Cunha e Silva Filho
Alguém me poderia censurar pela acidez de alguma afirmação que faço em artigos ou crônicas (Ah, como é difícil diferenciar formas literárias!). Contudo, caro leitor, não opino com azedume com a intenção de me passar como um pessimista, um resmungão. A minha indignação se manifesta sempre que me cabe, como cidadão brasileiro, apontar os males, em várias direções, de meu país ou quando me rebelo contra atos de injustiça praticada contra a nossa sociedade Cada escritor tem a sua visão do mundo, os seus próprios modos de sentir, de reagir diante dos fatos , das pessoas , da vida, enfim.
O país, como tanta gente consciente sabe, tem a beleza natural da Natureza, da paisagem, das praias paradisíacas, das festas anuais, pagãs ou cristãs, das datas de feriados, alguns importantes, desde os primeiros olhares de Cabral (não o Cabral governador, que não me cai na simpatia), mas o Pedro Álvares, que aprendemos a conhecer nos primeiros livros de História do Brasil.
O Brasil tem um defeito congênito, combina a beleza, a qualidade da geografia, do solo, do clima, do mar, das ilhas, com os desastres da sua vida política, replenas de imperfeições, de mistérios de bastidores palacianos e de uma economia que, segundo os especialistas não alinhados ao pensamento único do PT, vai mal das pernas. A verdade da dívida interna é uma caixa de Pandora. ou um cavalo de Tróia.
Se os juros baixaram, e ainda são os mais altos do mundo, se a presidente anunciou, com foguetórios dos tipos das festas de São João, o declínio dos preços da conta de luz, afirmando, aos quatro cantos dos ventos, que as nossas reservas energéticas vão de vento em popa e que nada há a temer em apagões pelo país afora, se finalmente declarou haver distribuído bolsas para jovens que ingressam na universidade e até bolsas para estudantes fazerem curso no exterior, então, agindo assim, está de parabéns.
Estamos em pleno carnaval, período de festas no qual tudo se transforma, inclusive domina o reino da carnavalização. Ora, neste período as pessoas não pensam, brincam, não refletem, esquecem que têm cérebros, não dizem a verdade, a escondem, viram tudo às avessas, botando o Brasil de ponta cabeça. Só há espaço para os pandeiros, os batuques, as letras clicherizadas das escolas de samba, das passarelas, o Sambódromo, as máscaras vendidas, exibindo os rostos de figurões da política e até da justiça. Vê-se que o tempo de carnaval não é o melhor instante para se pensar no país que tanto desejamos pra nós. O carnaval é um vira-casaca, é um manequim surdo e mudo. Festa pagã, na qual se abrem as comportas dos interditos, ele é o modelo ideal para uma liberdade concedida e limitada. Um liberdade oficializada, por isso não é autêntica, sobretudo nos tempos que correm. O carnaval, que há tantos anos deixou de ser uma alegria espontânea, ingênua até, festa dedicada às brincadeiras juvenis, com lindas mocinhas nas salas de dança dos clubes espalhados no imenso país-continente, se transmudou para um evento ao gosto dos turistas e com fins puramente capitalistas.
No Centro do Rio de Janeiro, onde o carnaval no passado era a festa do povo nas ruas, dos blocos que vinham de todos os cantos cariocas, sobretudo na Avenida Rio Branco, depois, na Avenida Presidente Vargas, acabou sendo um lugar do qual a arraia-miúda, o zé povinho não fazem parte, exceto se pertencem a alguma das escolas de samba de primeira linha. Tudo o que era puro, brincadeiras, ludismo, se tornou exibição para o turismo, nacional e internacional.
Deixando de ser aquela festa alegre, de folião, de mascarados, de bate-bolas, de homens vestidos de mulher, passou a ser uma questão do âmbito do showbusiness. As filmagens têm já seus territórios divididos, os ganhos já previamente calculados, os direitos de vender os desfiles a mídia internacional, a venda das músicas dos sambas já têm igualmente suas gravadoras. O carnaval tem lá o seu lado bem malandro, feito de espertalhões e de oportunistas. Foram os tempos das serpentinas, dos confetes, dos bailes noturnos, dos bailes de fantasia, dos concursos das melhores fantasias, dos tempos áureos de grandes carnavalescos, da figura inesquecível de Clóvis Bornay (1916-2005), museólogo e famoso carnavalesco, idealizador, em 1937, do Baile de Gala do Theatro Municipal do Rio de Janeiro e de tantas outras personalidades carnavalescas que fizeram a história do carnaval carioca.
Isso tudo passou e hoje me dói de saudades. Não há como não ser saudosista do que foi tão memorável, tão cheio de luzes, brilhos, riquezas de fantasias, criatividade de estilo. Creio que, aqui no Rio, centro nervoso do grande carnaval nacional e, no Piauí, guardadas as proporções e diferenças, esta festa de colombinas, de pierrôs, sofreu imensa mudança. Não diria nunca para melhor porque não é por ser passado, mas por ter sido bem natural, nascida da criatividade dos tempos idos, de uma vida mais tranquila, com violência mínima, sem grandes tumultos e perigos que o amante do carnaval enfrenta nesta escalada “epidêmica de violência “, para usar uma definição de um repórter sobre o que está atravessando a velha Pauliceia Desvariada.
O mal do carnaval é este: bons e maus se tornam iguais por detrás da máscara hipócrita dos camarotes dos poderoso, dos que são inimigos do povo, dos que exploram os injustiçados, dos que mantêm este país em muitos aspectos em crônico estado de “país do futuro” e, o que é pior em tempos de folia, em condições de tempo contado por décadas da momice espertalhona dos donos do poder.
Longe me encontro daquele carnaval em que passei boas horas, no Clube dos Diários, em Teresina, Piauí, com aquele bigode de carvão, uma blusa carnavalesca, pulando carnaval com uma simpática morena que me seguia, com olhos amorosos, os meus passos inebriados de velhas e novas (para a época) cantigas de carnaval. Aquele ambiente feérico, com cheiro de lança-perfume, na verdade, exalava uma sensação mágica, etérea, de eternidade, de doce elixir da vida juvenil .”Evoé! Evoé!”
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