Cunha e Silva Filho
Estamos no século XXI e, já
nesses quase dezessete anos, sentimos o
preço alto de suas acontecimentos catastróficas e de seus
paradoxos, não só no chamado
campo da realidade empírica, na qual vivemos bem ou mal, mas da
mentira em forma de deformação da verdade, de opiniões relativizadas e das
“verdades” chegadas a nós pelos meios de comunicação de massa. Ora, num mundo tumultuado, violento,
bárbaro e indiferente pelos
valores do espírito –ausência de valores
humanísticos - toda essa desarticulação do equilíbrio lógico-racional se desmorona
e nos atordoa a todos espantados que ficamos com
tanta desordem e caos instalados
nas sociedades ditas civilizadas, nas quais o termo
“civilização” já não vale um vintém furado diante
das fragmentações do tecido
social.
Clivados
em tribos diferentes com pensamentos opostos, entre estagnação cristalizada e desejos insopitáveis de mudanças em todos os níveis da convivência dos seres, somos,
agora, surpreendidos, no campo da informação
do espaço político, sobretudo originário
da eleição de Donald Trump para a presidência dos EUA, dos fatos que a precederam e da sua
plataforma de campanha recheada de
promessas heterodoxas, algumas de natureza estapafúrdia só causando
mais tumultos logo no início de
seu mandato, acrescidas de novas formas de relações
diplomáticas com a Rússia. Se isso tudo, de alguma maneira, ajudou Trump
a colimar sua vitória, não
sabemos com certeza. Porém, o
fracasso de Hilary Clinton, em
parte, se deveu, entre outros motivos, à chamada
contra-informação, a fatos
reais ou
manipulados que deixaram a candidata
abalada junto a seus eleitores,
pois as informações referiam a
dados secretos governamentais que
Hilary não podia armazenar em seus e-mails de maneira privada.
É
nesse ponto que entra em cena uma
palavra nova que logo adquiriu se
tornou moeda corrente no mundo da
informação, a “pós-verdade,” a qual tem,
como expressão semanticamente aproximada, a expressão “fatos alternativos.” Ora, se a busca da verdade que é uma atitude natural
de cada ser humano é complexa e
depende de tantas correntes do
pensamento filosófico, imagine-se a mera
verdade relativa aos acontecimentos e
aos fatos da política internacional
ou nacional, porquanto o nosso
país já vem também atuando em cima desse
conceito meio difuso e, muitas
vezes, comprometedor no relacionamento das sociedades de alta complexidade do nosso apocalíptico século,
onde fatos, imagens, versões e
mensagens se nulificam diante
de fatos, imagens, versões e mensagens expondo o mesmo conteúdo, porém se lhes opondo vertiginosamente e com a mesma força destruidora.
O perigo é que as repercussões dessas
lorotas da “pós-verdade” ou dos “fatos alternativos, com narrativas enganosas, podem ser consideradas pelos
incautos e ingênuos como verdades
comprovadas. Desse modo, o discurso de um presidente que se utiliza desses artifícios passa a ser uma contrafação, um simulacro.
Da
mesma maneira, por exemplo, nos chamados
editoriais ou mesmo matérias
de jornalismo,dependendo das suas
linhas ideológicas, podem
também ser arrolados como exemplos de
pós-verdades. E, lamentavelmente,
há seguidores contumazes, cm
boa ou ótima formação acadêmica ,
que só acreditam naqueles jornais,
revistas, publicações que julgam
dizerem a verdade. Os outros são mentirosas e tendenciosos.
Num
impasse dessa envergadura, ficam os leitores em geral, sobretudo médios ou de pouca instrução inteiramente confusos, enquanto
outros indivíduos tomam o partido a favor ou contra
determinadas situações no caso,
da política e da realidade de cada país. Obviamente, a pós-verdade não é algo tão novo assim. Sob outros roupagens já foi
praticada no passado, em nosso
país e em outros países,quer democratas, quer ditatoriais.
Por exemplo, os entreveros
entre partidos políticos diametralmente opostos em sua
visão ideológico-partidária davam
ensejo à crença de que uns
detinham as verdade sobre governança e poder, enquanto os adversários ideológicos
reivindicam para si serem donos
da verdade. Os estudos de filosofia, com
todas limitações que possam ter,
seriam a melhor forma de preparar o
indivíduo na busca da verdade.
Conforme
já se manifestaram analistas da "pós-verdade",
não é gratuito o fato de que
algumas obras como O
admirável mundo novo, de Aldous
Huxley (1894-1963) e 1984, de George Orwell (1903-1950),
ganham nova relevância e interesse
do leitor de hoje. Outros autores,
conforme assinala o jornalista Bolívar Torres no artigo “Literatura de ilusão”
(O Globo, Segundo Caderno, p. 05,
18/02/2017), escreveram nessa mesma vertente de ficção distópica, como Margaret
Atwood, Stephen King, Erick Larsen, Evegueny Zamiantin e Ursula K. Lei Guin,
segundo li
São conhecidas como obras literárias distópicas, ou seja, obras que, até podendo do estar falando do
presente, se projetam ao futuro
e têm traços ostensivamente controladores, totalitários avessos, assim,à
verdade,à lógica ao raciocínio, ademais,
usando, no caso de Orwell em 1984,
uma língua própria, a novilíngua, engenhosamente inventada na narrativa, cujo característica mais marcante é impedir que o
indivíduo pense por si mesmo e tenha pontos de vista autônomos, tudo sob o jugo da linguagem São dois livros que
abordam mundos futuros
imaginários, nos quais o indivíduo
perde toda a sua capacidade
de racionar por si, sendo todos
controlados por Big
Brothers de matiz totalitário.
É bem verdade que as conquistas do espaço virtual com o advento da internet,
do Google, verdadeira enciclopédia
planetária, e das redes sociais, tornaram
a comunicação entre pessoas
em escala global e essa revolução, no campo vastíssimo da informação, remodelou também
os paradigmas e os recursos e
meios de trocas de informações que, se não forem filtradas pelo usuário com competência,pode servir igualmente de ferramentas
que,mal usadas, distorcem fatos,
notícias e contextos culturais,
políticos e ideológicos.
Nessa mesma linha de raciocínio, podemos invocar o exemplo da regime
nazista implantado por Hitler
com influência tão poderosa
que capturam a simpatia
da maioria dos alemães e forma
responsáveis pela s extermínios dos judeus cuja fase mais perversa ficou
conhecida por Holocausto.
A verdade que nós buscamos não pode
estar submissa a facciosismos
ideológicos que não resistem
a nenhuma crítica mais criteriosa, seja da esquerda,seja da direita
ou da extrema-direita. Ou de outra
natureza ideológica. Enquanto
houver extrema divergência entre
sistemas políticos,
dificilmente se poderá vislumbrar uma aproximação com a verdade pura e isenta. Da mesma forma, não poderá
se praticar democracia quando
o sistema de governo se diz democrático, mas, na práxis,
age por imposições discricionários ainda que sob a capa de representatividade institucional.
Veja-se como se comportam os
porta-vozes dos governos
instalados no poder ainda
que ditos democráticos: as
informações transmitidas nem sempre
com dizem com a verdade dos fatos. As narrativas passadas a quem recebe as notícias ou são
repudiadas ou são acolhidas de acordo com os princípios formados
pelos indivíduos em matéria de
política. Quer dizer, podem-se
transmitir
versões,mentirosas,
opiniáticas que são, enfatizamos,
aceitas como verdades ou
recusadas como mentiras.
Há
pouco tempo, assisti a um vídeo
em que um jornalista português
entrevistava o ditador Bashar al-Assad no seu
gabinete. Para quem não
conhece o histórico da atuação de Assad,
o seu depoimento, feito com voz tranquila e semblante simpático,
parecia estar diante de nós um
homem defensor dos oprimidos e da justiça e bem-estar de seu país. Melhor
exemplo para ilustrar a "pós-verdade" é difícil de encontrar.
De outra parte, no mundo contemporâneo, fica mais árdua
a tarefa de se distinguir a verdade da mentira. Os jornais, as revistas, os marqueteiros, os propagandistas estão aí
para orientarem verdades para uns e mentiras para outros, de
tal sorte que quem perde é a credibilidade dos sistemas de
informações, os leitores e a sociedade.
Se no mundo da realidade referencial somos vítimas de logro
público ou privado que se espalha
como vírus destruidores
da ordem democrática e da paz entre as nações, o seu efeito se refletirá
claramente no domínio das artes,
de forma mais intensa ou menos intensa,
de acordo com o tipo ou o gênero das
obras. Só que, no domínio artístico, malgrado
sofrendo influências das ambiguidades e enganos do mundo
contemporâneo, fará disseminar
outros distopias que se ajustem aos tempos
modernos, tanto quanto a visão do
mundo criado pelos artefatos fake,
pela mentalidade apressada e
extremamente individualista das
sociedades hoje hegemônicas, via Estados
Unidos, sobretudo. A compreensão mais
profunda dos embricamentos entre
pós-verdades e artes ainda está a
merecer formas diferentes
de debates tanto a partir do
agora quanto dos anos que virão. Necessariamente serão debates multidisciplinares
dado o amplíssimo espectro
que nos oferece o momento presente de um mundo cada vez mais complicado e difuso.
Diante
das empulhações que se disseminam
no campo político tanto nos EUA (onde
Trump se tem revelado o principal paradigma da "pós-verdade") quanto no Brasil
(aqui com as investigações da Polícia
Federal em busca da verdade dos
fatos a fim de punir
os culpados das inúmeras
práticas de deslavada corrupção ativa
e passiva contra o patrimônio público brasileiro, tipificadas desde o Escândalo do Mensalão, no governo
Lula até o Escândalo do Petrolão e outros
tipos de corrupção que tomaram conta do governo federal durante
a administração de Dilma Rousseff e
respingaram em novas corrupções praticadas por alguns governos estaduais e
empresariado, cujo exemplo mais escabroso culminou com a prisão do
ex-governador Sérgio Cabral e do
empresário Eike Batista. .
A Operação Lava-Jato, em virtude
dos seus elementos implicados em desvios do dinheiro
público, nos crimes de propinas,de lavagem de dinheiro e de formação de
quadrilhas, podia ser uma espécie
de batalha travada contra comportamentos de ações de ilicitudes de políticos e de altos dirigentes de estatais que
recorreram à prática da “pós-verdade” ao negarem fazer parte
dos vários esquemas de corrupção, alguns dos quais já transformados em réus pela Justiça. A
continuarem as investigações da Lava-Jato seguramente novos
denúncias surgirão com mais indivíduos envolvidos nos crimes de colarinho branco.
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