quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Luiz Filho de Oliveira:"Envite aos vates assinalados a jogar o chiste abaixo assinado" (4)

                                                                                    

                           Qualquer obra pressupõe outras obras, antecedentes, contemporâneas e consquentes
                           (Fábio Lucas, in: Razão e emoção literária)*

       

 Cunha e Silva Filho                                                                                                     




Na sétima estrofe, ao pôr ludicamente em dúvida a capacidade crítica de Juó Bananère (1892-1933),[11] pela irradiação operada no próprio signo do pseudônimo do “alegre e parodista” poeta, no dizer de Otto Maria Carpeaux,[12] o eu poético remete o leitor ao estilo de um dialeto ítalo-português-macarrônico, muito apreciado pelos leitores de sua época. Seu alvo crítico aponta para os aspectos linguístico-estilísticos anti-parnasianista de Olavo Bilac e para uma reflexão interpretativa da condição do imigrante paulista de extração burguesa mas de hábitos vinculados à Europa, Londres, por exemplo, com a sua indumentária típica mimetizada pelo novo imigrante em ascensão social e pelas próprias instituições nacionais[13]. Da mesma forma que nas estrofes precedentes e dentro do que mencionei anteriormente sobre o lado erótico que permeia quase o poema na sua inteireza, o eu poético não mede seus limites de sustentar-se no emprego hipertrofiado erótico-escatológico.

Alguém teria dúvida de que Juó Bananère não usaria seu pensamento mordente a fim de levar sua linguagem ao limite de suas capacidade criativa na persona do eu poético infenso aos cânones vigentes do impassível e heráldico Parnasianismo?

Bananère já dava indícios de espírito subversor dos padrões literários de então. Seu caminho o empurrava seguramente para as novas formas de liberdade da poesia e de outros gêneros literários a eclodir plenamente e com espírito agressivo e demolidor na Semana de Arte Moderna realizada no Theatro Municipal de São Paulo - evento emblemático do Modernismo de 1922. Bananère, não custa afirmar, não aderiu diretamente ao movimento Modernista, que, ainda em vida, acompanhou, porém, conforme anota Valter Wey, “.. preparou-lhe o terreno, através de suas sátiras desmoralizadoras.” Na imprensa paulista “... gozou de enorme popularidade no tempo...”, acrescenta esse autor. [14]



Na oitava estrofe, entra em cena a figura polêmica, multifacetada, e contraditória de Oswald de Andrade (1890-1954) sob a perspectiva interrogativo-exclamativa de uma incomum condição de “pastor” de “ovelha chamorra,”

Num ambiente periférico, a dúvida sobre essa condição anacrônica que remontaria aos poeta árcades brasileiros, cultores de um pastoralismo, pregando os lemas do “Inutilia truncat” e da “Aurea mediocritas,” apoiados ideologicamente no Iluminismo, no fundo histórico da Grécia Antiga e da Arcádia, com a sua criação de academias espalhadas por toda a parte e com ramificações cronológicas que vêm até os nossos dias, com as suas correspondentes adaptações e atualizações exigidas pela contemporaneidade, o nome de Oswald de Andrade nada tem a ver com esses antigos poetas vivendo os ócios em meio a uma Natureza artificial e decalcada em seus espaços físicos em parte voltados, no século XVIII, para a Europa, tanto do modelo lusitano quanto bem remotamente, dos velhos tempos dos bardos sonhando com a inocência e a bem-aventurança da Hélade.

Oswald é vanguardista, demolidor do passado literário, nos temas e principalmente nas formas de gênero e expressão literária. Esse “enfant terrible” do Modernismo da primeira fase serve, na estrofe, como um satírico contraponto, um desvio de normas, e neste aspecto instaura, no espaço da estrofe, a sua condição acentuadamente lúdica, brincalhona, humorística, atuando tematicamente como acidente de percurso.

Por esta razão, os lexemas-chave “pastor,” “arrebalde” (variante da forma mais moderna “arrabalde”) e o sintagma citado “ovelha chamorra”, i.e., “ovelha tosquiada”, “tosada,” mas podendo significar também “espoliada”, “esbulhada” [15]se chocam semanticamente com o enunciado dos versos da estrofe. Quer dizer, entre a serenidade de um pastoralismo alienante, situa-se a irreverência prosaica da “gritaria” anti-passadista oswaldiana, contaminada por uma vivência agitada e urbana de um escritor de vida abastada e de influências vanguardistas europeias, auto-contraditórias na busca de renovação e novas experimentalismos poéticos, tanto quanto o fez na prosa, nem sempre coerentes com algumas de suas produções anteriores, vazias de lirismo.[16] Por tudo isso, a enunciação poética da estrofe somente convalida os mecanismos de natureza surreal no que tange à ideia proposta pelo eu poético.

Na nona estrofe, já no período modernista a pergunta que se faz tem como alvo do eu poético o conhecido humorista, poeta tradutor,, fabulista e homem de pensamento, Millôr Fernandes, falecido no ano passado. Satírico, independente, demolidor de falsos valores nacionais, Millôr merece releitura e estudos de envergadura intelectual digna de sua produção pouco conhecida mesmo por especialistas da literatura brasileira. A interrogação-exclamação, agora, tem o seu tanto de melancolia, de sentido de perda irreparável que os admiradores em geral têm quando não mais podem contar com uma voz que “clama no deserto,” tem peso intelectual e conteúdo moral diante das desgraças enfrentadas por longos anos da história política brasileira.

Alcançamos a décima estrofe, na qual a figura de Luís Fernando Veríssimo, conhecido cronista contemporâneo, filho do grande ficcionista Érico Veríssimo (1905-1975). Luís Veríssimo nada tem com a literatura paterna, cujo nome propositalmente se menciona na estrofe. São dois escritores que tiveram trajetórias completamente diversas, e bem assim outras opções de falarem sobre os homens, a História e a vida. O filho Veríssimo optou mais pela leveza de temas relacionados às paixões dele, o cinema, o jazz, ou por temas mais amenos, porém com muito humor e paixão pela vida, pelas viagens. Daí talvez se explique o uso do lexema “modorra” não gratuitamente inserido na estrofe. Isso, em parte, elucide, em linhas gerais, o temperamento de escritor de Luís Fernando Veríssimo.

Na penúltima estrofe, encontramos citado o poeta Chacal, pertencentes às gerações de poetas sob o rótulo geral de contemporaneidade. Nem sempre, com é o caso desta estrofe, a expressão “tal de” conota desapreço ou ironia. Ao contrário, o tom do verso “um vate marginal”, onde o sintagma antitético confirma o ludismo ao fundir um lexema de acepção antiquada e ao mesmo tempo solene e o lexema “marginal”, i.e., um poeta situado fora do esquema das normas editoriais com o selo de alguma editora famosa. Ambíguo no sentido, marginal se refere àqueles poetas e mesmo ficcionistas, caso de Plínio Marcos (1935-1999), que publicavam suas produções em edições particulares, em geral preparadas pelo próprio autor e vendida, seja nas ruas, seja n os bares, ou em outros lugares não sofisticados.

Chacal – é preciso cronologicamente delimitar melhor - faz parte da geração marginal dos anos 70, melhor dizendo, à “geração mimeografo” que, segundo Antonio Sérgio e Wander Miranda, sai da “clandestinidade editorial para atingir um público mais amplo, sobretudo através da importante antologia 26 Poetas Hoje, de 1976, organizada Heloísa Buarque de Holanda. [17]
A pergunta do eu poético põe o leitor entre a possibilidade de o poeta satisfazer a curiosidade e o desejo de trilhar o caminho da liberdade de linguagem sem os interditos e as normas vigorantes na tradição poética com a dúvida da resposta em suspenso, quer da parte do eu poético, quer do desejo do leitor.

Chegado à última estrofe, o eu poético invoca, no mesmo tom interrogativo-exclamativo, o ser físico do poeta, simbolizado com maiúscula, numa provável maneira de querer uma resposta final e acolhedora do poeta que, no país, deu início a essa tendência, diria, marginal, porque alicerçada nos componentes da crítica, do escárnio, do humor e da liberdade criadora - único caminho descoberto para qualquer forma temático—linguístico-literária de fazer poesia em todos os tempos. Chamo a atenção para o fato de que as duas pontuações, além do peso retórico, malogrado ou não, se formula como uma das chaves fundamentais na análise e interpretação do poema.

Esta invocação final, ao “Boca do Inferno” recobre-se de uma intenção de natureza epistemológica. Sua base é teórica e prática ao mesmo tempo. Aprofunda, ademais, a questão crucial da criação literária e artística e, no tocante a este estudo, dos fundamentos do gênero poético, questão inesgotável do prisma teórico.



Palavras finais


O “envite” aos poetas do “time” proposto pelo eu poético não apenas camufla um chiste que explicita as preferências de autores do poeta Luiz Filho de Oliveira , mas também é abertura a uma convocação à liberdade plena – reforço - da palavra, da língua, da poesia e da literatura em geral em espaço e tempo historicamente definidos. Tal lexema, além do sentido de “convite”, registra ainda as acepções de “não se acovardar ante as ameaças (de outrem)” “maior parada (no jogo),[18] significados sintomaticamente gravitando em torno da realidade lúdica do poema.
O ludismo na fatura do poema examinado – tantas vezes reiterado no desenvolvimento desta análise - posto que aparentemente desabusado no uso do léxico de semântica erótico-chula, não deixa de ser máscara de seriedade implícita e derivada de um compromisso com a poesia de Luiz Filho de Oliveira.


* Ao reunir as 4 partes deste estudo,  esta epígrafe  constará na primeira página do conjunto.



 NOTAS:



[11]  O poeta Juó Bananère, do qual, pela primeira vez, tive conhecimento num livro didático, Língua portuguesa, de Válter Wey (São Paulo,Companhia Editora Nacional. 3ª série do Curso Colegial. 6 ed., 1963, em muitas histórias literárias de que dispomos não é sequer mencionado, o que é uma lacuna imperdoável da parte de historiadores brasileiros.



[12]   Cf. em CARPEAUX, Oto Maria. Pequena bibliografia crítica da literatura brasileira. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, s/d. Nova edição com apêndice de Assis Brasil.330-331.



[13]  STEGAGNO-PICCHIO, Luciana. História da literatura brasileira. Trad. de Pérola de Carvalho e Alice Kyoko. 2 ed. ver. e ampliada. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2004, p.440.



[14]  WEY, Valter. Op. cit., p. 220.



[15 ]  BUARQUE DE HOLANDA, Aurélio. Novo dicionário de língua portuguesa. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1977, p. 312.



[16]  MOISÉS, Massaud. História da literatura brasileira Vol. V. Modernismo (1922—Atualidade). São Paulo: Editora Cultrix, p. 77-86.



[17]  BUENO, Antônio e MELO MIRANDA, Wander. Moderno, pós-moderno e a nova poesia brasileira. In: CASTRO, Sílvio.(Org.). História da literatura brasileira. Vol. 3 Lisboa: Publicações Alfa, 1999, p. 454. Recomendo ao leitor que leia o capítulo na íntegra, Capítulo 50, p. 443-466.

[18]  Lexema acessado na Internet através do Dicionário Priberam da língua portuguesa. Acesso em 30/01/203.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Luiz Filho de Oliveira: "Envite aos vates a jogar um chiste abaixo assinado" (3)



Cunha e SilvaFilho



No segundo terceto seguindo a mesma estratégia dessacralizadora da figura de Dante - é óbvio, sob a ótica sempre lúdica -, seria a possibilidade de o grande vate se deparar com um ambiente também lúbrico. Nessa estrofe, o autor do poema consegue reunir sob o signo da hipótese de natureza lúdica, um lexema elevado contrastando criativamente com um exemplo de aliteração – “abarcaria” uma bacante, num sintagma que remete, deslocadamente no espaço da estrofe, ao lexema “divino”, o qual conduziria satiricamente ao título da obra-prima de Dante, A divina comédia. A poesia pode até ser inspiração às vezes, mas é irrecusável a condição de que sua fatura depende de pressupostos técnico-formais, de construção trabalhada com o instrumental da lógica, do conhecimento, do efeitos técnico-linguístico-literários e da emoção para surtir o efeito estético..

A combinação dos lexemas “inferninho” e “zona”, de natureza, de nível rebaixado, e, portanto, carnavalizado, completaria a intenção geral da sátira ao empregar estes dois lexemas nas concepções que a eles atribuímos, maximizando ainda mais o alvo caricatural de uma obra séria e canônica. Como se pode ver, tudo na peça poética transcorre num universo do hipotético e do divertissement., da possibilidade, ou seja, de uma capacidade criativa ou habilidade técnica que os autores possuem para subverter o imaginário do imaginário, o simulacro do simulacro e muito desta transformação se consegue a partir do recurso do intertexto. Por isso, o pastiche, a paródia, a apropriação, a metaliteratura tanto se tem praticado em tempos pós-modernos da escrita ficcional, poética, dramatúrgica etc, dando-nos a impressão de que a literatura, do ponto de vista de originalidade de temas e de formas de realização está se esgotando ou enfrenta uma crise., positiva ou negativa, ainda não podemos prever com certeza, de criatividade ou de transformação dos meios de produção literária no Ocidente, pelo menos.

No terceiro terceto, a interrogação-exclamação do eu poético centrará sua atenção na figura do poeta barroco Gregório de Matos Guerra (1633-1696), personalidade indispensável ao contexto literário-ideológico da obra Das bocadas infernéticas[5]. Comporta acentuar um pormenor que não se deve minimizar na relação entre o poeta Luiz Filho e seus rememorados autores citados: o tom informal, familiar, desauratizado lhe serviu como oportunidade de prestar uma homenagem, seja por preferências do poeta piauiense, seja porque, segundo ele mesmo me informou, exerceram alguma influência sobre a sua poética. Esse procedimento nos lembra as conhecidas homenagens de Manuel Bandeira a autores por ele admirados, que lhe foram motivos de imitação, de apropriação e de paráfrase, num trabalho de recriação que em Bandeira lhe era um traço de sua produção literária, segundo já referi em outros ensaios meus.

Há que considerar-se no poema o emprego de vários lexemas associados ou deslocados dos contextos histórico-literários, Ao utilizar este recurso, forçoso é sublinhar que Luiz Filho, assim como outros poetas de todos os tempos, emprega a intertextualidade, seja pela presença daqueles lexemas, como “empório, “gorra”, no sentido de “barrete”, seja pela própria menção do nome do autor, seja finalmente pelo sentido, tema, tom do texto, aqui erótico ou licencioso da estrofe. No caso específico de Gregório de Matos, esta lubricidade não deixa de associar-se ambiguamente ao refrão do poema e, por ser justamente uma refrão, intensifica semanticamente o tom geral debochado do poema, possivelmente suscitando no eleitor risos ou reprovação, duas reações que não importam no que tange à qualidade poética inusitada do texto

O quarto terceto alude ao grande lírico Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810), autor do apreciado e conhecido Marília de Dirceu e reputado pelos estudiosos como o autor das Cartas Chilenas (1845), aliás, incompletas[6].

Tendo sido acusado de ser mais um membro da Inconfidência Mineira, foi a julgamento. De Minas foi levado para o Rio de Janeiro, onde esteve preso até 1792. Em seguida, foi deportado para Moçambique. No processo movido contra ele, defendeu-se brilhantemente e com argumentos firmes e convincentes, de tal sorte que impressionaram os julgadores ao afirmar que nenhuma participação teve no movimento dos inconfidentes liderado por Tiradentes. Sua lírica é considerada da mais alta valia estética neoclássica.

A estrofe, que imprime um tom de amável intimidade com a figura do árcade, como, de resto, em quase toda a extensão do poema, se submete ao eu poético mediante a indagação interrogativo-exclamativa própria a uma construção hipotética dirigida ao leitor ou receptor. Indaga-se aí da possibilidade de o célebre árcade, no meio da pressão de seus julgadores, cometer um ato extremo, um suicídio, como acontecera efetivamente com outro árcade acusado de inconfidente, o poeta Cláudio Manuel da Costa, autor de Obras (1768) Vila Rica (1837), O Parnaso Obsequioso[7]

O quinto terceto, trilhando o mesmo procedimento de arquitetura do poema, traz à baila uma dimensão menos divulgada do escritor Bernardo Guimarães (1845-1898) mais conhecido como ficcionista, menos como poeta.. O prosador, porém, desde os bancos acadêmicos na Faculdade de Direito de São Paulo, junto com os companheiros de turma, Aureliano Lessa e Álvaro de Azevedo, já dera sinais de inclinação ao humorismo quando,  com aqueles autores, funda a Sociedade Epicureia, regada em suas reuniões a bestialógicos que, segundo José Paulo Paes[8], produziram “curiosos disparates rimados de humor algo surrealista, posto que de fatura mecânica que tiveram voga na segunda geração romântica.”

Seus versos humorísticos, tidos pelo crítico José Veríssimo como superiores aos de Gregório de Matos, tiveram melhor acabamento estético com as obras Dilúvio de Papel, Elixir do Pajé, sátiras, ainda segundo José Paulo Paes,[9] de natureza fescenina e “inspiradas” em Os timbiras, de Gonçalves Dias. A estrofe em consideração, conforme se pode notar, guarda ressonâncias inequívocas com fragmentos de O Elixir do Pajé : tá armado,” e lexemas alusivos à obra de Bernardo Guimarães: “Pajé,” “pachorra.”

O sexto terceto, na mesma linha intertextual, humorística e de composição, insere outro poeta pouco estudado, Luís Gama (1830-1882). Filho de mãe africana e livre e pai fidalgo, Luís Gama [10] foi, desde menino, um lutador e sofredor. Esteve por oito anos no cativeiro, sendo livre, porque, a despeito disso, o pai o vendera como escravo. Fez-se sozinho, com os próprios esforços, foi um vitorioso no final. Aguerrido como sempre foi, obteve a liberdade provando ser um escravo livre. Sua vida é uma epopeia de batalhas pessoais e de conquistas. Mercê de seu esforço próprio de se tornar um homem independente, fez-se jornalista combativo, estudou Direito sozinho e se dispôs a defender seus “irmãos de cor”. Atingiu a condição de líder abolicionista e republicano, ao lado de outros nomes proeminentes da vida literária, tais como Raul Pompéia, Lúcio de Mendonça, Silva Jardim, Valentim Magalhães e Raimundo Correia.

Militou na imprensa de cunho humorístico fundando jornais em São Paulo, jornais devida efêmera, porém que publicaram seus primeiros poemas satíricos, mais tarde enfeixados em livros. Sofreu influência do grande Gregório de Matos e de F. Xavier de Novais. Com suas Trovas, chasqeou da sociedade provinciana de seu tempo. Neste sentido, sua visão de raça revelou-se avançada, a se ver pela sua crítica mordaz contra as pretensões de “barões escravocratas” de se julgarem brancos puros.

Para o que convém aos comentários deste estudo, no plano estratégico de composição lúdica através do recurso da intertextualidade, veja-se que Luiz Filho, pela boca do eu poético, faz referência ao título do poema “Quem sou?”, o qual ficou popularizado mais com o nome de “A Bodarrada” Todo o campo semântico da estrofe irradia a sua sátira através dos lexemas que lhe realçam o intento de achincalhamento, da licenciosidade, presentes em quase todo o poema em exame: “bodarrada,” “prazer” (como forma verbal), “cachorras”, na acepção de “mulher devassa.” (Continua)

NOTAS:

5]Aliás, veja o leitor que, nesse paratexto do título, é sintomática a formação do neologismo, aglutinação do lexema “infernética”, na forma adjetiva, combinando inferno + internet, não disfarçando, desse modo, a intenção subversora do pendor de Luiz Filho para jogar com novos sentidos atribuídos a um lexema que, no exemplo presente, acena tanto para a tradição literária (Barroco) quanto para a contemporaneidade em que os meios de expressão escrita estão tão ligados aos meios da mídia virtual, a Internet. Do título Das  bocadas infernéticas, tirado e derivado da antonomásia “Boca do Inferno”, pela qual ficou conhecido Gregório de Matos, consegue o autor extrair sua verve de bom efeito humorístico-satírico.




6] Cf. CANDIDO, Antonio e CASTELO, J. Aderaldo. Presença da literatura brasileira – 1. Das origens ao Romantismo. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1971 Ver p. 188-189. .



[7 Idem, ibidem, p. 136-137. A citação da obra O Parnaso Obsequiso, nesta referência bibliográfica, não traz a data de publicação do livro.



[8] PAES, José Paulo e MOISÉS, Massaud (Orgs.). Pequeno dicionário de literatura brasileira. 2. ed. ver. e ampliada. São Paulo: Editora Cultrix, 1980, Ver verbete às páginas 181-183.

[9]Idem, ibidem.

[10] Idem, ibidem, p. 172.






domingo, 27 de janeiro de 2013

O Brasil, o carnaval e outras coisas







Cunha e Silva Filho



Alguém me poderia censurar pela acidez de alguma afirmação que faço em artigos ou crônicas (Ah, como é difícil diferenciar formas literárias!). Contudo, caro leitor, não opino com azedume com a intenção de me passar como um pessimista, um resmungão. A minha indignação se manifesta sempre que me cabe, como cidadão brasileiro, apontar os males, em várias direções, de meu país ou quando me rebelo contra atos de injustiça praticada contra a nossa sociedade Cada escritor tem a sua visão do mundo, os seus próprios modos de sentir, de reagir diante dos fatos , das pessoas , da vida, enfim.

O país, como tanta gente consciente sabe, tem a beleza natural da Natureza, da paisagem, das praias paradisíacas, das festas anuais, pagãs ou cristãs, das datas de feriados, alguns importantes, desde os primeiros olhares de Cabral (não o Cabral governador, que não me cai na simpatia), mas o Pedro Álvares, que aprendemos a conhecer nos primeiros livros de História do Brasil.

O Brasil tem um defeito congênito, combina a beleza, a qualidade da geografia, do solo, do clima, do mar, das ilhas, com os desastres da sua vida política, replenas de imperfeições, de mistérios de bastidores palacianos  e de uma economia  que, segundo os especialistas não alinhados ao pensamento único do PT, vai mal das pernas. A verdade da dívida interna é uma caixa de Pandora. ou um cavalo de Tróia.

Se os juros baixaram, e ainda são os mais altos do mundo, se a presidente anunciou, com foguetórios dos tipos das festas de São João, o declínio dos preços da conta de luz, afirmando, aos quatro cantos dos ventos, que as nossas reservas energéticas vão de vento em popa e que nada há a temer em apagões pelo país afora, se finalmente declarou haver distribuído bolsas para jovens que ingressam na universidade e até bolsas para estudantes fazerem curso no exterior, então, agindo assim, está de parabéns.
Estamos em pleno carnaval, período de festas no qual tudo se transforma, inclusive domina o reino da carnavalização. Ora, neste período as pessoas não pensam, brincam, não refletem, esquecem que têm cérebros, não dizem a verdade, a escondem, viram tudo às avessas, botando o  Brasil de ponta cabeça. Só há espaço para os pandeiros, os batuques, as letras clicherizadas das escolas de samba, das passarelas, o Sambódromo, as máscaras vendidas, exibindo os rostos de figurões da política e até da justiça. Vê-se que o tempo de carnaval não é o melhor instante para se pensar no país que tanto desejamos pra nós. O carnaval é um vira-casaca, é um manequim surdo e mudo. Festa pagã, na qual se abrem as comportas dos interditos, ele é o modelo ideal para uma liberdade concedida e limitada. Um liberdade oficializada, por isso não é autêntica, sobretudo nos tempos que correm. O carnaval, que há tantos anos deixou de ser uma alegria espontânea, ingênua até, festa dedicada às brincadeiras juvenis, com lindas mocinhas nas salas de dança dos clubes espalhados no imenso país-continente, se transmudou para um evento ao gosto dos turistas e com fins puramente capitalistas.

No Centro do Rio de Janeiro, onde o carnaval no passado era a festa do povo nas ruas, dos blocos que vinham de todos os cantos cariocas, sobretudo na Avenida Rio Branco, depois, na Avenida Presidente Vargas, acabou sendo um lugar do qual a arraia-miúda, o zé povinho não fazem parte, exceto se pertencem a alguma das escolas de samba de primeira linha. Tudo o que era puro, brincadeiras, ludismo, se tornou exibição para o turismo, nacional e internacional.

Deixando de ser aquela festa alegre, de folião, de mascarados, de bate-bolas, de homens vestidos de mulher, passou a ser uma questão do âmbito do showbusiness. As filmagens têm já seus territórios divididos, os ganhos já previamente calculados, os direitos de vender os desfiles a mídia internacional, a venda das músicas dos sambas já têm igualmente suas gravadoras. O carnaval tem lá o seu lado bem malandro, feito de espertalhões e de oportunistas. Foram os tempos das serpentinas, dos confetes, dos bailes noturnos, dos bailes de fantasia, dos concursos das melhores fantasias, dos tempos áureos de grandes carnavalescos, da figura inesquecível de Clóvis Bornay (1916-2005), museólogo e famoso carnavalesco, idealizador, em 1937, do Baile de Gala do Theatro Municipal do Rio de Janeiro e de tantas outras personalidades carnavalescas que fizeram a história do carnaval carioca.

Isso tudo passou e hoje me dói de saudades. Não há como não ser saudosista do que foi tão memorável, tão cheio de luzes, brilhos, riquezas de fantasias, criatividade de estilo. Creio que, aqui no Rio, centro nervoso do grande carnaval nacional e, no Piauí, guardadas as proporções e diferenças, esta festa de colombinas, de pierrôs, sofreu imensa mudança. Não diria nunca para melhor porque não é por ser passado, mas por ter sido bem natural, nascida da criatividade dos tempos idos, de uma vida mais tranquila, com violência mínima, sem grandes tumultos e perigos que o amante do carnaval enfrenta nesta escalada “epidêmica de violência “, para usar uma definição de um repórter sobre o que está atravessando a velha Pauliceia Desvariada.

O mal do carnaval é este: bons e maus se tornam iguais por detrás da máscara hipócrita dos camarotes dos poderoso, dos que são inimigos do povo, dos que exploram os injustiçados, dos que mantêm este país em muitos aspectos em crônico estado de “país do futuro” e, o que é pior em tempos de folia, em condições de tempo contado por décadas da momice espertalhona dos donos do poder.

Longe me encontro daquele carnaval em que passei boas horas, no Clube dos Diários, em Teresina,  Piauí, com aquele bigode de carvão, uma blusa carnavalesca, pulando carnaval com uma simpática morena que me seguia, com olhos amorosos, os meus passos inebriados de velhas e novas (para a época) cantigas de carnaval. Aquele ambiente feérico, com cheiro de lança-perfume, na verdade, exalava uma sensação mágica, etérea, de eternidade, de doce elixir da vida juvenil .”Evoé! Evoé!”



sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Luiz Filho de Oliveira: "Envite aos vates assinalados a jogar o chiste abaixo assinado(2)



Cunha e Silva Filho



O poema “Envite aos vates assinalados a jogar o chiste abaixo assinado”, o segundo poema do livro Das bocadas infernéticas, já embute no próprio título longo (Rabelais já o fazia no Gargântua, Jorge Amado, em algumas obras) uma alusão a uma ação em tom burlesco, brincalhão, humorístico, de divertissement, com um objetivo de, através do leitor ou receptor, o eu poético fazer este último compartilhar de uma espécie de “jogo” dialógico informal e, repito, em clima de ludismo. Este é, por assim dizer, o “pacto de leitura” poética estabelecido entre o eu poético e o leitor ou receptor.Convém notar o paratexto do título combinando lexemas que de de início imprimem o tom sarcástico propositadamente anacrônico – “envite”, “vate”, “chiste” – os quais antecipam, assim , o genro do texto que se vai ler.

No entanto, se percebe que, enquanto o eu poético se propõe hipoteticamente a dirigir seu “convite” aos autores, poetas, com exceção de Veríssimo, ou seja, o escritor contemporâneo, o cronista Luis Fernando Veríssimo, o citado “envite”, ou convite, não passa de um recurso retórico, uma vez que o eu poético na realidade se volta diretamente ao leitor, empregando este termo desconsiderando a multiplicidade semântica que teoricamente o permeia no domínio da Teoria Literária.

Repare-se que o primeiro verso do poema tem seu verbo no imperativo, i.e., recorre à função apelativa ou conativa da classificação jakobsoniana. Além disso, cada estrofe, composta de tercetos, em número de 12, seguida cada uma de um refrão inusitado e que provavelmente escandalize os leitores com pruridos moralistas, já que ainda os há dessa natureza, se concatena no discurso poético como uma interrogação-exclamação, o que revigora a ideia de efeito meramente retórico propriamente dito do “convite”, consoante se pode depreender de sua natureza comunicativa. O mencionado refrão ainda mais intensifica o efeito de exasperar aquele leitor desautomatizando-o de hábitos da linguagem poética bem comportada e de vocabulário da linguagem dita polida. O rebaixamento fica aqui no plano da enunciação, não da estrutura do código poético, não do resultado, do produto, que é o poema em si literariamente concretizado.

Por outro lado, o refrão “Eitaporra!” é uma expressão aglutinando a interjeição “eita!”, que, segundo o Aurélio[1] , exprime “alegria, incitamento, surpresa, espanto” com a palavra chula “porra” que, além de remeter à ideia de membro sexual masculino, ao sentido de “esperma”, ainda denota sentidos de “enfado, impaciência, desagrado” etc. Este vocábulo eufemiza-se através da forma apocopada “pô!”, segundo ainda ensina o Aurélio. Por conseguinte, o refrão “eitaporra” contamina qualquer resquício de elevação e sacralização semântica do cânone literário.

Vê-se, então, que a função da sátira é tornar o que poderia ser solene em grotesco, carnavalizado, empregando este último termo de empréstimo a Mikhail Bakhtin (1895-1975) que o usou na sua “Teoria da carnavalização”no livro Problemas da obra de Dostoiévski[2]. No já referido “pacto de leitura” poética, o poema mergulha no seu próprio universo às avessas, sem se importar com os aspetos moralistas ou éticos que possam suscitar na mente do leitor ou receptor.

Invocando para o bojo de seu centro temático feito de erotismo, luxúria e desrepressão comportamental passíveis de ferir susceptibilidades no espírito de alguns leitores, à semelhança de um Oswald de Andrade com propostas poéticas para épater le burgeois,” Luiz Filho de Oliveira, ao longo do poema, vai desfilando nomes consagrados da Antiguidade Latina como o poeta Horácio, famoso pelas suas odes e, por sua vez, poeta satírico, praticante de uma das divisões da sátira em número de três: a horaciana, que leva o nome do poeta, de teor crítico ameno; a sátira juvenaliana, de caráter ferino e a sátira menipeia, também chamada de sátira varroniana ou ainda denominada anatomia, um tipo de sátira mista, composta em verso com prosa e tratando de um mesmo tópico. Nela havia lugar para todas as formas literárias, podendo incluir diálogos, digressões, registros etc. O termo menipeia vem de Menipus, um filósofo cínico grego do século III antes da era cristã..[3] De acordo com Massaud Moisés, a sátira deve sua origem aos latinos. Quintiliano, retórico latino (37-100?),  no Instiutio Oratoriae X, 1, 93, já declarava: “A sátira surgiu de nós.” [4]

Na citação de autores no poema surge o nome de Dante Alighieri, o portentoso poeta da Divina Comédia, do período Pré-Renascimento italiano e, dando um salto geográfico-literário, Luiz Filho de Oliveira traz ao interior do poema o debochado e satírico Gregório de Matos, figura literária central no livro, e o maior poeta do barroco brasileiro. No poema, Tomás Antônio Gonzaga representa o Arcadismo e sua presença indiretamente está associada à dimensão satírica, por ser ele considerado o autor das Cartas Chilenas. São ainda mencionados do Romantismo os autores Bernardo Guimarães, não como ficcionista, mas na sua vertente menos conhecida, a satírica, seguido de outro, o poeta e abolicionista Luiz Gama, também na sua vertente satírica. À altura do Pré-Modernismo, no poema comparece o engenhoso poeta parodista Juó Bananère, cujo nome verdadeiro é Alexandre Marcondes Machado, autor da Divina Increnca. No modernismo, desfila no poema a figura irreverente e demolidora de Oswald de Andrade. No Brasil, contemporâneo, no poema surgem o também irreverente Millôr Fernandes, falecido no ano passado, o cronista Luis Fernando Veríssimo e o poeta marginal Chacal. Fecha o círculo dos autores homenageados na obra Das bocadas infernéticas. Segundo me declarou o próprio Luiz Filho, este grupo de autores elencados no poema exerceram alguma influência na sua poesia e, ademais, são alguns autores de sua predileção.O conjunto de autores no livro de Luiz Filho prefigura um recorte bastante amplo e de boa e ótima qualidade literária.

Tem-se, desse modo, no poema um conjunto orgânico de poetas cmm propostas intencionalmente crítico-satírico-humorístico que bem merecem, como ocorre na prosa de ficção, formar uma linhagem ou tendência da poesia satírica brasileira, bastante significativa, porém bem pouco conhecida do leitor comum e até mesmo de nível superior.

Acentuei linhas atrás que o poema se inicia por uma interrogação-exclamação, recurso empregado em todos os tercetos, mas este aspecto visual e aparentemente insignificante, exige um olhar interpretativo.mais profundo Ao lançar a última pergunta com um adicional sentido de surpresa, dá-se uma variação da função conativa, já que não há mais aqui um destinatário direto e inconfundível: o leitor em si, mas um apelo do eu poético com talvez o objetivo de conseguir a chancela ou aprovação do “Poeta,” o qual, no caso, seria Gregório de Matos, a figura mais proeminente da sátira poética brasileira. A condição metapoética do 12º terceto, define bem esse papel relevante de liderança e de formação de uma linhagem desempenhado pelo grande satírico do Barroco no percurso dos poetas satíricos na historiografia literária brasileira. A interrogação-exclamação, finalizando o último terceto, igualmente desentranha, com relação às figuras selecionadas, uma dúvida, uma indeterminação no que tange a uma resposta da parte do “Poeta.”

O elemento lexical nuclear gira em torno da lubricidade no tratamento de uma composição poético-satírica. Ainda mais, no lexema que desponta no último verso, “forras”, depreende-se a acepção de natureza ideológico-linguística, que é “libertação, ou seja, liberdade de linguagem e, por tabela, de comportamentos e atitudes do ponto de vista social, o que me leva a deduzir ser este signo, a liberdade, um dos eixos basilares do poema graças à sua autonomia formal insubmissa a normas morais pré-estabelecidas, especialmente se gastas e anacrônicas em termos de livre criação artística.

Constituído de verso rimados misturados e heterométricos, o poema não deixa nem por isso de, no conjunto das estrofes, propiciar uma certa melodia ou ritmo. Não atinei, contudo, por que razão houve esta heterodoxia rimática e métrica, sendo o poema um tributo principalmente ao “Boca do Inferno”?

Penetrando, agora, na estrutura interna do poema, estrofe por estrofe, tomo os dois exemplos dos poetas Horácio e Dante. O que o primeiro terceto descreve de forma hipotética seria a possibilidade de o poeta Horácio degradar-se no ambiente da cidade de Gomorra, uma das cidades, junto com a cidade de Sodoma - e o Velho Testamento o confirma -, castigadas por Deus sendo destruídas pelo fogo vindo dos Céus em virtude dos excessos de devassidão e maldades de seus habitantes. Ambas as cidades ficavam onde hoje se encontra o Mar Morto. Esta possibilidade - cumpre frisar - só existe no domínio do lúdico, do satírico, quer dizer, a exemplo dos demais tercetos, no ambiente da palavra aplicada ao propósito de dessolenizar o canônico.(Continua).

NOTAS:
[1] Novo dicionário da língua portuguesa. 1 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977,.p.501.


[2] BAKHTIN, Mikhail. Problemas da obra de Dostoiévski. Rio de Janeiro: Forense, 1981.

[3] GRAY, Martin. A dictionary of literary terms. 2nd. Edition. Longman York Press, 1994, p. 255-257.

[4  ]MOISÉS, Massaud. Dicionário de termos literários. 6 ed. São Paulo: Cultrix, 1992, p. 469-471.






segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Sem assunto: uma homenagem a Rubem Braga



Cunha e Silva Filho



Hoje, desde parte da manhã, estive chateado comigo mesmo. Necessitando de encontrar um livro, um opúsculo do filólogo e gramático Evanildo Bechara, publicado pela Nova Fronteira, e seguramente bem vendido pelo país afora, opúsculo destinado a atualizar o usuário de língua portuguesa. Não havia meio de encontrá-lo, pois é um livro fininho, por isso opúsculo. Ora, um tipo de livros desses é fácil perder no emaranhado de papéis em que frequentmente me encontro diante do computador. Pode ser que tenha se infiltrado no meio de páginas de uma revista de tamanho maior, ou que tenha , sem que eu percebesse se intrometido em jornais que se acumulam sem ordem e que, para ganhar espaço na mesa do computador, coloco em cima de uma lixeira de papéis. Minha mulher, que, ao contrário de mim, é muito organizada e gosta de tudo no seu devido lugar, me acompanhava com um olhar de reprovação.

No entanto, sem dar importância às reclamações dela, continuei procurado: primeiro nas estantes da sala do apartamento; segundo, nas estantes que ficam nas dependências, onde a bagunça é geral e onde guardo uma boa quantidade de recortes de jornais, apontamentos, artigos de meu pai, artigos meus, cópias de  trabalhos monográficos do tempo do mestrado e doutorado, algus materiais da graduação, material de língua inglesa do meu tempo de professor do Colégio Militar do Rio de Janeiro, com textos e exercícios de múltipla escolha ou objetivos, en fim , a papelada é grande e insuportável aos olhos de quem não a conhece na condição de arquivos.

Continuei na procura do livrinho citado. Agora, veja, ao procurar o livrinho, me lembrei de que precisava de ver se uma obra sobre o Simbolismo de Massaud Moisés e outra organizada por Antonio Candido e José Aderaldo Castelo sobre o Modernismo estavam ao meu alcance. Qual nada! Não encontrei igualmente ambas. Meu alvoroço cresceu, a chateação, idem. Tive que fazer uma longa e demorada peregrinação nas estantes para ver se encontrava tais obras. Perguntei a meu filho Alexandre e à minha esposa se eles haviam visto esses livros todos. Ninguém viu. Estava perdido e mal pago! Ia, em cada prateleira de cada estante, olhando com todo o cuidado se conseguia localizar as obras. E nada de aparecerem. Duvidei até que as tivesse. Veja como se encontrava a minha cabeça. Esfalfado, não desisti. Olhei para um ponto fixo, o canto esquerdo de livros enfileirados numas  das prateleiras.  Erro grosseiro de perspectiva! Oh, como nos engana um ângulo errado de perspectiva! Lá estava o volume sobre o Modernismo! Faltavam os de Bechara e de Massaud Moisés. Olhei, de novo, para outra prateleira e, de repente, vi um volume com capa de papel A4, paradinho, no meio de outra prateleira da sala. Era mesmo o de Massaud Moisés. Faltava só o livrinho da Reforma Ortográfica...

Sempre que perco algum objeto dentro de casa, apelo pra São Longuinho, o santo que encontra as coisas e objetos perdidos. Mas, não sei explicar, não apelei hoje para o bendito santo. Quis porque quis encontrar sozinho , sem a ajuda de mais ninguém, nem mesmo dos familiares. Já passou a manhã. Almocei às pressas. Necessitava de  retomar a peregrinação a fim de achar o livrinho do Bechara. Minha mulher saiu com meu filho e eu fiquei, já  era o período da tarde, vasculhando, ora a sala, ora as dependências. Perdi meu dia. Bem feito! Quem sabe, não foi porque não pedi a ajuda de São Longuinho.Prometi a mim que não iria a uma livraria comprar outro volume do livrinho da Reforma. Tenho que pagar pela minha falta de cuidado e ordem. Amanhã, talvez, eu peça ajuda a São Longuinho. Ele é batata. Sem ele, o livrinho não aparecerá.

Peço, agora, desculpas ao leitor pela falta de assunto. Me contento porque até o capixaba Rubem Braga (1913- 1990), que este ano será homenageado pelos cem anos de  nascimento, já tinha sido o primeiro talvez a falar de crônica feita "sem assunto", no que foi imitado por muitos outros bons cronistas brasileiros.

Braga é onsiderado pela crítica como o mais importante cronista brasileiro. Segundo me informei, o cronista escreveu em vida umas quinze mil crônicas. É o suficiente para que com merecimento o festejemos. O “velho” Braga, como a si mesmo gostava de chamar-se, precisa de ser relido e debatido não só nos meios acadêmicos universitários, mas também  em outras instituições culturais, nas escolas do ensino  médio, pela sua contribuição ao nível de grandeza estética a que ele elevou no país o gênero crônica, não como um subgênero da prosa, segundo pretendem alguns teóricos classificarem esta forma literária, mas como uma espécie de gênero autônomo, com as suas características específicas, seu valor artístico, sobretudo quando tangencia a linguagem poética fundindo realidade e invenção, gênero, sim, híbrido no que concerne à linguagem, à composição de suas formas, à seleção de temas, à visão da vida, dos homens e da Natureza.

Valendo-se principalmente da memória, da observação dos fatos cotidianos, da história pessoal do cronista, dos fatos imaginados, que dela o fazem uma concorrente da ficção, ou de fatos concretos sobre assunto vário, como a crônica política, esportiva, científica, social, policial, econômica etc, o gênero crônica, a despeito por vezes, nem sempre, de sua efemeridade se estabeleceu na história da literatura brasileira, a qual pode contar com uma plêiade de grandes cronistas tanto do passado quanto do presente. Quem puder, pois, leia ou releia obras dele como O conde e o passarinho (1936), Morro do isolamento (1944), Ai de ti, Copacabana (1962) etc.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Novos mandatos: velhas mordomias mantidas




Cunha e Silva Filho


O homem médio, o homem comum, o ser que faz parte da multidão, velhos ou mais jovens, homens ou mulheres, permitidas as costumeiras exceções, ao falarem, em conversas informais de rua ou num bate-papo casual e único, da posse de novos vereadores, deputados estaduais, federais, só para nos limitarmos ao poder legislativo, não me convencem mais de uma falácia: “- Vou votar em políticos novos. A nossa política tem velhos demais, e por isso necessita de novas ideias, de novas visões depuradas de vícios antigos que há anos e sobretudo nos últimos anos, caracterizam a história política brasileira ou de outros países com alguma semelhança com o nosso. Ele, ou ela, é jovem. Não vai compactuar com a corrupção, com as práticas reprováveis dos mais antigos.” “ - Ora bolas, juventude ou mocidade não significa atestado de idoneidade moral. Há jovens íntegros como os há corruptos ou corruptíveis”. Por conseguinte, a prática política continua num impasse no que tange ao exercício de mandatos. Agora mesmo, a imprensa televisiva nos apresenta reportagens que, mais uma vez, nos deixam indignados, perplexos, com um pé atrás, com respeito a políticos de nosso país.

A mais nova reporta-se às mordomias palacianas, a começar dos salários , que são altos, muito altos em comparação à média dos salários do povo. E as regalias não se restringem só aos salários, mas aos carros, que devem ser novos, às ajudas de custo para despesas com roupas elegantes, direito a gordas cotas de gasolina etc, etc. Para isso, são gastos milhões de reais para sustentarem esses novos “representantes do povo.” Que representantes! Estamos no melhor dos mundos possíveis. Obviamente, não estou aqui criticando que parlamentares não recebam salários, mas sim que sua remuneração e benefícios de cargo não sejam tão escandalosos em comparação com as condições de vida do homem brasileiro pobre ou mesmo miserável. Ninguém, em sã consciência, pode me rebater que todo esse dinheiro junto gasto pelo Erário Público, se fosse revertido para o bem comum do povo seguramente faria deste país uma lugar mais feliz e justo. Ou os parlamentares mudam suas práticas de mordomias, ou o país perderá a vez de se tornar respeitado por outras nações, dado que vivemos numa aldeia global, onde a in formação é instantânea e multiplicadora.

Se passarmos para o nível mais elevado da regalias palacianas, temos os deputados estaduais, os federais, que, dependendo da importância do estado brasileiro, ainda custam mais e mais aos cofres públicos. O leitor mais maduro se lembra da história do “caçador de marajás”, o novo grande líder que, de repente, cai nas graças ingênuas do povo brasileiro e se torna presidente, ganhando voto de parte – acredito que mínima – até do sexo feminino por ser o candidato um homem que, segundo elas, tinha boa aparência, como se a beleza física fosse um atributo digno da mais alta função pública O final da tragédia tupiniquim sabemos qual foi para o povo e para a memória do Chefe do Executivo...

Pois bem, essa longa e crônica história das mordomias da política brasileira não acabou e nem tenho esperança de que venha a acabar. O país só mudará com o aperfeiçoamento da educação brasileira - única saída que encontra como meio de desalienação das multidões.

A dinheirama gasta com esses maus políticos, que aceitam de bom grado todos os privilégios de que faz parte o pacote legal de mordomias desses legisladores que se dão os próprios aumentos com porcentagem voraz e pantagruélica, daria para tornar a vida do brasileiro sofrido em vários setores da vida: habitação, hospitais bem equipados, segurança eficiente para a proteção do povo, ensino de qualidade e transporte bem mais acessível ao bolso do cidadão, remédios com preço compatível à população menos favorecida, entre outras necessidades básicas de uma sociedade de níveis diferentes..

Este é o exemplo de “dignidade política” que o país tem dado aos eleitores com os votos dos quais aqueles políticos se alçaram ao poder. Não há democracia que se sustente com corrupção, injustiça social e desrespeito à soberania do povo. A riqueza de uma Nação tem que ser partilhada por todos os indivíduos que a constituem, e não por castas privilegiadas que se encastelam num sistema político eivado de prerrogativas elitistas que as afastam do povo.

A função política não tem como objetivo fundamental dotar o individuo que conquista um mandato com regalias faraônicas, incompatíveis com a vida da maioria da população. Ao contrário, o dever do parlamentar é procurar tornar cada vez melhor a vida do homem comum e sobretudo dos menos favorecidos. Há países de avançado nível de civilização e de respeito ao bem-estar da sociedade cujos políticos nem mesmo são remunerados pelo seu mandato. O Brasil está muito longe de alcançar essa utopia de desprendimento e de hombridade de comportamento no cargo público.

Enquanto os grandes e numerosos males da política se mantiverem inalteráveis, a sociedade brasileira não sairá de estado de submissão a que está atrelada desde a era colonial.

A abertura à modernidade só se dará, repetimos, com um maciço investimento em nosso ensino propiciado universal e gratuitamente por todo o território nacional, eliminando de vez o analfabetismo e formando professores competentes e atualizados, ganhando bons salários que os estimulem a uma mudança profunda e definitiva a fim de atingir níveis de qualidade iguais ou aproximados aos mais avançados países do mundo. Tal patamar por todos nós almejado não se efetivará se nossos políticos continuarem na farra das mordomias para vergonha da imagem do país e maior descrédito da figura do político brasileiro.



terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Dois grandes problemas brasileiros inadiáveis





Cunha e Silva Filho



A mídia brasileira, em todas as suas formas, não nos deixa mentir: o Brasil se depara com duas grandes e intrincadas questões que se põem à discussão pela sociedade, pelas autoridades em geral e pelos três poderes, não podendo deixar de incluir, porque são instâncias decisivas a uma dessas questões, os órgãos de segurança pública e as Forças Armadas. As duas questões em foco são a violência e a saúde.pública.

Aos observadores atentos à realidade do país, arrisco-me a afirmar que já atingiu o limite máximo de descalabro algumas áreas dos governos Federal, estaduais e municipais (com as magras exceções localizadas aqui e ali no território nacional) cujos governantes, terminando os seus mandatos ou iniciando novos mandatos, deixam os primeiros aos sucessores uma terra arrasada, com um sistema publico de saúde em petição de miséria, a ele faltando praticamente tudo: médicos, enfermeiros, auxiliares, equipe burocrática, equipamentos, instalações adequadas, emergências que deem conta da demanda e tudo o mais que se pode designar corretamente como uma infraestrtutura decente e humana, digna do cidadão brasileiro que paga altíssimos impostos e, como retorno, praticamente nada recebe por parte das autoridades.

É fácil perceber que a causa mais gritante desse sucateamento tem sua origem na corrupção administrativa, nos desvios de verbas, na malversação do dinheiro público e no crime do peculato.. O que se torna juridicamente insustentável, ante os fatos registrados pelos meios de comunicação, é a completa ausência de punição a esses atos criminosos da administração pública. Governantes que deixam sua administração em estado de falência devem ser punidos com rigor da Lei, não merecendo mais se candidatar a qualquer mandato público.

Saem os ocupantes de cargos , seus sucessores constatam as desídias e as falcatruas e o resultado é que não se tem visto nenhum dos responsáveis julgados pela Justiça. As Câmaras dos Vereadores e as Assembleias Legislativas, assim como a Câmara dos Deputados e o Senado Federal não têm cumprido com as suas funções correspondentes, nem tampouco se tem visto se pronunciar sobre tais desmandos e desvios de dinheiro pelos órgãos fiscalizadores, os Tribunais de Conta em todas as hierarquias. Tudo nos dá a impressão de que os que exerceram cargos executivos são as mais perfeitas pessoas do mundo!

Ora, esse silêncio me soa com ares de cumplicidade ou de irresponsabilidade. Não é possível que todos estejam mancomunados para um julgamento único de opiniões sobre ações administrativas envolvendo gastos públicos. Não se ouve uma voz dissonante que venha mostrar à população e à sociedade mesmo que existem falhas inaceitáveis, que os culpados devem ser punidos administrativa e criminalmente pelo mau uso do dinheiro do povo. O país, assim, se coloca na contramão de países sérios do mundo, onde os excessos de corrupção já foram substancialmente reduzidos. Em nosso país, me parece que não saímos de velhas práticas administrativas em que os governantes mandavam e desmandavam sem receio de serem punidos pelos seus atos de vilania administrativa.

Neste ponto, o país não se modernizou nem tem sequer dado sinal de que quer se moralizar diante das vistas do mundo civilizado. Vários escândalos de corrupção implicando membros e dirigentes, nos dois mandatos do governo Lula e até do atual governo federal e a iniciativa privada, já foram amplamente divulgados pela imprensa. Os brasileiros aguardamos com ansiedade que o STF cumpra com o seus deveres constitucionais, determinando que as pessoas acusadas, julgadas e sentenciadas, após todos os recursos interpostos, tenham um destino certo: a prisão sem brechas nem subterfúgios engendrados pela cultura jurídica a brasileira.

O primeiro passo efetivo para a redução dessa má política deveria ser dado através de uma severa e contínua fiscalização do Ministério Público e da Polícia Federal, mas de uma polícia que fosse independente, composta de membros competentes, de cidadãos que querem o bem-estar da nação e não se deixar levar por outros interesses de ambições pessoais ou de convivência com algum setor do governo federal. . O que aflige o país é uma espécie de falta de caráter, de brasilidade, de respeito aos compatriotas a fim de que a máquina burocrática do Estado funcione melhor e atinja um patamar de excelência.

O nosso sistema de saúde pública é dos mais catastróficos do mundo, pelo menos quando incluímos o Brasil entre as nações que desejam ingressar na modernidade do progresso em todos os níveis e servindo todas as classes sociais. Não é o que acontece dentro de nossas fronteiras. Basta dizer que o interior do país, no Nordeste, no Centro-Oeste, enfim, no país inteiro, ainda se registra um sistema de saúde pública precário e arcaico. O pais continua sendo o campeão de contrastes nos níveis de qualidade de tratamento. Na realidade, há duas medicinas no país, a dos ricos, privada, que é atendida pelos médicos famosos e com tecnologia de ponta, e a pública, estadual ou municipal, que é a dos despossuídos, dos pobres, sendo a mais abandonada pelos governos. Tem ainda a pública federal, que não dá conta da demanda, e por último, temos uma quarta também privada, com planos de qualidade duvidosa.

Os dois últimos governos do PT e o atual se definem como de esquerda, ou seja, de uma facção política, que, repetindo uma frase de um experiente apresentador de noticiário nacional, composta de gente que “não rasga o dinheiro.” As elites econômicas do pais – cumpre reafirmar - , têm a melhor medicina aqui dentro de nosso solo. Não só elas, as elites políticas, os altos burocratas, a cúpula do governo, que, como sabemos, quando adoecem, não vão para o SUS ou para os hospitais federais, estaduais ou municipais. Eles só morrem porque da morte nem os ricos escapam, e vão para o outro lado resmungando que o seu dinheiro de miliardário não foi suficiente para impedi-los da passagem para a mortalidade.

A outra questão inadiável, é a violência, na qual estão imbricados vários componentes de natureza diversa: droga, tráfico, usuário de droga, prostituição, corrupção de parte da polícia., inépcia de órgãos de segurança pública, pobreza, patologias sociais, desestruturação familiar, preconceitos raciais, homofobia, baixo nível de escolaridade e qualidade ainda precária do ensino público estadual e,em parte, privado.

O Brasil vive hoje, se não a mais aguda fase de escalada de violência de sua História, uma das mais graves dos últimos dez ou quinze anos. Com a migração de contingente enorme de sua população vinda dos Norte, Nordeste, inflando gigantescamente as duas capitais principais do país, o Rio de Janeiro e São Paulo, e com o consequente aumento da favelização nesses dois estados da federação, é óbvio que os problemas cresceram em progressão geométrica, com isso redundando em aumento de demanda de maior número de emprego, de moradia, de alimentação, do sistema de saúde, de sistema de escola, estes, por si sós, já deficitários, e o que é pior, de subida demográfica , intensificando mais e mais as condições dos pobres e miseráveis. Tal crescimento populacional, com todas as suas sequelas, provocou maior avanço da violência, criminalidade, e crescimento da marginalidade do tráfico de drogas jamais vistos no país.

A expansão das favelas foi tão grande tanto no Rio quanto em São Paulo que difícil se tornou equacionar planos que reduzissem as inevitáveis sequelas desse formigueiro humano descontrolado. Os males estão aí a olhos vistos, com uma crônica condição de alta violência e brutalidade dos crimes praticados por marginais que não respeitam mais autoridades policiais, constituindo uma a espécie de “estado paralelo,” o qual, a bem da verdade, sofreu baixas significativas com a implementação emergencial das chamadas UPPs. Bairros havia no Rio de Janeiro, por exemplo, que se tornaram quase inabitáveis para uma moradia digna, tantos eram os constantes tiroteios entre quadrilhas rivais. Isso melhorou muito, o que foi uma conquista da segurança pública carioca. Mas, ainda é muito pouco diante das atrocidades de crimes que têm sido cometidos contra o cidadão comum.

Entretanto, os males da violência persistem insidiosamente sob outras formas, como as chamadas milícias, grupo de matadores que cobram dinheiro dos moradores de comunidades pobres a fim de ali poderem morar co todas as suas limitações. Essa espécie de “polícia bandida,” incrustadas nessas comunidades, auferem lucros advindos de instalações fraudulentas de luz, vendas de gás ou outras formas de pedágios para fins de “convivência pacífica.”

O combate incessante contra criminosos está adstrito a uma política de segurança nacional, que não só depende dos governos estaduais, mas principalmente do governo federal. Cabe sobretudo ao governo federal, em todas as suas instâncias, seja, de Justiça, seja política, seja do executivo, a tarefa espinhosa e de reduzir a criminalidade do país. São necessárias mudanças radicais da imagem que os políticos devem dar ao povo brasileiro, quer dizer, a moralização de nossa política é fator preponderante a dar exemplo de cima para baixo às camadas de criminosos atuantes no país.

Cumpre que políticos ou governantes, ou qualquer outro membro dos três poderes dêem bons exemplos de ética e de vigor no desempenho de suas altas funções. Se o cidadão brasileiro vê bons exemplos das autoridades no cumprimento das suas funções, a sociedade tenderá a acompanhar e a respeitar autoridades. Por isso, uma reforma atualizada do Código Penal, eliminando os inúmeros benefícios propiciados a criminosos de alta periculosidade e a autores de crimes hediondos de qualquer natureza, seguramente há de inibir atos maléficos à sociedade. Dando melhor educação aos brasileiros, orientando-os a serem cidadãos éticos e solidários desde a infância até a sua formação de adulto, o Brasil melhorará inquestionavelmente o seu nível ético, de cidadania, de respeito aos direitos humanos, de admiração por um estado democrático sólido que, por suas mudanças estruturais, naturalmente há de se impor como uma nação digna de ser imitada pelo mundo afora.Essa, sim, seria a imagem real e transparente de nosso país e aquela que ansiamos por alcançar . Depende só dos homens de bem e de uma sociedade unida.



sábado, 12 de janeiro de 2013

Luiz Filho de Oliveira: o poema "Envite aos vates assinalados a jogar o chiste abaixo assinado



Cunha e Silva Filho


Não foi somente graças ao privilégio do Modernismo de 1922 que a poesia brasileira se descortinou a novos temas e linguagens já então inseridas na modernidade, de modo que - cabe assinalar -, aquela concepção de verso lapidar, clássico, da Antiguidade greco-latina na vaga e lata dimensão hipertrofiada pelo Parnasianismo Ocidental e dentro de nossas fronteiras literárias nunca fora nenhuma novidade pelo menos temática e semanticamente.

Quando Manuel Bandeira(1)  afirma no poema “Poética” os seus iconoclastas princípios anti-passadistas, na obra Libertinagem (1930), ele apenas esta reafirmando uma posição estética de que a arte do verso clama sempre por liberdade, i.e., que a poesia (lirismo, aqui entendido) não pode se confinar a uma camisa de força de técnica, estratégias e modos de composição de linguagem provenientes do “lirismo bem comportando”, talvez aqui um equivalente da visão de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) ao se referir a produzir poema tendo por motivação uma “dor de cotovelo.”

Nas mesmas pegadas desta visão “contra-ideologica” de composição poética, posso incluir o poema “Nova Poética”, da obra Belo Belo (1930) Nele, assim como na mencionada “Poética”, Bandeira reitera a compreensão aguda que tinha na sua época do processo lírico vanguardista. No poema “Nova Poética”, ironicamente e sem falsa modéstia nota-se-lhe uma intenção de “lançar a teoria do poema sórdido.” “Poema sórdido” para ele está vinculado à questão fundamental do Poético, da poesia que não se envergonha de penetrar fundo na vida do homem, sem interdições de qualquer natureza, sobretudo no terreno da linguagem, dos temas apoéticos, do rebaixamento semântico como elemento estruturador de uma poesia que se eleva((2) esteticamente ainda que contaminada do sórdido”, da impureza, da “ nódoa de  lama” lançada no paletó bem engomado ou na calça feita de roupa de brim branca da vida tomada em sua totalidade sócio-linguístico-temática, segundo afirma no poema.

Reconhece Bandeira no mesmo poema um lado açucarado da poesia ao defini-la como “orvalho”, lado que, de resto, ele não desconhece porque também tem seu tanto de espaço poético, malgrado em nível estético inferior, assim como os aludidos poemas “dor de cotovelo, lembrados por Drummond..

Um poesia que seja uma forma de ersatz da “vida possível” como também ocorre com a literatura em geral , e não mero e vazio jogo de palavras do qual nada se possa extrair daquilo que se entende como a existência humana, do homem e seus problemas, do mundo e seus enigmas. Ou seja, a poesia valia a pena somente quando no receptor se desse o encontro da comunicação. Por isso, se fala em humildade na poesia bandeiriana, humildade que se constrói com conhecimento do poético a serviço da emoção e entendimento do leitor. Poesia, pois, anti-elitista nos seus melhores momentos, mas sem concessões a sentimentalismos rasos nem fórmulas vulgares na arquitetura refinada de seus processos de criação artística. Em Bandeira o simples é a comunicação, o complexo são os processos de técnica de criação literária sem que haja nisso nenhuma contradição no campo da Arte.

Não teria se inspirado na “Nova Poética” - esta é apenas uma pergunta que me faço - aquela conhecida obra Poema Sujo (1976), de Ferreira Gullar, na qual o lirismo canônico cede lugar ao lirismo tematicamente rebaixado e ao mesmo tempo poeticamente elevado pela nova e complexa forma de trabalhar o poético sem os interditos da poesia da grande tradição literária com pontos altos posicionados nos movimentos clássicos, parnasianos e simbolistas? Não poderia aqui se falar da “desalienação”, empregando o termo marxista para o domínio poético, como substituto eficaz da tradição e da concepção de poesia pura, sacralizada, elitista, repetida em quase todos os movimentos literários ocidentais, com exceção das vanguardas europeias e com influência decisiva na poesia brasileira a partir sobretudo do Modernismo de 22?

Dentro destas premissas histórico-literário-ideológicas é que pretendo desenvolver alguns comentários suscitados pelo verso de Luiz Filho de Oliveira, cujo sentido geral de sua poesia, a partir de vertentes inovadoras e até provocadoras, ainda permite um espaço do gênero satírico-humorístico mas - o que nele esteticamente me agrada - um espaço poético atento à modernidade e à tradição literária, ou seja, o seu fazer poético não descaracteriza todas as conquistas diacrônicas do lirismo ocidental, inclusive, me parece, procura elaborar seus poema, seja por razões de puro ludismo (segundo o fizeram magistralmente Da Costa e Silva, Manuel Bandeira e uns poucos poetas brasileiros), seja porque demonstra,até o momento atual de sua produção, inelutável propensão àquela ideia contida no verso de Bandeira: “Fazer o leitor satisfeito de si dar o desespero”. Esta predisposição, já por Luiz Filho declarada alhures, o leva às fontes da poesia medieval portuguesa, em especial às “cantigas de amigo” e “cantigas de maldizer.” E é com relação a esta segunda modalidade que, a meu ver, se associa o primeiro poema de Das bocadas infernéticas, o trabalho mais recente do poeta piauiense.

Não consigo ver nenhuma incompatibilidade ou contradição de um poeta das novas gerações procurar tanto as fontes genuínas da tradição lusa quanto também inserir-se adequadamente a produzir uma poesia curiosa, criativa e surpreendentemente instigante, poesia que, por seu caráter técnico-compositivo, exige um instrumental crítico arejado e atual.
O poema do livro Das bocadas infernéticas, que serve de título para a coluna de hoje e será objeto de meus comentários deixo transcrito abaixo para o conhecimento prévio do leitor:*




Envite aos vates assinalados a jogar o chiste abaixo assinado



Responda se for fácil:

poderia o Horácio

gozar em Gomorra?!

– Eitaporra!



E o divino Dante

abarcaria uma bacante

num inferninho, na zorra?!

– Eitaporra!



Será que o Gregório,

à porta do empório,

gozou a civil gorra?!

– Eitaporra!



E o nosso Gonzaga

toparia essa parada

de arrochar a corra?!

– Eitaporra!



Que diz o Bernardo,

que o Pajé não “tá armado”,

que não adora a pachorra?!

– Eitaporra!



Então, o Luiz Gama

a bodarrada chama

para prazer as cachorras?!

– Eitaporra!



Mole, o Bananére,

aquele que escreve

até que esporra?!

– Eitaporra!



Seria pastor o Oswald,

em nosso arrebalde,

de ovelha chamorra?!

– Eitaporra!



E o Millôr, noutro agora,

muito novo, embora,

diria “véi, não morra!”?!

– Eitaporra!



E o que pensa disso

o filho Veríssimo,

que é só a modorra?!

– Eitaporra!



E o tal do Chacal,

um vate marginal,

escreve sem porra?!

– Eitaporra!



É este poema, Poeta,

que desse time se-completa

a prender palavras forras?!

– Eitaporra!




(1) BANDEIRA, Manuel . Poesia completa e prosa. Volume único. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar S.A., 1987. Os poemas de Bandeira se encontram, na ordem em que são mencionados no texto, às páginas 207 e 287.



(2 )  Sempre que me reporto a termos como “elevação” ou “rebaixamento”, estou utilizando-os segundo a concepção que lhes atribuiu o ensaísta e crítico Flávio Kothe. Ver KOTHE, Flávio R. O herói. São Paulo: Editora Ática, 2 ed., Coleção Princípios, 1987.



*NOTA DO AUTOR: No próximo mês, darei continuidade a este estudo.




quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Passemos o Brasil a limpo



Cunha e Silva Filho



Gosto de conversar muito com pessoas que me caem na simpatia. Não chego ao exagero altruísta da grande e maravilhosa poeta brasileira Cecília Meireles (1901-1964), que segredou uma vez, ou melhor na última entrevista que concedeu a alguém, ser ela uma apaixonada pelo ser humano. Tão magnânima era sua afeição às pessoas que chegava a afirmar que amava até pessoas que nunca tinha visto na vida! Que desprendimento da autora de Romanceiro da Inconfidência! (1953)

No tempo em que entrei para a universidade a fim de cursar letras, Cecília Meireles foi um do autores que constavam para temas de seminário e de trabalho escrito de final de semestre. A mim coube analisar um poema dela. Foi aquele o primeiro contato mais profundo que tive com a poesia de Cecília. Lembro-me de que fiz uma análise “apaixonada”, segundo me comentou por escrito a minha professora de teoria literária, Selma Sanders (onde andará ela?) na época uma jovem e bela professora, alta, elegante, de cabelos louros e de feições europeias. Era uma das assistentes do poeta, crítico e ensaísta Augusto Meyer (1902-1970). Este reveza com ela proferindo magníficas aulas-conferências. Com Meyer, aprendi a ter um olhar diferente e mais abrangente do fenômeno literário, sobretudo da poesia.

Foi um privilégio haver assistido às conferências desse mestre e erudito. Algumas palavras, lembradas ao acaso: “A literatura sofre influências de todos os lados”, com se quisesse dizer nada lhe escapa ao raio de ação. Suas palavras, sua voz de gaúcho, seu corpo esguio e, seu porte alto, de feições germânicas, ainda me ressoam no pensamento e na visão esfumada pelo anos. Pare que estou vendo aquela figura sóbria e discreta entravndo no anfiteatro para mais uma palestra..Era no início do ano de 1966, local: Faculdade Nacional de Filosofia.
Após estas relembranças, passemos a enfocar o tema geral desta crônica, que é dar um olhar para o início deste ano de 2013, que não me parece ter começado bem, sobretudo pelo calor insuportável de mais de quarenta graus e pela tragédias das inundações ocorridas no estado do Rio de Janeiro. Desta vez, a raiva das águas se virou para Xerém, um distrito de Duque de Caxias, perto da subvida para a linda cidade de serrana de Petrópolis.

.Não preciso repisar o déjà vu dessa tragédia anunciada que, ano após ano, flagela impiedosamente os moradores fluminenses.Segundo um antigo morador desse distrito, nunca houve tanto volume dágua descendo do alto e subindo praticamente pelo bairro todo, deixando atrás de si só destruição, pessoas desaparecidas, pessoas mortas, enfim, uma população que perdeu tudo que tinha: casa, móveis, eletrodromésticos, documentos, mantimentos. Mais parecia um terremoto a tromba dágua que se abateu sobre Xerém, lugar que conheci nos anos setenta quando lá lecionei em colégio estadual. Sei que deixei muito alunos que ainda provavelmente moram ainda lá e são hoje adultos, pais ou mães de famílias, quem sabe, até avós.

As inundações no estado do Rio de Janeiro poderiam ser contidas ou reduzidas caso os governos, governador e prefeitos, juntos se dispusessem a equacionar estratégias de tal sorte que os desmoronamentos não atingissem tal magnitude de provocar grandes perdas humanas e pertences das famílias assoladas pela fúria das águas, da lama, e da subida do nível das águas cobrindo até os tetos das habitações. Os rios viram mares, as margens desaparecem, se alastrando e levando de roldão tudo que encontram em seu caminho. É um quadro terrível, que lembra também, assim quem as águas abaixam, uma cidade arruinada por um terremoto. Deveria haver, em cada estado, um secretaria contra os acidentes da natureza, os quais não são causados só por esta mas pelas condições de terrenos em que se constroem habitações nos bairros e cidades do Rio de Janeiro.

Não existe por parte do governo estadual ou das prefeituras municipais uma política séria e responsável que, além de ter que fiscalizar com rigor o uso do solo inadequado para construção de moradias simples, tem a obrigação gerencial de se acautelar, antecipando-se aos flagelos das inundações, com sistemas de alarme que sejam acionados a tempo de a população poder se retirar da iminência do perigo. Os governos que temos tido sequer utilizam as verbas federais destinadas a prevenções de acidentes naturais. Usam o mínimo possível dos recursos disponíveis e, ao contrário, são céleres em dar prioridades a outras obras, como , só para mencionar uma, a reforma do Maracanã, que está custando fábulas de dinheiro que seria útil nas reformas e reequipamentos de hospitais, na melhoria da segurança da sociedade e da educação pública, que está em níveis cada vez mais baixos no que concerne à qualidade do ensino.

O flagelo das águas em alguns estado brasileiros é tão perverso quanto o das secas do Nordeste. São dois males crônicos do país. Se perpetuaram e se tornaram uma segunda natureza para a insensibilidade de nossos sucessivos governos. Decididamente, não interessa aos nossos governantes e políticos encontrarem um remédio eficaz para enfrentarmos esses dois ciclos, o do excesso de água e o da falta de água. Vários países do mundo já reduziram o problema da seca. Por exemplo, países que se localizam em áreas desérticas já se tornaram férteis, produzindo alimentos e desenvolvendo boa agricultura graças aos modernos recursos técnico-científicos de que dispõem seus governos.

A questão das inundações desencadeadas por chuvas torrenciais e o polígano das secas  (Onde está o DNOCS?) não são uma sina, algo da fatalidade de um país. Se a chamada e eufemística “vontade política” encena alguns gestos e pequenas ações determinadas pelos governos, o tratamento  dado a esses desastres físicos,  humanos e materiais  apenas se faz  de forma paliativa, emergencial.. Não há desejo de que os grandes males crônicas sejam resolvidos ou se aproximem de ações efetivas. Há ainda a questão de um outro mal, a corrupção, o superfaturamento, a desídia. As mortes de pobres não comovem mais os governos. Resolver a questão social brasileira mobilizando maciçamente todas as suas esferas dos governos federal e estaduais e municipais não daria mais votos a profissionais da política minúscula nacional. A grande sacada da inoperância e má administração são os remendos, as correções pontuais, não o ataque a fundo contra os males crônicos que remontam a priscas eras, do Brasil Colônia, passando pelos dois Impérios, atravessando a República Velha e atingindo os nossos tempos atuais.

Deslocando-nos para a política propriamente dita, a paisagem por vezes parece um teatro de comédia ou de ópera-bufa, que, aliás, nos lembram tempos recuados como o período em que Martins Pena. Na verdade, o Brasil literário refrata o Brasil político-social. Ler autores como Gregório de Matos, Manuel Antonio de Almeida, Machado de Assis (ficção e crônica), Lima Barreto, Euclides da Cunha, João Antonio, em muito nos ajuda a entender o que somos e o que fomos. É claro que não podemos também deixar de ler alguns grandes autores e teóricos como Oliveira Viana, Gilberto Freire, Caio Prado Júnior, Nelson Werneck Sodré, Sérgio Buarque de Holanda, Tristão de Athayde, Celso Furtado, para só citarmos uns poucos que se debruçaram a estudar o Brasil e seus problemas com seriedade e competência.

.Veja-se o caso do Mensalão. O STF, na sua grande maioria, fez acusações, julgou, aplicou as sentenças, passou por todas as etapas que a Lei lhes permitia. No entanto, até agora, o destino dos sentenciados ainda não foi deliberado e os mandados de prisão não foram emitidos pela Suprema Corte. Um acusado, que compõe o grupo político dos Mensalão, até já tomou posse de uma vaga na Câmara dos Deputados. Criou-se, assim, um vazio na ordem dos poderes, ou seja, o Executivo aprovou o preenchimento da vaga e o STF não sabe o que via decidir. Além disso, o Supremo fez recuos contraditórios com relação a alguns acusados e penalizados – é claro – ainda no papel, sobre questões de anos de pena em prisão fechada. O debate entra na discussão dos chamados recurso interpostos que devem ser esgotados a fim de que as condenações culminem com as prisões dos julgados. Sinto no ar o cheiro de protelação, hábito muito enraizado no povo brasileiro, que , uma vez, foi motivo até de uma boa crônica cheia de humor de Paulo Mendes Campos (1922-1991). Como sou paciente, estou dando alguns descontos aos membros da Corte brasileira que, espero, não decepcionem o nosso povo e a imagem do país lá fora.

Finalmente, me vejo compelido a falar mais uma vez da escalada de violência nas cidades brasileiras, com ônus maior para o eixo Rio-São Paulo. Para quem acompanha notícias desse tema, é preciso falar igualmente da violência entre pessoas que não são traficantes nem marginais. Trata-se da violência derivado de relacionamento amoroso, de traição, de ambição por herança, de estupros no seio da família, na rua, enfim, violência que mais depende de uma reeducação moral da sociedade, de desenvolvermos, desde o período infantil, os bons e saudáveis hábitos de convivência, de respeito, de solidariedade, de civilidade, qualidades do relacionamento humano que está num ponto mais baixo em termos de valores éticos e comportamentais.Os crime passionais, os crimes hediondos estão em ascensão entre nós.

Para tudo isso deve-se mobilizar a sociedade no sentido de exigir das autoridades melhor educação, saúde, segurança, lazer e oportunidades de progredir social e culturalmente. O populismo dos dois últimos governos não vai resolver todas essas questões cruciais para termos uma pátria da qual possamos nos orgulhar e na qual possamos confiar na esfera da cidadania e da convivência em sociedade. Não é distribuindo o dinheiro público para qualquer tipo de assistencialismo a estudantes, com bolsa disso , bolsa daquilo, que o atual governo “de esquerda” vai sanar a questão da incultura nacional. È na distribuição dessas bolsas que muitos oportunistas até de classe mais favorecida veem a chance de serem fraudulentamente incluídos em tais programas .... Lá fora, em países adiantados, sobretudo da Europa, dos Estados Unidos e até asiáticos, como a China, alguns leitores lêem em português, nas diversas colônias de brasileiros espalhados pelo mundo. Com a globalização dos meios virtuais, será mais difícil a um país fazer propaganda enganosa como fazem os países de regimes totalitários.





domingo, 6 de janeiro de 2013

Poeta brasileiros que escreveram em línguas estrangeiras







Cunha e Silva Filho



Nesta coluna apresento ao leitor dois poemas, um em francês e outro, em inglês, escritos pelo grande poeta Manuel Bandeira . Na obra poética do grande lírico, salvo engano, ele só escreveu cinco poemas, três em francês, dois em inglês. Em francês, estão “Chambre vide” (Libertinagem, p. 207), “Bonheur lyrique” (Libertinagem, p. 208) e “Chanson de petits esclaves” (Estrela da Manhã, p. 234); em inglês, contamos com “John Talbot” (Mafuá do Malungo, p. 370) e "...E.E.CUMMING"(Mafuá do Malungo"p. 436).
Sabemos que notáveis poetas brasileiros, uns mais outros menos, se devotaram a escrever em língua estrangeira, como são os exemplos de José Albano (inglês,, francês, italiano, alemão), Alphonsus Guimaraens (francês), Murilo Mendes (italiano), entre outros. Creio que as razões que os levaram a escrever em língua estrangeira são múltiplas. Em Bandeira, entretanto, é mais simples entender. Bandeira era um virtuose da poesia, uma poeta impulsionado pelo experimentalismo e pela renovação de seu estro. Para ele, a poesia inegavelmente era um campo fértil de procurar diversificar os aspectos do que chamaria de uma “estético o lúdica do poético”.

Daí seu gosto pela paródia, pela ironia, pela imitação, pelo amplo recurso da intertextualidade e intratextualidade. Nos seus poemas à maneira de, formas que já tinham sido, guardadas as proporções do tempo da produção do poeta piauiense, testadas pelo “Poeta da Saudade”(2), o piauiense Da Costa e Silva  (1885-1950). O gosto bandeiriano pela imitação para fins de experiências formais é que o levava à variação dos recursos de estruturação de poemas e de uma espécie de inclinação a considerar a literatura como um espaço onde se interpenetram diacrônica e sincronicamente todos os possíveis caminhos da exploração do poético.

Este é um dado universal de seu estro e de sua produção, que não foi grande, porém o foi nas suas singularidades e na sua variabilidade de linguagens. Poeta culto, com domínio dos principais idiomas modernos, ele mesmo tradutor da poesia universal, .ensaísta, antologista de grande sensibilidade na seleção de autores, e historiador de nossa literatura, professor universitário de literatura hispano-americana e autor de obras nessa área, por tudo isso Bandeira era aquele autor fartamente aparelhado para inúmeras incursões no domínio literário.

Ensaístas houve que o acusaram de falta de originalidade, a ponto de o crítico Eugênio Gomes injustamente chamá-lo de “poeta xexéu,” em virtude dessa sua flexibilidade e gosto para a práxis poética ancorada em outros poemas usados por ele em diversos poemas onde a alusão literária, a paródia, a imitação, os jogos de linguagens, o ludismo, a inovação, a mudança, e sua extraordinária capacidade de renovação e de entender superiormente quando deveria atualizar-se e estar à altura de sua época.. Foi no seu prestigiado Intinerário de Pasárgada, verdadeira autobiografia de alguns passos fundamentais de sua carreira de escritor e sobretudo de suas valiosas explicações de seu processo criador, que ele, naturalmente respondendo a seus detratores,  justificou que  o fato de empregar tantas alusões poéticas não se devia à ausência de originalidade e de criatividade Não  passava, segundo ele,  em grande parte, de homenagens tributadas  a grandes poetas de sua predileção.

Vejam-se abaixo os dois poemas mencionados acima em tradução minha bilíngue: (3)







CHANSON DES PETIS ESCLAVES





CONSTELLATIONS

Maîtresses vraiment

Trop insouciantes

O petits esclaves



Lês cieux sont plus sombres

Que les beaux miroirs

Finis les tracas

Finis toute peine.



O petits esclaves

Black-boulez les reines



La folle journée

J’aurai vite fait

D’avoir mis d’emblée

Toutes les sirènes

Sous mes arrosoirs



Car voici demain



O petits esclaves

Secouez vos chaînes

Donnez-vous la main.





CANÇÃO DOS PEQUENOS ESCRAVOS





CONSTELAÇÕES

Senhoras verdadeiramente

Muito negligentes

Ó pequenos escravos

Sacudi vossas correntes



Mais sombrios estão os céus

Do que os belos espelhos

Acabai com todas as fadigas

Daí fim a toda pena.



Ó pequenos escravos

Repudiai as rainhas



O louco dia

Logo terei transformado

Por haver colocado de um só vez

Todas as sereias

Sob meus regadores.



Eis aqui, o amanhã



Ó pequenos escravos

Sacudi vossas correntes

Dai-vos a mão.





















...E.E. CUMMINGS





THANK YOU for the exquisite Jam

TH

An

K you

too

) or also (

for the

71

Cumm

Ing’

Oo? E! ms!!

An

d now

get into this brazilian hammock and

let me sing for you

“Lullaby

“Sleep on and on…”



Xaire, Elisabeth







…E.E. CUMMINGS





LHE SOU- GRATA pela deliciosa geleia

O

bri

gado

a você

) e ainda (

pelos

71

po?e!mas!!

de

CUMM

ing

e

a gora –

entre nesta rede brasileira e

deixe-me cantar pra você:

“Canção de ninar

“Durma, durma, durma...”



Xaire, Elisabeth.


Notas:




(1)BANDEIRA, Manuel. Poesia completa e prosa. Volume único..Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar S.A., 1986.

(2)A respeito de técnicas de espaço intertextual em Da Costa e Silva e outros processos de recriação de estilo clássico ou medieval, veja-se o meu livro Da Costa e Silva: uma leitura da saudade. Teresina, Piauí. Academia Piauiense de Letras/Universidade Federal do Piauí, 1966. Ver, em especial, o 2º capítulo, “Memória e intertextualidade”, p. 35-50. Ver também o meu estudo Da Costa e Silva: do cânone ao Modernismo. In: SANTOS, Francisco Venceslau dos . Geografias literárias. Prismas, 4,. Rio de Janeiro: Editora Caetés, 2003, p. 103-122. Nesse ensaio, discuto, entre outros aspectos, a faceta experimentalista e tecnicamente elástica do poeta Da Costa e Silva, sua propensão inata a mimetizar poemas clássicos e de feição do português medieval. Ainda me proponho no estudo a aventar a possibilidade de uma influência do poeta piauiense sobre Bandeira no que tange não só ao vezo mimético de poetar formas distantes no tempo e no espaço de construção do verso, como também semelhanças de temas, de ritmo e de semântica, como é exemplo o paralelo feito entre o poema “Carnaval”, de Da Costa e Silva e “Carnaval,” de Manuel Bandeira. O mesmo ocorre, no referido ensaio, na minha comparação entre o poema “Refrão do ter noturno”, de Da Costa e Silva e “Trem de Ferro”, de Bandeira.
(3)Não foi por ora meu propósito fornecer ao leitor algumas informações sobre tema e mesmo alguns comentários de natureza biográfico-cultural referente ao segundo poema traduzido. Deixarei para uma outra occasião.






quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

A vida por um triz




Cunha e Silva Filho


Enquanto eu tentava processar os passos para conseguir, sem grandes habilidades, o acesso num caixa eletrônico, minha mulher e uma amiga conversavam sobre algum incidente desagradável recentíssimo, ou seja, acontecido entre a véspera de Ano Novo e o dia de hoje, dois de janeiro de 2013.

Eu pude ouvir o que as duas comentavam. A amiga de minha mulher estava-lhe contando que um amigo dela, de sessenta e dois anos, havia, no curto período de tempo de um fim de ano para o começo de outro sido atropelado por uma moto e morrido em consequência do impacto. Daí aos detalhes do lugar, da hora, das circunstâncias, do ato trágico em si, não sei, pois, logo que consegui o meu objetivo no banco, dele saímos ela, minha mulher e eu. No entanto, notícias sobre a morte de pessoas, sobretudo desconhecidos, não faltam e encheriam páginas dos jornais. Ninguém sobre elas iria tomar conhecimento. Só morrem para nós aqueles dos quais temos conhecimento por uma razão ou outra. Os desconhecidos, que jamais iremos conhecer, morrem e deles nunca teremos provavelmente sabido. A morte é anônima, o mais das vezes. .Como gostaria de que não o fosse!

Esta é uma fatalidade da condição humana. Morremos a qualquer hora, a qualquer instante. Quando muito, só a família, uns poucos amigos e conhecidos, a não que o fato vire notícia de jornal ou TV, chegam a saber que um senhor sessentão, estupidamente é morto por um irresponsável.

Não posso ser insincero, mas confesso que nenhuma simpatia tenho por motos, sobretudo por motoqueiros. Não que todos sejam indivíduos sem alma nem piedade pelos impotentes pedestres que cruzam as ruas brasileiras. Não tenho ódio àqueles que, fazendo seu trabalho o fazem com cuidado, respeitando a sua própria vida e a dos pedestres. Sou inimigo dos que infringem as leis de trânsito, tripudiam sobre os sinais, não respeitam os tímpanos dos transeuntes, elevando os decibéis a estúpidos graus criminosos para a saúde dos ouvidos da sociedade. Causa-me tremenda indignação quando um deles, em velocidade altíssima, parece querer ultrapassar limites humanos suportáveis , mais figurando ser um potencial suicida, pois nem à própria vida dão valor. Imagine-se a vida alheia.

Um senhor, ainda com tanto tempo de vida útil, de repente é assassinado por um irresponsável, quando não por um bandido montado em moto, usando de armas para um assalto premeditado. São inúmeras estas besta humanas que andam por aí ceifando inocentes nas ruas, sobretudo nas grandes cidades. Quando não matam, deixam a vítima aleijada, ou são vítimas de sua própria brutalidade na direção de uma moto.

As leis de trânsito, com respeito aos usuários de motos, devem ser mais rígidas, assim como as escolas de instrução para motoqueiros devem passar por severa e cuidadosa vigilância do Departamento de Trânsito. Conclamo as autoridades deste órgão para que intensifiquem as exigências na seleção de motociclistas, demandando um rigoroso exame psiquiátrico a fim de detectar algum comportamento anormal ou alguma psicopatia nesses indivíduos que passam a dirigir motos. São elevadíssimos os níveis de estatísticas que comprovam os desmandos de motos, afora os gastos astronômicos que as autoridades de saúde têm para tratamento de motoqueiros que se tornam fisicamente inválidos.

Um senhor no final de um ano torna-se mais uma vítima fatal da falta de preparo de motoqueiros, de insensibilidade pela vida das pessoas. Matar um senhor, como poderia ser uma criança, um idosa ou um adulto jovem, deveria se incluir nos tipos de crime hediondo, devendo ser considerado como inafiançável. O culpado só merece um lugar: a prisão sem as brechas escandalosas da lei. O mesmo diria respeito a qualquer crime praticado por outros veículos motorizados. Pena dura, inapelável, sem voltar para casa. Sem a aplicação dura da lei estaremos todos nós sendo cúmplices desses assassinos do trânsito. Creio que não sou o único que está fazendo esta conclamação justa e pelo direito à vida.

Que o sentido de repúdio e indignação desta crônica não fique apenas, mas agora me voltando para o alcance de número de leitores, no conhecimento dos poucos leitores de Machado de Assis (1839-1908), que, no nota “Ao Leitor, abrindo o primeiro capítulo do romance Memórias póstumas de Brás Cubas (1881), não chegariam talvez a cinco – ao contrário de Stendhal (1783-1842) que, pelo menos atingiria cem leitores de uma de suas obras de ficção.Acresce que o tom irônico de Brás Cubas, lamentando a sorte de Stendhal, se torna mais corrosivo para si mesmo, se comparamos cem com “talvez cinco.”