Cunha e
Silva Filho
Não vou na onda dos que se recusam a ver o lado áspero,
injusto e violento da vida. Não,
disso não levarei a culpa de ninguém. Absolutamente irei fazer
o papel ingênuo do Cândido, ou O Otimismo ((1759) de Voltaire (1694-1778). A
realidade que nos rodeia
tem que ser observada em
seus muitos aspectos, nos doces,
nos amargos, nas injustiças e nas
prepotências de pessoas, sociedade, políticos,
governos e tudo o mais.
Como silenciar
o barulho da vida com todas as
suas teias de aranhas tentando
nos entretecer de pílulas de otimismo
de baixa qualidade. Como silenciar o Holocausto, os malfeitos de Hitler e do nazifascismo,
os horrores do general Franco, de Mussolini, de Stálin, as ignomínias
de Salazar, dos ditaduras militares pelo mundo afora? Não, o silêncio é capitulação da condição
humana. Os crimes contra a Humanidade
têm que ser repassados pelas gerações novas a fim de elas avaliarem
até que ponto a barbárie foi
capaz de chegar. Como silenciar as bombas lançadas na Segunda Guerra Mundial no Japão? E as
guerras fratricidas, as guerras
religiosas (que paradoxo das ações
humanas!), as atrocidade da
política norte-americana na guerra do Vietnã, a manutenção de Guantánamo ainda
em nosso dias,
Como silenciar
os preconceitos de todas os
tipos que só levam
às dissensões entre as pessoas, tal como há poucos dias aconteceu com um jogador nosso porque
é negro? Que povo é esse que ainda
mantém hipocritamente o preconceito de
cor num pais mestiço que, se medido etnicamente
pelos padrões
norte-americanos, não sobraria nele praticamente
nenhum branco “puro”, ariano, alto,
bonito, de olhos azuis e
cabelos louros e lisos?
Sair do
corpo-a-corpo da vida como dizia o grande contista João Antônio (1937-1996), jamais! O poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), em versos célebres, diz: “Chegou um tempo em que não adianta morrer,/Chegou um tempo em que a vida
é uma ordem,/A vida apenas, sem mistificação.”
Fugir do social, da situação do país, com suas qualidades, suas muitas
misérias (morais, política, sociais, religiosas etc) não é certo e me
soa uma atitude de desesperada ignorância,
indiferença e insolidariedade. O mundo, o país procuram por nós em face de suas carências,
de seus mil problemas, de suas
injustiças, de sua desesperança. Isolar-se somente se for para a
solidão à procura de inventar a Arte Solidão apenas aparente, porque em seu momento todo o universo está contido na plasmação de uma obra artística, seja na ficção, na
poesia, no teatro, em todas as artes,
tão necessárias ao sentido do viver, já
que a força dos elementos
convocados para a feitura de um
objeto artístico se encontra na própria
experiência da vida, sendo tais elementos “transfigurados,” como diria o crítico literário Álvaro Lins (1912-1970)
Jamais pensarei em me isolar da condição de ser social, de “animal político’, através do que faço, do que escrevo e do que, dentro das limitações pessoais, posso comunicar a outrem.
Jamais pensarei em me isolar da condição de ser social, de “animal político’, através do que faço, do que escrevo e do que, dentro das limitações pessoais, posso comunicar a outrem.
Não seja egoísta, leitor, fugindo
da sua condição de cidadão desse
país e do mundo. O mundo não se resume a
um único país. Não somos o umbigo do mundo.
Somos todos partes do Universo e,
ipso facto, cabe-nos
uma parcela de responsabilidade e de participação de alguma maneira, ou seja, na prática política séria, no serviço voluntário, na consideração
e respeito pelos direitos
dos outros, na convivência dos prédios, na sua atividade profissional,
no seu comportamento na rua, dentro de um carro, num trem, num metrô, no
avião no navio. Em todos esses lugares
há que praticar atos
de boa vontade e de cooperação.
Mas nunca subestimar a condição gregária,
o encontro entre amigos, uma
palavra de conselho a quem está
sem esperança. Pascal (1623-1662) esta
extraordinária figura de
gênio nunca perdia a oportunidade para falar
da importância da caridade. E como estamos longe desse ato
de doação do que não nos falta,
do que nos sobra da matéria da vida. A
vida moderna, na sua pressa cada vez mais
agressiva, nos faz esquecer
tantos atos bons que poderíamos executar sem
nenhuma perda ou prejuízo para
nós. O olhar do ser para
fora, para o exterior, que nos faz sair de nosso
bolha de proteção interior, é a
manifestação mais viva de exclamar sem
medo : “Das amargas, sim!”
AO PÉ DA PÁGINA,
Dois gigantes
Cunha e
Silva
“Dois
gigantes da democracia – Sobral Pinto e Tristão de Ataíde (Alceu Amoroso Lima)
– com justiça merecem o respeito e a admiração do povo brasileiro; Tristão de
Ataíde, já falecido há pouco tempo, aos oitenta e nove anos de idade, ainda era
lúcido, e Sobral Pinto há pouco
completou noventa anos de idade, está no gozo da mais perfeita lucidez e
vivacidade de espírito. Tristão de Ataíde e Sobral Pinto foram defensores intransigentes do Estado de Direito, da democracia e das liberdades
jurídicas, impertérritos baluartes em defesa dos direitos humanos e opositores
corajosos aos regimes de força, de
arbítrio, quer através de pronunciamentos
memoráveis, quer através da imprensa.
Tristão de Ataíde escrevia no “Jornal do Brasil”, do Rio de Janeiro, até
quando morreu. Era um dos homens mais
cultos deste país, escritor,
emérito, humanista,crítico
literário, líder e pensador católico, um dos luminares da Academia Brasileira
de Letras, autor consagrado de vários livros de valor, inclusive estudos
literários. Nunca transigiu diante dos poderosos do dia, propagando as suas ideias, o seu pensamento político, religioso
e filosófico com destemor e bravura cívica. Sobral Pinto é advogado dos mais
notáveis do Brasil, conhecido pela coragem
indômita com que se prontificou a ser o advogado de Luís Carlos Prestes, por solicitação da ordem dos Advogados do Brasil quando o país estava em ESTADO DE GUERRA
em consequêcia da intentona comunista de novembro de 1935.” ( Nota do colunista
do Blog: Este fragmento do artigo, recorte de meus arquivos, não traz a data nem
o nome do jornal. Creio que foi
publicado no jornal Estado do Piauí, Teresina,PI)