segunda-feira, 30 de maio de 2011

Não está chovendo lá fora

Cunha e Silva Filho



Olho da janela do meu edifício e lá está o sol límpido de final de maio me convidando pra uma caminhada. Talvez eu siga a tentação da luz solar que me arrasta pelo pensamento a sair de casa. Gosto de casa tanto quanto gosto da rua. Só que em casa há o conforto, a proteção, o aparente abrigo de quem se imagina seguro. Nada, porém, é seguro neste mundo, pelo menos quando se pensa naquilo tudo que nos cerca vindo da rua, da cidade, do país, do mundo. As vozes são múltiplas e dissonantes. Não há harmonia nesse ruído polifônico.
No interior de casa volto à janela. Penso novamente em descer o elevador e ganhar a rua. Procurando a rua, estarei procurando algum sentido do viver. Dobro a esquina da minha rua e desço uma longa rua que vai dar numa via principal da Tijuca, a São Francisco Xavier. O importante foi que me decidi a sair e a espairecer, encher os pulmões de ar puro e continuar podendo ver o céu aberto de um azul claro matizado, aqui e ali, de nuvens mais claras.
À medida que continuo caminhando com aquele prazer de Jean- Jacques Rousseau (1712-1778) contado em página antológica de um livro didático de Marcel Debrot, penso em quantos livros ainda não li por preguiça ou por falta de ânimo. Eles estão esperando que a minha mão os alcance e os devore com o sabor dos bons vinhos e de deliciosos manjares. São muitos. Alguns são de autores piauienses que trouxe da minha mais recente viagem a Teresina. Estão separados no alto de uma das minhas estantes. Lá estão eles mudos convidando-me a penetrar nos seus segredos, conflitos, dores e alegrias, ou na simples transmissão de sabedoria e de conhecimento erudito. Gosto muito dos livros, mas não sou um leitor compulsivo como o meu amigo M. Paulo Nunes. Leio-os compassadamente. Alguns por necessidade, por mera sede de conhecimento; outros, por vontade mesmo de ler atraído por um motivo ou outro; outros, porque não os havia ainda lido posto que tivesse sido minha obrigação. Leio-os devagar.
Uma falecida professora minha do mestrado me recomendou que lesse com mais pressa - mas como? -, se meu ritmo é o lento, o pausado. Por outro lado, costumo ler mais de um livro ao mesmo tempo. Agora mesmo, recebi um livro de ficção de José Ribamar Garcia, Filhos da mãe gentil(2011) ainda não lançado, publicado pela mesma editora, a Litteris, que há muito vem editando as obras do autor.É seu décimo livro no campo da literatura. O título é bem sugestivo e cataforicamente fala em parte pelo que a obra possa revelar.
Prometo a mim que darei conta dessa safra de livros de autores piauienses de que falei atrás. É que são tantas as ocupações do dia-a-dia que um esforço maior tenho que fazer pra superá-las.
Continuo na minha caminhada. Ouço, ao passar pela entrada do Colégio Militar, o toque forte da campainha indicando término de uma aula pra outra. Lá me vejo lecionando diante de uma turma meio inquieta. Início de aula. Entro, cumprimento os alunos em inglês e, seguindo o ritual do colégio, peço a um aluno que me faça a apresentação (em inglês) da turma. Em seguida, no alto do quadro, canto esquerdo, vou escrevendo mais uma provérbio da língua inglesa, que uso como gancho para uma breve discussão do seu conteúdo com meus alunos. Dizem alguns que provérbios não expressam verdades ou lições. Discordo. Vejo que eles têm muitas lições de relevo a nos transmitir. Meus alunos, quando eu esquecia de colocar um provérbio no início da aula, me cobravam: “What about the proverb, teacher ?”
Meus passos, firmes, me levam a percorrer todo o muro da frente do Colégio naquela calçada velha e sob a sombra dadivosa das árvores. Deixo o muro pra trás. Dobro a rua e prossigo por outra bem arborizada e de construções meio antigas, algumas belas e acolhedoras. Uns raios solares penetram nas pequenas brechas das copas das árvores e me atingem uma das faces. Mais adiante, dou com uma pracinha onde crianças brincam, sob os olhares vigilantes das mães, avós ou babás. Cumprimento um dos vigias da rua. Vou em frente.
A caminhada equivale a uma quadrado meio irregular, com sinuosidades no alinhamento de uma das ruas interrompido por um pequeno largo que vai dar continuidade a uma rua de nome diferente, rua cheia de casas velhas algumas possivelmente da metade dos anos cinquenta do século passado. As casas não são bonitas, estão maltratadas com algumas exceções, e estas por serem construções mais novas e ainda bem cuidadas.
No final da rua arborizada, volto pra rua Barão de Mesquita. O sol, embora já mais quente (já é meio-dia e meia) é refrescado por uma leve brisa. Sinto, aí, quanto é bom o sol, quanto bem nos faz quando a temperatura está amena como nesta manhã benfazeja.
Volto bem melhor e é bem provável que vá buscar no alto de uma estante um livro que me complete o dia e os sonhos. Não sei se é o melhor dos livros, mas é um livro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário