sexta-feira, 13 de maio de 2011

Vale a pena escrever?

Cunha e Silva Filho


Até hoje, não sei ao certo (quem há de?) se todo esse esforço de quem escreve serve para alguma coisa. Naturalmente, estou falando da escrita literária em qualquer gênero.
Mundo cansado, pessoas cansadas, tudo leva ao cansaço, inclusive do tédio da vida que se enche cada vez mais das imperfeições inerentes à condição existencial. Olho ao meu redor. O que vejo ou escuto: a falência de quase tudo que faria da vida uma porta do paraíso: guerrilhas no Oriente, terremotos, matanças covardes, sistema econômico-financeiro sobre o qual sempre paira uma ameaça de piora, de estado de incerteza, de ansiedade entre quem compra e quem vende. E mais e mais: inversão de valores, domínio do ter sobre o ser – velha questão filosófica da humanidade - ainda decisiva em tempos atuais.
O saldo das notícias boas é bem desproporcional em relação ao gigantismo das notícias ruins. Assim, descubro algo que não me é nada agradável constatar: o viver passou para algumas pessoas a ser uma espécie de fardo que nem as auto-ajudas ou análises de diferentes correntes psicanalistas conseguem amenizar, nem mesmo as religiões ou a ausência delas. Nesse estado de consciência pessoal, pois é bem provável que esteja acometendo uma fatia menor de indivíduos, o ser em agonia encaminha-se inexoravelmente para a solidão, o “emparedamento” e aí a solidão se torna pouco propícia ao desejo da criação, da invenção, da produção nos diversos campos da inteligência, sobretudo no domínio estetico.
Sabemos que a criação artística tanto pode se originar do sofrimento quanto da felicidade. Porém, há outros componentes que afastam estas duas possibilidades e, ao afastá-las, as impedem de amadurecer, o que seria o estágio próximo de sua transformação em obra literária. Assim como há outras atitudes de artistas, seja de que ramo artístico for, de, num ponto determinado de sua carreira, apenas confessar simplesmente, como o fez uma escritora norte-americana: “ “Cheguei à conclusão de que a vida é mais importante do que havia pensado que a arte fosse. Se a arte me tomou tanto tempo, sinto que a vida é melhor, é tudo que me importa agora”. Desta forma, abandonou em definitivo sua carreira de grande escritora.
No Brasil, há o caso de Radauan Nassar, autor de talento com o seu romance Lavoura arcaica, que deixou a literatura para se dedicar a uma atividade prática. Há outros exemplos semelhantes ao dele, como há também autores que, só longo tempo depois, já aposentados, que resolvem escrever alguma obra.
Continuar escrevendo ou deixar de fazê-lo, ficaria assim, dependendo de uma decisão íntima, até inexplicável ou inconfessável. Entendo que o ato da escrita só vale a pena na medida em que essa atividade dê prazer ao leitor ou o faça pensar melhor, ou lhe abra caminhos de um consciência crítica que ao mesmo tempo seja acompanhada de cumplicidade com essa ação persuasiva, ou seja, escrever algo que mereça esse empenho.
Escrever é o ato mais pessoal que possa haver entre a pessoa do escritor e o público que o lê. Ato, portanto, de exposição, de desnudamento em certos sentidos. Nunca, no entanto, pode ser meramente gratuito, narcisista, auto-centrado. Ao contrário, a escrita é um fenômeno que se produz e carrega em si um elemento fundamental - o desejo de ser aceito, de ser julgado honestamente, sem o qual sua importância se esvazia. É da aceitação, do feedback, do estímulo que vive o escritor. Não haveria escritor que não desse atenção a esse elemento ainda quando esse artista da palavra seja um ser em desespero material ou espiritualmente considerado.
A escrita, e aqui aludo à de natureza ficcional, necessita desse estado permanente de transmitir mensagens, quer através de suas visões da existência proporcionada pela narrativa ( o mundo e tudo o que o cerca e dele faz parte, o Cosmos), quer pelo mergulho denso no mundo interior e exterior dos seus personae, quer, enfim, de também sentir as pulsações (tão necessárias) do leitores. A recepção lhe é vital. Essa vitalidade vem justamente das ressonâncias positivas do leitor.
Não existe escritor que escreva para si mesmo. O ato da criação artística é essencialmente social, interativo, gregário naquele sentido de que o fenômeno estético opera num espaço comunicativo regido pela transitividade, espaço de interlocução que não sobrevive pela recusa do agente criador diante da vontade soberana da comunhão com o leitor.
Os casos de escritores que não são dados à publicidade são raros e se tornam até matéria de excentricidades. O ato apenas da escrita pressupõe a lógica do diálogo e da mencionada transitividade. A validade da escrita, todavia, sua continuidade ou sua interrupção muitas vezes escapam ao nosso entendimento. Ficará pertencendo aos arcanos insondáveis somente acessíveis ao autor da escrita que se despediu dos leitores.

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