segunda-feira, 30 de maio de 2011

Não está chovendo lá fora

Cunha e Silva Filho



Olho da janela do meu edifício e lá está o sol límpido de final de maio me convidando pra uma caminhada. Talvez eu siga a tentação da luz solar que me arrasta pelo pensamento a sair de casa. Gosto de casa tanto quanto gosto da rua. Só que em casa há o conforto, a proteção, o aparente abrigo de quem se imagina seguro. Nada, porém, é seguro neste mundo, pelo menos quando se pensa naquilo tudo que nos cerca vindo da rua, da cidade, do país, do mundo. As vozes são múltiplas e dissonantes. Não há harmonia nesse ruído polifônico.
No interior de casa volto à janela. Penso novamente em descer o elevador e ganhar a rua. Procurando a rua, estarei procurando algum sentido do viver. Dobro a esquina da minha rua e desço uma longa rua que vai dar numa via principal da Tijuca, a São Francisco Xavier. O importante foi que me decidi a sair e a espairecer, encher os pulmões de ar puro e continuar podendo ver o céu aberto de um azul claro matizado, aqui e ali, de nuvens mais claras.
À medida que continuo caminhando com aquele prazer de Jean- Jacques Rousseau (1712-1778) contado em página antológica de um livro didático de Marcel Debrot, penso em quantos livros ainda não li por preguiça ou por falta de ânimo. Eles estão esperando que a minha mão os alcance e os devore com o sabor dos bons vinhos e de deliciosos manjares. São muitos. Alguns são de autores piauienses que trouxe da minha mais recente viagem a Teresina. Estão separados no alto de uma das minhas estantes. Lá estão eles mudos convidando-me a penetrar nos seus segredos, conflitos, dores e alegrias, ou na simples transmissão de sabedoria e de conhecimento erudito. Gosto muito dos livros, mas não sou um leitor compulsivo como o meu amigo M. Paulo Nunes. Leio-os compassadamente. Alguns por necessidade, por mera sede de conhecimento; outros, por vontade mesmo de ler atraído por um motivo ou outro; outros, porque não os havia ainda lido posto que tivesse sido minha obrigação. Leio-os devagar.
Uma falecida professora minha do mestrado me recomendou que lesse com mais pressa - mas como? -, se meu ritmo é o lento, o pausado. Por outro lado, costumo ler mais de um livro ao mesmo tempo. Agora mesmo, recebi um livro de ficção de José Ribamar Garcia, Filhos da mãe gentil(2011) ainda não lançado, publicado pela mesma editora, a Litteris, que há muito vem editando as obras do autor.É seu décimo livro no campo da literatura. O título é bem sugestivo e cataforicamente fala em parte pelo que a obra possa revelar.
Prometo a mim que darei conta dessa safra de livros de autores piauienses de que falei atrás. É que são tantas as ocupações do dia-a-dia que um esforço maior tenho que fazer pra superá-las.
Continuo na minha caminhada. Ouço, ao passar pela entrada do Colégio Militar, o toque forte da campainha indicando término de uma aula pra outra. Lá me vejo lecionando diante de uma turma meio inquieta. Início de aula. Entro, cumprimento os alunos em inglês e, seguindo o ritual do colégio, peço a um aluno que me faça a apresentação (em inglês) da turma. Em seguida, no alto do quadro, canto esquerdo, vou escrevendo mais uma provérbio da língua inglesa, que uso como gancho para uma breve discussão do seu conteúdo com meus alunos. Dizem alguns que provérbios não expressam verdades ou lições. Discordo. Vejo que eles têm muitas lições de relevo a nos transmitir. Meus alunos, quando eu esquecia de colocar um provérbio no início da aula, me cobravam: “What about the proverb, teacher ?”
Meus passos, firmes, me levam a percorrer todo o muro da frente do Colégio naquela calçada velha e sob a sombra dadivosa das árvores. Deixo o muro pra trás. Dobro a rua e prossigo por outra bem arborizada e de construções meio antigas, algumas belas e acolhedoras. Uns raios solares penetram nas pequenas brechas das copas das árvores e me atingem uma das faces. Mais adiante, dou com uma pracinha onde crianças brincam, sob os olhares vigilantes das mães, avós ou babás. Cumprimento um dos vigias da rua. Vou em frente.
A caminhada equivale a uma quadrado meio irregular, com sinuosidades no alinhamento de uma das ruas interrompido por um pequeno largo que vai dar continuidade a uma rua de nome diferente, rua cheia de casas velhas algumas possivelmente da metade dos anos cinquenta do século passado. As casas não são bonitas, estão maltratadas com algumas exceções, e estas por serem construções mais novas e ainda bem cuidadas.
No final da rua arborizada, volto pra rua Barão de Mesquita. O sol, embora já mais quente (já é meio-dia e meia) é refrescado por uma leve brisa. Sinto, aí, quanto é bom o sol, quanto bem nos faz quando a temperatura está amena como nesta manhã benfazeja.
Volto bem melhor e é bem provável que vá buscar no alto de uma estante um livro que me complete o dia e os sonhos. Não sei se é o melhor dos livros, mas é um livro.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Protesto justo

Protesto justo


Cunha e Silva Filho


O problema da vida de apertura financeira do professorado brasileiro estadual ou municipal é crônico, talvez secular, com curtos períodos, no passado, de melhoria salarial, dependendo das boas graças dos governadores e prefeitos de plantão. O velho crítico José Veríssimo(1857-1916), comentando, em artigo, a situação da educação nacional no seu tempo, já denunciava o estado deficiente no qual se encontravam as escolas públicas do país, as carências dos cursos normais, as parcas condições materiais,entre outros males do ensino.
No magistério público estadual fluminense lecionei durante uns dezoito anos; na rede municipal, vinte e nove anos. Em ambos os casos, a remuneração dos docentes foi geralmente irrisória, chegando mesmo a ser aviltante, sendo que a rede estadual ainda remunerava pior do que a municipal, ou seja, a da prefeitura do Rio de Janeiro. Essa realidade continua praticamente inalterável e sem perspectiva de melhoria significativa. Ao contrário, por exemplo, na Prefeitura, o atual prefeito acena com um projeto que, segundo o Sindicato dos Professores do Rio de Janeiro, pretende mexer com os proventos dos aposentados e de pensionistas, fato que já está mobilizando os professores para lutarem contra essas medidas que não acenam para uma melhora dos salários mas para redução deles, o que é um projeto ilegal e imoral, uma vez que salários não podem ser reduzidos.Não se poderá aceitar um proposta indecente como esta.
Tanto no passado quanto hoje um professor estadual ou municipal que trabalhem para o sustento de sua família não daria conta das despesas básicas mensais. Para viver com um pouquinho de dignidade teria que contar, se casado, com a renda da esposa na hipótese de ela também trabalhar. Contudo, sozinho, seus rendimentos, mesmo com duas matrículas, não lhe permitiriam sequer alugar um modestíssimo apartamento ou uma casinha simples no subúrbio. Uma outra alternativa, seria o professor complementar com mais duas ou três jornadas de trabalho em escolas particulares.Ainda assim, ganharia rendimentos insatisfatórios e perderia, logo sua saúde trabalhando a semana inteira e dando, ao todo, cerca de sessenta aulas ou mais. O resultado desse enorme esforço físico e intelectual produz dois problemas: perda da saúde e queda de qualidade de suas aulas. Onde iria preparar as aulas, preparar e corrigir provas, atualizar-se em seminários e cursos de pós-graduação? Só uns poucos conseguem superar tremendas dificuldades. Não me envergonho de afirmar : fui um exemplo desse tipo de professor.
Sei de exemplos de professores que, desejando fazer contrato de aluguel, passaram por constrangimentos quando mal anunciavam ao “senhorio” a profissão que exerciam. “Professor?!” dizia o energúmeno. “Nada feito. Não alugo pra professor, vocês não têm renda compatível.. Vão morar na periferia!” Vergonha nacional para um país que dá as costas ao professorado, não o valorizando, como seria de esperar de um país sério que cuida bem da sua educação.
Ontem, vendo um canal de TV, me deparei com um comovente protesto de uma muito jovem professora do estado de Alagoas. Seu nome: Amanda. Com um “pitoresco” sotaque nordestino, como diria o romancista Érico Veríssimo(1905-1975), a professora, diante das câmeras, expõe com veemência e justa indignação a atual situação da vida de um educador brasileiro no seu estado natal e, por extensão, no país inteiro.
A fala de Amanda, que também se veiculou no vasto circuito da Internet – esse é o lado bom e democrático desta mídia -, foi um eloquente apelo às autoridades brasileiras a fim de que responsáveis mais imediatos para assuntos da educação promovam uma mudança substancial e definitiva no que tange à questão dos salários dos professores estaduais e municipais.
Nessa conjuntura, o governo federal tem a obrigação de, junto com as autoridades estaduais e municipais, equacionar, em curto prazo, melhorias aos docentes, a começar pela implantação de planos de carreira que não fiquem no papel mas que sejam logo postos em prática e tenham continuidade, reajustando-se periodicamente de acordo com os aumentos concedidos às demais categorias de funcionários públicos a fim de não perderem seus ganhos reais e nem fiquem novamente defasados em situações de aumentos decorrentes de inflação.
Todos os segmentos interligados ao Ministério da Educação (MEC), os governadores e prefeitos, os representantes da classe dos professores em toda a Federação, assim como o poder legislativo estadual e municipal, têm o dever cívico de buscar uma saída honrosa para tratarem da deplorável situação do ensino fundamental e médio quanto à questão salarial dos docentes e da sua valorização ante a sociedade. No governo federal, o ensino público, sobretudo no segundo mandato do presidente Lula, conseguiu dar maior dignidade à carreira do magistério, sobretudo valorizando os professores empenhados em adquirir maior qualificação através de cursos de alto nível como os de mestrado e doutorado.
A professora Amanda, pela atitude corajosa e patriota demonstrada, serve de modelo de profissional que não se cala diante do descaso de sucessivos governos estaduais e municipais, inclusive os que estão cumprindo os atuais mandatos, que pouco têm feito pela carreira do magistério. Tais governantes ainda não se conscientizaram de que sem uma educação de qualidade e com professores estimulados e competentes, o país não dará nunca nenhum salto importante em direção aos seus projetos de se tornar uma potência mundial nos diversos setores de atividades : na ciência, na tecnologia, no aperfeiçoamento da mão de obra, na demanda por profissionais competitivos que estejam em condições de responderem às exigências de um mundo em constantes mudanças. Vejam o que ocorreu com países desenvolvidos como a China e o Japão, países que deram prioridade ao ensino e à educação de seus filhos.
A jovem professora Amanda relata um fato lamentável sob todos os aspectos e que ainda mais sujeita o docente brasileiro à humilhação. Contou ela que um promotor público da sua cidade achou absurdo que professores de escolas publicas sejam beneficiados com a merenda escolar destinada aos alunos. A atitude do promotor peca por duas razões: a) revela um sentimento de mesquinharia do ponto de vista de humanidade que deveria antes nele prevalecer; b) não atenta para a circunstância de que o professor brasileiro, pessimamente remunerado, muitas vezes não tem condições e mesmo tempo de fazer suas refeições fora da escola devido à exiguidade dos horários. Não são algumas refeições a mais que comprometeriam a merenda escolar. Por que não tem esse promotor a coragem de reclamar que militares, em serviço nos quartéis, tenham direito à alimentação? Ou por que os governos estaduais e municipais não concedem ao docente vale-transporte e vale-refeição, como faz a iniciativa privada? Ele, o promotor, age assim porque tem seu excelente salário e não sofre as agruras e aflitivos percalços do desvalorizado professor brasileiro.
O discurso inflamado de Amanda, acredito, transmitido pela imensa audiência da WEB, há de ser, conforme ela própria acentuou, com a grandeza e a esperança peculiar aos jovens, uma pequena semente que com certeza frutificará sensibilizando nossas autoridades de ensino e da educação.
É mister ressaltar, com todo vigor, que verbas existem para a educação. Se não as houvesse, não teríamos passado pelo desprazer e pela decepção de tomar conhecimento ultimamente de dois clamorosos desperdícios do dinheiro público: os milhões destinados ao chamado “Kit Gay” e outros milhões custeando livros didáticos que ensinam jovens e adultos a não terem o direito de acesso à norma culta da língua portuguesa.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Um poema de Thomas Moore (1780-1852)*

Um poema de Thomas Moore (1780-1852)*






Those evening bells


Those evening bells! Those evening bells!
How many a tale their music tells,
Of youth, and home, and that sweet time,
When last I heard their soothing chime.

Those joyous hours are passed away,
And many a heart, that then was gay,
Within the tomb now darkly dwells,
And hears no more those evening bells.

And so it will be when I am gone;
That tuneful peal still ring on,
While other bards shall walk the dells,
And sing your praises, sweet evening bells!

* Renomado poeta irlandês.

Aqueles noturnos sinos

Ah, noturnos sinos! Noturnos sinos!
Quantas histórias sua música narram,
Da juventude, do lar, daquele doce tempo,
Quando, pela última vez, suas ternas melodias ouvi .

Já se foram aquelas horas jubilosas,
E muitos corações que, então, alegres eram,
Agora profundamente dormem dentro do tumulo.

E, assim, há de ser quando me for.
Harmoniosos, continuarão ainda repicando aqueles sinos
Enquanto outros bardos pelas ravinas hão de andar
Vosso louvores entoando, vossos doces noturnos sinos.

(Trad. de Cunha e Silva Filho)

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Na onda dos preconceitos

Cunha e Silva Filho


Se, em nosso país, qualquer situação conflituosa entre maiorias e minorias envolvendo opiniões pessoais sobre algum tema, se transformar em preconceito, a Justiça do país estará sempre ocupada e indisponível a decidir sobre outras questões relevantes.
Ontem, dia 13, o Jornal Nacional da TV Globo exibiu uma rápida reportagem sobre a publicação de um livro aprovado pelo MEC, através do Programa Nacional de Livro Didático. A obra tem por título Por uma vida melhor e faz parte da coleção “Viver e aprender.”
Do livro aproximadamente foram distribuídos pelo MEC 485 mil exemplares a jovens e adultos. Escrito em co-autoria, o livro se destina a ensinar a língua portuguesa tendo por princípio metodológico o “uso popular” do idioma que, segundo declaração de uma das autoras, Heloisa Ramos, deve ser aprendido com flexibilidade e sem as amarras da gramática normativa nos seus vários níveis: fonético, morfológico e sintático. Ou seja, o ensino-aprendizagem dessa disciplina acolheria como possibilidades normais e adequadas as construções consideradas solecismos ou outros vícios de linguagem desviantes da normatividade gramatical.
O tema, por ser controvertido, merece comentários judiciosos de quem é bom usuário da língua e dos profissionais especializados no campo da gramática, da linguística e da filologia, uma vez que se está lidando no caso com o mais importante meio de expressão comunicativa: a linguagem.
Minhas considerações neste artigo se fundamentam na reportagem que o jornal O Globo publicou na edição de 14 deste mês. A reportagem cita, para ilustrar, os seguintes exemplos que o livro inclui como construções que não devem ser consideradas incorretas pelos falantes da língua: “Posso falar os livro?”; 2) “Nós pega o peixe”; 3) Os menino pega o peixe.” Segundo a mencionada autora, tais usos de construções na comunicação escrita/oral são perfeitamente aceitáveis e não podem ser objeto de censura por parte de pessoas que, na escrita e na oralidade, obedecem aos usos normativos da língua com alguma tolerância a certas formas de enunciados que a própria gramática normativa já vem aceitando.
Entretanto, há que se estabelecer limites possíveis, como no caso de erro de concordância verbal ou de uso correto de flexões de números do substantivo e do seu adjetivo modificador, ou de silabadas. Ou seja, erros que envolvem as três partes principais da gramática.. Isso não configura de modo algum que professores pertencentes a classe social mais favorecida, na maioria dos casos, estejam praticando elitismo ou impondo autoritariamente o uso da norma culta. Para a autora, não aceitar essa realidade, i.e., o uso do nível popular da língua, caracterizaria intencional atitude de “preconceito lingüístico.”
Um livro didático que se utilize dessa abordagem de ensino do português como estratégia dominante pode ser uma novidade, mas a questão polêmica aí implícita já vem de longa data. Remonta mesmo à introdução da ciência linguística no país, com Mattoso Câmara Jr. e seus Princípios de línguística geral, cuja terceira edição data de 1959, antecipando-se mesmo, no âmbito da língua portuguesa, ao linguista português Herculano de Carvalho, que só publicou Teoria da linguagem,* em dois tomos, na década de sessenta.
Veio, em seguida, o estruturalismo, no final da década de sessenta. Mdificando velhos hábitos nos campos, entre outros, da antropologia, da linguagem, da teoria e crítica literária, não foi, contudo, bem recebido pelos estudantes da minha geração devido às profundas alterações ocorridas nos esquemas de análises linguísticas e literárias que mais pareciam, para nós jovens, estruturas de enunciados atomizadas em formas de representação ou esquema fenogramático ( ou de árvores)) e de parentetização de estruturas frasais. Logo vieram os estudos de Chomski, com as suas basilares noções de estrutura superficial e estrutura profunda e as concepções norteadores da gramática gerativo-transformacional.
Em suma, era um período de fermentação da ciência linguística, da semiologia, da semiótica, do estruturalismo, resultando este último campo de estudos, dadas as suas características en passant apontadas, em certo enfado na área de Letras. Esse excesso de algebrismo de aplicação aos estudos linguísticos e mesmo literários, muito presos a um cientificismo de natureza lógico-matemática foi, aos poucos, sendo relegado a novos enfoques nos estudos da linguagem, na teoria literária e na crítica literária com abordagens menos submetidas ao tecnicismo áspero e desumanizante, Não se pode, todavia, reconhecer que o estruturalismo, competentemente aplicado a várias áreas do conhecimento, deixou contribuições valiosas que as ciências não podem negligenciar.
Não se pode tampouco negar que o campo da linguística veio arejar profundamente os arraigados conceitos ortodoxos da gramática normativa. Veio, pois, pôr em xeque princípios cristalizados do que seja “certo” e “errado” ainda subordinados a normas completamente ultrapassadas como foram aquelas escritas pelo velho gramático e filólogo luso Cândido de Figueiredo com obras como O que se não deve escrever, Falar e escrever, Lições práticas de língua portuguesa. Gramáticos como ele tiveram vários seguidores no país até algum tempo atrás. Eu próprio fui leitor de muitos deles quando adolescente.
Esse arejamento a que acima me referi permitiu que os professores formados sob moderna orientação linguística ficassem mais tolerantes e abertos com interpenetrações do discurso oral e da escrita, até mesmo nos textos literários.
O que ocorreu efetivamente foi uma maior ênfase dada à comunicação oral diante dos crescentes avanços da teoria da informação e de novas mídias. Com a popularização da televisão, o indivíduo recebeu maior carga de informação através da fala do que da escrita. Ouvimos mais do que escrevemos.
Em vez da oposição rígida entre o “certo” e o “errado”, desenvolveram-se investigações vigorosas e acuradas nos estudos da língua, da linguagem, do discurso, do estilo, das quais resultaram novos conceitos, seja no ramo da linguística aplicada, seja na sociolingüística*. Nesta última, aprofundaram-se os usos da língua através das pesquisas dos níveis da fala, i.e., de correspondências entre estratos sociais e discurso oral. Surgiram, então, conceitos de registros, de “variação e conservação linguística”, de noção de correção”, de idioleto, de falares regionais e de uma escala considerável de situações e contextos socioculturais e suas contrapartidas linguísticas.
As modificações de atitudes dos linguistas mais abertos ao aspecto comunicativo da língua embaralhou o uso normativo, tido pelos gramáticos como modelo do uso correto das classes culturalmente mais prestigiadas.
Se um velho gramático inglês, Brian Kelly já assinalava: “Se as regras das gramáticas diferem do uso das pessoas cultas (grifo meu), então as gramáticas devem mudar, pois a gramática se fez em consonância com a língua e não o contrário,” a questão se torna, dessa forma, aparentemente contraditória, visto que os desvios gramaticais poderiam ser agasalhados pela normatividade. Na verdade, por vezes, o são, mas não de forma generalizada, e caótica. Há que haver critério, aceitação, porém não dogmatismo.
Entretanto, o que o gramático inglês pretendia afirmar era que a gramática não deveria se comportar dogmaticamente a ponto de recusar as novas contribuições do uso coloquial que, aos poucos, vinham conquistando, mesmo entre pessoas letradas, seu espaço no domínio da oralidade e da escrita formal, fiel seguidora da disciplina gramatical. Servem de exemplos construções com o verbo “ter ” (uso informal) de preferência a “haver” (norma culta), ou a mistura de pronomes de tratamento dirigido ao receptor, comum no português do Brasil, ou até mais radicalmente coloquial entre pessoas com boa cultura, o uso do pronome “tu” seguido de verbo sem a desinência número-pessoal: “Tu vai me dizer agora mesmo”, é comum se ouvir entre pessoas que sabem a forma gramatical culta correspondente.
A meu ver, as autoras da obra em questão, posto que conscientes das chamadas variações linguisticas, tão conhecidas dos estudiosos do português – variações diatópicas, variações diastráticas e variações diafásicas, não levaram em conta esse conjunto de diversidades e, assim, erroneamente ou por razões ideológicas, super-dimensionaram o nível da linguístico popular.
De certo que a escola deve ensejar ao aluno o acesso às outras variações da língua, coisa que numerosos livros didáticos já vêm fazendo há pelo menos três décadas.
Privilegiar apenas o uso popular oral ou escrito, seria obstar o progresso do aluno ao conhecimento integral dos diferentes usos linguísticos.
A raiz do defeito da obra, Por uma vida melhor, foi absolutizar, por assim dizer, o uso da língua sem prevenir o aluno da complexidade das variações da fala ou da escrita, inclusive esquecendo-se de uma circunstância ponderável: sem a percepção dos diferentes usos da língua, o aluno, mais tarde, será prejudicado na sua vida adulta e profissional, já que não lhe foi facultado saber que a norma culta (uma das variações diastráticas) é aquela que se deve dominar em situações de concursos públicos, vestibulares e testes de conhecimento da língua portuguesa ou no exercício de diversas funções.
“Preconceito linguístico” seria, sim, se o professor apenas internalizasse na mente do aluno o uso gramatical inadequado à disciplina gramatical, impedindo, na instituição escolar, que o educando tivesse acesso ao conhecimento da gramática normativa. Isso seria, não preconceito, mas democratização do domínio da língua nativa em igualdade de condições com as classes cultas da sociedade.
Para concluir, o conhecimento e a prática da norma culta, no falar e sobretudo no escrever, constituem um indispensável exercício de cidadania, de inclusão social. Qualquer impedimento neste sentido configuraria um real “preconceito linguístico” por parte das autoras.

Referências:

1. Jornal O Globo, sábado, 14/05/11, seção Pais, p. 9. Reportagem sob o título “MEC distribui livro que aceita erros de português.”
2. MATTOSO CÂMARA JR. Joaquim. Princípios de linguística geral. 4. ed Revista e aumentada. Rio de Janeiro: Livraria Acadêmica, 1964.
3. CARVALHO, José G. Herculano de. Teoria da linguagem. Tomos I II. Coimbra: Atlântida Editora, 1973.
4. LOPES, Edward. Fundamentos da linguística contemporânea. São Paulo: Cultrix, 1976.
5. PRETI, Dino. Sociolinguística – os níveis da fala. 4 ed. reformulada. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1982.
6. CUNHA, Celso/ LINDLEY CINTRA, Luís F. Nova gramática do português contemporâneo. 2 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
7. VVAAA. Estruturalismo, 15/16. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, s/d.
8. GRAY, Martin. A dictionary of literaryy terms. Second edition. Logman York Press, 1994.
9. GOMES DE MATOS, Francisco. (Ed. by). Methodology and linguistics. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1970.
10. KELLY, Brian. An advanced English course for foreign students. Londo: Longmas, Green and Co., 1940, p. 352.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Vale a pena escrever?

Cunha e Silva Filho


Até hoje, não sei ao certo (quem há de?) se todo esse esforço de quem escreve serve para alguma coisa. Naturalmente, estou falando da escrita literária em qualquer gênero.
Mundo cansado, pessoas cansadas, tudo leva ao cansaço, inclusive do tédio da vida que se enche cada vez mais das imperfeições inerentes à condição existencial. Olho ao meu redor. O que vejo ou escuto: a falência de quase tudo que faria da vida uma porta do paraíso: guerrilhas no Oriente, terremotos, matanças covardes, sistema econômico-financeiro sobre o qual sempre paira uma ameaça de piora, de estado de incerteza, de ansiedade entre quem compra e quem vende. E mais e mais: inversão de valores, domínio do ter sobre o ser – velha questão filosófica da humanidade - ainda decisiva em tempos atuais.
O saldo das notícias boas é bem desproporcional em relação ao gigantismo das notícias ruins. Assim, descubro algo que não me é nada agradável constatar: o viver passou para algumas pessoas a ser uma espécie de fardo que nem as auto-ajudas ou análises de diferentes correntes psicanalistas conseguem amenizar, nem mesmo as religiões ou a ausência delas. Nesse estado de consciência pessoal, pois é bem provável que esteja acometendo uma fatia menor de indivíduos, o ser em agonia encaminha-se inexoravelmente para a solidão, o “emparedamento” e aí a solidão se torna pouco propícia ao desejo da criação, da invenção, da produção nos diversos campos da inteligência, sobretudo no domínio estetico.
Sabemos que a criação artística tanto pode se originar do sofrimento quanto da felicidade. Porém, há outros componentes que afastam estas duas possibilidades e, ao afastá-las, as impedem de amadurecer, o que seria o estágio próximo de sua transformação em obra literária. Assim como há outras atitudes de artistas, seja de que ramo artístico for, de, num ponto determinado de sua carreira, apenas confessar simplesmente, como o fez uma escritora norte-americana: “ “Cheguei à conclusão de que a vida é mais importante do que havia pensado que a arte fosse. Se a arte me tomou tanto tempo, sinto que a vida é melhor, é tudo que me importa agora”. Desta forma, abandonou em definitivo sua carreira de grande escritora.
No Brasil, há o caso de Radauan Nassar, autor de talento com o seu romance Lavoura arcaica, que deixou a literatura para se dedicar a uma atividade prática. Há outros exemplos semelhantes ao dele, como há também autores que, só longo tempo depois, já aposentados, que resolvem escrever alguma obra.
Continuar escrevendo ou deixar de fazê-lo, ficaria assim, dependendo de uma decisão íntima, até inexplicável ou inconfessável. Entendo que o ato da escrita só vale a pena na medida em que essa atividade dê prazer ao leitor ou o faça pensar melhor, ou lhe abra caminhos de um consciência crítica que ao mesmo tempo seja acompanhada de cumplicidade com essa ação persuasiva, ou seja, escrever algo que mereça esse empenho.
Escrever é o ato mais pessoal que possa haver entre a pessoa do escritor e o público que o lê. Ato, portanto, de exposição, de desnudamento em certos sentidos. Nunca, no entanto, pode ser meramente gratuito, narcisista, auto-centrado. Ao contrário, a escrita é um fenômeno que se produz e carrega em si um elemento fundamental - o desejo de ser aceito, de ser julgado honestamente, sem o qual sua importância se esvazia. É da aceitação, do feedback, do estímulo que vive o escritor. Não haveria escritor que não desse atenção a esse elemento ainda quando esse artista da palavra seja um ser em desespero material ou espiritualmente considerado.
A escrita, e aqui aludo à de natureza ficcional, necessita desse estado permanente de transmitir mensagens, quer através de suas visões da existência proporcionada pela narrativa ( o mundo e tudo o que o cerca e dele faz parte, o Cosmos), quer pelo mergulho denso no mundo interior e exterior dos seus personae, quer, enfim, de também sentir as pulsações (tão necessárias) do leitores. A recepção lhe é vital. Essa vitalidade vem justamente das ressonâncias positivas do leitor.
Não existe escritor que escreva para si mesmo. O ato da criação artística é essencialmente social, interativo, gregário naquele sentido de que o fenômeno estético opera num espaço comunicativo regido pela transitividade, espaço de interlocução que não sobrevive pela recusa do agente criador diante da vontade soberana da comunhão com o leitor.
Os casos de escritores que não são dados à publicidade são raros e se tornam até matéria de excentricidades. O ato apenas da escrita pressupõe a lógica do diálogo e da mencionada transitividade. A validade da escrita, todavia, sua continuidade ou sua interrupção muitas vezes escapam ao nosso entendimento. Ficará pertencendo aos arcanos insondáveis somente acessíveis ao autor da escrita que se despediu dos leitores.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Um poema de Leconte de Lisle (1818-1894)

La mort d’um Lion

Étant un vieux chasseur altéré de grand air,
Et de sang noir des boeufs, Il avait l’habitude
De contempler de haut les plaines et la mer,
Et de rugir em paix, libre em as solitude.

Aussi, comme um damné que rode dans l’enfer,
Poour l’inepte plaisir de cette multitude
Il avait et venait dans sa cage de fer,
Heurtant les deux cloisons, avec sa tête rude.

L’horrible sort, enfin, ne devant plus changer,
Il cessa brusquement de boire et de manger:
Et la mort emporta son âme vagabonde.

Õ coeur toujours en proie à la rébellion ,
Qui tournes, haletant, dans la cage du monde,
Lâche, que ne fais-tu comme a fait ce lion?


A morte dum leão


Ávido do ar livre era um velho caçador
Ao sangue negro dos bois habituara-se
E do alto as planícies e o mar a contemplar.

No inferno vagando como um réprobo,
Desta multidão pro prazer estéril
Na janela de ferro andando pra lá e prá cá,
A rude cabeça contra dois tabiques batendo.

O infausto destino, por fim, agora consumado:
De beber e comer bruscamente cessou,
E a alma vagabunda a morte levou-lhe.

Oh, coração, pela revolta sempre atormentado,
O qual, arquejante, pra janela do mundo regressas,
Covarde, por que não ages como o fez este leão?

(Trad. de Cunha e Silva Filho)

domingo, 8 de maio de 2011

Por um mundo melhor

Cunha e Silva Filho


Às vezes, sinto cansaço deste mundo que nos cerca agora em sua dimensão globalizada, oscilando entre a alta tecnologia cada vez mais sofisticada e o individualismo atingindo níveis estratosféricos sob a bandeira perversa do egocentrismo.
Tenho a impressão de que ninguém mais quer saber um do outro, do outro mesmo, sem a conotação antropológica ou sociológica do “outro” no sentido de minorias ou de diferente em vários níveis discriminatórios: nacionalidades, condição social, cor da pele, nível econômico, nível social, ideologia, religião, inteligência etc.
A sociedade global, sobretudo a que teve acesso à riqueza e tecnologia avançada, atravessa uma delicada fase de desencontros entre os indivíduos, todos procurando distanciar-se uns dos outros, todos se recolhendo em seus nichos de subjetividades, indiferentes aos reais interesses do bem-estar material e espiritual dos amigos à moda antiga ou que ainda talvez perdurem nos rincões mais ínvios do país. Não só amigos, mas conhecidos que se cruzam e dão seus “bons dias” no sentido humano da palavra mas não os “bons dias” que correm e que não passam de significantes, ou seja, não alcançam o signo verbal tão necessário à interatividade social. Este segundo tipo de cumprimento dispenso, já que não passa de formalidade vazia semanticamente.
Quero os “bons dias” nascidos da sinceridade, da vontade de querer bem, de desejar a nossa felicidade, um “bom dia” pontuado de instantes de alegrias, um dia produtivo do ponto de vista de transmissão de energia, votos de bem-aventurança para quem é cumprimentado e para quem cumprimenta. Só vale o “bom dia” se o sentimento de reciprocidade prevalece como a vontade transitiva entre dois seres. Abaixo os “bons dias” formais, automáticos, mecânicos, reificados que mal abrem a boca, e mais parecem um sussurro de mau humor.
Não, não é isso que almejo para os mortais, para esses “esqueletos ambulantes” de que nos fala Borges. Não, quero sim os “bons dias” de quem me trata bem, de quem me saúda com o coração, de quem me vê como um ser que tem carne e alma, sentimento e razão, fraqueza e carência, coragem e franqueza e principalmente de quem “ama o teu próximo com a ti mesmo” - este belo e tão raramente seguido mandamento cristão – uma das chaves sem dúvida para um mundo melhor. Não me queiram julgar como ingênuo. Então, a paz seria ingenuidade, a alegria, uma utopia, a amizade, um despropósito, a união,, um sonho absurdo?
Estou ciente de que a complexidade dos problemas de hoje em escala planetária pode até nos deixar mais distantes uns dos outros, as relações sociais menos afetivas, o convívio no trabalho menos pessoal e feito na base da competição ou de outros objetivos inconfessáveis. Também não estou alheio de que com tudo isso endurecemos ou perdemos na corrida contra os oportunistas cuja mais alta meta é a sua própria construção pessoal, o conforto e a prática do hedonismo mais rasteiro, mais ególatra, mais superficial.

Não se pode desconhecer que o mundo não anda nada bem no que respeita ao contato social pautado mais nos interesses de natureza financeira, na valorização do indivíduo pelos ganhos do capital no sentido mais neoliberal que possa ter.
Se o marxismo está um tanto sumido, o capitalismo se desqualifica ante os grandes desacertos da economia global. Seja exemplo o que, desde 1998, tem ocorrido no sistema bancário mundial por conta de um recessão que tem abalado as economias de países ricos, criando uma tensão dilacerante entre o que seria mais conveniente aos países capitalistas, uma economia mais controlada pelo Estado ou uma Estado desregulador. Nem os ganhadores do Nobel têm conseguido equacionar novos e melhores caminhos para reequilibrar as economias de países europeus e da antes todo-poderosa economia norte-americana, agora em situação deficitária.
Já sabemos que culpados existem e quem são eles. Nada menos do que financistas irresponsáveis que só pensam naquilo que se chama “privatizar os lucros e socializar os prejuízos”, i.e. a corda só quebra no lado mais fraco – os pobres, o povo. Quem faz o mal fica impune e o prejuízo financeiro fica por conta do Estado perdulário. Os bancos, por sua vez, para honrarem seus compromissos com os credores, ainda por cima são socorridos pelo FMI. Há muito tempo ninguém imaginaria que os EUA seriam palco de manifestações ou passeatas de gente desconte com a situação econômica e social do seu povo, do cidadão americano comum?
Não é difícil compreender por que as estruturas econômicas de tantos países aliadas a conquistas realizadas nos campos da ciência e da tecnologia podem provocar tantos descaminhos, seja na relação entre as nações e seus modos de governo – o caso das atuais justas revoltas de cidadãos árabes lutando pela liberdade e por melhoria de suas condições de vidas, e governos ditatoriais que os repelem pelos massacres covardes de compatriotas -, seja no relacionamento interpessoal de povos, como no Brasil de agora, que se afastam cada vez mais de um tão ansiado encontro de uma pessoa com outra, encontro de paz, de amizade sincera e de bem-estar tão aguardado por um mundo melhor.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Osama bin Laden: os enigmas de um morto

Cunha e Silva Filho


Sendo filho da família mais rica da Arábia Saudita no ramo da construção civil, ele é o 17º de um número de 50 irmãos. Osama preferiu a vida aventureira e arriscada, inerente a quem desde cedo se aliou à guerrilha jihadista. Poucos sabem, todavia, em que medida desfrutou, quando muito jovem, das benesses e confortos do império financeiro do pai. Sabe-se que estudou numa escola laica para gente abastada e que frequentou a Universidade King AbdulAziz, graduando-se em Administração.
Bin Laden tanto foi execrado pelos americanos após o fatídico 11 de setembro de 2001 quanto se tornou uma personalidade negativamente emblemática no mundo inteiro, malgrado para alguns seguidores tenha sido um homem que lutou por seus princípios contra sobretudo a visão política como sinônimo de império do Mal.
Bin Laden protagonizava vários níveis simbólicos: o da ambiguidade, o do mistério, o da excentricidade, o do humor, o da carnavalização( aqui, no país, o seu rosto, no carnaval, tornou-se máscara usada por foliões), De certa maneira, mitificou-se no imaginário popular, ainda que para fins de deboche. Sua figura tem algo de traços pós-modernos se vistos por este ângulo. Sua imagem em vida mostrada pela TV lembra figuras do tempo do Velho Testamento, especialmente quando, carregando um cajado, caminha compassadamente pelas montanhas do Afeganistão. Só não se torna bíblica porque é maculada pelo porte de armas ou às vezes disparando tiros provavelmente em treinamentos. Seus olhos não exibem rispidez, mas expressam certa suavidade. Sua figura, portanto, resume insondáveis contrastes entre ela e as ações por ele praticadas.
Considerado pelos EUA o mais procurado terrorista do mundo, país que, desde logo, lhe atribuiu o plano de desafiar a maior potência bélica mundial, cujos alvos foram, como toda gente sabe, as duas Torres Gêmeas, em Nova Iorque, e o Pentágono, em Washington, Bin Laden se tornou o inimigo nº 1 do povo americano e figura detestada por outras nacionalidades, sobretudo ocidentais. Até hoje, contudo, não se sabe ao certo se as tragédias, cuja autoria se lhe imputou, foram de sua responsabilidade. Não há evidências cabais e insofismáveis sobre isso. É bem provável que muitos atos terroristas não tenham sido executados por ordem dele. Por ser o mais odiado terrorista do mundo, virou uma espécie de scapegoat dos americanos.
George Bush filho, em cujo segundo mandato, ocorreram aqueles atos terroristas, não deu trégua a Bin Laden, e só Deus sabe o ódio que lhe devotou a partir daquela data sinistra que foi o 11 de setembro, local hoje chamado “Marco Zero”. Bush acelerou o processo de vingança contra o terrorismo internacional sem dó nem piedade, a começar da invasão genocida no Iraque. O doidivanas presidente não sossegou enquanto não visse enforcado o ditador Saddam Hussein.
O ódio de alguns povos árabes recrudesceu contra os americanos. O terrorismo cresceu, se espalhou, instituiu-se à sua maneira sob a liderança de Bin Laden com a formação da rede Al-Qaeda, termo árabe que significa “A Base”.
Desde os anos 70, Osama virou figura pública mundial quando a União Soviética , em 1979, invadiu o Afeganistão. Bin Laden, então, comandou insurgentes contra aquela invasão. De 1988 ao final de 1989, o chefe terrorista logrou dar pujança à organização Al-Qaeda.
De então para adiante, seu alvo preferido, segundo se relata, foram os Estados Unidos e as suas embaixadas situadas na Arábia Saudita, Egito, Quênia e Tanzânia. Seus ataques provocaram dezenas de vitimas nas regiões citadas, inclusive de turistas.
Nesses dez anos após a tragédia de Nova Iorque e de Washington, o terrorista passou a ser um animal caçado pelos órgãos de inteligência americanos (CIA e outros órgãos de segurança, de espionagem). Refugiara-se em lugares diversos e com frequência. Pistas concretas sobre o seu paradeiro se tornaram difíceis de encontrar. Anunciaram recompensas polpudas para quem o localizasse. Estaria talvez em regiões montanhosas do Afeganistão ou sabe Deus onde. O homem sumira como fumaça.
Bush filho concluiu o segundo mandato com baixíssima popularidade, principalmente devido ao fiasco na desnecessária e cruel guerra no Iraque e com as suas tropas aquarteladas no Afeganistão combatendo os talibãs, com quem Bin Laden tinha ligações. Rios de dólares foram liberados pelo Congresso americano satisfazendo a insânia e a paranóia do Bush filho. Tais gastanças do Tesouro americano – não se pode negar - muito contribuíram para debilitar as finanças estadunidenses, mergulhando o país, a Europa e parte do mundo na recessão com consequências até hoje. 2008.
Barack Obama assumiu a Presidência dos EUA. Promessas de mudanças se fizeram no discurso de posse, inclusive a da retirada das tropas americanas do Afeganistão. Guantánamo ainda é uma ignomínia.
Inopinadamente, com uma popularidade baixa, o atual presidente americano anunciou a morte de Osama Bin Laden. Tento melhor e mais oportuno não haveria diante do descontentamento do povo ianque em face do seu governo.
Os americanos recuperaram as energias de patriotismo e de crença em melhores dias para a paz dos EUA. Houve manifestações de alegrias pelo fim de Osama, o grande matador. Obama quase vira herói. Contudo, a história não termina aí. Especulações pipocaram na imprensa internacional. E por todos os meios de comunicação de massa, inclusive os virtuais, as redes sociais na Internet. Teria mesmo morrido o terrorista ou isso foi um factóide para revigorar a queda de popularidade de Obama? Quem sabe ao certo?
A imprensa, controvertida, ainda afirma que Bin Laden já tinha morrido em 2001, vítima de hepatite C. Entretanto, nas fotos surgidas nos jornais e revistas, na TV e na Internet o terrorista aparece com dois ou três rostos: o normal e os outros dois deformado pelos tiros que o atingiram no rosto. Falou-se também de montagens. Mais mistérios rondam-lhe a morte.
As autoridades americanas declaram que seu corpo , vestido de branco segundo os costumes muçulmanos, foi arremessado ao mar. Teria sido uma homenagem concedida pelos militares que o mataram?
Há muita contradição entre declarações oficiais e informações da imprensa mundial. Existe mesmo um dado nada favorável à política externa americana O governo Obama teria agido, por conta própria, para chegar ao paradeiro de Obama, uma mansão situada ao lado – vejam! – de uma Academia Militar do Paquistão. A localização do esconderijo do terrorista teria sido conseguida graças a abomináveis métodos de tortura contra um prisioneiro em Guantánamo, o qual levaria, através de um mensageiro, as informações arrancadas à força a fim de localizar Osama. Como o governo americano vai justificar esses atos de barbárie para lograr confissões? E os tão alardeados direitos humanos por setores dos EUA?
A invasão da mansão por fuzileiros navais americanos vindos de helicópteros terá sido ilegal por não respeitar a soberania de um país e nem consultar a ONU. Tudo se fez na calada da noite.
Até um facínora merece ser julgado e a Osama não se concedeu esse direito. Os EUA não agiram sob a égide de seus princípios democráticos tão apregoados por ilustres figuras da história americana. Erraram mais uma vez diante dos olhos do mundo. Por sua vez, Bin Laden errou pela opção funesta do terrorismo. Sua decisão de ter sido o que foi guarda enigmas que dificilmente chegaremos a desvendar. Um país cometeu erros gravíssimos no passado e os comete ainda no presente. Um homem cometeu erros gravíssimos pela prática infame do terrorismo que covardemente mata inocentes. Mas uma pergunta fica no ar. Quem está com a verdade?

quarta-feira, 4 de maio de 2011

A notícia

Cunha e Silva Filho


Não sabia o que exatamente era. Porém, intuía ser uma notícia que definitivamente iria mudar minha vida, me dar sossego, paz. Aquela paz de que qualquer vivente precisa pra viver sem sobressaltos, a salvo das muitas intempéries da existência. Paz que, na realidade, é difícil de conquistar ou de chegar a mim.
Essa notícia espero hoje, amanhã, depois, todo dia, há anos, no passado, ou mesmo num futuro não tão distante, porquanto, então, viria muito tarde, bem sei.. Com isso não poderia desfrutar, vivê-la na plenitude do que ela seguramente me poderia trazer. Essa notícia não deixa de ser egoística. Só a mim diria respeito e apenas a mim me tornaria feliz, felicíssimo, “felizérrimo” consoante dizem algumas mulheres burguesas, ou outros gêneros conhecidos, no calor dos exageros.
Viria tal notícia pelos Correios? Via SEDEX? Pelo jornal? Pelo email? Pela TV? Pelas redes sociais conhecidas? Não sei, mas seria , sim, uma notícia que me poria em estado de sublimidade, de euforia.
De qualquer forma, de que se constituiria a notícia de que lhes falo agora com tanta insistência?Tenho certeza de que não seria um bilhete acumulado da loteria, que me deixaria milionário. Seria notícia da saúde completa e sonhada que todos gostarima de gozar, resolvendo de vez com todas as nossas aflições físicas? Pressuponho que não. A saúde vale mais do que ela – essa famigerada notícia de que lhes estou falando. Certeza disso tenho. Mas, pra ser bem franco (frase feita trazida à minha fraca memória por um diálogo de um livro de Harold Howard Binns, um professor britânico que, durante algum tempo, no passado, deu aulas de inglês em São Paulo e também através do serviço de radiofonia paulista). Não sei por que as palavras originais e mais artísticas me faltam ao enunciado justamente agora que deveriam ter essa característica distintiva.
Contudo, mais do que questões de estilo, não me sai da cabeça o pensamento – colocado em suspenso – da notícia que sempre retarda para as calendas gregas..
Às vezes, me vem em múltiplas maneiras a ideia de que ela existe ou existirá. Melhor dizendo, a ideia da notícia será definitiva pra minha bem-aventurança cá no planeta Terra. Óbvio é que não será uma noticiazinha qualquer, mas uma big notícia de deixar o meu queixo caído de alegria e de crença em que um dia há de me chegar apanhando-me desprevenido mas alegrando o espírito desanimado.
Sei o quanto ela me angustia, me confrange a mente, me deprime, me exaspera. Sinto que, no fundo, ele existe como potência, não como ato . Entretanto, não há a expectativa alguma de que surja hoje, agora, agorinha. Como ela existe in absentia, isso me consola só um pouco, uma vez que o seu conteúdo soa mais como uma caixa de Pandora. Toda vez que ouço essa palavra penso numa das obras do poeta Da Costa e Silva (1885-1950), a qual, por sinal, tem nome homônimo ao daquela mulher mitológica criada por Vulcano.
Todo dia, sem falta, aguardo a notícia. Ela teima em não vir, talvez porque guarde mais segredos do que imagino que tenha sobre mim e sobre meus feitos ou malefeitos. A notícia torna-se, assim, obsessão, que carrego no meu imo. Tenho receio de que me deixe paranoico, com mania de vê-la me perseguindo pelo pensamento.
Não sei se foi uma criação minha num instante de explosão de que a notícia me daria a alegria das alegrias, o “abre-te, sésamo”, a realização plena, completa, total de que algo de sumamente feliz e bem-vindo viria me acontecer.
Se a notícia causaria alegria, a expectativa dela me causa dor constante, inexplicável, abstrata, impalpável. “No news, good news”, diz o adágio inglês que me leva a esta reflexão:” Não tenho por que permanecer em estado de angústia, pois a ausência de notícia, segundo aquele adágio, é que tudo vai bem, sem motivos pra sofrer por antecipação.”
A minha notícia é de natureza diferente, não se relaciona a alguém afastado que possa me dar aborrecimentos ou tristezas, nem mesmo a algo que tem a ver com outro ser humano. Não, a minha notícia, já acentuei, só a mim pertence, sobretudo porque ninguém pode partilhar do seu conteúdo, da sua realidade impalpável.
Muitas vezes, ela se aproxima de mim, mas não chega àquele “eu profundo” tão presente nos poetas simbolistas, num Cruz e Sousa (1861-1898), por exemplo. Se ela não chega a me tocar, a invadir o meu corpo e penetrar na minha alma, é porque se transmudou em certo objeto ou valor concreto. Sinto, no entanto, que um dia possa atingir essa fase. Ao atingir esta, não saberei se valeu a pena tanta demora e tanto incômodo e angustiante expectativa.

terça-feira, 3 de maio de 2011

Atritos entre críticos e autores brasileiros contemporâneos

Cunha e Silva Filho


De um debate realizado entre dois críticos bem conhecidos, Alcir Pécora e Beatriz Rezende, realizado no blog de Instituto Moreira Salles, resultou um longo artigo, “A hipótese da crise”, de Pécora publicado, na primeira página do Caderno Prosa & Verso do Globo do dia 23 deste mês e concluído na página 3. Nesta mesma página ainda se publicou um artigo de Miguel Conde, editor-assistente daquele Caderno,“Acusados de compadrio, autores se desentendem com críticos.”
O artigo de Pécora, professor de teoria literária da Unicamp, desdobra a discussão iniciada no mencionado blog, em torno da situação da literatura brasileira contemporânea, sobretudo dos autores mais novos e em particular do nível de valor de parte dessa produção. Para Pécora, a produção ficcional não vai bem, carece de novas formas de exprimir a vida em termos de arte narrativa.
Pécora, entretanto, ao referir-se à arte ficcional, descarta a possibilidade da validade do “romanesco” tendo como parâmetro o que fazia a literatura universal do século 19. Pondera que, a esta altura de novas experiências da vida contemporânea, em que outros meios de comunicação ocupam o que os escritores daquele século representavam como formas de fabulação de estofo realista, já não mais comportam aquele tipo de narrativa.
Ou seja, ao que percebo, para ele o chamado “enredo”, como reprodução da realidade, até mesmo com tintas mais radicais, como ocorreu com o Naturalismo, levando ao extremo a preocupação de retratar a realidade física, moral e psicológica dos personagens da narrativa fundamentada nas leis da ciências físicas e biológicas da época, está fora de cogitação para os tempos cibernéticos de hoje.
Para o critico da Unicamp, a narrativa atual no país, sobretudo a rotulada de “geração 90”, não está produzindo literatura que realmente ofereça novos caminhos originais que valham a pena ser chamados de ficção entendida como expressão de competência de composição ficcional, de originalidade na tratamento da linguagem e de formas diferentes de pensar a literatura. Sabe-se que literatura é técnica – ele mesmo o afirma -, é ter consciência do seu artesanato. Isso, porém, não é tudo no domínio literário, seja em ficção seja em poesia. Não só os componentes estratégicos do arcabouço do gênero erigem o objeto ficcional. Há outras camadas tão e por vezes mais importantes do que a técnica: a infusão dos sentidos com toda a sua capacidade de, através da linguagem, dar vida ao objeto ficcional ou poético. Sem vida, não há linguagem e vice-versa. São interdependentes, partes da mesma moeda, fusão do abstrato na apreensão da existência e seus conflitos com o concreto, a linguagem humana no sentido em que a ciência linguística a entende.
A função do crítico deve ser cautelosa e segura, assim como imparcial. Não significa, por outro lado, que seja transigente com a mediocridade e o desvalor. Deve servir de orientador, completar a visão do leitor comum que lê literatura, da mesma maneira que não deve ser só destrutiva, como diria Álvaro Lins (1912-1970). Julgar demanda paciência, tempo e distanciamento. Nada de generalizar, o que é prematuro e arriscado para quem lida com a crítica.
Clareza sem superficialidade seria um exemplo da boa crítica. Há textos críticos que deixam outros indivíduos que militam no mesmo ofício em dúvida no tocante a enunciados tendentes a hermetismos.
Pécora afirma que muitas vezes se sente melhor lendo teóricos. É uma opção dele. Contudo, a crítica como atividade de julgamento só cresce com o pé no eixo teoria-literatura. Sem isso, perde sua razão de ser porque ela não vive da teoria pela teoria. A literatura até poderia viver sem os críticos, embora estes lhe sejam importantes, complementares, parte de um todo na captação do fenômeno literário.
Pécora ainda assinala que a literatura brasileira contemporânea está pobre. Segundo ele, o fenômeno artístico de escrita é “competitivo.” Da minha parte, diria, que os escritores, à semelhança do que ocorre no campo poético, sofrem da “angústia da influência” de que fala Harold Bloom. Sim, é certo, mas disso os escritores devem estar conscientes, sem recalques, é claro, porque, do contrario, logo deveriam desistir da tentativa da opção literária.
Assisti também ao vídeo apresentado no blog do Instituto Moreira Salles, que deu início a essa “quase” polêmica”. Verifiquei que a ensaísta Beatriz Resende, que, aliás, foi minha professora no mestrado, mais preocupada está com a questão da literatura “nacional’, velha questão várias vezes discutida até por ensaístas e críticos do passado, sendo um deles Afrânio Coutinho (1911-2000). Beatriz Resende mostra preocupação com o que se poderia chamar de caráter nacional da literatura brasileira, levantando algumas indagações: Como os nossos ficcionistas resolveriam o delicado problema de uma escritura narrativa em tempos em que é muito forte a influência de tantos modos de expressão literária vindos de fora do país e mesmo de autores de origens diversas? Seria ainda lícito afirmar que ainda existe literatura nacional na época em que vivemos, tão contaminada de novos meios de comunicação trazidos pela globalização no seu aspecto cibernético? São indagações difíceis de serem respondidas de forma pronta e imediatista.
O artigo de Miguel Conde dá conta desse debate entre aqueles dois críticos e nos informa que a discussão em pauta resultou na reação de escritores contemporâneos: Marcelino Freire, Sérgio Rodrigues, João Paulo Cuenca etc, rebatendo tanto as opiniões de Pécora quanto as de Beatriz Resende. Esta, por seu turno, bastante aborrecida com a repercussão que teve o debate, chegou a dizer, através do Facebook, que deixaria de dar continuidade às suas pesquisas sobre autores ficcionista contemporâneos: ‘Me enchi desses autores contemporâneos. Vou voltar para o velho Lima, Machado, Guimarães Rosa. Não tem erro e não chateiam ninguém. Se quiser ser moderna, falo de Sarah e outros mortos que já sossegaram o ego’. Acredito que não fará isso. Deixou escapar estas palavras num momento de desabafo. Sei que é uma pesquisadora séria e competente.
Penso que dos dois lados há deficiências de comportamento. Só o tempo ensinará a ambos os lados uma forma de convivência cordial. Quantas autores foram entusiaticamente louvados na sua estreia, nos vários gêneros, e hoje não passam de ilustres desconhecidos. Basta ver um livro, 22 diálogos sobre o conto brasileiro (1973). de Temístocles Linhares, crítico e historiador literário, nascido no Paraná, em 1905 crítico que já teve grande prestígio. Vários críticos do passado mais remoto ( a conhecida dupla Sílvio Romero e José Veríssimo), ou menos remoto, não viram confirmadas no futuro seus julgamentos de louvores ou de detrações de autores. A história literária está cheia desses exemplos.