segunda-feira, 23 de maio de 2011

Protesto justo

Protesto justo


Cunha e Silva Filho


O problema da vida de apertura financeira do professorado brasileiro estadual ou municipal é crônico, talvez secular, com curtos períodos, no passado, de melhoria salarial, dependendo das boas graças dos governadores e prefeitos de plantão. O velho crítico José Veríssimo(1857-1916), comentando, em artigo, a situação da educação nacional no seu tempo, já denunciava o estado deficiente no qual se encontravam as escolas públicas do país, as carências dos cursos normais, as parcas condições materiais,entre outros males do ensino.
No magistério público estadual fluminense lecionei durante uns dezoito anos; na rede municipal, vinte e nove anos. Em ambos os casos, a remuneração dos docentes foi geralmente irrisória, chegando mesmo a ser aviltante, sendo que a rede estadual ainda remunerava pior do que a municipal, ou seja, a da prefeitura do Rio de Janeiro. Essa realidade continua praticamente inalterável e sem perspectiva de melhoria significativa. Ao contrário, por exemplo, na Prefeitura, o atual prefeito acena com um projeto que, segundo o Sindicato dos Professores do Rio de Janeiro, pretende mexer com os proventos dos aposentados e de pensionistas, fato que já está mobilizando os professores para lutarem contra essas medidas que não acenam para uma melhora dos salários mas para redução deles, o que é um projeto ilegal e imoral, uma vez que salários não podem ser reduzidos.Não se poderá aceitar um proposta indecente como esta.
Tanto no passado quanto hoje um professor estadual ou municipal que trabalhem para o sustento de sua família não daria conta das despesas básicas mensais. Para viver com um pouquinho de dignidade teria que contar, se casado, com a renda da esposa na hipótese de ela também trabalhar. Contudo, sozinho, seus rendimentos, mesmo com duas matrículas, não lhe permitiriam sequer alugar um modestíssimo apartamento ou uma casinha simples no subúrbio. Uma outra alternativa, seria o professor complementar com mais duas ou três jornadas de trabalho em escolas particulares.Ainda assim, ganharia rendimentos insatisfatórios e perderia, logo sua saúde trabalhando a semana inteira e dando, ao todo, cerca de sessenta aulas ou mais. O resultado desse enorme esforço físico e intelectual produz dois problemas: perda da saúde e queda de qualidade de suas aulas. Onde iria preparar as aulas, preparar e corrigir provas, atualizar-se em seminários e cursos de pós-graduação? Só uns poucos conseguem superar tremendas dificuldades. Não me envergonho de afirmar : fui um exemplo desse tipo de professor.
Sei de exemplos de professores que, desejando fazer contrato de aluguel, passaram por constrangimentos quando mal anunciavam ao “senhorio” a profissão que exerciam. “Professor?!” dizia o energúmeno. “Nada feito. Não alugo pra professor, vocês não têm renda compatível.. Vão morar na periferia!” Vergonha nacional para um país que dá as costas ao professorado, não o valorizando, como seria de esperar de um país sério que cuida bem da sua educação.
Ontem, vendo um canal de TV, me deparei com um comovente protesto de uma muito jovem professora do estado de Alagoas. Seu nome: Amanda. Com um “pitoresco” sotaque nordestino, como diria o romancista Érico Veríssimo(1905-1975), a professora, diante das câmeras, expõe com veemência e justa indignação a atual situação da vida de um educador brasileiro no seu estado natal e, por extensão, no país inteiro.
A fala de Amanda, que também se veiculou no vasto circuito da Internet – esse é o lado bom e democrático desta mídia -, foi um eloquente apelo às autoridades brasileiras a fim de que responsáveis mais imediatos para assuntos da educação promovam uma mudança substancial e definitiva no que tange à questão dos salários dos professores estaduais e municipais.
Nessa conjuntura, o governo federal tem a obrigação de, junto com as autoridades estaduais e municipais, equacionar, em curto prazo, melhorias aos docentes, a começar pela implantação de planos de carreira que não fiquem no papel mas que sejam logo postos em prática e tenham continuidade, reajustando-se periodicamente de acordo com os aumentos concedidos às demais categorias de funcionários públicos a fim de não perderem seus ganhos reais e nem fiquem novamente defasados em situações de aumentos decorrentes de inflação.
Todos os segmentos interligados ao Ministério da Educação (MEC), os governadores e prefeitos, os representantes da classe dos professores em toda a Federação, assim como o poder legislativo estadual e municipal, têm o dever cívico de buscar uma saída honrosa para tratarem da deplorável situação do ensino fundamental e médio quanto à questão salarial dos docentes e da sua valorização ante a sociedade. No governo federal, o ensino público, sobretudo no segundo mandato do presidente Lula, conseguiu dar maior dignidade à carreira do magistério, sobretudo valorizando os professores empenhados em adquirir maior qualificação através de cursos de alto nível como os de mestrado e doutorado.
A professora Amanda, pela atitude corajosa e patriota demonstrada, serve de modelo de profissional que não se cala diante do descaso de sucessivos governos estaduais e municipais, inclusive os que estão cumprindo os atuais mandatos, que pouco têm feito pela carreira do magistério. Tais governantes ainda não se conscientizaram de que sem uma educação de qualidade e com professores estimulados e competentes, o país não dará nunca nenhum salto importante em direção aos seus projetos de se tornar uma potência mundial nos diversos setores de atividades : na ciência, na tecnologia, no aperfeiçoamento da mão de obra, na demanda por profissionais competitivos que estejam em condições de responderem às exigências de um mundo em constantes mudanças. Vejam o que ocorreu com países desenvolvidos como a China e o Japão, países que deram prioridade ao ensino e à educação de seus filhos.
A jovem professora Amanda relata um fato lamentável sob todos os aspectos e que ainda mais sujeita o docente brasileiro à humilhação. Contou ela que um promotor público da sua cidade achou absurdo que professores de escolas publicas sejam beneficiados com a merenda escolar destinada aos alunos. A atitude do promotor peca por duas razões: a) revela um sentimento de mesquinharia do ponto de vista de humanidade que deveria antes nele prevalecer; b) não atenta para a circunstância de que o professor brasileiro, pessimamente remunerado, muitas vezes não tem condições e mesmo tempo de fazer suas refeições fora da escola devido à exiguidade dos horários. Não são algumas refeições a mais que comprometeriam a merenda escolar. Por que não tem esse promotor a coragem de reclamar que militares, em serviço nos quartéis, tenham direito à alimentação? Ou por que os governos estaduais e municipais não concedem ao docente vale-transporte e vale-refeição, como faz a iniciativa privada? Ele, o promotor, age assim porque tem seu excelente salário e não sofre as agruras e aflitivos percalços do desvalorizado professor brasileiro.
O discurso inflamado de Amanda, acredito, transmitido pela imensa audiência da WEB, há de ser, conforme ela própria acentuou, com a grandeza e a esperança peculiar aos jovens, uma pequena semente que com certeza frutificará sensibilizando nossas autoridades de ensino e da educação.
É mister ressaltar, com todo vigor, que verbas existem para a educação. Se não as houvesse, não teríamos passado pelo desprazer e pela decepção de tomar conhecimento ultimamente de dois clamorosos desperdícios do dinheiro público: os milhões destinados ao chamado “Kit Gay” e outros milhões custeando livros didáticos que ensinam jovens e adultos a não terem o direito de acesso à norma culta da língua portuguesa.

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