quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Indignação, sim, mas pelo bem do Brasil




Cunha e Silva Filho



Costuma-se afirmar que o escritor Lima Barreto (1881-1922) foi um rebelde, um indignado com a realidade que lhe apresentava o país na sua época e, por essa razão, não era um espírito acomodatício, silenciado ante as mazelas da pátria do século XIX. Sua obra, no seu todo, diz muito dessa insatisfação do escritor mulato com o que via acontecer no país em todas os setores da vida nacional. Daí livros rebeldes, irônicos mordazes mas fieis ``as injustiças e imoralidades de nossa vida pública como Recordações do escrivão Isaías Caminha (1909). O triste fim de Policarpo Quaresma (1911), Os bruzundangas (1922), Muita coisa que escreveu parecia vir da pena de um jornalista antenado com o que acontecia no cenário nacional.

No século XX, um outro escritor poderia ser mencionado como um eterno indignado contra as misérias do Brasil: o contista João Antônio (1937-1996) que, por sua vez, se auto-proclamava discípulo e admirador irrestrito de Lima Barreto, a quem dedicava todo livro que publicava - admiração essa que ia dos temas em torno das camada humildes do povo às observações críticas e contundentes do escritor, em textos que aparecem nas obras citadas e bem assim num texto memorialístico–biográfico, decisivo para a compreensão da obra do escritor como são exemplos “Paulo Melado do Chapéu Mangueira Serralha,” que consta do livro Dedo-Duro (1982)) e “Corpo a corpo com a vida,” incluído na obra Malhação do Judas Carioca (1975).

Uma outra obra de João Antônio que confirma a sua admiração por Lima Barreto é o curioso e singular livro Calvário e porres do pingente Afonso Henriques de Lima Barreto (1977), um espécie de montagem que João Antonio arquitetou de forma original, em que mistura fragmentos de várias obras de Lima Barreto fundamentado num relato sobre o escritor Lima Barreto “ditado” por um homem considerado louco, de nome Carlos Alberto Nóbrega da Cunha, interno de um sanatório da Muda, bairro da zona norte do Rio de Janeiro.

Cito apenas esses dois exemplos de escritores brasileiros pelas características que os une em muitos ângulos e pelo que um e outro exerceram seu ofício de escritor com o pé firme na terra brasílica. Sei que outros autores há que deram sua contribuição crítica sobre a sociedade brasileira em diversas fases da nossa vida literário-cultural.

E é inspirado neles, pelo menos, que desejo imprimir o tom desta crônica borboleteando sobre alguns tópicos ou ideias que concorreram para que eu igualmente dirigisse minhas reflexões sobre a sociedade brasileira contemporânea, o que tenho feito em diversos artigos aqui publicados, ou melhor, usando o jargão da Internet, ‘postados”.

Sem desconhecer pontos positivos do chamado domínio político do PT, não posso, todavia, calar-me para enxergar os desmandos e as deficiências do país agora. Desmandos que vão das ações imorais de alguns políticos, do episódio chamado “Escândalo do Mensalão,” revelador de esquemas corrupção ativa e passiva entre membros do governo, inclusive do alto escalão.

Passando em vista esse lado profundamente censurável da estrutura administrava do governo da Presidente Dilma, que, na realidade, pouco se diferencia das práticas políticas nos dois mandatos do Presidente Lula, inclusive ligando este aos membros do “Mensalão,” denunciados sob a forma de “malfeitos,” termo que vem das entranhas do petismo, como corrupção, conluio e cumplicidade entre o Executivo, o Senado e a Câmara dos Deputados, não vejo muito o que tem mudando no país desde as mazelas identificadas da Primeira República ou também denominada República Velha ( (1889-1930).

Olhando-se para setores vitais da vida pública brasileira, como educação, transporte, saúde e segurança, não vejo senão ações tomadas mais visando a dar uma aparência de mudanças sensíveis na estrutura da máquina do Estado. Pelo contrário, as mudanças se existem, não têm o sinete da realidade constada na prática da vida do brasileiro.

São supostas mudanças que não problematizam o cerne dos problemas atacados. Servem ao continuísmo de orientação político-partidária, onde se mantém o status quo do elitismo petista, da conquista do poder para servir aos donos de plantão deste.

Afirmar, através da publicidade paga regiamente à custa dos dinheiro do contribuinte, que a pobreza foi praticamente erradicada através dos diversos benefícios sociais de resultados duvidosos e de franca conotação populista, como as bolsas–famílias da vida, os vales disso ou daquilo, as cotas disso ou daquilo, não significa absolutamente que o país está numa fase de melhoria e aperfeiçoamento do Estado diferente de governos anteriores ao domínio político do PT. Erros e desatinos praticados em governos do século passado, retrasado e mesmo no Império e Colônia parecem permanecer até hoje. Nisto, o país não prosperou um palmo, o que faz com que possamos dizer que, em muitos setores, não saímos de um anacronismo de práticas políticas nefastas ao povo.

Regalias, conchavos, nepotismo, mordomias do segmento político com regalias absurdas e faraônicas em flagrante contraste com a média dos rendimentos do brasileiro, e sobretudo em comparação com o estado de miserabilidade de grande parte dos cidadãos deste nação, negociatas entre governos e particulares ainda são matéria viva entre nós. O apadrinhamento, as decisões tomadas por nossos governantes à revelia da sociedade levam o pais a muitos desastres econômico-financeiros com repercussões nocivas até hoje ainda que tenhamos passado por diferentes formas de governar o país.

Vejam-se as condições em que se encontram as nossas estradas de rodagem. As nossas vias férreas, que poderiam ter uma malha compatível com a dimensão continental de nossa terra, tão diferente, assim, de países europeus e mesmo dos Estados Unidos, cortados por estradas de ferro, são dependentes dos custosos transportes rodoviários para o escoamento de nossa produção agrícola, de minérios e mesmo de produtos de nossa indústria.. A importância excessiva que se deu à indústria automobilística, a partir do governo do Presidente Juscelino Kubitschek nos anos cinquenta, foi uma das causas de nossa hoje tumultuada situação de congestionamentos nas cidades e do caos nas rodovias, com veículos pesados e dependentes da gasolina e do álcool, percorrendo por vezes precárias rodovias em todo o território nacional.

Na saúde, sofremos igualmente consideráveis perda de qualidade de atendimento de nossos hospitais públicos e de órgãos de saúde federal que foram sucateados a fim de darem espaço aos chamados planos de saúde privada. Com isso, a população brasileira ficou numa encruzilhada. Ou teria condições de ter um plano de saúde particular, ou de depender de hospitais estaduais ou municipais sem condições de oferecer bom atendimento. Por outro lado, as pessoas em idade avançada hoje em dia nem são mais aceitas por esses planos de saúde, que aumentam anualmente seus preços , sem se importarem com o fato de que, no caso de seus usuários serem funcionários públicos, estes não têm reajuste anuais concedidos pelo governo federal, estadual ou municipal, com raras exceções para alguns estados e municíos..

Na segurança pública, estando atualmente o país no nível talvez mais elevado de escalada da violência, o governo federal e estadual pouco tem feito para resolver oou minimizar a mais espinhosa questão do pais. Em grandes capitais brasileiras, a população já não mais acredita em qualquer promessa de governo. As pessoas se encontram atemorizadas, com receio de sair à rua a pé ou de carro. Todos podemos , a qualquer instante , ser vítimas de assassinos, de assaltantes, de balas perdidas, de seqüestros, de “saidinhas de banco” e de outros percalços de barbáries praticados por facínoras que infestaram tanto as cidade quanto agora no interior do país. Ora, sem equaciona estratégias eficazes para conter a onda de violência no país, combatendo , além disso, o tráfico de armas, de drogas e de ações de assassinos perigosos dificilmente sairemos desse círculo vicioso de insegurança que nos mantém reféns da violência desordenada.

Ao poder judiciário cabe um papel decisivo nessa questão de mudanças imediatas na legislação jurídica, no Código Penal, que precisa se adequar e se modernizar para enfrentar os desafios de verdadeiro terrorismo implantado entre nós, como se fosse um poder paralelo insubmisso à Lei e, muitas vezes, impondo-se como poder ameaçador do Estado constituído. Em sociedade violentíssima como a nossa, as penalidades não podem continuar como estão muito condescendentes com a alta criminalidade e com os crimes chamados hediondos. Reverter essa realidade de nossas penalidades contra sentenciados torna-se, desse modo, um questão de segurança nacional sem a qual não há país que consiga sair dos anacronismos ou assimetrias ainda gritantes do Estado brasileiro.

Finalmente, na área da educação ainda persistem uma realidade nada animadora. As escolas públicas ainda vivem uma experiência malograda pelos baixos salários da maioria dos professores do ensino fundamental e médio, por um sistema de ensino distante das conquistas científico-tecnologicas da atualidade que o distanciam das escolas de alto padrão de ensino, mesmo nos grandes centros urbanos do pais. Enquanto os governos não valorizarem os professores de nosso país, dando-lhes condições reais para o exercício docente, - e o salário é umas das prioridades nesta questão -, o país não poderá aspirar a uma lugar proeminente entre as nações do mundo. Vejam os exemplos portentosos da China, do Japão, que investiram maciçamente no setor educacional. Não haverá Brasil moderno e respeitado se mantivermos a educação num secular e crônico estágio de marasmo, com um sistema de educação de dois tipos: o dos pobres e o dos abastados.

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