Os temas discutidos neste blog se concentram sobretudo na área de Literatura Brasileira, mas se estendem a outros temas e áreas culturais afins. Os gêneros literários da preferência da produção do autor são crítica literária, ensaios e crônicas. tradução de poesia estrangeira. Áreas de pesquisa e interesse do autor: teoria literária,história literária, vida literária.relação entre literatura, pobreza e violência, literatura universal e literatura de autores piauienses
domingo, 26 de fevereiro de 2012
Um poema de Alfred, Lord Tennyson (1809-1892)
Um poema de Alfred, Lord Tennyson (1809-1892)
Home they brought her warrior dead
Home they brought her warrior dead:
She nor swoon’d, nor utter’d cry:
All her maidens, watching, said,
“She must weep or she’ will die.”
Then they praised him, soft and low,
Call’d him worthy to be loved,
Truest friend and noblest foe;
Yet she neither spoke nor moved.
Stole a maiden from her place,
Lightly to the warrior stept,
Took the face-cloth from the face;
Yet she neither moved nor swept.
Rose a nurse of ninety years,
Set his child upon her knee-
Like summer tempest came her tears –
“Sweet my child, live for thee.”
(by Alfred , Lord Tennyson)
O guerreiro morto
De volta ao lar o guerreiro morto:
Dela, nem desmaio nem pranto
Vigilantes – todas – exclamaram :suas donzelas:
“Caso ela não chore, a dor não suportará.”
Depois, tributos lhe renderam, delicadamente, em silêncio quase.
Digno de ser amado o consideraram -
O amigo mais autêntico, o inimigo mais nobre.
De seus lábios, no entanto, palavra alguma ou simples gesto.
Despercebida, suavemente, uma donzela saiu.
Em direção ao guerreiro.
Da face lhe retirou delicado tecido.
Da mãe, nenhuma reação ou sequer pranto.
Erguendo-se, uma aia nonagenária
Sobre os joelhos o filho dele pôs.
Tempestuosas lágrimas de verão dos olhos lhe brotaram:
"Doce alminha querida, de ti cuidarei.”
(Trad. de Cunha e Silva Filho)
sábado, 25 de fevereiro de 2012
No sebo da livraria São José
NO SEBO DA LIVRARIA SÃO JOSÉ
Cunha e Silva Filho*
Cunha e Silva Filho*
Estive ontem, como venho fazendo há tantos anos, visitando o sebo da São José, dirigido pelo Gernano a quem minha mulher chama de Seu José, levada seguramente por associação de idéias, e pela proximidade com o nome da antiga Livraria São José. Germano começou a trabalhar na São José ainda bem moço. Depois tornou-se antigo funcionário do famoso livreiro Carlos Ribeiro, proprietário da conhecida Livraria São José, que também foi editora, reduto de intelectuais do passado, não só os da capital carioca como os que vinham sobretudo do norte e nordeste. O sebo do Germano deriva dessa velha e respeitada Livraria do Carlos Ribeiro.
Aliás, toda a minha família conhece o Germano, meus filhos, um dos quais quase foi afilhado dele. A amizade com ele partiu da minha mulher que, nos anos sessenta, visitando a Livraria São José, em companhia de algumas amigas da FNFI (Faculdade Nacional Filosofia da Universidade do Brasil, hoje, UFRJ, foi apresentada ao Germano. Elza gostou tanto do atendimento do jovem Germano dispensado a ela e a suas colegas de universidade, frequentadoras da livraria, que logo aderiu ao vício também de frequentar essa casa de livros. Foi pelas mãos de Elza que eu também fui apresentado ao Germano, ou melhor, ao Seu José, como respeitosamente minha mulher o trata.
A antiga Livraria São José ficava na própria Rua São José e desconfio de que a razão social do ramo de livros se deve também por contiguidade e aproximação física com a bela Igreja de São José, na qual meu filho mais velho se casou.. Aquele entorno no passado se chamava Morro do Castelo, o qual foi demolido, sofrendo , com o tempo, completa transformação paisagístico-arquitetônica.
O velho sebo remanescente da São José localiza-se hoje na Rua 1º de Março, Centro do Rio. Não é preciso dizer que visito esse sebo por várias razões, inclusive a daamizade que fiz com seu proprietário, que hoje, além de seus funcionários, conta com a operosidade da sua filha, formando com o experiente pai ,uma espécie de sociedade de negócios regida por laços de amor paterno-filial.
Todos que moramos no Rio de Janeiro sabemos o quanto de sebos existem espalhados pela cidade, zona sul, subúrbio, zona norte, zona oeste, sebos ao ar livre, nas calçadas, nas esquinas de ruas movimentadas. Até livros-guia existem para orientar os amantes de livros, como O bem organizado Guia dos sebos das cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo, de Antonio Carlos Secchim, que, na realidade, inclui mais quinze cidades brasileiras.O guia traz uma boa introdução sobre a origem dos sebos como locais de venda de livros usados e de obras raras. Nem sempre o sebo é rigorosamente uma livraria de livros velhos, pois é possível encontrar alguma publicação nova e não usada. Antes do guia de sebos de Secchim, foi editado pela UFRJ um guia desse gênero, mas bem limitado em seu escopo, já que só abrangia a cidade do Rio de Janeiro. A edição for organizada por Wellington de Almeida Santos que, como Secchim, é professor da UFRJ.
O Sebo da São José, antes de ir para o atual endereço, por algum tempo, se instalara na Rua do Carmo, também Centro do Rio.O costume de ir aos sebos é antigo. Escritores, estudantes, pessoas interessadas em culturahabituam-se às visitas aos sebos. Acredito, porém, que hoje, com a venda de livros usados via intern et, os sebos ao vivo estão tendo alguma decaída em suas vendas. As vendas virtuais, segundo me informaram, estão dando mais lucros. Mudanças de tempos e de hábitos. Sinto nostalgia? Sim. Sobretudo do tempo de estudante de Letras e, depois, mesmo do tempo em que iniciara, muito jovem, o magistério. Comprei muitos livros; achava-os ,naqueles anos, mais baratos. Hoje, penso que os livros usados se valorizaram e, por isso, são mais caros.
Não é só o prazer de comprar esses livros usados que nos faz ir aos sebos.Há o prazer de encontrar uma obra que há tempos procurávamos. Eureka! Além disso, é agradável quando podemos travar um bom relacionamento com o livreiro, principalmente quando ele tem bom humor, é solícito, dá bons abatimentos que nos contentam e, sem nenhuma dúvida, nos fazem voltar. Nos apegamos às vezes a certos sebos que tudo fazemos para, primeiro, lá passarmos a fim de verificar se o estoque possui o que procuramos O ideal seria se todos pudéssemos ter o mesmo sebo e desfrutar do convívio com o livreiro amigo e camarada, além da alegria de encontrar o livro desejado.
Nota: A crônica acima já tinha sido pulicada na minha coluna "Letra Viva", do site piauiense de Entretextos, de Dílson Lages
O Brasil e o mundo em duas diferentes guerras
O que, leitor, se tem mais visto na mídia hoje no país em que vivemos a duras penas, apesar da alienação do carnaval, do futebol e das mulheres exuberantes que constituem enorme atração para o turismo internacional? A violência – esse o mais sangrento dos conflitos internos em nosso solo ensanguentada de covardia contra as crianças, os velhos os pobres, os aposentados, os que nunca serão voz enquanto não se alterar o sistema político, jurídico e parlamentar entre nós. São fatores decisivos para a reversão desse quadro de hostilidades um combate sem trégua contra a impunidade nos vários escalões em que ela se infiltra.
Os crimes de nossa pátria logo são esquecidos na media em que novos crimes se vão acumulado de tal sorte que, de tão numerosos e de tão por vezes similares, ao final, as autoridades mesmas se confundem, deixam para trás, e vão focar suas atenções num determinado novo crime que toma conta da atenção geral do povo. Desta maneira, os crimes passados são soterrados como as vítimas de desmoronamentos no país. Pouco afetarão a sensibilidade dos governantes que logo logo já aparecem nos camarotes regados a luxo e a bebidas importadas, com fartura de comida e de alegria de foliões nos sambódromos de sibaritas alegres e fagueiros como se costuma dizer.
Um país em que as leis dos costumes públicos não são respeitadas pela consciência esclarecida do povo, não pode se tornar uma grande nação e sim um simples projeto de nação irrealizável. Deixemos de ser macunaímicos, deixemos de ser bruzundangas, e vamos construir um país em bases sérias nos mais variados setores da sociedade e das nossas instituições tão derruídas moralmente. O que nos falece como nação é um sentimento entranhado de dose cavalar de utopia, entendendo esta como possibilidade de dinamizar situações sociais e melhorar o bem-estar da população. Não me pejo de ser chamado de ingênuo, idealista, sonhador. Se não fosse o sonho de Luther King, por exemplo, a condição racista norte-americana ainda estaria sob a ameaça dos inimigos dos negros nos EUA.
. “I have a drream...” é ainda uma grande possibilidade para as mudanças não só no campo das igualdades raciais,nos diversos campos da vida e da civilização contemporânea .Do outro lado do mundo, no Oriente, sobretudo nos países árabes, a selvageria continua solta e impérvia. Sabemos que Gaddafi, Saddam Russein, Mubarak et caterva foram, como outros em tantas regiões do globo, foram inimigos da humanidade e, por isso, receberam o castigo merecido, obviamente se ressaltando que houve excessos e mesmo rupturas legais em relação ao tipo de punição que lhes foi infligida. Entretanto, um inimigo perigoso está à solta, na Síria, país dividido entre os que apoiam o ditador e os que se revoltam contra ele. Entretanto, não me parece tão complicado assim separar o joio do trigo, quando as notícias que nos chegam de lá apontam para a evidência de mortes de civis, de crianças, de velhos e para a destruição do patrimônio material do país. Hitler, o assassino de judeus, o aniquilador de tantos milhões de seres humanos, tinha também seus adeptos, seus simpatizantes, seus acólitos e os têm - para a tristeza do mundo contemporâneo! – até hoje. Vejam como o ser humano é tão difícil de entender nos recônditos de suas almas.
A morte agora de uma jornalista americano, Marie Colvin, e de um fotógrafo francês, Remi Ochlik, na região de Homs, centro maior da oposição síria, que estavam cumprindo seus dever de ofício, é mais uma prova de desrespeito do ditador Bashar Al Assad sobre o que ele pensa do valor da vida . Seus crimes até agora praticados já são suficientes para que as nações responsáveis e democráticas, através das instâncias legais de que dispõem, a ONU, o seu Conselho de Segurança, e outros organismos que trabalham em defesa da paz mundial não mais se limitem apenas a retiradas de seus diplomatas da Síria nem apenas a expulsões de representantes desse país em suas nações.. Cumpre urgentemente agir com mais rigor, pelo lado econômico, pelo lado diplomático representado pela ONU. É urgente sobretudo porque diariamente estão massacrando os civis e inocentes em território sírio. As mortes são agora desmotivadas, são impelidas mais pelo ato selvagem e covarde em si mesmo, pelo uso indiscriminado da brutalidade pela brutalidade, nível de degenerescência humana sem limites nem freios.Não se chamaria a essas forças opressoras de Exército, instituição que, em países democráticas , são regidas pela Constituição.Este Exército de marionetes não passa de um bando de facínoras, desalmados e vendilhões de imposturas e de covardias monstruosas contra seus irmãos da mesma pátria dilacerada.
Os EUA estão dando exemplo de certa leniência injusta para com a situação dos sírios. Ora, em período de ganhar votos ele não quer é se intrometer em mais um a intervenção militar que decerto lhe trará negativos dividendos políticos e eleitorais, fora as despesas bélicas de armamentos. Mas, numa situação de emergência como é a que está vivendo a sofrida Síria, que já se está tornando um caso de necessidade de ação humanitária contra populações indefesas sendo destruídas literalmente por um ditador insano, aos EUA cumpriria um papel digno dos seus bons tempos de heroísmo ( tempos que, em seu percurso, também não foram tão heróicos assim, diga-se a bem da verdade) durante a Segunda Guerra Mundial.
Não estamos exigindo que os americanos cortem a cabeça do ditador, ou que Corte Penal Internacional de Haia o faça assim sumariamente. O que advogamos seria uma forma enérgica de forçar o ditador a deixar imediatamente o poder discricionário e, só depois, ser julgado exemplarmente por aquela Corte. Como criminoso e genocida.Que o mundo civilizado, apesar de todos os percalços da economia do Ocidente ajam de imediato em socorro de uma nação que está se esfacelando e sem defesas diante do déspota insensível como os gelos da Sibéria.
domingo, 19 de fevereiro de 2012
O relógio e o último carnaval do adolescente
Cunha e Silva Filho
Fevereiro de 1964 – esta data já virou um marco histórico pessoal. De tanto repetida como divisor de águas entre duas fases da vida ou como referência a qualquer lembrança num confronto entre o passado teresinense e o presente carioca, nunca mais me vou livrar dela – ainda bem , pois sua significação, pelo menos para o colunista, é imensurável cultural e afetivamente.
Desde que comecei a entender um pouco os sinais da vida, respeitando o nível de entendimento da faixa etária e das lições de Jean Piaget (1896-1980), a festa do Rei Momo das minhas primeiras impressões me levam algumas figuras e a alguns aspectos do tempo carnavalesco na ainda acanhada Teresina dos anos cinquenta até os inícios da década de sessenta.
Um daqueles aspectos é o cenário inesquecível e contraditório dos corsos. Nem bem sabia o que queria dizer o termo “corso’ que, de resto, está vinculado a várias acepções que falam de guerra nos mares, de ataques inesperados a navios de inimigos, de beligerância, “de desfile de carros, de carruagem” (Aurélio, 1 ed., p. 391). O verbete ainda se refere a atos de pirataria (não é por acaso que, no carnaval, muitos gostam de se fantasiar de piratas), como fala do sentido do termo relativo a vagabundagem de antigos bárbaros, larápios de objetos de que se apossavam por onde desenhavam seu percurso de perambulação.
Não sei por que, na época, não perguntei a meu pai pelo sentido daquele termo, mas o problema é que, eu, pequeno, anda não me interessava por questões etimológicas, e o pior é que eu meu pai sabia italiano, aprendido no Colégio Salesiano “São Manuel,” em Lavrinhas, estado de São Paulo, onde os seus colegas de quarto eram quase todos da Cidade Eterna. A tradução para o termo italiano “corso”, que quer dizer “curso, corrida, avenida principal, rua principal, desfile” está muito ligada ao que ocorria na folia carnavalesca em Teresina.
Naqueles carnavais de minha terra, em se tratando de cenas de ruas, a grande expectativa do povão era permanecer nos dois lados da “Avenida Frei Serafim, ou de outras ruas para esse fim escolhidas, aguardando, como fazia, em tom solene, nos dias de desfiles de Sete de Setembro. A alegria dos espectadores, debaixo de sol intenso, era ver os carros dos opulentos da época, lotados de gente fantasiada ou simplesmente vestida com elegância a fim de demonstrar poder econômico e alto nível social. Possuir carro naquela época em Teresina não era para muita gente. Ali se viam nos carros elegantes ou menos elegantes, gente bonita da sociedade teresinense, toda sorridente mais parecendo a cortejo da família imperial inglesa diante da multidão monarquista... Pobre ali não comparecia em carros. Eram apenas, em sua grande maioria, os espectadores simples figurantes da folia dos despossuídos e de vagabundos que encontramos em contos de João Antônio (1937-1996).
Outro cenário contrastante no carnaval teresinense era o desfile em carrocerias engalanadas das mulheres damas da Paissandu. Como a festa do Momo é abertura para a instauração do reino provisório da desordem (DaMatta) permitida pela “ordem oficial,” já que a festa é um momento de, sorrateiramente, os poderes constituídos abrirem as portas dos interditos e das hipocrisias, lá se exibiam, com os exageros das fantasias e da sensualidade jovem ou envelhecida, as grandes damas da festa da carne. Diante dos meus olhos passavam aquelas figuras humanas tão decantadas na ficção de Jorge Amado (1912-2001) Já naqueles anos, percebia os risinhos escarninhos de mal-amadas e de figuras falsamente puritanas que nem se davam ao trabalho de olhar para as mulheres da beira-rio beira-vida. Não sabiam as aristocratas de “brasões enfatuados da sociedade” o quanto de bem faziam para os forasteiros que na Paissandu aportavam sedentos de sexo, ou para os maridos rejeitados na cama conjugal, ou para os rapazinhos que desejavam se livrar das práticas de onanismo, ou para os homens que, com o tempo de vida conjugal, iam perdendo os arroubos e desembaraços da mocidade e só lá nos lupanares se completavam.
Contudo, não há como negar, o ponto alto do carnaval teresinense. Eram os bailes noturnos do Clube dos Diários, lá na Álvaro Mendes, coração da cidade.. Aquela espécie de toque de corneta alusivo sonoramente ao entrudo naquele clube era o prato cheio da juventude, da mocidade e até da velhice daquele tempo.
O Clube dos Diários reunia a nata da high society teresinense. Lugar perfeito para um grande espetáculo carnavalesco, pra os amores à primeira vista, para um clima de ivresse que nos transportava para as paixões momentâneas, os olhares cúpidos, o entrelaçar das mãos, os beijos fortuitos e incandescentes no meio do ambiente perfumado do lança-perfume esguichado nos lencinhos dos adolescentes que, depois, se moderadamente inalados, conduziam os corações enamorados ao paraíso das Ilhas dos Amores.
Época narcisista, na qual os jovens tínhamos sempre diante de nós o espelho que nos atestava a beleza apolínea supostamente auto-proclamada. Com bigodes postiços feitos artesanalmente a carvão muito lembravam a personagem de Zorro com a sua famosa máscara. Éramos belos porque éramos jovens. Era isso que mais importava ao nosso lado narcisista.. Não há efemeridade tão eterna quanto a juventude, cujo instante é seu primado.
Foi no último baile do Clube dos Diários que ostentei um lindo relógio presente de mamãe. Ficara fascinado quando, saindo com mamãe da elegante relojoaria, exibia no pulso direito o meu presente especial. Era, na época, um objeto-fetiche, usado pela classe média e pela burguesia local. Quem não tinha um relógio estava incompletamente vestido. Símbolo de requinte, de status social, de poder econômico, de beleza, de bom gosto, de ostentação. Era bem visto pela namorada, pelos pais da namorada, pelos parentes, pelos amigos. Um relógio naquele tempo era um relógio. E se de marca, tanto melhor, tanto mas admirado.
Pois foi com esse relógio que me aventurei pular carnaval no Clube dos Diário. Era o último dia de carnaval. Junto de uma namoradinha que encontrei entre as belas mocinhas ricamente fantasiadas, com seus corpos esculturais e exibindo mais livremente a beleza dos corpos e a graça da juventude, a pele morena ou clara, ou os cabelos lisos ou ondulados, os olhos castanhos, azuis ou verdes, a estatura em geral média ou baixa, mas nem por isso menos encantadora e sensual, de repente, olhando para o meu pulso, não mais via aquele relógio novinho em folha que ganhara de mamãe. Perdi o rebolado. A festa para mim quase se acabou. Chorei para mim e para minha namoradinha. Meu carnaval praticamente se evaporara naquele noite alegre-triste. Nem as marchinhas de carnaval, nem o “Corta o cabelo dele”, nem as velhas músicas de carnaval, nem o cheiro de lança-perfume no salão belamente decorado conseguiram amenizar a dor da perda objeto querido.
Alguém, bem sei, ficou com ele. Não havia mais meio de recuperá-lo. No outro dia, relatei, envergonhado e arrasado, o fato para mamãe. Nem avaliem o semblante que tomou conta dela. Ainda hoje sofro pelo prejuízo que dera à minha mãe, afora o desgosto. Alguns dias depois, partia para o Rio de Janeiro.
Fevereiro de 1964 – esta data já virou um marco histórico pessoal. De tanto repetida como divisor de águas entre duas fases da vida ou como referência a qualquer lembrança num confronto entre o passado teresinense e o presente carioca, nunca mais me vou livrar dela – ainda bem , pois sua significação, pelo menos para o colunista, é imensurável cultural e afetivamente.
Desde que comecei a entender um pouco os sinais da vida, respeitando o nível de entendimento da faixa etária e das lições de Jean Piaget (1896-1980), a festa do Rei Momo das minhas primeiras impressões me levam algumas figuras e a alguns aspectos do tempo carnavalesco na ainda acanhada Teresina dos anos cinquenta até os inícios da década de sessenta.
Um daqueles aspectos é o cenário inesquecível e contraditório dos corsos. Nem bem sabia o que queria dizer o termo “corso’ que, de resto, está vinculado a várias acepções que falam de guerra nos mares, de ataques inesperados a navios de inimigos, de beligerância, “de desfile de carros, de carruagem” (Aurélio, 1 ed., p. 391). O verbete ainda se refere a atos de pirataria (não é por acaso que, no carnaval, muitos gostam de se fantasiar de piratas), como fala do sentido do termo relativo a vagabundagem de antigos bárbaros, larápios de objetos de que se apossavam por onde desenhavam seu percurso de perambulação.
Não sei por que, na época, não perguntei a meu pai pelo sentido daquele termo, mas o problema é que, eu, pequeno, anda não me interessava por questões etimológicas, e o pior é que eu meu pai sabia italiano, aprendido no Colégio Salesiano “São Manuel,” em Lavrinhas, estado de São Paulo, onde os seus colegas de quarto eram quase todos da Cidade Eterna. A tradução para o termo italiano “corso”, que quer dizer “curso, corrida, avenida principal, rua principal, desfile” está muito ligada ao que ocorria na folia carnavalesca em Teresina.
Naqueles carnavais de minha terra, em se tratando de cenas de ruas, a grande expectativa do povão era permanecer nos dois lados da “Avenida Frei Serafim, ou de outras ruas para esse fim escolhidas, aguardando, como fazia, em tom solene, nos dias de desfiles de Sete de Setembro. A alegria dos espectadores, debaixo de sol intenso, era ver os carros dos opulentos da época, lotados de gente fantasiada ou simplesmente vestida com elegância a fim de demonstrar poder econômico e alto nível social. Possuir carro naquela época em Teresina não era para muita gente. Ali se viam nos carros elegantes ou menos elegantes, gente bonita da sociedade teresinense, toda sorridente mais parecendo a cortejo da família imperial inglesa diante da multidão monarquista... Pobre ali não comparecia em carros. Eram apenas, em sua grande maioria, os espectadores simples figurantes da folia dos despossuídos e de vagabundos que encontramos em contos de João Antônio (1937-1996).
Outro cenário contrastante no carnaval teresinense era o desfile em carrocerias engalanadas das mulheres damas da Paissandu. Como a festa do Momo é abertura para a instauração do reino provisório da desordem (DaMatta) permitida pela “ordem oficial,” já que a festa é um momento de, sorrateiramente, os poderes constituídos abrirem as portas dos interditos e das hipocrisias, lá se exibiam, com os exageros das fantasias e da sensualidade jovem ou envelhecida, as grandes damas da festa da carne. Diante dos meus olhos passavam aquelas figuras humanas tão decantadas na ficção de Jorge Amado (1912-2001) Já naqueles anos, percebia os risinhos escarninhos de mal-amadas e de figuras falsamente puritanas que nem se davam ao trabalho de olhar para as mulheres da beira-rio beira-vida. Não sabiam as aristocratas de “brasões enfatuados da sociedade” o quanto de bem faziam para os forasteiros que na Paissandu aportavam sedentos de sexo, ou para os maridos rejeitados na cama conjugal, ou para os rapazinhos que desejavam se livrar das práticas de onanismo, ou para os homens que, com o tempo de vida conjugal, iam perdendo os arroubos e desembaraços da mocidade e só lá nos lupanares se completavam.
Contudo, não há como negar, o ponto alto do carnaval teresinense. Eram os bailes noturnos do Clube dos Diários, lá na Álvaro Mendes, coração da cidade.. Aquela espécie de toque de corneta alusivo sonoramente ao entrudo naquele clube era o prato cheio da juventude, da mocidade e até da velhice daquele tempo.
O Clube dos Diários reunia a nata da high society teresinense. Lugar perfeito para um grande espetáculo carnavalesco, pra os amores à primeira vista, para um clima de ivresse que nos transportava para as paixões momentâneas, os olhares cúpidos, o entrelaçar das mãos, os beijos fortuitos e incandescentes no meio do ambiente perfumado do lança-perfume esguichado nos lencinhos dos adolescentes que, depois, se moderadamente inalados, conduziam os corações enamorados ao paraíso das Ilhas dos Amores.
Época narcisista, na qual os jovens tínhamos sempre diante de nós o espelho que nos atestava a beleza apolínea supostamente auto-proclamada. Com bigodes postiços feitos artesanalmente a carvão muito lembravam a personagem de Zorro com a sua famosa máscara. Éramos belos porque éramos jovens. Era isso que mais importava ao nosso lado narcisista.. Não há efemeridade tão eterna quanto a juventude, cujo instante é seu primado.
Foi no último baile do Clube dos Diários que ostentei um lindo relógio presente de mamãe. Ficara fascinado quando, saindo com mamãe da elegante relojoaria, exibia no pulso direito o meu presente especial. Era, na época, um objeto-fetiche, usado pela classe média e pela burguesia local. Quem não tinha um relógio estava incompletamente vestido. Símbolo de requinte, de status social, de poder econômico, de beleza, de bom gosto, de ostentação. Era bem visto pela namorada, pelos pais da namorada, pelos parentes, pelos amigos. Um relógio naquele tempo era um relógio. E se de marca, tanto melhor, tanto mas admirado.
Pois foi com esse relógio que me aventurei pular carnaval no Clube dos Diário. Era o último dia de carnaval. Junto de uma namoradinha que encontrei entre as belas mocinhas ricamente fantasiadas, com seus corpos esculturais e exibindo mais livremente a beleza dos corpos e a graça da juventude, a pele morena ou clara, ou os cabelos lisos ou ondulados, os olhos castanhos, azuis ou verdes, a estatura em geral média ou baixa, mas nem por isso menos encantadora e sensual, de repente, olhando para o meu pulso, não mais via aquele relógio novinho em folha que ganhara de mamãe. Perdi o rebolado. A festa para mim quase se acabou. Chorei para mim e para minha namoradinha. Meu carnaval praticamente se evaporara naquele noite alegre-triste. Nem as marchinhas de carnaval, nem o “Corta o cabelo dele”, nem as velhas músicas de carnaval, nem o cheiro de lança-perfume no salão belamente decorado conseguiram amenizar a dor da perda objeto querido.
Alguém, bem sei, ficou com ele. Não havia mais meio de recuperá-lo. No outro dia, relatei, envergonhado e arrasado, o fato para mamãe. Nem avaliem o semblante que tomou conta dela. Ainda hoje sofro pelo prejuízo que dera à minha mãe, afora o desgosto. Alguns dias depois, partia para o Rio de Janeiro.
sábado, 18 de fevereiro de 2012
Não conhecemos o Brasil literáio
Cunha e Silva Filho
Num longo e amadurecido artigo no Prosa & Verso do jornal O Globo (11/02/2012) sobre a realidade da crítica literária brasileira contemporânea, de título “Desdramatizando a crise da crítica”, o professor da UERJ, João Cezar de Castro Rocha, entre outras ponderações acerca da importante questão entre críticos e autores, crise da critica e crise da literatura, nos chama a atenção para a necessidade de mudanças de estratégias e de procedimentos no terreno da critica literária a fim de darmos conta da diversidade e da quantidade também da produção literária contemporânea. Já no seu tempo, o crítico Álvaro Lins (1912-1970) até via com bons olhos quando se falava em crise da literatura, visto que para ele a crise é um sintoma de algo que está vivo.
Segundo Castro Rocha, muito mais do que a produção literária do passado, a da contemporaneidade está a exigir toda a atenção dos críticos, sobretudo porque esses numerosos autores, entre ótimos, bons , médios e ruins, precisam de ser conhecidos, divulgados e analisados com um aparato teórico-crítico que esteja sintonizado com a nova realidade das novas mídias eletrônicas advindas dos avanços da internet e do surgimento de obras de leitura eletrônica, os chamados e-books, da influência de blogs literários, da pesquisa eletronicamente globalizada e dos novos recursos tecnológicos da mídia jornalística, dos confusos e indeterminados tempos pós-modernos, ou para outros estudiosos de literatura, produção ficcional e poética “pós-pós- moderna,” rótulo resultante de um trabalho de pesquisa do Departamento de Letras da UFRJ...
Sabemos que as histórias literária de que dispomos se encontram limitadas a fases já conhecidas da produção literária brasileira. Seus autores, seja individualmente , seja em trabalhos coletivos, ainda assim não abarcam de forma mais imediata o que se vem produzindo nos grandes centros culturais do pais e no interior do país, onde a produção intelectual se mostra pujante, com autores de talento e dignos de também serem conhecidos por outros leitores do Brasil.
Dadas as nossas dimensões continentais, o Brasil literário, considerando-se a produção cultural dos estados separadamente, é um desconhecido e – o que é de se lamentar -, ainda cheio de preconceitos entre os autores de outras estados da Federação. Há opiniões tão grosseiras e carentes de conhecimento e de atualização com respeito a outras regiões do país que nos deixam perplexos vindo elas de parte do próprio meio acadêmico universitário.Revelar noções preconcebidas sobre escritores de outras regiões brasileiras me parece revelar da parte de quem enuncia um contrassenso desses um tremendo desserviço à cultura brasileira. É postura inadequada, ignorante e provinciana de quem as enuncia.Até os desconhecidos, ainda que sem talento, merecem o nosso respeito étco-profissional.
O professor da UFRJ, crítico e historiador Afrânio Coutinho (1911-2000) quando projetou organizar a sua monumental obra coletiva A literatura no Brasil (São Paulo: Global, 2003. 7 v.) , mostrara, no seu tempo, largueza de visão do que fosse uma história literária mais abrangente de um país. Hoje, mais do que nunca, vivemos esse impasse, o de termos que escrever, utilizado-se de recurso eletrônicos de ponta, ou, nas palavras de Castro Rocha, “... as possibilidades criadas pela tecnologia digital”, uma história da literatura brasileira contemporânea o mais completa possível, recorrendo à mesma ideia de visão progressista de Afrânio Coutinho, ele próprio um inovador dos estudos literários entre nós nos meios universitários. Seria, no caso, uma história literária que, por ser realizada eletronicamente, poderia ser, periodicamente, atualizada como já aconteceu com a Enciclopédia Britânica, que enviava, não sei se ainda o faz, de tempo em tempo, conforme as necessidades e os progressos e inovações do conhecimento, matéria atualizadora daquela notável obra para seus usuários.
Naturalmente, no caso de nossa história literária contemporânea, seria um trabalho de altíssima envergadura intelectual, com um corpo de organizadores reunindo gente de reconhecido saber na área e com colaboradores escolhido com o principal critério: conhecimento do assunto e competência teórica e prática.
Um obra dessa magnitude seria um ponto de partida para mobilizarmos competentes scholars da literatura brasileira nos diversos estados e selecionados sem qualquer coloração ideológica ou de natureza culturalmente tendenciosa, sem ranços, pois, de patrulhamentos, muito ainda comum em vários estados brasileiros, sobretudo oriundos dos meios universitários.
No campo da crítica literária, da teoria, e da produção não pode haver mais estrelismos, comportamentos antidemocráticos de sobreposição de postura acadêmica sobre críticos teóricos e autores dos diversos gêneros da literatura e de outras formas de criação artística, tanto dos grandes centros quanto das capitais e do interior do país..
Uma passagem do mencionado professor da UERJ sintetiza bem a condição da crítica e da produção literária brasileira, além de abrir um caminho de mudanças objetivas e desejáveis para o clima de “obituário” e de “coveiros” que, de tempos em tempos, discutem a atividade crítica no país e , muitas vezes, de forma não-construtiva e desalentadora: “A reinvenção da crítica exige uma nova perspectiva, capaz de descobrir a potência da circunstância que nos cabe transformar, em lugar de insistir numa melancolia feita sob medida para o papel anacrônico do intelectual palmatória do mundo.No reduzido parágrafo seguinte, conclui Castro Rocha: “É hora de abandonar essa máscara”.
Num longo e amadurecido artigo no Prosa & Verso do jornal O Globo (11/02/2012) sobre a realidade da crítica literária brasileira contemporânea, de título “Desdramatizando a crise da crítica”, o professor da UERJ, João Cezar de Castro Rocha, entre outras ponderações acerca da importante questão entre críticos e autores, crise da critica e crise da literatura, nos chama a atenção para a necessidade de mudanças de estratégias e de procedimentos no terreno da critica literária a fim de darmos conta da diversidade e da quantidade também da produção literária contemporânea. Já no seu tempo, o crítico Álvaro Lins (1912-1970) até via com bons olhos quando se falava em crise da literatura, visto que para ele a crise é um sintoma de algo que está vivo.
Segundo Castro Rocha, muito mais do que a produção literária do passado, a da contemporaneidade está a exigir toda a atenção dos críticos, sobretudo porque esses numerosos autores, entre ótimos, bons , médios e ruins, precisam de ser conhecidos, divulgados e analisados com um aparato teórico-crítico que esteja sintonizado com a nova realidade das novas mídias eletrônicas advindas dos avanços da internet e do surgimento de obras de leitura eletrônica, os chamados e-books, da influência de blogs literários, da pesquisa eletronicamente globalizada e dos novos recursos tecnológicos da mídia jornalística, dos confusos e indeterminados tempos pós-modernos, ou para outros estudiosos de literatura, produção ficcional e poética “pós-pós- moderna,” rótulo resultante de um trabalho de pesquisa do Departamento de Letras da UFRJ...
Sabemos que as histórias literária de que dispomos se encontram limitadas a fases já conhecidas da produção literária brasileira. Seus autores, seja individualmente , seja em trabalhos coletivos, ainda assim não abarcam de forma mais imediata o que se vem produzindo nos grandes centros culturais do pais e no interior do país, onde a produção intelectual se mostra pujante, com autores de talento e dignos de também serem conhecidos por outros leitores do Brasil.
Dadas as nossas dimensões continentais, o Brasil literário, considerando-se a produção cultural dos estados separadamente, é um desconhecido e – o que é de se lamentar -, ainda cheio de preconceitos entre os autores de outras estados da Federação. Há opiniões tão grosseiras e carentes de conhecimento e de atualização com respeito a outras regiões do país que nos deixam perplexos vindo elas de parte do próprio meio acadêmico universitário.Revelar noções preconcebidas sobre escritores de outras regiões brasileiras me parece revelar da parte de quem enuncia um contrassenso desses um tremendo desserviço à cultura brasileira. É postura inadequada, ignorante e provinciana de quem as enuncia.Até os desconhecidos, ainda que sem talento, merecem o nosso respeito étco-profissional.
O professor da UFRJ, crítico e historiador Afrânio Coutinho (1911-2000) quando projetou organizar a sua monumental obra coletiva A literatura no Brasil (São Paulo: Global, 2003. 7 v.) , mostrara, no seu tempo, largueza de visão do que fosse uma história literária mais abrangente de um país. Hoje, mais do que nunca, vivemos esse impasse, o de termos que escrever, utilizado-se de recurso eletrônicos de ponta, ou, nas palavras de Castro Rocha, “... as possibilidades criadas pela tecnologia digital”, uma história da literatura brasileira contemporânea o mais completa possível, recorrendo à mesma ideia de visão progressista de Afrânio Coutinho, ele próprio um inovador dos estudos literários entre nós nos meios universitários. Seria, no caso, uma história literária que, por ser realizada eletronicamente, poderia ser, periodicamente, atualizada como já aconteceu com a Enciclopédia Britânica, que enviava, não sei se ainda o faz, de tempo em tempo, conforme as necessidades e os progressos e inovações do conhecimento, matéria atualizadora daquela notável obra para seus usuários.
Naturalmente, no caso de nossa história literária contemporânea, seria um trabalho de altíssima envergadura intelectual, com um corpo de organizadores reunindo gente de reconhecido saber na área e com colaboradores escolhido com o principal critério: conhecimento do assunto e competência teórica e prática.
Um obra dessa magnitude seria um ponto de partida para mobilizarmos competentes scholars da literatura brasileira nos diversos estados e selecionados sem qualquer coloração ideológica ou de natureza culturalmente tendenciosa, sem ranços, pois, de patrulhamentos, muito ainda comum em vários estados brasileiros, sobretudo oriundos dos meios universitários.
No campo da crítica literária, da teoria, e da produção não pode haver mais estrelismos, comportamentos antidemocráticos de sobreposição de postura acadêmica sobre críticos teóricos e autores dos diversos gêneros da literatura e de outras formas de criação artística, tanto dos grandes centros quanto das capitais e do interior do país..
Uma passagem do mencionado professor da UERJ sintetiza bem a condição da crítica e da produção literária brasileira, além de abrir um caminho de mudanças objetivas e desejáveis para o clima de “obituário” e de “coveiros” que, de tempos em tempos, discutem a atividade crítica no país e , muitas vezes, de forma não-construtiva e desalentadora: “A reinvenção da crítica exige uma nova perspectiva, capaz de descobrir a potência da circunstância que nos cabe transformar, em lugar de insistir numa melancolia feita sob medida para o papel anacrônico do intelectual palmatória do mundo.No reduzido parágrafo seguinte, conclui Castro Rocha: “É hora de abandonar essa máscara”.
sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012
Tentando entender o Brasil e o mundo
Cunha e Silva Filho
Mais um componente desfavorável desponta novamente no quotidiano do brasileiro: a carestia. Relendo alguns artigos de meu pai da época ainda da ditadura, bem como relendo uma carta dele dentre as dezenas que me escreveu por cerca de vinte anos, uma delas toca na questão do aumento do custo de vida envolvendo vários itens fundamentais: aluguel, salário do funcionalismo estadual, alimentação, remédios, vestuário, entre outros. Ora, leitor, do passado para os dias de hoje as lamúrias de meu pai parecem que não mudaram tanto assim, o que significa que, no que concerne à carestia, o país encontra uma posição de estabilidade - não econômica -, mas de alteração de preços para cima, sky high, segundo diriam os falantes da língua de Shakespeare.
Governo entra, governo sai, ditadura entra, ditadura sai, mudam-se os modos de vida do brasileiro, antes meio provinciana, hoje cada vez mais tecnológica e a vida de nossos patrícios, para falar como os lusitanos, pouco sai do mesmo lugar com algumas concessões de benefícios para a “nova” classe média?!). Os economistas, agora mais do que nunca verdadeiros gurus dos destinos financeiros das nações, sempre têm um jeito de explicar situações heterodoxas da realidade econômico-financeira que, ao cabo das contas (valha o trocadilho), deixam o cidadão médio mais confuso do que já se encontrava, porém se esquecem de informar o real sentido dessa “nova” classe social, escondendo que ela nasceu graças ao arrocho salarial da classe média verdadeira que agora não pode ter mais uma empregada doméstica, uma passadeira, uma lavadeira, dado que os encargos com a legislação trabalhista são altos e praticamente duplicam os custos com as domesticas.
A classe média, no sentido estrito do termo, tem muitos encargos que quase engolem os salários de seus membros. Vive de forma apertada. Não tem como se aguentar até o fim do mês, ao passo que os assalariados mais humildes ganham as bolsas-família, as bolsas-estudo, as bolsas não sei do quê.. Isso só tem sido possível porque a transferência de renda via impostos do consumo geral dos brasileiros e via imposto de renda de assalariados vem, no seu conjunto maior de arrecadação, justamente de todos os brasileiros. Quem está elevando o nível do cidadão nosso humilde não é parte do empresariado, mas a gigantesca carga tributária de toda a nação.
A estrutura do Estado brasileiro é inexorável no que tange a injustiças e desigualdade salariais. Chega a ser até cruel com a grande parcela dos brasileiros. Basta dar um exemplo significativo: em São Paulo, por exemplo, e o mesmo argumento serve, guardando as devidas proporções, para outros estados brasileiros, um desembargador, não todos, chega a perceber subsídios mensais de quase setecentos mil reais e o magistrado ainda conta com a aprovação de seus pares! Isso é uma afronta à dignidade do povo brasileiro. Por mais competente que seja um magistrado, esses salários de magnatas são injustificáveis e podem provocar, entre os brasileiros, revolta, rebelião e caos. Vejam-se as greves em setores que não podem usar legalmente deste instrumento, como as Forças Armadas, a Polícia Militar, a Polícia Civil, o Corpo de Bombeiros, só para citar alguns setores vitais da máquina do Estado.
Um magistrado com o salário de super-marajá que citei acima não faz bem aos brios de um povo ainda pobre como o nosso. Por outro lado, um desembargador não é um capitalista, um super-empresário que pode ter o salário que bem quer em consonância com a produtividade de seus negócios. Ser um agente público não é o mesmo que ser um alto executivo de uma grande empresa.. A função do judiciário exige que seus altos cargos sejam bem remunerados, mas não tanto assim como está, visto que humilha os menos favorecidos, desestimula outras carreiras, causa insatisfação na população sofrida de um país.
Se a Constituição proíbe o recurso da greve para algumas categorias, por que o Estado Brasileiro não se antecipa a possíveis futuras reivindicações dessas categorias e cuida de lhe dar salários dignos? Um governador atento e escrupuloso tem a obrigação de ser sensível para essas situações de baixos salários para tais categorias. Não estou advogando salários impossíveis de serem concedidos, mas sim salários que permitam a essas categorias terem uma vida a salvo de aperturas financeiras. Não é com 6 % e pouco de aumento de acordo com a inflação que os estados brasileiros vão amenizar a vida dos soldados, dos militares. Não estão pedindo migalhas, porque para quem percebe baixos vencimentos, cem reais, duzentos reais são migalhas em comparação aos altos e altíssimos salários de outros funcionários públicos municipais, estaduais ou federais.Não é escalonando, em frações minúsculas de aumento que os militares sairão do fundo do poço .
Por que o Governo Federal está permitindo que o custo de vida esteja aumentando sem majorar o funcionalismo a fim de recompor as perdas salariais em todos os gastos que estão fazendo agora com aumento de impostos públicos na área municipal, estadual e federal? Os governos municipais, estaduais e federal estão atendendo à preparação do país para uma Copa Mundial, para as Olimpíadas, com gastos faraônicos em todas as direções a fim de atender à comunidade internacional com a infra-estrutura exigida, a peso de ouro, pelos organizadores desses megaeventos. Para isso, têm dinheiro e verbas e tudo. Contudo, para melhorar a segurança nacional, o transporte público rodoviário e ferroviário, para combater a violência desenfreada nas grandes capitais do pais, para tirar do sucateamento as escolas públicas municipais e estaduais, para a construção, ou reformas e aparelhamento dos hospitais o dinheiro não aparece. Esta é uma grande contradição de nosso dirigentes mal-preparados para os cargos que ocupam ou deles apenas se servindo para locupletar-se. Veja-se a lista longa de ministros que saíram das suas Pastas em geral por acusações de corrupção. O mais gritante é que a substituição de um ministro por outro se faz dentro do mesmo partido do ministro demitido!
Extremas desigualdades salariais é um risco para a democracia. Um sociedade profundamente estratificada como a nossa é uma espada de Dâmocles sobre a cabeça dos governantes. Veja-se o caso da revoltas árabes, da recessão da União Europeia, do sibartismo pantagruélico-milionário do capitalismo americano, desencadeando agora movimento de reivindicações sociais dos pobres e ofendidos consubstanciado no lema “Ocupem a Wall Street”. O espírito civilista-democrático americano está à flor da pele. Não exagerem os governantes com a paciência de um povo sofrido e desrespeitado na sua honra e nos seus direitos sociais.
Gastos excessivos, altíssimos salários e mordomias dos governantes e da alta burocracia dos governos, quer comunistas, quer socialistas, quer capitalistas saltam à vista dos despossuídos, que têm lá seus limites.O extremo da contradição e da desfaçatez dos governantes se resume no fato de que se a cúpula dirigente da União Europeia pede socorro a um país falimentar, a Grécia, por exemplo, ela não vai se privar do seu fausto, seus carros de luxo, jatinhos, helicópteros, iates, seus criados, seus ternos de griffe, seus casacos de pele, seus brilhantes, seus passeios, seus banquetes, seus altos salários e suas benesses palacianas.Onde vai buscar parte considerável do rombo público: diminuindo o salários da patuleia ( tirando casquinha aqui da semântica do contista João Antonio, 1937-1996) do povão, dos funcionários públicos e, absurdamente, vai ainda cobrar mais impostos dessa mesma patuleia.É assim que os poderosos, os líderes mundiais agem e se comportam com o destino de suas nações.
Não brinquem com o povo, hoje com olhos globalizados na instantaneidade das comunicações virtuais ou não, mas cansados de desesperanças e ultrajes.
Mais um componente desfavorável desponta novamente no quotidiano do brasileiro: a carestia. Relendo alguns artigos de meu pai da época ainda da ditadura, bem como relendo uma carta dele dentre as dezenas que me escreveu por cerca de vinte anos, uma delas toca na questão do aumento do custo de vida envolvendo vários itens fundamentais: aluguel, salário do funcionalismo estadual, alimentação, remédios, vestuário, entre outros. Ora, leitor, do passado para os dias de hoje as lamúrias de meu pai parecem que não mudaram tanto assim, o que significa que, no que concerne à carestia, o país encontra uma posição de estabilidade - não econômica -, mas de alteração de preços para cima, sky high, segundo diriam os falantes da língua de Shakespeare.
Governo entra, governo sai, ditadura entra, ditadura sai, mudam-se os modos de vida do brasileiro, antes meio provinciana, hoje cada vez mais tecnológica e a vida de nossos patrícios, para falar como os lusitanos, pouco sai do mesmo lugar com algumas concessões de benefícios para a “nova” classe média?!). Os economistas, agora mais do que nunca verdadeiros gurus dos destinos financeiros das nações, sempre têm um jeito de explicar situações heterodoxas da realidade econômico-financeira que, ao cabo das contas (valha o trocadilho), deixam o cidadão médio mais confuso do que já se encontrava, porém se esquecem de informar o real sentido dessa “nova” classe social, escondendo que ela nasceu graças ao arrocho salarial da classe média verdadeira que agora não pode ter mais uma empregada doméstica, uma passadeira, uma lavadeira, dado que os encargos com a legislação trabalhista são altos e praticamente duplicam os custos com as domesticas.
A classe média, no sentido estrito do termo, tem muitos encargos que quase engolem os salários de seus membros. Vive de forma apertada. Não tem como se aguentar até o fim do mês, ao passo que os assalariados mais humildes ganham as bolsas-família, as bolsas-estudo, as bolsas não sei do quê.. Isso só tem sido possível porque a transferência de renda via impostos do consumo geral dos brasileiros e via imposto de renda de assalariados vem, no seu conjunto maior de arrecadação, justamente de todos os brasileiros. Quem está elevando o nível do cidadão nosso humilde não é parte do empresariado, mas a gigantesca carga tributária de toda a nação.
A estrutura do Estado brasileiro é inexorável no que tange a injustiças e desigualdade salariais. Chega a ser até cruel com a grande parcela dos brasileiros. Basta dar um exemplo significativo: em São Paulo, por exemplo, e o mesmo argumento serve, guardando as devidas proporções, para outros estados brasileiros, um desembargador, não todos, chega a perceber subsídios mensais de quase setecentos mil reais e o magistrado ainda conta com a aprovação de seus pares! Isso é uma afronta à dignidade do povo brasileiro. Por mais competente que seja um magistrado, esses salários de magnatas são injustificáveis e podem provocar, entre os brasileiros, revolta, rebelião e caos. Vejam-se as greves em setores que não podem usar legalmente deste instrumento, como as Forças Armadas, a Polícia Militar, a Polícia Civil, o Corpo de Bombeiros, só para citar alguns setores vitais da máquina do Estado.
Um magistrado com o salário de super-marajá que citei acima não faz bem aos brios de um povo ainda pobre como o nosso. Por outro lado, um desembargador não é um capitalista, um super-empresário que pode ter o salário que bem quer em consonância com a produtividade de seus negócios. Ser um agente público não é o mesmo que ser um alto executivo de uma grande empresa.. A função do judiciário exige que seus altos cargos sejam bem remunerados, mas não tanto assim como está, visto que humilha os menos favorecidos, desestimula outras carreiras, causa insatisfação na população sofrida de um país.
Se a Constituição proíbe o recurso da greve para algumas categorias, por que o Estado Brasileiro não se antecipa a possíveis futuras reivindicações dessas categorias e cuida de lhe dar salários dignos? Um governador atento e escrupuloso tem a obrigação de ser sensível para essas situações de baixos salários para tais categorias. Não estou advogando salários impossíveis de serem concedidos, mas sim salários que permitam a essas categorias terem uma vida a salvo de aperturas financeiras. Não é com 6 % e pouco de aumento de acordo com a inflação que os estados brasileiros vão amenizar a vida dos soldados, dos militares. Não estão pedindo migalhas, porque para quem percebe baixos vencimentos, cem reais, duzentos reais são migalhas em comparação aos altos e altíssimos salários de outros funcionários públicos municipais, estaduais ou federais.Não é escalonando, em frações minúsculas de aumento que os militares sairão do fundo do poço .
Por que o Governo Federal está permitindo que o custo de vida esteja aumentando sem majorar o funcionalismo a fim de recompor as perdas salariais em todos os gastos que estão fazendo agora com aumento de impostos públicos na área municipal, estadual e federal? Os governos municipais, estaduais e federal estão atendendo à preparação do país para uma Copa Mundial, para as Olimpíadas, com gastos faraônicos em todas as direções a fim de atender à comunidade internacional com a infra-estrutura exigida, a peso de ouro, pelos organizadores desses megaeventos. Para isso, têm dinheiro e verbas e tudo. Contudo, para melhorar a segurança nacional, o transporte público rodoviário e ferroviário, para combater a violência desenfreada nas grandes capitais do pais, para tirar do sucateamento as escolas públicas municipais e estaduais, para a construção, ou reformas e aparelhamento dos hospitais o dinheiro não aparece. Esta é uma grande contradição de nosso dirigentes mal-preparados para os cargos que ocupam ou deles apenas se servindo para locupletar-se. Veja-se a lista longa de ministros que saíram das suas Pastas em geral por acusações de corrupção. O mais gritante é que a substituição de um ministro por outro se faz dentro do mesmo partido do ministro demitido!
Extremas desigualdades salariais é um risco para a democracia. Um sociedade profundamente estratificada como a nossa é uma espada de Dâmocles sobre a cabeça dos governantes. Veja-se o caso da revoltas árabes, da recessão da União Europeia, do sibartismo pantagruélico-milionário do capitalismo americano, desencadeando agora movimento de reivindicações sociais dos pobres e ofendidos consubstanciado no lema “Ocupem a Wall Street”. O espírito civilista-democrático americano está à flor da pele. Não exagerem os governantes com a paciência de um povo sofrido e desrespeitado na sua honra e nos seus direitos sociais.
Gastos excessivos, altíssimos salários e mordomias dos governantes e da alta burocracia dos governos, quer comunistas, quer socialistas, quer capitalistas saltam à vista dos despossuídos, que têm lá seus limites.O extremo da contradição e da desfaçatez dos governantes se resume no fato de que se a cúpula dirigente da União Europeia pede socorro a um país falimentar, a Grécia, por exemplo, ela não vai se privar do seu fausto, seus carros de luxo, jatinhos, helicópteros, iates, seus criados, seus ternos de griffe, seus casacos de pele, seus brilhantes, seus passeios, seus banquetes, seus altos salários e suas benesses palacianas.Onde vai buscar parte considerável do rombo público: diminuindo o salários da patuleia ( tirando casquinha aqui da semântica do contista João Antonio, 1937-1996) do povão, dos funcionários públicos e, absurdamente, vai ainda cobrar mais impostos dessa mesma patuleia.É assim que os poderosos, os líderes mundiais agem e se comportam com o destino de suas nações.
Não brinquem com o povo, hoje com olhos globalizados na instantaneidade das comunicações virtuais ou não, mas cansados de desesperanças e ultrajes.
terça-feira, 7 de fevereiro de 2012
Um poema de Gérard de Nerval (1808-1855)
El desdichado
Je suis le ténebreux, - le veuf, - l’inconsolé,
Le Prince d’Aquitaine à tour abolie:
Ma sele étoile est morte, - e mon luth constellé
Porte le soleil noir de la Mélancolie.
Dans la nuit du tombeau, toi qui m’as consolé,
Rends-moi le Pausilippe et la mer d’Italie,
La fleur que plaisait tant à mon coeur desole,
Et la treille où le pampre à la rose s’allie.
Suis-je Amour ou Phoebus?... Lusignan ou Biron?
Mon front est rouge encor du baiser de la reine;
J’ai rêvé dans la grotte ou nage la sirène...
Et j’ai deux fois vainquer traversé l’Achéron;
Modulant tour à tour sur la lyre d’Orphée
Les soupirs de la sainte et les cris de la fée.
Gérarad de Nerval, Les chimères.
El desdichado
Sou o tenebroso – o viúvo -, o inconsolado,
O príncipe da Aquitânia da torre desterrado.
Minha única estrela é a morte, e meu alaúde constelado
Da Melancolia traz o sol negro.
Na noite do túmulo, por ti consolado,
Devolve-me o Pausilippe e o mar d’Itália,
A flor que meu coração desolado tanto encantava,
E a parreira na qual o pâmpano à rosa se une.
Sou Amor ou Febo?... Luignon ou Biron?
Rubro ainda do beijo da rainha minha fronte está.
Na gruta sonhei com uma sereia nadando...
E, por duas vezes vitorioso, atravessei o Aquerão
A lira de Orfeu alternadamente modulando
Da santa os suspiros e da fada os gritos
(Trad. de Cunha e Silva Filho)
Je suis le ténebreux, - le veuf, - l’inconsolé,
Le Prince d’Aquitaine à tour abolie:
Ma sele étoile est morte, - e mon luth constellé
Porte le soleil noir de la Mélancolie.
Dans la nuit du tombeau, toi qui m’as consolé,
Rends-moi le Pausilippe et la mer d’Italie,
La fleur que plaisait tant à mon coeur desole,
Et la treille où le pampre à la rose s’allie.
Suis-je Amour ou Phoebus?... Lusignan ou Biron?
Mon front est rouge encor du baiser de la reine;
J’ai rêvé dans la grotte ou nage la sirène...
Et j’ai deux fois vainquer traversé l’Achéron;
Modulant tour à tour sur la lyre d’Orphée
Les soupirs de la sainte et les cris de la fée.
Gérarad de Nerval, Les chimères.
El desdichado
Sou o tenebroso – o viúvo -, o inconsolado,
O príncipe da Aquitânia da torre desterrado.
Minha única estrela é a morte, e meu alaúde constelado
Da Melancolia traz o sol negro.
Na noite do túmulo, por ti consolado,
Devolve-me o Pausilippe e o mar d’Itália,
A flor que meu coração desolado tanto encantava,
E a parreira na qual o pâmpano à rosa se une.
Sou Amor ou Febo?... Luignon ou Biron?
Rubro ainda do beijo da rainha minha fronte está.
Na gruta sonhei com uma sereia nadando...
E, por duas vezes vitorioso, atravessei o Aquerão
A lira de Orfeu alternadamente modulando
Da santa os suspiros e da fada os gritos
(Trad. de Cunha e Silva Filho)
domingo, 5 de fevereiro de 2012
Um mundo em perene crise: meditações sobre a primeira década do séclo 21
Cunha e Silva Filho
Não tenho pretensão de ser alarmista, espalhando cassandras por aí irresponsavelmente, nem tampouco de narrar, como fez Orson Welles (1915-1985) para o rádio a notícia de que a Terra estava sendo invadida por extraterrestres. Da mesma forma, não quero ser o personagem Cândido de Voltaire a ponto de o otimismo exagerado ofuscar-lhe a dureza dos acontecimentos e a realidade circundante, vendo tudo pelo lado positivo tal qual aquele personagem–pai maravilhoso e ao mesmo tempo prejudicial desse filme grandioso, que é “A vida é bela.”
Nem hoje é possível mais esconder “o manto diáfano da fantasia” do que se passa no mundo. Costuma-se dizer que o século 20 foi o mais assombroso em desgraças para a humanidade, bastando citar as duas hecatombes das apocalípticas conflagrações, a Primeira Guerra Mundial(1914-1918) e a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Numa visada da realidade mundial, pouco sobra de paz e de bondade entre os humanos. Teimamos em nos localizar no campo das discórdias, dos confrontos, das matanças que alcançam o nível de extremo primitivismo, que são as ações genocidas hoje visivelmente realizadas na Síria, onde até crianças são presas e mortas pela insânia e maldade animalesca partindo de decisões do governo. Até que ponto vai a insensatez e a selvageria de autoridades, cujo responsável-mor é o matador Bashar AL-Assad – figura ominosa hoje odiada por inúmeros povos árabes, à frente a Tunísia, que lhe pede a imediata saída do poder usurpado através de eleições de fachada. Que, na práxis, não passam de “referendos” para o manterem no autoritarismo criminoso e covarde.
Se os povos no mundo inteiro fossem unidos – o que é apenas uma utopia – um ditador desse naipe não estaria mais no poder e sim na prisão, lugar merecido para ele e tantos que o apóiam.
Lamentável que a China e a Rússia barraram com vetos à resolução da ONU a fim de que uma intervenção imediata seja feita na Síria. Já se deu tempo de sobra para o ditador cínico e pusilânime, inimigo da humanidade, que está a merecer um julgamento na Corte Penal Internacional, em Haia, para celerados genocidas. As forças da OTAN devem envidar esforços para que os trâmites da interferência armada sejam logo concluídos e as estratégias bélicas sejam acionadas. A “Primavera Árabe” há de sair vitoriosa na Síria e seu oprimido povo há de encontrar um tempo de paz duradoura e um governo digno que tenha amor ao seu povo.
Basta de tantas cenas de terror e de mortes banalizadas de inocentes pelo mundo todo. No Afeganistão, no Paquistão, no Iraque, no Egito, em partes da África, nos eternos conflitos entre palestinos e judeus. O mundo está cansado de mortes sem fim. De destruições de cidades, de prisões injustas, de falta de liberdade de imprensa e de liberdade de um cidadão ou cidadã para sair e entrar no seu próprio país, como é o caso da blogueira cubana Yoani Sánchez, impedida por dezenove vezes de sair do pai.Embora tenha conseguido visto do Itamaraty para vir ao Brasil e idêntica concessão já tivesse sido autorizada pelo governo cubano, houve, não sei por que motivos, uma recuada dos governantes cubanos. Por conseguinte, não pôde visitar o Brasil. Que direitos têm um ditador de dispor dessa liberdade de locomoção? Fundamentado em que lei se pratica tal barbaridade e garroteamento dos direitos civis de alguém que nasce num país e, ipso facto, deve ter total liberdade de criticar os desmandos autoritários de seu país?
Se um país comunista não teme ser alvo de crítica aos seus erros e injustiças contra seu povo, por que resiste a não dar permissão a um escritor, jornalista, um intelectual de se ausentar de sua terra natal? Se os comunistas cubanos temem é porque escondem os subterrâneos e os desvãos da burocracia autoritária. Então, pelo visto, todos os cubanos são reféns do governo ditatorial.
Quem se preocupa com os destinos da humanidade, não pode se calar diante do clima de opressão, do estado de barbárie, de mortes de milhares de pessoas mostradas globalmente nas telas de tevês para uma assistência que,de tanto ver cenas semelhantes e repetidas, já se anestesiou e se tornou indiferente neste conturbado contexto pós-moderno. Que esta humanidade engolfada no hedonismo e no narcisismo não perca o sentimento de solidariedade aos que sofrem, aos que perdem a liberdade de expressão, de locomoção, de viver uma vida com autonomia e responsabilidade.
Não tenho pretensão de ser alarmista, espalhando cassandras por aí irresponsavelmente, nem tampouco de narrar, como fez Orson Welles (1915-1985) para o rádio a notícia de que a Terra estava sendo invadida por extraterrestres. Da mesma forma, não quero ser o personagem Cândido de Voltaire a ponto de o otimismo exagerado ofuscar-lhe a dureza dos acontecimentos e a realidade circundante, vendo tudo pelo lado positivo tal qual aquele personagem–pai maravilhoso e ao mesmo tempo prejudicial desse filme grandioso, que é “A vida é bela.”
Nem hoje é possível mais esconder “o manto diáfano da fantasia” do que se passa no mundo. Costuma-se dizer que o século 20 foi o mais assombroso em desgraças para a humanidade, bastando citar as duas hecatombes das apocalípticas conflagrações, a Primeira Guerra Mundial(1914-1918) e a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Numa visada da realidade mundial, pouco sobra de paz e de bondade entre os humanos. Teimamos em nos localizar no campo das discórdias, dos confrontos, das matanças que alcançam o nível de extremo primitivismo, que são as ações genocidas hoje visivelmente realizadas na Síria, onde até crianças são presas e mortas pela insânia e maldade animalesca partindo de decisões do governo. Até que ponto vai a insensatez e a selvageria de autoridades, cujo responsável-mor é o matador Bashar AL-Assad – figura ominosa hoje odiada por inúmeros povos árabes, à frente a Tunísia, que lhe pede a imediata saída do poder usurpado através de eleições de fachada. Que, na práxis, não passam de “referendos” para o manterem no autoritarismo criminoso e covarde.
Se os povos no mundo inteiro fossem unidos – o que é apenas uma utopia – um ditador desse naipe não estaria mais no poder e sim na prisão, lugar merecido para ele e tantos que o apóiam.
Lamentável que a China e a Rússia barraram com vetos à resolução da ONU a fim de que uma intervenção imediata seja feita na Síria. Já se deu tempo de sobra para o ditador cínico e pusilânime, inimigo da humanidade, que está a merecer um julgamento na Corte Penal Internacional, em Haia, para celerados genocidas. As forças da OTAN devem envidar esforços para que os trâmites da interferência armada sejam logo concluídos e as estratégias bélicas sejam acionadas. A “Primavera Árabe” há de sair vitoriosa na Síria e seu oprimido povo há de encontrar um tempo de paz duradoura e um governo digno que tenha amor ao seu povo.
Basta de tantas cenas de terror e de mortes banalizadas de inocentes pelo mundo todo. No Afeganistão, no Paquistão, no Iraque, no Egito, em partes da África, nos eternos conflitos entre palestinos e judeus. O mundo está cansado de mortes sem fim. De destruições de cidades, de prisões injustas, de falta de liberdade de imprensa e de liberdade de um cidadão ou cidadã para sair e entrar no seu próprio país, como é o caso da blogueira cubana Yoani Sánchez, impedida por dezenove vezes de sair do pai.Embora tenha conseguido visto do Itamaraty para vir ao Brasil e idêntica concessão já tivesse sido autorizada pelo governo cubano, houve, não sei por que motivos, uma recuada dos governantes cubanos. Por conseguinte, não pôde visitar o Brasil. Que direitos têm um ditador de dispor dessa liberdade de locomoção? Fundamentado em que lei se pratica tal barbaridade e garroteamento dos direitos civis de alguém que nasce num país e, ipso facto, deve ter total liberdade de criticar os desmandos autoritários de seu país?
Se um país comunista não teme ser alvo de crítica aos seus erros e injustiças contra seu povo, por que resiste a não dar permissão a um escritor, jornalista, um intelectual de se ausentar de sua terra natal? Se os comunistas cubanos temem é porque escondem os subterrâneos e os desvãos da burocracia autoritária. Então, pelo visto, todos os cubanos são reféns do governo ditatorial.
Quem se preocupa com os destinos da humanidade, não pode se calar diante do clima de opressão, do estado de barbárie, de mortes de milhares de pessoas mostradas globalmente nas telas de tevês para uma assistência que,de tanto ver cenas semelhantes e repetidas, já se anestesiou e se tornou indiferente neste conturbado contexto pós-moderno. Que esta humanidade engolfada no hedonismo e no narcisismo não perca o sentimento de solidariedade aos que sofrem, aos que perdem a liberdade de expressão, de locomoção, de viver uma vida com autonomia e responsabilidade.
quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012
Enfim, a consagração
Cunha e Silva Filho
As três cidades que amou por igual: Amarante, Teresina e Rio de Janeiro. Está sepultado na primeira desde 1990. Não tem lápide, não tem sepultura de luxo nem tem epitáfio. Apenas ali, em meio à grama que cresce, se encontram seus restos mortais. Ele é de 1905, conforme ele mesmo me confessou em vida -, embora algumas notas biográficas de dicionários e histórias literárias piauienses registrem a data de nascimento em 03 de agosto de 1904. No Arquivo de ex-alunos do Colégio Salesiano Santa Rosa, em Niterói, estado do Rio de Janeiro, no qual ingressou como aluno em 1920, consta, porém, que o nascimento dele, segundo os documentos apresentados ao famoso educandário, traz a data de 1904. Ficam, pois, a minha há dúvida e a alegação do testemunho que me deu quando completara 80 anos.
Resolverei em parte esta dúvida quando consultar os registros de nascimento em Amarante. Só vim a ter essa dúvida porque, pensando que tivera completado 80 anos, lhe fizera, sem o avisar, um longo artigo homenageando-lhe os oitenta anos, i.e., em 1984. O artigo, publicado no extinto jornal “Estado do Piauí’, de Teresina, do editor Josípio Lustosa, tinha por título o seguinte: “Cunha e Silva :80 anos.” Dias depois, recebo carta de papai, na qual me apontava o erro de data de nascimento: “Meu filho, eu sou de 1905.” Contudo, não me dera maiores explicações para essa questão. Homenageado fora por antecipação de um ano. Vá lá. O importante era a minha intenção.
A meu pai estive muito ligado dentro e fora de casa, já que fora meu professor de francês durante três anos no Domício, nome pelo qual era conhecido um antigo colégio particular de Teresina, o Ginásio “ Des. Antonio Costa”, dos irmãos Magalhães, Francisco Melo Magalhães e Domício Melo Magalhães, grandes educadores que fizeram história.
Quando pequeno, papai sempre me encarregava de buscar as provas de artigo, na época em que escrevia para o jornal O Dia, de Mundico Santilho (?). As “provas de artigos” eram para meu pai fazer a revisão, pois sempre escapava um erro do linotipista e meu pai era exigente em questões de revisão. Lia cuidadosamente o artigo já impresso. Fazia um sinal em v inter-palavras e acrescentava as correções a tinta. Não me lembro agora se, no mesmo dia da correção, eu voltava para a redação. Papai, em casa, me falava do Mundico, que tinha um defeito num dos braços. Era um senhor gordo, baixo, calvo, claro. Dele me contava papai que, na mocidade, fora bem apessoado. Só depois de uma doença perdera a antiga boa aparência. Tinha passado um tempo na Alemanha. Não sei com que propósito. Parecia ser um homem inteligente e sério. Sempre me tratara bem. Muitas vezes, pequeno, fui à redação de O Dia apanhar as saudosas “provas de artigos’, como costumava chamar papai.
Grande jornalista político, Cunha e Silva, nome literário com o qual assinava seus numerosos artigos, talvez tenha sido no Piauí, no seu tempo, o jornalista que maior quantidade de artigos escreveu em jornais.
Na época em que eu já era adolescente, ele se indispôs com o professor, jornalista e cronista A. Tito Filho e com este travou uma polêmica acirrada de parte a parte, mas meu pai, no terceiro artigo contra o adversário, encerrou a polêmica, porquanto A. Tito Filho não aguentou o talento de exímio esgrimista e a veia satírica e demolidora de papai. Se não me engano, a polêmica foi publicada, de parte a parte, no mesmo jornal, acho que nO Dia. Os leitores, ex-alunos de um e de outro, acompanhavam com ansiedade o que um dizia em detrimento do outro. Na minha rua, a Arlindo Nogueira, havia umas jovens que tinham sido alunas do A. Tito Filho - que os alunos chamavam de Arimathéa ou professor Arimathéa. -, as quais eram fãs dele. Eu, de minha parte, torcia pelo nocaute de meu pai e saía exaltado em defesa de papai.
Ora, para defender papai não havia ninguém melhor do que eu, que mesmo cheguei a me intrigar com um vizinho de outra rua próxima, a São Pedro, outro admirador do professor. Arimathéa. Para mim, papai era o melhor, o mais duro nas verrinas, um pulverizador implacável do seu êmulo.Papai tinha mais preparo geral, memória portentosa, conhecia latim, francês, italiano, uma boa base de inglês, filosofia, história universal, geografia, imensa leitura do que havia de melhor em autores literários. Alem isso, tinha uma sólida leitura em temas sociais e políticos, o que muito o ajudava a se tornar um jornalista bem equipado em vários eixos do conhecimento humano. Até em matemática fora bom. Apreciava todas as ciências, tinha o progresso em altíssima conta, leitor incansável , a ponto de um sobrinho dele uma vez me dizer: “Meu tio Chiquinho (nome carinhoso entre os familiares), sempre que o ia visitar em casa, adivinhe como eu o encontrava: lendo!” Essa era a imagem que tinha de meu pai.
Todos esses registros e anotações sobre meu pai me vêm à baila em decorrência de três estudantes do Piauí, dois estão fazendo o mestrado na UFPI, uma na área de História, outro na de educação e uma outra também em história, em trabalhos de monografia. Todos me procuraram a fim de obterem informações e material sobre Cunha e Silva. A todos tenho atendido com alegria e gratidão dentro de minhas possibilidades de recursos materiais que guardo de meu pai.. Não mais posso oferecer a esses pesquisadores porque não tenho toda a sua produção jornalística , só uma pequena parte, que venho guardando ao longo de vários anos e que compreendem sobretudo recortes de artigos de jornais das décadas de sessenta ao final da década de oitenta. Além disso, disponho de um bom número de poemas, a maioria deles na forma de soneto. De sua obra publicada tenho a tese dele – defendida - para professor catedrático de história do Brasil da Escola normal Antonino Freire, A odisséia do cativeiro no Brasil (Teresina, Imprensa Oficial, 1952, 60 p.), uma outra tese, O papel de Floriano Peixoto na obra da proclamação e consolidação da República(1957), apresentada à cátedra de História do Brasil do Liceu Piauiense (Colégio Estadual “Zacarias Góis”), que acredito não foi defendida, A república dos mendigos (novela), publicada no Rio de Janeiro, em 1984,135 p. pela Folha Carioca Editora Ltda, com orelhas e brevíssima apresentação deste colunista, Copa e cozinha ( Academia Piauiense de Letras/Projeto Petrônio Portella, Teresina, 127 p.), sátira política local, memorialismo, e ensaios políticos. Dele ainda há um livro, até hoje, inédito, de título Gatos de palácio, igualmente uma sátira da política local.
O espólio do grosso da produção de meu pai em jornais e revistas por ele reunido em décadas de atividade na imprensa, constava de pelo menos dois ou três caixotes de papelão. Por descuido e falta de empenho de meus irmãos, parece que foi perdido, o que é de se lamentar profundamente agora que alguns jovens pesquisadores piauienses, certamente orientados por seus professores, recomendaram estudos sobre meu pai e com isso aquele arquivo pessoal seguramente teria muitíssimo a abreviar o trabalho exaustivo que é o de se debruçar sobre velhos e poeirentos jornais da Biblioteca Pública do Piauí e do Arquivo Público. Confesso, leitor, eu era o fiel e rigoroso “warder”dos livros de meu pai. Conhecia todos os que compunham duas estantes antigas, com obras valiosas de literatura universal, livros de gramática, excelentes dicionários em três línguas, história, filosofia, literatura, política, sociologia, livros didáticos de grandes autores do passado etc.
O professor Cunha de Silva, o acadêmico imortal da APL, o jornalista político, o poeta, o contista (ele fez alguns contos), o bom resenhista de livros, o orador, o polemista, o educador e o homem de coragem que sempre foi, o bom pai, bom avô, o bom amigo, o amigo dos seus incontáveis alunos, tanto em Amarante, quanto em Teresina, conquistou um nome consagrado na vida intelectual do Piauí. Ele morreu sem saber que a sua obra e o seu exemplo de escritor, vinte anos depois, seriam recuperados e reconhecidos dentro dos muros da universidade que, através de alguns estudiosos, estão situando-o no destacado lugar que o valor de sua obra sempre mereceu. A posteridade, finalmente, lhe esta fazendo justiça. Que seu valor e sua lembrança perdurem para sempre.
As três cidades que amou por igual: Amarante, Teresina e Rio de Janeiro. Está sepultado na primeira desde 1990. Não tem lápide, não tem sepultura de luxo nem tem epitáfio. Apenas ali, em meio à grama que cresce, se encontram seus restos mortais. Ele é de 1905, conforme ele mesmo me confessou em vida -, embora algumas notas biográficas de dicionários e histórias literárias piauienses registrem a data de nascimento em 03 de agosto de 1904. No Arquivo de ex-alunos do Colégio Salesiano Santa Rosa, em Niterói, estado do Rio de Janeiro, no qual ingressou como aluno em 1920, consta, porém, que o nascimento dele, segundo os documentos apresentados ao famoso educandário, traz a data de 1904. Ficam, pois, a minha há dúvida e a alegação do testemunho que me deu quando completara 80 anos.
Resolverei em parte esta dúvida quando consultar os registros de nascimento em Amarante. Só vim a ter essa dúvida porque, pensando que tivera completado 80 anos, lhe fizera, sem o avisar, um longo artigo homenageando-lhe os oitenta anos, i.e., em 1984. O artigo, publicado no extinto jornal “Estado do Piauí’, de Teresina, do editor Josípio Lustosa, tinha por título o seguinte: “Cunha e Silva :80 anos.” Dias depois, recebo carta de papai, na qual me apontava o erro de data de nascimento: “Meu filho, eu sou de 1905.” Contudo, não me dera maiores explicações para essa questão. Homenageado fora por antecipação de um ano. Vá lá. O importante era a minha intenção.
A meu pai estive muito ligado dentro e fora de casa, já que fora meu professor de francês durante três anos no Domício, nome pelo qual era conhecido um antigo colégio particular de Teresina, o Ginásio “ Des. Antonio Costa”, dos irmãos Magalhães, Francisco Melo Magalhães e Domício Melo Magalhães, grandes educadores que fizeram história.
Quando pequeno, papai sempre me encarregava de buscar as provas de artigo, na época em que escrevia para o jornal O Dia, de Mundico Santilho (?). As “provas de artigos” eram para meu pai fazer a revisão, pois sempre escapava um erro do linotipista e meu pai era exigente em questões de revisão. Lia cuidadosamente o artigo já impresso. Fazia um sinal em v inter-palavras e acrescentava as correções a tinta. Não me lembro agora se, no mesmo dia da correção, eu voltava para a redação. Papai, em casa, me falava do Mundico, que tinha um defeito num dos braços. Era um senhor gordo, baixo, calvo, claro. Dele me contava papai que, na mocidade, fora bem apessoado. Só depois de uma doença perdera a antiga boa aparência. Tinha passado um tempo na Alemanha. Não sei com que propósito. Parecia ser um homem inteligente e sério. Sempre me tratara bem. Muitas vezes, pequeno, fui à redação de O Dia apanhar as saudosas “provas de artigos’, como costumava chamar papai.
Grande jornalista político, Cunha e Silva, nome literário com o qual assinava seus numerosos artigos, talvez tenha sido no Piauí, no seu tempo, o jornalista que maior quantidade de artigos escreveu em jornais.
Na época em que eu já era adolescente, ele se indispôs com o professor, jornalista e cronista A. Tito Filho e com este travou uma polêmica acirrada de parte a parte, mas meu pai, no terceiro artigo contra o adversário, encerrou a polêmica, porquanto A. Tito Filho não aguentou o talento de exímio esgrimista e a veia satírica e demolidora de papai. Se não me engano, a polêmica foi publicada, de parte a parte, no mesmo jornal, acho que nO Dia. Os leitores, ex-alunos de um e de outro, acompanhavam com ansiedade o que um dizia em detrimento do outro. Na minha rua, a Arlindo Nogueira, havia umas jovens que tinham sido alunas do A. Tito Filho - que os alunos chamavam de Arimathéa ou professor Arimathéa. -, as quais eram fãs dele. Eu, de minha parte, torcia pelo nocaute de meu pai e saía exaltado em defesa de papai.
Ora, para defender papai não havia ninguém melhor do que eu, que mesmo cheguei a me intrigar com um vizinho de outra rua próxima, a São Pedro, outro admirador do professor. Arimathéa. Para mim, papai era o melhor, o mais duro nas verrinas, um pulverizador implacável do seu êmulo.Papai tinha mais preparo geral, memória portentosa, conhecia latim, francês, italiano, uma boa base de inglês, filosofia, história universal, geografia, imensa leitura do que havia de melhor em autores literários. Alem isso, tinha uma sólida leitura em temas sociais e políticos, o que muito o ajudava a se tornar um jornalista bem equipado em vários eixos do conhecimento humano. Até em matemática fora bom. Apreciava todas as ciências, tinha o progresso em altíssima conta, leitor incansável , a ponto de um sobrinho dele uma vez me dizer: “Meu tio Chiquinho (nome carinhoso entre os familiares), sempre que o ia visitar em casa, adivinhe como eu o encontrava: lendo!” Essa era a imagem que tinha de meu pai.
Todos esses registros e anotações sobre meu pai me vêm à baila em decorrência de três estudantes do Piauí, dois estão fazendo o mestrado na UFPI, uma na área de História, outro na de educação e uma outra também em história, em trabalhos de monografia. Todos me procuraram a fim de obterem informações e material sobre Cunha e Silva. A todos tenho atendido com alegria e gratidão dentro de minhas possibilidades de recursos materiais que guardo de meu pai.. Não mais posso oferecer a esses pesquisadores porque não tenho toda a sua produção jornalística , só uma pequena parte, que venho guardando ao longo de vários anos e que compreendem sobretudo recortes de artigos de jornais das décadas de sessenta ao final da década de oitenta. Além disso, disponho de um bom número de poemas, a maioria deles na forma de soneto. De sua obra publicada tenho a tese dele – defendida - para professor catedrático de história do Brasil da Escola normal Antonino Freire, A odisséia do cativeiro no Brasil (Teresina, Imprensa Oficial, 1952, 60 p.), uma outra tese, O papel de Floriano Peixoto na obra da proclamação e consolidação da República(1957), apresentada à cátedra de História do Brasil do Liceu Piauiense (Colégio Estadual “Zacarias Góis”), que acredito não foi defendida, A república dos mendigos (novela), publicada no Rio de Janeiro, em 1984,135 p. pela Folha Carioca Editora Ltda, com orelhas e brevíssima apresentação deste colunista, Copa e cozinha ( Academia Piauiense de Letras/Projeto Petrônio Portella, Teresina, 127 p.), sátira política local, memorialismo, e ensaios políticos. Dele ainda há um livro, até hoje, inédito, de título Gatos de palácio, igualmente uma sátira da política local.
O espólio do grosso da produção de meu pai em jornais e revistas por ele reunido em décadas de atividade na imprensa, constava de pelo menos dois ou três caixotes de papelão. Por descuido e falta de empenho de meus irmãos, parece que foi perdido, o que é de se lamentar profundamente agora que alguns jovens pesquisadores piauienses, certamente orientados por seus professores, recomendaram estudos sobre meu pai e com isso aquele arquivo pessoal seguramente teria muitíssimo a abreviar o trabalho exaustivo que é o de se debruçar sobre velhos e poeirentos jornais da Biblioteca Pública do Piauí e do Arquivo Público. Confesso, leitor, eu era o fiel e rigoroso “warder”dos livros de meu pai. Conhecia todos os que compunham duas estantes antigas, com obras valiosas de literatura universal, livros de gramática, excelentes dicionários em três línguas, história, filosofia, literatura, política, sociologia, livros didáticos de grandes autores do passado etc.
O professor Cunha de Silva, o acadêmico imortal da APL, o jornalista político, o poeta, o contista (ele fez alguns contos), o bom resenhista de livros, o orador, o polemista, o educador e o homem de coragem que sempre foi, o bom pai, bom avô, o bom amigo, o amigo dos seus incontáveis alunos, tanto em Amarante, quanto em Teresina, conquistou um nome consagrado na vida intelectual do Piauí. Ele morreu sem saber que a sua obra e o seu exemplo de escritor, vinte anos depois, seriam recuperados e reconhecidos dentro dos muros da universidade que, através de alguns estudiosos, estão situando-o no destacado lugar que o valor de sua obra sempre mereceu. A posteridade, finalmente, lhe esta fazendo justiça. Que seu valor e sua lembrança perdurem para sempre.
quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012
Desastres didatoriais
Cunha e Silva Filho
É bom sonhar, ser utópico, sensível às verdades cristalinas? Sim, é bom e é conveniente em algumas situações de grande risco, de estados sociais absurdos e de desagregação da normalidade necessária à vida dos indivíduos. Quando forças do governo da Síria se debandam e se aliam aos descontentes, os chamados rebeldes comuns contra os atos de crueldade do ditador Basha al-Assad, no governo desde 2000, sucedendo ao pai, Hafez Assad é porque a situação de colapso institucional chegou ao ápice da ingovernabilidade. Definindo-se como República Parlamentar, a Síria, a meu ver, de República só tem o nome.
Diariamente, o noticiário internacional tem mostrado o quanto é preocupante o que está ocorrendo nesse país. Até mesmo os agentes de monitoramento da Liga Árabe já desistiram de permanecer neste barril de pólvora. Não se concebe por que a ONU, através do seu Conselho de Segurança, não foi enérgica o suficiente para dar início à derrubada do ditador genocida. São dezenas de mortes de inocentes vítimas do massacre do ditador.
O país – é certo – está dividido, visto que parte da população, provavelmente os apaniguados do ditador, está ainda dando integral apoio a ele, o que é lastimável . Como um povo pode se dividir em favor da matança de inocentes, incluindo crianças, jovens e adultos civis, e virar as constas para a oposição que não sucumbiu à selvageria instalada no governo de um criminoso, digno de ir para os tribunais internacional a fim de ser julgado e condenado pelo genocídio que está dizimando o povo sírio. Não só a ONU tem que intervir, mas todos os povos do mundo que respeitam as liberdades democráticas e o destino livre das nações.
Não é possível que a História se repita nos países que ainda se dividem em guerra civil quando a consciência da sua voz interior e profunda dos espíritos lhes acena para a única ação de justiça, que é a união entre irmãos da mesma pátria. Um a das guerras mais cruéis é a civil, na qual a própria nação, sua identidade, sua unidade territorial, rompem-se ao meio, num conflito inconcebível de derramamento de sangue entre cidadãos do mesmo berço,da mesma língua, dos mesmos costumes, da mesma cultura. Assim foi nos Estados Unidos com a Guerra da Secessão, na China comunista, na Rússia czarista, na Guerra Civil espanhola de Franco.
O Brasil não tem dado nenhum sinal de apoio aos oposicionistas que estão sendo assassinados em Damasco e nas outras regiões do país. Aqui se faz, aqui se paga.. Não há mal que sempre dure. O ditador tem seus dias contados. Não há impunidade perene para os malvados e os criminosos.
Os organismos internacionais não podem cruzar os braços e demonstrar indiferença pelos destino da Síria. Sua população que aspira à paz e à liberdade pede socorro ao mundo democrático. Se os países poderosos econômica e belicamente não se unirem em defesa dos sírios diariamente assassinados por tropas do governo autoritário, não sei o que será desse país. A “Primavera Árabe” não foi um insurreição autoritária e com intenções golpistas. Ela nasceu de uma profunda necessidade de rebelião de fracos contra a prepotência, de fracos contra a ausência da liberdade, os direitos humanos e civis, a vontade de um povo de tomar o seu caminho em direção à paz e à dignidade individual.
Todos os autocratas têm seu tempo de isolamento, ostracismo e muitas vezes execração pública, punição legal em tribunais internacionais ou senão vítimas de assasínios numa espécie de punição com as próprias mãos.
Os ditadores se tornam cegos diante das justas indignações do povo e por isso dão as costas para os graves problemas da nação, para os sofrimentos do seu povo. Cegos ficam por ambição desmedida de eternizar-se no poder, nas regalias, nas riquezas, na fruição que sente pelos afagos dos áulicos palacianos que aceitam todas as sua vontades e caprichos, mesmo os de natureza mais abominável.
Por esta razão deixam de auscultar os gritos dos oprimidos e humilhados.Os ditadores têm sempre uma desculpa esfarrapada para despistar as reais reivindicações das massas. Se sentem acima do bem e do mal, consideram-se reis, monarcas por escolha divina. Perdem, assim, sua noção de justiça, de amor, de fraternidade. Viram déspotas, terroristas públicos, covardes e insensíveis à dor alheia. Seu único alvo: a manutenção do poder que não quer dividir com ninguém. É mais do que hora de desapear o carrasco do fausto e do poder ilegítimo. Que prevaleça a vontade soberana do povo sírio. É o que espero de todos os homens de bem no mundo.
É bom sonhar, ser utópico, sensível às verdades cristalinas? Sim, é bom e é conveniente em algumas situações de grande risco, de estados sociais absurdos e de desagregação da normalidade necessária à vida dos indivíduos. Quando forças do governo da Síria se debandam e se aliam aos descontentes, os chamados rebeldes comuns contra os atos de crueldade do ditador Basha al-Assad, no governo desde 2000, sucedendo ao pai, Hafez Assad é porque a situação de colapso institucional chegou ao ápice da ingovernabilidade. Definindo-se como República Parlamentar, a Síria, a meu ver, de República só tem o nome.
Diariamente, o noticiário internacional tem mostrado o quanto é preocupante o que está ocorrendo nesse país. Até mesmo os agentes de monitoramento da Liga Árabe já desistiram de permanecer neste barril de pólvora. Não se concebe por que a ONU, através do seu Conselho de Segurança, não foi enérgica o suficiente para dar início à derrubada do ditador genocida. São dezenas de mortes de inocentes vítimas do massacre do ditador.
O país – é certo – está dividido, visto que parte da população, provavelmente os apaniguados do ditador, está ainda dando integral apoio a ele, o que é lastimável . Como um povo pode se dividir em favor da matança de inocentes, incluindo crianças, jovens e adultos civis, e virar as constas para a oposição que não sucumbiu à selvageria instalada no governo de um criminoso, digno de ir para os tribunais internacional a fim de ser julgado e condenado pelo genocídio que está dizimando o povo sírio. Não só a ONU tem que intervir, mas todos os povos do mundo que respeitam as liberdades democráticas e o destino livre das nações.
Não é possível que a História se repita nos países que ainda se dividem em guerra civil quando a consciência da sua voz interior e profunda dos espíritos lhes acena para a única ação de justiça, que é a união entre irmãos da mesma pátria. Um a das guerras mais cruéis é a civil, na qual a própria nação, sua identidade, sua unidade territorial, rompem-se ao meio, num conflito inconcebível de derramamento de sangue entre cidadãos do mesmo berço,da mesma língua, dos mesmos costumes, da mesma cultura. Assim foi nos Estados Unidos com a Guerra da Secessão, na China comunista, na Rússia czarista, na Guerra Civil espanhola de Franco.
O Brasil não tem dado nenhum sinal de apoio aos oposicionistas que estão sendo assassinados em Damasco e nas outras regiões do país. Aqui se faz, aqui se paga.. Não há mal que sempre dure. O ditador tem seus dias contados. Não há impunidade perene para os malvados e os criminosos.
Os organismos internacionais não podem cruzar os braços e demonstrar indiferença pelos destino da Síria. Sua população que aspira à paz e à liberdade pede socorro ao mundo democrático. Se os países poderosos econômica e belicamente não se unirem em defesa dos sírios diariamente assassinados por tropas do governo autoritário, não sei o que será desse país. A “Primavera Árabe” não foi um insurreição autoritária e com intenções golpistas. Ela nasceu de uma profunda necessidade de rebelião de fracos contra a prepotência, de fracos contra a ausência da liberdade, os direitos humanos e civis, a vontade de um povo de tomar o seu caminho em direção à paz e à dignidade individual.
Todos os autocratas têm seu tempo de isolamento, ostracismo e muitas vezes execração pública, punição legal em tribunais internacionais ou senão vítimas de assasínios numa espécie de punição com as próprias mãos.
Os ditadores se tornam cegos diante das justas indignações do povo e por isso dão as costas para os graves problemas da nação, para os sofrimentos do seu povo. Cegos ficam por ambição desmedida de eternizar-se no poder, nas regalias, nas riquezas, na fruição que sente pelos afagos dos áulicos palacianos que aceitam todas as sua vontades e caprichos, mesmo os de natureza mais abominável.
Por esta razão deixam de auscultar os gritos dos oprimidos e humilhados.Os ditadores têm sempre uma desculpa esfarrapada para despistar as reais reivindicações das massas. Se sentem acima do bem e do mal, consideram-se reis, monarcas por escolha divina. Perdem, assim, sua noção de justiça, de amor, de fraternidade. Viram déspotas, terroristas públicos, covardes e insensíveis à dor alheia. Seu único alvo: a manutenção do poder que não quer dividir com ninguém. É mais do que hora de desapear o carrasco do fausto e do poder ilegítimo. Que prevaleça a vontade soberana do povo sírio. É o que espero de todos os homens de bem no mundo.
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