quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Indignação, sim, mas pelo bem do Brasil




Cunha e Silva Filho



Costuma-se afirmar que o escritor Lima Barreto (1881-1922) foi um rebelde, um indignado com a realidade que lhe apresentava o país na sua época e, por essa razão, não era um espírito acomodatício, silenciado ante as mazelas da pátria do século XIX. Sua obra, no seu todo, diz muito dessa insatisfação do escritor mulato com o que via acontecer no país em todas os setores da vida nacional. Daí livros rebeldes, irônicos mordazes mas fieis ``as injustiças e imoralidades de nossa vida pública como Recordações do escrivão Isaías Caminha (1909). O triste fim de Policarpo Quaresma (1911), Os bruzundangas (1922), Muita coisa que escreveu parecia vir da pena de um jornalista antenado com o que acontecia no cenário nacional.

No século XX, um outro escritor poderia ser mencionado como um eterno indignado contra as misérias do Brasil: o contista João Antônio (1937-1996) que, por sua vez, se auto-proclamava discípulo e admirador irrestrito de Lima Barreto, a quem dedicava todo livro que publicava - admiração essa que ia dos temas em torno das camada humildes do povo às observações críticas e contundentes do escritor, em textos que aparecem nas obras citadas e bem assim num texto memorialístico–biográfico, decisivo para a compreensão da obra do escritor como são exemplos “Paulo Melado do Chapéu Mangueira Serralha,” que consta do livro Dedo-Duro (1982)) e “Corpo a corpo com a vida,” incluído na obra Malhação do Judas Carioca (1975).

Uma outra obra de João Antônio que confirma a sua admiração por Lima Barreto é o curioso e singular livro Calvário e porres do pingente Afonso Henriques de Lima Barreto (1977), um espécie de montagem que João Antonio arquitetou de forma original, em que mistura fragmentos de várias obras de Lima Barreto fundamentado num relato sobre o escritor Lima Barreto “ditado” por um homem considerado louco, de nome Carlos Alberto Nóbrega da Cunha, interno de um sanatório da Muda, bairro da zona norte do Rio de Janeiro.

Cito apenas esses dois exemplos de escritores brasileiros pelas características que os une em muitos ângulos e pelo que um e outro exerceram seu ofício de escritor com o pé firme na terra brasílica. Sei que outros autores há que deram sua contribuição crítica sobre a sociedade brasileira em diversas fases da nossa vida literário-cultural.

E é inspirado neles, pelo menos, que desejo imprimir o tom desta crônica borboleteando sobre alguns tópicos ou ideias que concorreram para que eu igualmente dirigisse minhas reflexões sobre a sociedade brasileira contemporânea, o que tenho feito em diversos artigos aqui publicados, ou melhor, usando o jargão da Internet, ‘postados”.

Sem desconhecer pontos positivos do chamado domínio político do PT, não posso, todavia, calar-me para enxergar os desmandos e as deficiências do país agora. Desmandos que vão das ações imorais de alguns políticos, do episódio chamado “Escândalo do Mensalão,” revelador de esquemas corrupção ativa e passiva entre membros do governo, inclusive do alto escalão.

Passando em vista esse lado profundamente censurável da estrutura administrava do governo da Presidente Dilma, que, na realidade, pouco se diferencia das práticas políticas nos dois mandatos do Presidente Lula, inclusive ligando este aos membros do “Mensalão,” denunciados sob a forma de “malfeitos,” termo que vem das entranhas do petismo, como corrupção, conluio e cumplicidade entre o Executivo, o Senado e a Câmara dos Deputados, não vejo muito o que tem mudando no país desde as mazelas identificadas da Primeira República ou também denominada República Velha ( (1889-1930).

Olhando-se para setores vitais da vida pública brasileira, como educação, transporte, saúde e segurança, não vejo senão ações tomadas mais visando a dar uma aparência de mudanças sensíveis na estrutura da máquina do Estado. Pelo contrário, as mudanças se existem, não têm o sinete da realidade constada na prática da vida do brasileiro.

São supostas mudanças que não problematizam o cerne dos problemas atacados. Servem ao continuísmo de orientação político-partidária, onde se mantém o status quo do elitismo petista, da conquista do poder para servir aos donos de plantão deste.

Afirmar, através da publicidade paga regiamente à custa dos dinheiro do contribuinte, que a pobreza foi praticamente erradicada através dos diversos benefícios sociais de resultados duvidosos e de franca conotação populista, como as bolsas–famílias da vida, os vales disso ou daquilo, as cotas disso ou daquilo, não significa absolutamente que o país está numa fase de melhoria e aperfeiçoamento do Estado diferente de governos anteriores ao domínio político do PT. Erros e desatinos praticados em governos do século passado, retrasado e mesmo no Império e Colônia parecem permanecer até hoje. Nisto, o país não prosperou um palmo, o que faz com que possamos dizer que, em muitos setores, não saímos de um anacronismo de práticas políticas nefastas ao povo.

Regalias, conchavos, nepotismo, mordomias do segmento político com regalias absurdas e faraônicas em flagrante contraste com a média dos rendimentos do brasileiro, e sobretudo em comparação com o estado de miserabilidade de grande parte dos cidadãos deste nação, negociatas entre governos e particulares ainda são matéria viva entre nós. O apadrinhamento, as decisões tomadas por nossos governantes à revelia da sociedade levam o pais a muitos desastres econômico-financeiros com repercussões nocivas até hoje ainda que tenhamos passado por diferentes formas de governar o país.

Vejam-se as condições em que se encontram as nossas estradas de rodagem. As nossas vias férreas, que poderiam ter uma malha compatível com a dimensão continental de nossa terra, tão diferente, assim, de países europeus e mesmo dos Estados Unidos, cortados por estradas de ferro, são dependentes dos custosos transportes rodoviários para o escoamento de nossa produção agrícola, de minérios e mesmo de produtos de nossa indústria.. A importância excessiva que se deu à indústria automobilística, a partir do governo do Presidente Juscelino Kubitschek nos anos cinquenta, foi uma das causas de nossa hoje tumultuada situação de congestionamentos nas cidades e do caos nas rodovias, com veículos pesados e dependentes da gasolina e do álcool, percorrendo por vezes precárias rodovias em todo o território nacional.

Na saúde, sofremos igualmente consideráveis perda de qualidade de atendimento de nossos hospitais públicos e de órgãos de saúde federal que foram sucateados a fim de darem espaço aos chamados planos de saúde privada. Com isso, a população brasileira ficou numa encruzilhada. Ou teria condições de ter um plano de saúde particular, ou de depender de hospitais estaduais ou municipais sem condições de oferecer bom atendimento. Por outro lado, as pessoas em idade avançada hoje em dia nem são mais aceitas por esses planos de saúde, que aumentam anualmente seus preços , sem se importarem com o fato de que, no caso de seus usuários serem funcionários públicos, estes não têm reajuste anuais concedidos pelo governo federal, estadual ou municipal, com raras exceções para alguns estados e municíos..

Na segurança pública, estando atualmente o país no nível talvez mais elevado de escalada da violência, o governo federal e estadual pouco tem feito para resolver oou minimizar a mais espinhosa questão do pais. Em grandes capitais brasileiras, a população já não mais acredita em qualquer promessa de governo. As pessoas se encontram atemorizadas, com receio de sair à rua a pé ou de carro. Todos podemos , a qualquer instante , ser vítimas de assassinos, de assaltantes, de balas perdidas, de seqüestros, de “saidinhas de banco” e de outros percalços de barbáries praticados por facínoras que infestaram tanto as cidade quanto agora no interior do país. Ora, sem equaciona estratégias eficazes para conter a onda de violência no país, combatendo , além disso, o tráfico de armas, de drogas e de ações de assassinos perigosos dificilmente sairemos desse círculo vicioso de insegurança que nos mantém reféns da violência desordenada.

Ao poder judiciário cabe um papel decisivo nessa questão de mudanças imediatas na legislação jurídica, no Código Penal, que precisa se adequar e se modernizar para enfrentar os desafios de verdadeiro terrorismo implantado entre nós, como se fosse um poder paralelo insubmisso à Lei e, muitas vezes, impondo-se como poder ameaçador do Estado constituído. Em sociedade violentíssima como a nossa, as penalidades não podem continuar como estão muito condescendentes com a alta criminalidade e com os crimes chamados hediondos. Reverter essa realidade de nossas penalidades contra sentenciados torna-se, desse modo, um questão de segurança nacional sem a qual não há país que consiga sair dos anacronismos ou assimetrias ainda gritantes do Estado brasileiro.

Finalmente, na área da educação ainda persistem uma realidade nada animadora. As escolas públicas ainda vivem uma experiência malograda pelos baixos salários da maioria dos professores do ensino fundamental e médio, por um sistema de ensino distante das conquistas científico-tecnologicas da atualidade que o distanciam das escolas de alto padrão de ensino, mesmo nos grandes centros urbanos do pais. Enquanto os governos não valorizarem os professores de nosso país, dando-lhes condições reais para o exercício docente, - e o salário é umas das prioridades nesta questão -, o país não poderá aspirar a uma lugar proeminente entre as nações do mundo. Vejam os exemplos portentosos da China, do Japão, que investiram maciçamente no setor educacional. Não haverá Brasil moderno e respeitado se mantivermos a educação num secular e crônico estágio de marasmo, com um sistema de educação de dois tipos: o dos pobres e o dos abastados.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

A tragédia do ônibus 350: uma crônica não publicada*










Cunha e Silva Filho



Um ônibus, em paz, sai da Avenida Brasil, principal via terrestre de acesso à cidade do Rio de Janeiro.Passa pelo Viaduto e entra no velho bairro suburbano da Penha Circular. Prossegue na sua rota. Atravessa o Viaduto João XXIII. Entra, em seguida, na rua Irapuã – rua mais de residências, algumas bem velhas. Ao entrar nesta rua, o motorista, de repente, recebe o aceno de duas adolescentes para que pare o ônibus.

Os passageiros, cansado da jornada de trabalho daquela dia aguardam com ansiedade chegar a seus lares. “Quantas vezes tomei esse ônibus do centro do Rio à Vila da Penha, outro bairro fazendo esse mesmo percurso?” Este ônibus, se me recordo bem, até aparece num dos poemas do grande poeta paraense Jurandyr Bezerra, autor da obra Os limites do pássaro (Belém: CEJUP, 1993, 67 p.). Jurandyr há anos é morador na Vila da Penha.

O motorista, então, atende ao aceno das meninas que esperavam, num ponto da citada rua, qualquer ônibus desde que fosse este tipo de veículo. Tudo, todavia, não passava de uma cilada. Eram aproximadamente dez horas da noite. Ao parar o veículo, de imediato um ou dois homens, surgem, como num passo de mágica - homens-demônios - dispostos a tudo, implantando o terror e o pânico. Arrancam, furiosos, o motorista do volante. Outros homens permanecem do lado de fora, dando-lhes cobertura. Em movimentos rápidos, despejam gasolina no interior do carro e, em questão de segundos, ateiam fogo diante de passageiros tomados de surpresa, atônitos, sem mesmo tempo de reação. Alguns passageiros, cochilavam ou mesmo dormiam até aquele instante dessa viagem dantesca.

No veículo, havia um casal com um bebê de um ano. A mãe e o bebê , na confusão, em meio às labaredas crescentes, sumiram da vista do pai, ele próprio apavorado e impotente diante da situação horrenda. Alguns outros passageiros, quebrando vidros das janelas, puderam escapar ainda que sofrendo os horrores das chamas que se alastravam pelos seus corpos. Era o inferno na Terra ou a Terra no inferno.

A porta de saída ficara fechada. Não houve tempo a fim de que o motorista conseguisse abri-la. Os passageiros, encurralados, só tinham a porta de entrada, já e chamas, e a possibilidade de pular pelas janelas, igualmente em chamas. Houve uma explosão. O coletivo, em fração de minutos, era engolido pelas labaredas.

Quadro aterrador! Passageiros saindo do veículo, com dores intensas, os corpos em chamas, correndo, desesperados, pela rua. Um saldo de cinco mortes instantâneas. Muitos feridos gravemente. Os culpados: um dez monstros seguramente saídos das profundezas do inferno. As adolescentes, manipuladas pelos patifes, sumiram do local, quem sabe, para servirem de instrumentos diabólicos desses criminosos que nascem como ratos espalhando o terror e o cheiro de enxofre pelas narinas nauseabundas.

Não eram terroristas, como um amigo meu, jornalista, me corrigiu: não defendiam nenhuma ideologia, nem princípios, nem causas sociais, Eram animais selvagens, mentecaptos, tresloucados, cruéis, covardes brutamontes, energúmenos, psicopatas sociais, talvez incuráveis, que mereciam permanecer trancafiados pelo resto da vida, que não merecem misericórdia.

Quando, em meio à nossa indignação pelo ato bárbaro, tomamos conhecimento desse plano satânico, tramado seguramente por Belzebu, nossa indignação foge aos princípios ético-religiosos normais e passamos a comungar com um tipo de punição – a pena capital - para esses escroques, incendiários, monstros saídos da nossa sociedade afluente,ou melhor, construídos talvez por essa sociedade desigual, individualista e indiferente.

O ônibus 350, que eu soubesse, nunca fora alvo de atentados dessa natureza. O motorista da tragédia, que escapou ileso, já declarou que deixará de trabalhar na empresa. Dizem que os culpados já foram punidos com a pena de morte perpetrada por outros bando de uma facção adversária no mundo do tráfico de drogas, armas e de outros crimes abomináveis. A vida em si punira os culpados.

Enquanto isso, a cidade do Rio de Janeiro perde sobretudo no campo do turismo, que sofreu mais um golpe em face da incapacidade das autoridades de segurança, as quais, por incompetência e imprevidência, não dão conta da escalada do crime organizado, das máfias dos morros em suas lutas intestinas pelo controle do narcotráfico, com rivais do mesmo naipe da bandidagem instalada na cidade do Rio de Janeiro e em outras capitais do país..

Se para cada marginal morto pela polícia carioca corresponder uma retaliação da parte dos criminosos do tráfico, é de se recear pela integridade física dos cariocas, que poderão ser outras tantas vítimas inocentes da selvageria de monstros mefistofélicos em pele de humanos, prontos a transformar a bela cidade de São Sebastião em presa fácil de sua sanha em novos atos semelhantes aos do ônibus 350.



* Nota do autor: A tragédia ocorreu em 2005.





segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

"Violência sem fim"


        



                                      Cunha e Silva Filho




Caro leitor, não estranhe o título deste artigo vindo entre aspas. É que o tirei de uma reportagem do jornal O Globo a propósito do que está ocorrendo no Estado de Santa Catarina.  É preciso ter em conta o fato de que os atentados contra ônibus e lugares públicos, inclusive contra  policiais e parentes destes configuram uma situação ímpar para a qual a presença do governo estadual contribuiu de forma errada, protelada e incompetente.
Por outro lado, se o governador  daquele estado ainda demorou na sua decisão de convocar, através do Ministério da Justiça,  um contingente da Força Nacional, ele só fez agravar o problema e dar exemplo de inoperância. Nenhum governador  pode vacilar em decisões que afetam a segurança da sociedade e o respeito que esta deve ter   pelas autoridades competentes. Respeito não  por   mera subserviência ao Governador de Santa Catarina, mas respeito oriundo do espírito de liderança e de confiabilidade que um governador possa inspirar ao cidadão. Felizmente,  a Força Nacional foi aceita para auxiliar em parte algumas operações co-adjuvantes ao Comando da Polícia Militar de Santa Catarina.

Santa Catarina e seu interior não merecem  o que estão passando ante esta escalada de violência – que já se tornou um problema de  âmbito nacional. Aqui cabe fazer-se um parêntese mais do que necessário: o governo federal parece que não se deu conta ainda de quão séria é a  virulência desse mal.

Não é possível que a Presidente Dilma Rousseff ande repetindo a versão feminina do “rei nu” do conto de Anderson. Os meios de comunicação do país põem a violência em todas as   suas formas como um  do nossos  problemas mais recorrentes. É difícil dizer qual mazela é a pior: a corrupção na política, a falência do sistema de saúde ou a selvageria das ações de criminosos. Creio que a violência seja a  pior, porque já tem traços de terrorismo, de máfias que dominam redutos, pedaços, espaços de nossas cidades e de nosso interior. Alguém já afirmou que a criminalidade pode se alastrar pelos quatro cantos do país, o que seria um desastre para o Brasil e um péssimo exemplo para o mundo.

O descontrole da violência coloca em xeque a capacidade de governança do Estado brasileiro. Em outras palavras, quando facções criminosas detêm considerável poder de fogo e de destruição, é porque as autoridades dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário estão deixando muito a desejar e com repercussão negativa junto da  sociedade, que não parece acreditar mais na máquina do Estado.

Ora, essa realidade  nos dá a  sensação de que o brasileiro perdeu a esperança de melhoria no campo da criminalidade. Sentimo-nos reféns como cidadãos que pagam impostos e elegem candidatos a cargos nos  poderes legislativos e executivos. Alguém pode se considerar seguro neste país quando está no seu carro e, de repente, vêm indivíduos que o assaltam, tomam-lhe um bem e, muitas vezes, lhe tiram a vida estupidamente. O que é mais terrível, o marginal ou marginais escapam ilesos ou, se são presos, logo lhe arranjam uma  forma de sair em liberdade para praticar novos crimes.

Os nossos governantes, em geral, fazem administrações improvisadas, escolhem mal seus secretários e auxiliares,  nos vários setores,  apenas por indicação político-partidárias, sem levar em conta o fator determinante, que é a competência para exercer determinada função pública. Daí se verem tantos descompassos e protelações quando ao governo cabe sem delongas equacionar problemas e propor   estratégias pautadas no conhecimento e habilidade técnicas ou intelectuais  da equipe do governo que se instala no poder.

No exemplo da  calamidade que atravessa Santa Catarina, por que o governador não exerceu as prerrogativas de seu mandato para atacar as causas dos 101 ataques de quadrilhas encasteladas nos presídios do estado e de lá determinando que bandidos fora das  prisões armassem ataques contra a população na  capital e em cidades do interior? Ora, leitor, se as ordens  de ações ilícitas vêm do interior das prisões é  em razão de nestes  recintos existirem meios de comunicação com a marginalidade das quadrilhas que estão soltas e pondo em risco a vida  do cidadão  brasileiro. Isso é de extrema gravidade e coloca todas as instâncias dos poderes constituídos em situação constrangedora para dizer o mínimo.

Então, facínoras dispõem de instrumentos de transmissão de mensagens nos próprios  cárceres?  Que fiscalização é esta, falha, incompetente ou conivente com prisioneiros  de alta periculosidade? Alguma  coisa anda errada nestes locais de isolamento.

O governo federal, a quem  cabe o papel de dar segurança à Nação, não vem desempenhando bem a sua função. Temos vários órgãos federais, temos as Forças Armadas, temos a máquina do poder judiciário, temos armas e poder de enfrentamentos, temos  logística, temos setores da polícia bem preparados e, ao cabo, não conseguimos resolver e minar drasticamente as facções  criminosas, as máfias brasileiras, os traficantes de armas e de drogas levando jovens e adultos à miséria física, psicológica e moral.

Não consigo atinar com a ideia de que nosso país dá certo em alguns setores e erra desastradamente nas áreas nas quais mais  se exige a presença de um Presidente da República que se dedique a procurar debelar o terrorismo que  se instalou na vida urbana e no interior. Há quem já falou de ações  criminosas no interior do Nordeste chamadas de “novo cangaço”, ou seja, quadrilhas que aterrorizam as cidades pequenas, explodem caixas eletrônicas, cofres das agências bancárias e fogem sem serem molestadas pelas forças policiais. Até parece que a polícia as teme, o que é uma flagrante contradição entre Lei e  ações delituosas.

O país está aí, com a sua população indignada contra a incompetência das autoridades nos níveis federal, estadual e municipal.   Estão aí nas cidades e nos campos  os assaltos, os homicídios, os desmandos da marginalidade, com prejuízos causados ao comércio, à economia sem que a vontade política seja posta em ações efetivas e conducentes a uma vida melhor e  tranquila que todos os brasileiros desejam e esperam das autoridades.

O povo está cansado de esperar por  essas soluções. Se o governo federal não agir com competência e espírito público, sem tergiversações nem discursos  meramente retóricos, o crime tenderá a se propagar com o seu rastilho de pólvora, matando, assaltando,  queimando ônibus, carros de polícia, carros particulares, traficando armas e drogas e se constituindo em forças assassinas, poderosas  e capazes de pôr o país numa enrascada sem precedente e sem volta. Não queremos para a nossa pátria  os  tempos das máfias italianas ou americanas. O povo sofrido  do país não merece tantos retrocessos acarretados pelo crime, impunidade, derrocada de nossos sistema de saúde, de nossa educação pública ainda de baixa qualidade e de nosso transporte de massa também ainda tão precário. Esta, leitor, é ainda a imagem real de nosso país, infelizmente.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Pedra Negra: a ficção do menos

Ao ler Pedra Negra de Halan Silva,[1] a segunda incursão que ele faz no gênero romance, tendo, em 2011, estreado com a obra Cambacica, publicada pela mesma editora, e que, infelizmente ainda não li, me surpreendi com a rapidez com que as peripécias da fabulação deste segundo romance imprimiram à minha leitura. Tal rapidez tem muito a ver, suponho, com a arquitetura da obra que lhe deu o autor, ficção elaborada sem os habituais capítulos numerados ou com outros recursos paratextuais.

Narrativa curta, meio novela, meio romance, sem, contudo, cair numa estrutura de contos reunidos sobre o mesmo tema como se fossem uma novela ou romance. Em Pedra Negra há inegavelmente mais elementos para classificá-la como novela. O que importa, afinal, é que é uma obra de ficção.

Quando falo em rapidez do tempo de leitura, subentendo não só a ideia de extensão das partes ou capítulos, mas também o próprio evolver da diegese e sua maneira aliciante de narrar, impulsionando o leitor à curiosidade de continuar o processo de leitura. Isso já é uma qualidade para qualquer autor. É claro que no dinamismo provavelmente está embutida uma estratégia intencional do narrador/autor, que buscou selecionar – e toda ficção pressupõe seleção de temas ou eventos, de formas, de visões e de ideologia -, sua história num espaço gráfico nítido, preciso, no qual enunciado e enunciação seguem o mesmo espírito do contar menos para implicitamente contar mais. Por isso, a chamo de ficção do menos.[2]

Não sei que instrumentos ou técnicas narrativas foram empregadas pelo autor, que também é ensaísta e pesquisador, no primeiro romance.Sou informado, pela segunda orelha de Pedra Negra, que o Halan Silva, na vida literária,   estreou como poeta, com o livro 16 poemas.[3] Desconheço também , se o autor trilhou os mesmos caminhos e os mesmos recursos ficcionais em Cambacica, o que seguramente me daria algum aporte para tirar ilações acerca de seus processos e modos de narrar comparando-os com os utilizados em Pedra Negra. Só o confronto me permitiria falar de progresso ou retrocesso.

Contudo, pela leitura de Pedra Negra posso adiantar algumas particularidades favoráveis ao escritor: o domínio pleno do ofício de conduzir uma narrativa, especialmente a sua maneira de equacionar história, temas e linguagem literária, além de dominar bem o uso complexo no domínio da narratividade, que é o tempo. A categoria do tempo neste romance tem o sopro de modernidade, da ousadia. Posto que utilize um narrador na terceira pessoa, narrador onisciente, a manipulação do tempo é habilmente trabalhada por prolepses seguidas de analepses i.e., o incípit é o explicit [4] que se completam e se fundem no último capítulo. As ações da história são, pois, regidas pelo tempo retroativamente.

Daí que o primeiro capítulo relata o acontecimento da morte, sepultamento e velório do Major, um dos principais personagens do romance, e ao mesmo tempo põe em cena seu protagonista central, o padre Hermínio, a quem coube celebrar a missa de corpo presente do major num velório bizarro e carnavalizado, pois o morto se exibia nu no féretro.Tal tipo de cenário se parece com alguma coisa do humor e do espírito carnavalizado de passagens da obra de Jorge Amado (1912-2001).

Padre Hemínio é um sacerdote em luta íntima contra a sua ausência de vocação para o celibato e é um homem sem as mínimas condições de crença e fé nos valores da Igreja Católica. Ou seja, a força-motriz da obra reside neste comportamento do padre atingindo os alicerces daquela instituição: a não obediência aos votos de castidade e, no caso dele, o desregramento sexual profanando os recintos sagrados do cristianismo, como o coro da paróquia, uma capelinha de um cemitério, a sacristia.O seu alvo, a Mocinha, vítima da lascívia do padre que tudo fez para que ela abortasse o fruto do pecado.

Padre Hermínio, àquela altura, dos acontecimentos, ou seja, após o sepultamento do Major, já estava dando adeus à vida religiosa, por não ter-se conduzido como um sacerdote digno. Sobre ele recaía o peso de ter engravidado uma jovem e ultrajado os recintos da igreja. Só um gesto corajoso e determinado teve para com a comunidade: confessara publicamente o seu crime nefando se considerado pelas circunstâncias e lugar em que ocorreu e pela sua condição de religioso que perdera a fé e todos os valores prezados pela Igreja católica.

Paralelo a este tema de ordem religiosa, a narrativa põe em foco a questão do coronelismo, com toda a sequela que o acompanha: modos de vida sem contestação, obediência cega aos patrões fazendeiros, tragédias com culpados não identificados, enfim, o império do que já se denominou mandonismo.

Essa dimensão social e hierarquizada, quer no campo, quer na cidade do interior, Campo Maior para ser mais claro, é uma das linha de força da fabulação e mantém pontos comuns com outros romances brasileiros, especialmente com a ficção dos anos 30. As relações de poder se mantêm verticalmente como rochas indestrutíveis. Relações do tipo mercantilista, nas quais os sentimentos se mostram geralmente destituídos de emoção, dos grandes casos de amor entre protagonistas, o que nos faz recordar traços gerais do São Bernardo (1934) de Graciliano Ramos (1892-1953).

Logo no início do texto de Halan Silva, o narrador alude a encontros de senhores influentes do lugar na Zona Planetária,[5] zona de prostituição local. Nestes encontros, muitas vezes os interlocutores descambavam para discutir ou resolver questões de negócios envolvendo o mundo da produção da carnaúba e até de inovações de ordem tecnológica a serem realizadas para a melhoria da cidade.

A visão que se tem tanto do Major quanto do coronel Clemente, para ficarmos em dois exemplos, na maior parte tange aos meios de produção, venda, compra, andamento do engenho, enfim, a produção principal, a carnaúba. Essas referências situam o romance na sua dimensão impessoal, objetiva, num ambiente em que o homem é visto pelo peso do que possui e pela influência política local de que desfruta. A questão moral, os valores éticos se subordinam aos agentes propulsores da dinâmica do capital, assemelhando-se um tanto ao conceito de reificação ou coisificação utilizado por Luís Costa Lima[6] num antigo estudo primacial do romance São Bernardo.

Daí se compreende que em Pedra Negra o amor, a amizade sofrem um processo de transformação em que no casamento, ou mesmo amancebamento, o amor se apoia mais nos interesses, quer como forma de ganho financeiro ou troca de mercadoria, nos chamados casamentos sem amor, casamento por conveniência, quer porque a mulher se torna um objeto meramente sexual.

Daí também que grande parte dos homens casados por vezes têm sua “rapariga” muitas vezes mantida sob a vigilância cerrada dos senhores de engenho, como no exemplo de Jerusa, a preferida e protegida pelo Major. O amor romântico, ou platônico, ali estão ausentes. No entanto, sobram os instintos, o sexo comprado, o domínio da luxúria, da falência do credo religioso (caso do padre Hermínio). Enfim, sobram os frutos da produção carnaubeira, dos engenhos, dos vaqueiros. Não há, pois, no romance lances de alta emoção, seja sentimental, seja amorosa, seja de uma ação ou atitude altruística. Estamos em pleno imaginário das frustrações implícitas ou explícitas (caso também do padre Hermínio), do vazio do prisma humano. Narrativa algo seca, mesmo nas descrições da paisagem física.

O primeiro capítulo e o último se completam, repito, como fecho da narrativa. A cena toda gira em torno das consequências dos pecados do padre Hermínio. Este era um ser a quem a cidade havia condenado, seria um desterrado daquele meio acanhado e mecânico. Sua partida é o seu próprio “enterro” para a comunidade de fiéis. Até os sinos para ele anunciavam-lhe a “morte” em vida. Estava determinado a sair dali. Autojulgado e julgado pela comunidade após suas declarações sacrílegas, padre Hemínio arrancara do seu espírito a liturgia católica. Suas invectivas contra o comportamento ético do Major , seu costume de andar nu em casa, e possivelmente por ser maçom (p.12,), verberando-lhe a vida dissoluta, o apoio dado à Zona Planetária, não passavam de verbosidade oca de um religioso hipócrita e carreirista. Lembram-se de que, ao saber da gravidez de Mocinha, e no caso de ela vir a público, veio-lhe ao espírito logo a ideia de que suas possibilidade de alcançar a mitra estavam perdidas?

Releva assinalar quanto ao uso do tempo neste romance o fato de que o desenrolar das ações e dos acontecimentos quebra a sua linearidade e a narrativa, em toda a sua extensão, se forma de relatos que se comportam num vaivém bem articulado com a totalidade das partes ou capítulos. Este expediente narrativo tem uma vantagem: cada relato, cada personagem vai se compondo psicologicamente no decorrer das páginas seguintes. A descrição física dos personagens principais, casos de padre Hermínio, Major, coronel Clemente, Mocinha, entre outros, é praticamente nula, o que faria com que os designássemos como tipos.

Os aspectos atinentes a descrições de paisagem são comedidos. Entretanto, contrastivamente, o romance é riquíssimo em citações de topônimos, nomes próprios personativos, termos da vegetação rural, i.e., seu o espaço geográfico específico é a citada cidade de piauiense de Campo Maior.

O tempo da narração[7] no romance data aproximadamente dos anos de 1920 à primeira metade dos anos de 1940. O romance, aqui e ali, sinaliza para índices indicativos do tempo da história, o que lhe daria leves traços de roman à clef. Além disso, o romance inclui, dentro da narrativa principal, um encaixe, quando faz o resumo do relato da conhecida Batalha do Jenipapo que lhe toma quase sete páginas. Da mesma maneira, não deixam, contudo, de funcionar aqueles índices temporais como pano de fundo para contextualizar historicamente o espaço e tempo romanescos, tais como as referências à Quinta Coluna (Coluna Prestes), a figuras reais da história política brasileira,  inclusive  piauienses, a nomes de partidos políticos vigorantes em determinado período do largo espaço de tempo mencionado.

Não sei se tal inserção de natureza histórica seria essencial à parte ficcional da história, ao não ser que se tome esse encaixe como parte de um veio da narrativa contemporânea que atribui grande importância ao tópico do memorialismo. E, de alguma maneira, pode-se aventar aqui a circunstância de que este romance opera a dimensão histórica sem ser um romance histórico no sentido moderno com que se caracteriza esa modalidade de narrativa. O que me cabe assinalar é o fato de que, nesta obra,, a parte de maior relevância estética é a ficcional. A digressão é secundária.

Pedra Negra, conforme as circunstâncias espaçais forjadas pela narrativa, prioriza certos ambientes que se tornaram populares em Campo Maior – espaço , segundo já referi, da zona dos prostíbulos que, na história, está associado à vida do Major, já que ele não somente apoiou financeiramente a “reconstrução” das casas do entorno, como também sugeriu como deveria ser a fachada dos “casebres” dos lupanares da Rua Santo Antônio, os quais para ele teriam que ter inscritos “do lado esquerdo” da rua “o nome dos planetas” (p.21) e do lado direito, “o nome das “virtudes,”num contraste verdadeiramente humorístico. Essa ação do personagem custou-lhe a inimizade do padre Hermínio nas suas homilias e ofensas, no fundo sob o manto da fantasia” e do farisaísmo.

No tocante à composição dos personagens, o narrador economiza muito na real caracterização física e mesmo psicológica conforme já acentuei anteriormente. Curioso é notar que alguns personagens que partilham do enredo são apenas indicados por um nome só ou pela sua condição de status sócial: Major, Jerusa, Mocinha, padre Hermínio, coronel Clementino, vaqueiro, Mira etc. Não há aquela preocupação de nomeá-las pelo sobrenome. Não haveria nisso alguma influência do ficcionista Graciliano Ramos, com o exemplo de Vidas secas (1938)?

No terceiro capítulo (p.25-28) não entendi a referência à velha alcoviteira que, no discurso narrativo, caiu em estado deplorável, a ponto de se agarrar ao excesso etílicos. Por que aqui o narrador, primeiro, não a nomeou como Joró para em seguida identificar quem ela era? Por excesso de economia da narrativa, é bem provável que o narrador tenha cometido alguma confusão quando da entrada em cena de um personagem. Ou então poderia ser por motivos de tomdas de cenas, de cortes espácio-temporais influenciado pela linguagem cinematográfica ou de telenovelas?

Em linhas gerais, o arcabouço romanesco saiu-se bem, numa narrativa que, embora reduzida, mostra as virtudes de Halan Silva no seu trabalho de composição ficcional, notadamente se levamos em conta a sua destreza de usar de forma moderna e criativa recursos narrativos sem cair no anacronismo de repetidas obras publicadas pondo em foco o ambiente regional, mesmo de autores consagrados nacionalmente.

Pedra Negra não é obra de estreante inexperiente, mas um trabalho literário feito com conhecimento, pesquisa e recurso indispensáveis utilizados por escritores contemporâneos. Por esses e outros motivos, saímos de sua leitura com a convicção de que o autor congrega a capacidade de imaginação com a experiência de quem, pela linguagem despojada, clara, e domínio perfeito do vocabulário adequado à natureza da narrativa e também ajustado ao tempo da narração, soube com sucesso realizar uma ampla pesquisa das inúmeras referencialidades da época da história, assim como fazem no teatro, no cinema, na televisão os inúmeros profissionais que escolhem os cenários, a indumentária, o mobiliário, a paisagem, as modas, os objetos, os costumes, o folclore, os meios de transporte, enfim, todo um arsenal cultural sintonizado com o corpus da narrativa, em tudo obedecendo às exigências do tempo e do espaço ficcionais.

Ao recorrer a tudo isso, o ficcionista propicia ao leitor aquela visão possível de imprimir autenticidade e verossimilhança de representação dramática, de tom enunciativo, de passagens de humor negro, de cenas mágicas, de assombrações, de práticas incompatíveis com quem se entregou à vida religiosa, cujo pior exemplo é o padre Hermínio invocando a “cobra negra” a fim de colimar suas ações pecaminosas. Da mesma sorte, diria das situações de flagrantes humorismo em face de práticas sociais, de meios de vida e de diversidade de encontros e desencontros do homem na sociedade patriarcal e do homem venal diante de seus chagas morais.

Fé, credo, respeito aos dogmas católicos não tinha para padre Hermínio utilidade alguma. De resto, esta é uma linhagem da ficção cujo modelo de tema do mau uso do celibato vem a ser o romance O crime do padre Amaro (1875) de Eça de Queirós (1845-1900). Ao responder com esforço à ultima pergunta de frei Heliodoro, que consistia em saber se ele havia se arrependido de seus atos, se não ”temia os horrores do inferno,” (p. 100) padre Hermínio apenas deixou escapar esta frase, entre irônica e dolorosa, proclamada no latinório: “Infra equinoxiatem non peccatur”. Sim, não pecaria debaixo do Equador. Sabe-se que, no Equinócio, o ponto da órbita da Terra registra igual duração do dia e da noite.” [8] Se não havia igualdade entre os seres humanos ou os seres do mundo, e em muitos ângulos da vida, de que modo seria ele diferente dos outros? Só fora da linha do Equador essa possibilidade do pecado talvez pudesse ser diferente ou acenasse para um horizonte incerto.



NOTAS:



[1] SILVA, Halan. Pedra Negra. Teresina: Editora Nova Aliança, 2012.

[2] Ao dar este título ao meu estudo, me inspirei no título de um conhecido ensaio  de Antônio Carlos Secchin, um estudo sobre a poesia de João Cabral de Melo Neto, A poesia do menos. São Paulo: Editora Duas Cidades, 1985.

[3] SILVA, Halan. 16 poemas. Teresina: Edições des Livres, 1995.

[4] Sobre estes conceitos, ver REIS, Carlos. O conhecimento da literatura. 2 ed. Coimbra: Almedina, 1999, principalmente p.205-212

[5] Convém relembrar que esta área de prostituição já inspirou um belo poema do escritor piauiense e natural de Campo Maior, Elmar Carvalho. O poema de título homônimo se encontra no livro desse poeta com o título Rosa dos Ventos gerais. 2 ed. Teresina: SEGRAJUS, 2002.,p. .163-172.

[6] COSTA LIMA, Luiz. A reificação de Paulo Honório. In: -- Por que literatura. Petrópolis: Vozes, 1969, p. 49-70.

[7] SCHÜLLER, Donaldo. Teoria do romance. São Paulo: Editora Ática, 1989, p. 58.

[8] HOLANDA FERREIRA, Aurélio Buarque de. Novo dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1976, p. 544.



terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

A culpa é do mordomo? Não, é de nós, leitores

Cunha e Silva Filho




Estamos bem próximos de mais uma festa de carnaval, a qual , no país,é considerada o maior espetáculo da Terra. Carnaval é sinônimo de muitas coisas, entre elas a de fantasiar a crueza do cotidiano brasileiro. Jamais, entretanto, poderia renegar festa tão engraçada, tão cheia de brincadeiras, de faz-de-conta.

Mas, caro leitor, “você há de convir”, expressão que servia como bordão de um parente próximo meu, o qual se esfalfava por parecer um usuário correto da língua portuguesa, que no Carnaval tudo vale desde que seja motivo de parecer o que não é. Não quero, contudo, teorizar sobre o aspecto antropológico desta festa tão íntima do brasileiro, tão popular e querida quanto o futebol com todas as misérias da violência que o envolvem, principalmente nos dias de hoje e em todas as nações que o praticam, com exceção talvez do Japão, se não incorro em erro.

Os japoneses são disciplinados, organizados, inimigos da bagunça, comportamento social mais chegado aos nosso hábitos de mandriice, picardia, malandragem, vida pícara. Deixemos a teorização do Carnaval para um seu grande estudioso, o antropólogo Roberto DaMatta, que, de resto, tem um livro fundamental, Carnaval, malandros e heróis - para a sociologia do dilema brasileiro (6.ed. Rio de Janeiro: Rocco, 19970), no qual um dos temas abordados é o carnaval, estudado em todos os seus ângulos e eu diria em todos as suas funções benéficas e maléficas.

O que pretendo insinuar com as linhas precedentes é que a festa do Carnaval guarda muitas semelhanças com o futebol e a política nacional. É só o eleitor botar a cabeça para pensar a fim de fazer várias analogias, comparações, divagações etc. Na realidade, aquele “mundo às avessas” serve mesmo de mote ao que nos circunda como sociedade inclinada aos jeitinhos, “ao todo mundo faz”, por que não eu também?” e outras situações parecidas e mutáveis de acordo com as circunstâncias e as oportunidades ensejadas.

Veja, leitor, o exemplo mais típico do que estamos tentando discutir sem as muletas do jargão acadêmico mas com a própria malícia e espírito de malandragem sendo esta praticamente inata em nós, queiramos ou não. O Senado há pouco realizou eleições para a escolha do seu presidente. Quem saiu vitorioso? Renan Calheiros, logo ele que tem um histórico político feito de dignidade e lisura, visto que, além disso, pertenceu a um dos governos mais sérios e tranquilos do país, o do ex-Presidente Fernando Collor de Melo. Dignidade e lisura que, no julgamento do STF(Supremo Tribunal Federal) lhe reservaram acusações comprometedoras, tanto é que há tempos teve que renunciar ao mandato para escapar a julgamentos mais complicadores para a sua “ficha política” pouco recomendável.

Deste tipo de político é que o país tem de sobra. Quando seus pares lhe sufragaram a vitória de agora para presidir o Senado Brasileiro é porque descemos aos mais baixos degraus da decência política.Quem lhe deu votos lhe é cúmplice porque coonesta toda a folha corrida deste político amigo do “caçador de marajás”. Ouviu-se ultimamente,, na tribuna do Senado, a voz raivosa de orador de segunda plana, de quem causou tantos males à democracia brasileira, direta e indiretamente, sobretudo quando recordamos sua política econômica desastrosa para tantos pequenos empresários que faliram, havendo mesmo um caso de suicídio de um deles,  vítima das irresponsáveis alterações da vida financeira do pais, todas implementadas sob o jugo do chamado Plano Collor.

Como alguém como o Renan Calheiros pode ser vitorioso quando, no STF, seu nome faz parte de acusados por crimes de peculato ou de outros delitos de ordem financeira com consequências danosas ao Erário do Estado Brasileiro?

As eleições em nosso país se dão, em geral, em clima de de tranquilidade mas o grande entrave à representatividade de nossos legislativo é a quase completa ausência de eleitores escrupulosos e conscientes que poderiam mudar os destinos do país e o nível de moralidade e ética de nossos políticos. Não me venham com a história cediça e sem nenhum fundamento lógico de que precisamos de jovens para exercerem , em Brasília, os mandatos de deputados federais e, por vezes, de senadores. Independentemente da idade, basta que  sejam fiéis representantes dos interesses da sociedade.

Ora, não é a idade que conta para que alguém seja honesto ou um patife. O fato é que os nossos representantes fazem uma opção pela política apenas para se darem bem financeiramente na vid,a com mordomias cada vez mais repugnantes à moralidade do mandato político. Tem razão um jovem estudioso que conheço, observador perspicaz da histórica política brasileira: “Os políticos do Planalto –e eu acrescentaria, dos estados e municípios – são apenas o reflexo perfeito do caráter do povo brasileiro”. E por isso, para lá se abalançam oportunistas, homens da mídia de baixo nível cultural, membros de igrejas, carreiristas, en fim, a malandragem nacional que não se farta do melhor que um indivíduo tem da vida material: salários milionários, verbas para múltiplos usos: carros dispendiosos e novos, verba para aluguel de imóveis, transporte aéreo gratuito para o político e sua família. Esta última regalia foi agora proposta aos deputados com a eleição para o novo presidente da Câmara Federal. Ora, leitor, os parlamentares já ganham salários altíssimos para cobrir todas esta gastança, por que enfiar a mão mais fundo ainda no bolso dos contribuintes?

É um desatino, uma insensatez, um ato de desrespeito ao povo brasileiro. Estamos, então, no “mundo às avessas,” carnavalizado, usando as mais diversas máscaras de traição aos mais genuínos princípios da democracia moderna. A perpetuação de alguns políticos no poder em Brasília e nos estados é uma confirmação de que não avançamos em direção ao aperfeiçoamento de nossos hábitos e práticas políticas. Não saímos do velho e surrado comportamento ético do coronelismo, do voto de cabresto, do voto comprado, das mais espúrias práticas políticas de esbulhar o nosso povo, o eleitor, que, em grande parte, é analfabeto, analfabeto funcional, inconsciente políticamente, alienado há séculos de sujeição aos senhores de terras e de gado, tanto quanto da exploração capitalista urbana da mais valia.

Tenho minhas dúvidas quanto ao alheamento da sociedade em relação à política e aos políticos, i.e., não é o grau de cultura mais elevado ou menos elevado ou mesmo nulo que seja fato determinante de escolhas melhores de candidatos ao executivo e ao legislativo. A questão é mais complexa e, no meu juízo, prende-se mais ao conjunto de classes de nossa sociedade, ela que é tão dividida econômica, social e culturalmente.

Não estou me reportando à chamada “ luta de classe” explícita, como forma de confronto ou batalha campal, dividindo a sociedade entre grupos inimigos, criando ódio entre os "irmãos da mesma pátria", segundo costumo afirmar em muitos artigos publicados, mas a uma sociedade que, no seu todo possa exercer o seu poder de barganha junto à classe política de maneira mais unificada, harmoniosa, sem preconceitos nem superposições em decisões e orientação aos menos favorecidos cultural e economicamente. Nesta direção, caberia jogar um papel de suma importância a intervenção da sociedade na melhoria, em médio prazo, do potencial de instrução dos mais pobres e ao mesmo tempo instilar em cada brasileiro o sentimento de cidadania e de dignidade social a ser por ele exercido democraticamente. O papel das elites intelectuais seria mais um suporte na consecução destes objetivos.

Sei das dificuldades e óbices para se chegar a este estágio de civilização e de compreensão para com os menos aquinhoados de nascimento. Porém, o caminho da educação é decisivo para aperfeiçoar o conhecimento político da nação e divisar novos horizontes de um país livre da imoralidade e do oportunismo no terreno da prática política.



sábado, 2 de fevereiro de 2013

O Beijo de Judas: o Inferno de Santa Maria





Cunha e Silva Filho



Foi uma traição à vida o que aconteceu na Kiss, em Santa Maria, Rio Grande do Sul.. Que nome menos adequado para se dar a uma boate. Beijo é sinal, antes de tudo, de amor, de afeto, de amizade. Não é palavra que se tome para um lugar onde tudo estava fora do lugar, principalmente a documentação da casa de diversões, com alvará já expirado, e onde nada em termos de segurança funcionava: extintores de fogo, pelo menos duas portas de saída, e outros requisitos obrigatórios de ordem técnica, respeito legal à capacidade de pessoas que ali podiam se reunir

Por cúmulo da irresponsabilidade, mesmo com todas as irregularidades verificadas pelos peritos e pelas declarações consistentes do delegado encarregado das investigações, a boate tinha (sic!) autorização do Corpo de Bombeiro para funcionamento normal. Nada foi observado, na última fiscalização do órgão competente, do ponto de vista legal, nem da Prefeitura local nem do Corpo de Bombeiros. Era uma boate como tantas outras espalhadas pelo país que funcionam ao arrepio da Lei, das autoridades, dos governo federal, estadual e municpal. Até já se falou que os maiores responsáveis não são os donos da boate mas a autoridade pública, que é leniente e, muitas vezes, se torna cúmplice pela ausência da aplicação das penalidades contra lugares de diversão como esses.

Faz parte da cultura do poder público brasileiro só tomar medidas contra erros imperdoáveis e fatais e semelhantes ao ocorrido em Santa Maria quando a tragédia acontece. Por isso, o lamento de governantes, suas lágrimas vertidas, seja do prefeito, do governador, seja da presença da Presidente, esta com discurso lacrimejante e sentindo a perda coletiva de inúmeros jovens que poderiam ser, no futuro, pessoas de diferentes profissões úteis à sociedade e ao desenvolvimento do país, não vai reverter a dor das famílias enlutadas e destroçadas nos seus sentimentos mais profundos, que é a dor de perder um ente querido, um amigo, até mesmo um conhecido habitante da mesma cidade.

Portanto, a tragédia de Santa Maria não é novidade para o país das tragédias e das impunidades, da desídia pública e da ausência gritante de medidas preventivas, de seriedade no trato da coisa pública e privada .São mais de duzentos mortos, são mais de duzentos jovens cheios de viço de alegrias, de sua condição de universitário, que é uma das fases da vida do estudante mais decisivas e emocionantes de suas vidas. Vale encarecer que dos sobreviventes feridos, muitos estão ainda nas UTIs dos hospitais, ainda com risco de morte, outros mais com corpos queimados, que lhes deixarão com marcas indesejáveis sobretudo na fase da juventude e mocidade.

Morrer jovem, por doença é sempre uma perda irreparável, mas morrerem tantos jovens a um só tempo e de maneira brutal, sofrida, desesperadora, é mais do que uma tragédia. Eis por que a tragédia de Santa Maria teve tanta repercussão(negativa para a imagem do país) internacional, dadas as proporções do número elevado de vítimas fatais.

Lugares de diversões, prédios, velhos ou novos, construções tombadas pelo patrimônio público têm que ser rigorosamente fiscalizados, e, quando forem detectados sinais de risco de vida, devem ser seus responsáveis enquadrados na Lei, com pesadas multas, sendo que as autoridade competentes devem imediatamente determinar prazos improrrogáveis a fim de que sejam corrigidos os erros e os riscos. É uma obrigação não somente dos prefeitos, mas dos governadores e da União. A sociedade deve também assumir a sua parte através de denúncias aos órgãos correspondentes caso veja algum perigo iminente que possa prejudicar a população da cidade, dos bairros.

O Brasil é campeão de remendos, de improvisações, de tapa-buracos, de obras faraônicas vultosas paralisadas de repente, com altíssimos custos para o Erário. Por que não imitamos o que é bom do EUA, do Japão e dos países que preservam, fiscalizam e penalizam os infratores em áreas que podem provocar mortes de centenas ou milhares de pessoas? Deixemos de chorar as nossas calamidades e previnamo-nos contra os desastres evitáveis e mesmo inevitáveis, diminuindo-lhes as consequências desastrosas, como no caso de enchentes nas cidades e outros acts of God.

Governos que se preocupam com estas questões são governos democráticos, inimigos da populismo, da demagogia, do paternalismo, da impunidades, das injustiças sociais. O país tem uma máquina burocrática de alto nível, usando os mais recentes avanços tecnológicos da informática e, por outro lado, está na Idade Média ou até em época mais remota no que diz respeito ao ataque frontal aos males diversos que nos afligem assustadoramente, como a violência – e a tragédia de Santa Maria foi um ato de violência sem dúvida alguma. Pratica-se a violência sempre que se fere a incolumidade das pessoas, sempre que deixamos de tomar providências que assegurarão o direito à vida, sempre que nos omitimos quanto às nossas atribuições em cargos de comando nos diverso setores públicos.

Sabemos que nem tudo pode ser evitado no campo dos acidentes ou desastres. No entanto, se um governo se pauta pela seriedade de sua administração, se escolhe bem seus secretários e todo a sua equipe, seguramente, nos três níveis, federal, estadual e municipal, há de realizar um trabalho com transparência, atendendo tão-somente ao bem-estar da sociedade. Não é isso que vemos nos Brasil em muitos setores do funcionamento da máquina do Estado.

Não é só decretando luto oficial que se há de resgatar os direitos dos cidadãos, os direitos humanos, os direitos individuais e coletivos. O que está se fazendo agora, no que tange à segurança dos lugaresde diversão, ou assemelhados, em muitas partes do país é válido, porém deixará de sê-lo se isto se transformar em fogo de palha, em ações paliativas para inglês ver.

O que desejamos da parte do setores públicos são ações efetivas, duradouras e permanentes do item “prevenção” contra acidentes de todos os níveis e proporções, quer da natureza, quer provocados pela má conduta dos homens, empresários, proprietários, construtores, síndicos, enfim, por todos aqueles sob cuja responsabilidade vão recair as penalidades da Lei caso não cumpram com os seus deveres e obrigações, principalmente se envolvem crimes de natureza vária contra a vida.

Isso vale também para os inúmeros segmentos da vida cotidiana: motoristas, pessoal de setores de manutenção, de fiscalização, de vigilância, da defesa civil etc. . Ninguém que ocupe uma função da qual depende a integridade física das pessoas pode se eximir do rigoroso cumprimento de suas obrigações, dos regulamentos legais.

A vida é o bem maior e em defesa dela devemos unir os sentimentos de coletividade, humanidade e respeito. Que a tragédia de Santa Maria seja o símbolo mais alto do grito nacional contra todos os que transgridem o espírito da Lei e de sua aplicação. A verdadeira modernização do Estado brasileiro só virá quando os males aqui levantados, em meio à dor dos jovens mortos em Santa Maria, forem erradicados de nossos costumes erroneamente por décadas enraizados sob a proteção infame da impunidade.