Cunha e Silva Filho*
Estive ontem, como venho fazendo há tantos anos, visitando o sebo da São José, dirigido pelo Gernano a quem minha mulher chama de Seu José, levada seguramente por associação de idéias, e pela proximidade com o nome da antiga Livraria São José. Germano começou a trabalhar na São José ainda bem moço. Depois tornou-se antigo funcionário do famoso livreiro Carlos Ribeiro, proprietário da conhecida Livraria São José, que também foi editora, reduto de intelectuais do passado, não só os da capital carioca como os que vinham sobretudo do norte e nordeste. O sebo do Germano deriva dessa velha e respeitada Livraria do Carlos Ribeiro.
Aliás, toda a minha família conhece o Germano, meus filhos, um dos quais quase foi afilhado dele. A amizade com ele partiu da minha mulher que, nos anos sessenta, visitando a Livraria São José, em companhia de algumas amigas da FNFI (Faculdade Nacional Filosofia da Universidade do Brasil, hoje, UFRJ, foi apresentada ao Germano. Elza gostou tanto do atendimento do jovem Germano dispensado a ela e a suas colegas de universidade, frequentadoras da livraria, que logo aderiu ao vício também de frequentar essa casa de livros. Foi pelas mãos de Elza que eu também fui apresentado ao Germano, ou melhor, ao Seu José, como respeitosamente minha mulher o trata.
A antiga Livraria São José ficava na própria Rua São José e desconfio de que a razão social do ramo de livros se deve também por contiguidade e aproximação física com a bela Igreja de São José, na qual meu filho mais velho se casou.. Aquele entorno no passado se chamava Morro do Castelo, o qual foi demolido, sofrendo , com o tempo, completa transformação paisagístico-arquitetônica.
O velho sebo remanescente da São José localiza-se hoje na Rua 1º de Março, Centro do Rio. Não é preciso dizer que visito esse sebo por várias razões, inclusive a daamizade que fiz com seu proprietário, que hoje, além de seus funcionários, conta com a operosidade da sua filha, formando com o experiente pai ,uma espécie de sociedade de negócios regida por laços de amor paterno-filial.
Todos que moramos no Rio de Janeiro sabemos o quanto de sebos existem espalhados pela cidade, zona sul, subúrbio, zona norte, zona oeste, sebos ao ar livre, nas calçadas, nas esquinas de ruas movimentadas. Até livros-guia existem para orientar os amantes de livros, como O bem organizado Guia dos sebos das cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo, de Antonio Carlos Secchim, que, na realidade, inclui mais quinze cidades brasileiras.O guia traz uma boa introdução sobre a origem dos sebos como locais de venda de livros usados e de obras raras. Nem sempre o sebo é rigorosamente uma livraria de livros velhos, pois é possível encontrar alguma publicação nova e não usada. Antes do guia de sebos de Secchim, foi editado pela UFRJ um guia desse gênero, mas bem limitado em seu escopo, já que só abrangia a cidade do Rio de Janeiro. A edição for organizada por Wellington de Almeida Santos que, como Secchim, é professor da UFRJ.
O Sebo da São José, antes de ir para o atual endereço, por algum tempo, se instalara na Rua do Carmo, também Centro do Rio.O costume de ir aos sebos é antigo. Escritores, estudantes, pessoas interessadas em culturahabituam-se às visitas aos sebos. Acredito, porém, que hoje, com a venda de livros usados via intern et, os sebos ao vivo estão tendo alguma decaída em suas vendas. As vendas virtuais, segundo me informaram, estão dando mais lucros. Mudanças de tempos e de hábitos. Sinto nostalgia? Sim. Sobretudo do tempo de estudante de Letras e, depois, mesmo do tempo em que iniciara, muito jovem, o magistério. Comprei muitos livros; achava-os ,naqueles anos, mais baratos. Hoje, penso que os livros usados se valorizaram e, por isso, são mais caros.
Não é só o prazer de comprar esses livros usados que nos faz ir aos sebos.Há o prazer de encontrar uma obra que há tempos procurávamos. Eureka! Além disso, é agradável quando podemos travar um bom relacionamento com o livreiro, principalmente quando ele tem bom humor, é solícito, dá bons abatimentos que nos contentam e, sem nenhuma dúvida, nos fazem voltar. Nos apegamos às vezes a certos sebos que tudo fazemos para, primeiro, lá passarmos a fim de verificar se o estoque possui o que procuramos O ideal seria se todos pudéssemos ter o mesmo sebo e desfrutar do convívio com o livreiro amigo e camarada, além da alegria de encontrar o livro desejado.
Nota: A crônica acima já tinha sido pulicada na minha coluna "Letra Viva", do site piauiense de Entretextos, de Dílson Lages
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