagem   São dois livros  que  abordam  mundos  futuros  imaginários,   nos quais   o indivíduo  perde toda a sua capacidade  de  racionar por si,  sendo todos  controlados  por  Big Brothers de matiz totalitário.
     É bem verdade que as conquistas  do espaço virtual com o advento da internet, do  Google, verdadeira enciclopédia planetária,  e das redes sociais, tornaram   a comunicação  entre pessoas  em escala  global e essa  revolução, no campo  vastíssimo da informação, remodelou   também  os paradigmas  e os recursos e meios   de trocas de informações  que, se não forem filtradas pelo   usuário com  competência,pode servir   igualmente de   ferramentas  que,mal usadas,  distorcem  fatos,  notícias  e contextos  culturais,  políticos  e ideológicos.  
    Nessa mesma linha de raciocínio,  podemos invocar o exemplo da  regime  nazista   implantado  por Hitler  com influência tão poderosa  que  capturam   a simpatia  da maioria dos alemães e forma  responsáveis pela s extermínios dos judeus cuja fase mais perversa  ficou  conhecida  por Holocausto.
   A verdade que nós buscamos  não pode  estar submissa a facciosismos  ideológicos  que não  resistem  a nenhuma crítica  mais  criteriosa, seja da esquerda,seja da direita ou da extrema-direita. Ou de outra  natureza  ideológica.  Enquanto  houver  extrema divergência  entre  sistemas políticos,  dificilmente  se poderá  vislumbrar uma aproximação  com a verdade pura  e isenta. Da mesma forma,  não poderá  se praticar  democracia   quando  o sistema de governo  se diz  democrático, mas,  na práxis,   age  por imposições  discricionários ainda que sob a capa  de representatividade  institucional.
   Veja-se como  se comportam  os  porta-vozes dos governos  instalados  no poder ainda que  ditos democráticos: as informações  transmitidas  nem sempre  com dizem com a verdade dos fatos. As narrativas passadas a quem  recebe as notícias   ou são  repudiadas  ou são  acolhidas de acordo com  os princípios   formados  pelos  indivíduos  em matéria de  política. Quer dizer, podem-se  transmitir  versões,mentirosas,  opiniáticas  que são,  enfatizamos,  aceitas como verdades ou  recusadas como  mentiras.
      pouco tempo,  assisti  a um vídeo  em que um jornalista  português entrevistava o ditador Bashar al-Assad no seu  gabinete. Para quem  não conhece  o histórico da atuação  de Assad,  o seu depoimento,  feito com  voz tranquila e semblante  simpático,   parecia  estar diante de nós  um  homem  defensor  dos oprimidos   e da justiça e bem-estar de seu país. Melhor exemplo para ilustrar a "pós-verdade" é difícil de encontrar.
    De outra parte,  no mundo contemporâneo, fica mais  árdua  a tarefa de se distinguir a verdade da mentira. Os jornais, as revistas,  os marqueteiros,  os propagandistas   estão aí  para  orientarem  verdades para uns e mentiras para outros, de tal sorte que quem perde é a credibilidade dos sistemas  de  informações, os leitores e a sociedade.
     Se no mundo da realidade  referencial somos vítimas  de logro  público  ou privado que se espalha como  vírus  destruidores   da ordem democrática e da paz entre as nações,  o seu efeito se  refletirá  claramente  no domínio das artes, de forma mais  intensa ou menos intensa, de acordo com o tipo ou o gênero  das obras. Só que, no domínio artístico, malgrado  sofrendo  influências  das ambiguidades e enganos  do mundo  contemporâneo, fará disseminar  outros distopias  que se  ajustem   aos tempos  modernos, tanto quanto a visão  do mundo criado  pelos artefatos fake,  pela mentalidade  apressada e extremamente  individualista das sociedades  hoje hegemônicas, via Estados Unidos, sobretudo. A compreensão mais  profunda  dos embricamentos  entre  pós-verdades e artes ainda está  a merecer   formas    diferentes  de debates tanto a partir  do agora quanto  dos anos que  virão. Necessariamente serão debates multidisciplinares dado  o amplíssimo  espectro   que nos oferece  o momento    presente de um mundo cada vez mais  complicado e difuso.
    Diante  das empulhações que se disseminam  no campo  político tanto nos EUA (onde Trump  se tem revelado o principal  paradigma da "pós-verdade") quanto no Brasil (aqui com as investigações  da Polícia Federal  em busca da verdade dos fatos  a fim de  punir  os culpados das inúmeras   práticas de deslavada  corrupção ativa e passiva contra o patrimônio público brasileiro, tipificadas  desde o Escândalo do Mensalão, no governo Lula até o Escândalo do Petrolão e outros  tipos de  corrupção  que tomaram conta  do governo federal durante a administração  de Dilma Rousseff e respingaram em novas  corrupções  praticadas por alguns governos estaduais e empresariado, cujo exemplo mais escabroso culminou com a prisão do ex-governador  Sérgio Cabral e do empresário  Eike Batista.   .
    A Operação Lava-Jato, em virtude dos  seus  elementos implicados em desvios  do dinheiro  público, nos crimes de propinas,de lavagem de dinheiro e de formação de quadrilhas,   podia ser uma espécie de  batalha  travada contra  comportamentos  de ações de ilicitudes  de políticos e  de altos dirigentes de estatais que recorreram  à prática  da “pós-verdade” ao negarem   fazer parte  dos vários esquemas de corrupção, alguns dos quais  já transformados em réus pela Justiça. A continuarem as investigações da Lava-Jato seguramente  novos  denúncias  surgirão com  mais indivíduos envolvidos  nos crimes de colarinho  branco.
         

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