sexta-feira, 30 de abril de 2010

Línguas para todos os fins

Línguas para todos os fins

Cunha e Silva Filho




Com o desenvolvimento do estudo da linguística - ciência constituída nos fins do século 19 - , sobretudo nos últimos quase cinquenta anos, a aprendizagem das línguas foi enriquecida enormemente e em várias direções insuspeitadas no século passado ou em séculos anteriores. Foi uma verdadeira revolução nos fundamentos do ensino-aprendizagem até desaguar nos dias que correm em que o aprendizado se beneficiou de mil maneiras com o surgimento da Internet.
Não diria que as contribuições dos velhos métodos foram de todo jogadas no lixo. Longe disso, as abordagens, ou para usar um termo tão ao gosto dos estudiosos, os approaches conquistados com os avanços linguísticos, alcançaram as alturas de hoje graças aos diversos métodos do passado e mesmo a ausência de métodos. Prevalece hoje em dia o método comunicativo, que alia o componente do discurso oral prevalecendo sobre o gramatical, mas sem desprezar este. Um outro método seria o chamado ensino de idiomas para determinados fins, priorizando o campo semântico de um dado conhecimento humano e se aproveitando do próprio background cultural do estudante.
Desde a adolescência, o interesse pelos estudos de línguas modernas e mesmo mortas sempre foi uma grande preocupação minha, desde o dia em que me descobri lendo no original inglês sem recorrer muito ao dicionário pelo qual tenho grande admiração. Costumava seguir aquela advertência de Théophile Gautier (1811-1872) que aconselhava aos jovens a leitura e consulta constantes nos dicionários: “Jeunes gens, lisez les dictionaires” Assim o fiz e ainda o faço não com tanta frequência da leitura pela leitura, mas para consultas de traduções ou de leituras no original. Tive a sorte de ter um pai que conhecia bem francês, latim, italiano e um pouco de inglês. Na minha casa, em Teresina, na biblioteca dele, ficava horas a fio remexendo no “pai dos inteligentes”, como preferia o professor e tradutor americano George Reed, em vez do nosso, para ele, inexplicável e injusto conceito “pai dos burros”.
O estudo de línguas demanda constante dedicação e paciência. Não se aprende uma língua por inteiro. Há diversos níveis de aprendizagem e vários campos de aplicação e uso de idiomas: a) o uso da conversação nos seus, pelo menos, três níveis (principiante, intermediário, adiantado) de compreensão ; o da leitura (também com seus três níveis de habilidade; o da tradução, campo fecundo e de alta complexidade, desdobrando-se em várias aplicações e objetivos, como tradução técnica, literária, científica, tradução ficcional, tradução de conferências, interpretação para usos prático-comerciais, tradução juramentada (para fins comerciais, jurídicos, diplomáticos), tradução poética; o da versão, este dos mais espinhosos exigindo completo domínio da língua nativa do tradutor e da língua-alvo. O campo da versão, nas suas aplicações, é semelhante ao da tradução, mas é ainda mais complicado do que esta última.
Há quem diga que traduzir, sobretudo obras literárias (ficção, poesia, peça teatral) é uma vocação. Pessoas há que entendem bem uma língua estrangeira, porém são incapazes de serem bons tradutores. A razão é simples: a tradução ou a versão exigem a mediação da sensibilidade criativa. Quando um linguísta como Mattoso Câmara (1904-1970) afirmou em aula - tenho orgulho de ter sido aluno dele - que tudo é possível de traduzir, não queria mais do que significar o seguinte: ao tradutor cabe encontrar o equivalente semântico entre um texto de uma língua para a outra. Este é o pulo do gato na atividade laboriosa da tradução. Sendo assim, a tradução é uma busca contínua e de alta responsabilidade intelectual. O seu mau uso pode causar até tragédias, como é a situação daqueles que trabalham em controle do tráfego aéreo, dos quais se exige , antes de tudo, um convivi íntimo com a habilidade oral de compreensão de uma idioma.
Há um fato digno de observação. Tradutores há que não falam nem escrevem com proficiência uma língua, entretanto, a traduzem e às vezes bem. Por exemplo, Mário Quintana (1906-1994) não falava bem francês, mas traduzia nesta língua. Acredito que existam muitos tradutores literários que estão nessa mesma situação que o poeta gaúcho.
Escritores há que leem bem no original algumas línguas , contudo não as falam fluentemente porque esta habilidade precisa de muita prática, de muito contato, em especial com os nativos dessas línguas ou que tenham tido vivência de, pelo menos, segundo afirmam especialistas, cinco anos, no país da língua que se deseja dominar.
O conceito do domínio profundo de uma idioma estrangeiro não se compreende assim de forma tão simplista. O domínio de uma língua pressupõe divisões de áreas de aplicação diversificada: engenharia, comércio, ciência, tecnologia, direito, medicina, letras, navegação, aviação, transporte, informática, enfim, todos os ramos da atividade humana. Por isso, deve-se ter cuidado em afirma que alguém detém o conhecimento completo e absoluto de uma língua.
Há muita falácia quando entramos no campo da discussão dos chamados poliglotas. Que eles existem é um fato. Que o cardeal italiano Mezzofanti (1774-1849), que falava 38 línguas fluentemente e sem sotaque!. ) existiu, existiu, assim como, entre outros poliglotas, Wilhelm Leibiniz (1646-1716), filólogo e matemático alemão abalizado em línguas, Erasmo Rask (1787-1832), professor dinamarquês de línguas orientais,William Jones (1746-1794), indianista inglês, pioneiro na Inglaterra dos estudos do sânscrito e que, além disso, conhecia hebraico, persa, árabe, chinês, alemão, italiano, português, espanhol e francês. Todavia, aquele domínio pleno da língua é algo quase inatingível. Já disse um professor de línguas que muitas vezes quinze ou vinte anos não é suficiente para dominar-se um idioma. É uma verdade. Uma língua só já dá grande trabalho de dominá-la com perfeição nas habilidades do falar, do entender, do escrever, do traduzir e do verter.
Uma certeza tenho: a pessoa que se der ao trabalho dignificante de cultivar o conhecimento de duas ou mais línguas, deve fazê-lo com o propósito de nunca esmorecer no contato diário com esses instrumentos preciosos da sua formação cultural. Jovens ou menos jovens, devem envidar esforços para aprenderem línguas e, se for profissional liberal, e desejar fazer mestrado e doutorado, ainda se torna mais indispensável, mesmo obrigatório, o domínio de idiomas modernos. Sem esse instrumental, é impossível galgar maiores posições em qualquer campo da atividade intelectual, da pesquisa e dos estudos em elevados níveis de complexidade.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Fernando Pessoa: "Sonnet XXIX"

Fernando Pessoa: “Sonnet XXIX




Sonnet XXIX


MY WEARY LIFE, that lives unsatisfied
On the foiled off-brink of being e’er but this,
To whom the power to will hath been denied
And the will to renounce doth also miss;
My sated lie, with having nothing sated,
In the motion of moving poised aye,
Within its dreams from its own dreams abated –
This life let the Gods change or take away.
For this endless succession of empty hours,
Like deserts after deserts, voidly one,
Doth undermine the very dreaming powers
And dull even thought’s active inaction,
Tainting with fore-unwilled will the dreamed act
Twice thus removed from the unobtained fact.


Soneto XXIX


ENTEDIADA VIDA MINHA, um viver desconte
Do fracasso no limiar de apenas isso ser,
A quem se negou da vontade a força
E também da renúncia a vontade, sim, faltou;
Não tendo sido jamais saciada, minha saciada mentira,
No ato de acenar um sim hesitante,
De seus sonhos no interior de seus próprios sonhos acabados –
Que os Deuses concedam que esta vida se altere ou de mim se arrebata
Visto esta sucessão infinita de horas vazias
Semelharem desertos e desertos, um vazio só,
Que firmes, devastassem dos sonhos os pilares das forças
E embotassem do pensamento até à inação ativa
O ato sonhado com prévia relutância maculando
Do fato falhado duas vezes assim retirado.

(Tradução de Cunha e Silva Filho)

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Unidos por Amarante

Unidos por Amarante


Cunha e Silva Filho


Incluindo o primeiro artigo meu, “Crime de lesa-pátria”, contamos agora, ao todo, com quatro artigos em defesa da integridade física e espiritual de Amarante. Dos outros dois, um é do embaixador, poeta, historiador e acadêmico Alberto da Costa e Silva, “Em defesa de Amarante” e o outro, “SOS Amarante”, do escritor e bancário amarantino radicado em Brasília, Armando Gomes da Silva,” todos publicados em jornais ou em sites da Internet.
Cada um dos artigos tem um objetivo único: servir como um alerta para as autoridades envolvidas com um suposto plano destinado a construir uma usina hidrelétrica que, se levado a efeito, iria submergir a histórica cidade de Amarante – patrimônio arquitetônico e cultural inseparável da formação histórica do Estado do Piauí. Quaisquer tentativas de levar a cabo essa ideia absurda e abominável seria interpretada como um exemplo inédito de obscurantismo cultural contra os piauienses. Não há argumento de ordem técnica ou econômica que resista à força da realidade histórico-cultural de um bem inestimável e intransferível, que é Amarante, a qual foi transformada em cidade através da Resolução provincial nº 734, de 4 de agosto de 1871, levando o nome de Amarante como homenagem à cidade portuguesa homônima.
Para reforçar a nossa defesa incondicional, por coincidência ou não, foram recentemente estampadas na respeitada revista Presença, nº 43, Ano XXIV, duas magníficas matérias, a primeira, “Cultura, Memória e Identidade da Cidade de Amarante”, da autoria conjunta de Olavo Pereira da Silva e Claudina Cruz dos Anjos, ambos arquitetos e urbanistas. Claudia Cruz dos Anjos é, por sinal, chefe do IPHAN PI. A segunda, de título “Amarante”, é assinada pela jornalista Natacha Maranhão.
Antes que qualquer tentativa se faça por parte dos planejadores dos governos federal e estadual, conviria alertar os idealizadores dessa equivocada ideia de construção de usina hidrelétrica num município do porte de Amarante, que leiam primeiro alguns estudos e pesquisas sobre este município escritos por autores da terra a fim de que fique bem explícita a temeridade da iniciativa. São trabalhos que nos ensinam a conhecer a memória da cidade, as suas tradições centenárias, o seu folclore, os seus costumes, o seu sistema escolar, o seu povo e sua vida social e literária, esta últimas das mais fecundas por reunir um número de figuras notáveis de escritores, historiadores, poetas, filólogos, sociólogos, artistas, inventores, magistrados, músicos, jornalistas, educadores, figuras políticas de projeção nacional, enfim, nomes que se notabilizaram em diversos campos da atividade humana. Não resisto à tentação de mencionar algumas obras que tematizam especificamente a cidade de Amarante em seus múltiplos aspectos, nas suas dimensões históricas e/ou literárias

SILVA, Da Costa e. Zodíaco (1917) na seção “Minha Terra”; Verhaeren (1917), na seção “Sob outros céus”.Na sua generalidade, a obra toda quase do poeta metaforiza a cidade de Amarante.
MOURA, Clóvis. Argila da memória. São Paulo: Ed. Fulgor, 1963. Nesta obra, o poeta centraliza seu tema nos motivos suscitados pela cidade de Amarante
........... Flauta de argila.- memória revisitada. Teresina:Gráfica Editora Júnior Ltda., 1992. Nesta obra, o autor, mais uma vez revisita, pela memória, a velha Amarante, o Piauí como um todo. Apresentação de M. Paulo Nunes.
CASTRO, Nasi. Amarante – um pouco da história e da vida da cidade. Teresina: Projeto Petrônio Portella, 1986, 64 p. Introdução de M. Paulo Nunes.
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-------. Amarante folclore e memória. Teresina: Projeto Petrônio Portella, 1994, 226 p. Introdução de Dagoberto Carvalho Jr. Prefácio de Virgílio Queiroz.
.......... Amarante folclore e memória. 3 ed. Teresina; COMEPI, 2001. Reproduz Introdução de Dagoberto Carvalho Jr. e prefácio de Virgílio Queiroz. .
MOURA, Eleazar . Amarante antigo: alguns nomes e fatos. Gráfica Santa Maria, s. d.177p, s. l. Com fotografias.
SOUSA CASTRO, Olemar de. Minhas duas pátrias. Rio de Janeiro: Câmara Brasileira de Jovens Escritores, 2009 Ver o capítulo “Voltando a Amarante”, p. 53-64.
CASTELOÇ BRANCO, Homero. Ecos de Amarante. Rio de Janeiro: Litteris Editora, 2001, 423 p.

Estes subsídios, bem como outros, devem ser lidos e meditados pelos responsáveis por decisão que venha pôr em risco um município-patrimônio do Estado do Piauí.Mais ainda, que de imediato Amarante seja incluída no grupo de cidades piauienses que devem ser preservadas e protegidas como patrimônio inalienável física e culturalmente. Dessa premissa não podemos abrir mão sob hipótese alguma e, por todos os modos e instâncias, devemos lutar incansavelmente para que Amarante permaneça como parte necessária, integral e irredutível no conjunto dos municípios do Piauí.
Não só os amarantinos natos ou ali radicados, mas todos os piauienses de bem, representados por todos os setores da sociedade local devem, sem tergirversações, cerrar fileiras a fim de que o plano insano de varrer Amarante do mapa do Piauí seja abortado definitivamente.É de apoio e incentivo do IPHAN PI que Amarante precisa, assim como de outras instâncias estaduais unidas a outros órgãos subordinados ao Ministério da Cultura de modo que o município amarantino seja dotado - isso sim – de verbas que venham restaurar seu espólio cultural-arquitetônico-paisagístico. Amarante carece de cuidados, não de destruição. O Estado brasileiro não tem o direito de praticar uma ação inominável dessas.
Creio, portanto, que a autonomia física e arquitetônica de Amarante, a incolumidade de seu povo, suas residências, seu espaço urbano, suas memórias, seu rico acervo cultural, seu lugar de direito e de fato na história do povo piauiense não hão de sofrer qualquer ação governamental que venha constituir motivo de repúdio da parte dos seus filhos no presente e no futuro, os quais preservarão com orgulho a memória dos seus antepassados. Espero que todos os piauienses e brasileiros de bem hão de unir forças em torno dessa questão. Não podemos baixar a guarda.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Uma amizade duradoura

Uma amizade duradoura

Cunha e Silva Filho



Ainda me recordo da ocasião – feliz momento! – em que o conheci. Era o ano de 1965. Nesse ano Ary Medeiros passou a fazer parte do meu pequeno círculo de amizade.
Ele, naquela época de Brasil difícil e tortuoso, exercia um cargo no setor assistencial do histórico e famoso Restaurante do Calabouço, que se localizava entre a Avenida Beira-Mar e o Aeroporto Santos Dumont. Hoje, aquele prédio não mais existe. Em seu lugar, só há pista e passarela.
Os jovens atualmente nem sabem avaliar o quanto foi decisivo aquele restaurante para a sobrevivência de estudantes vindos de outros Estados brasileiros, principalmente do Nordeste.
Não conheço a história administrativa do restaurante. Só sei que lá os estudantes almoçavam e jantavam de segunda a sexta e somente almoço, aos sábados e domingos. Não estou, porém, bem certo desse detalhe. Fazer as refeições lá era um ajuda enorme ao estudante. Se por acaso alguma vez o restaurante não funcionasse – o que às vezes acontecia - , os estudantes não teriam como fazer as refeições, pois, na sua grande maioria, eram rapazes e moças sem dinheiro, sem emprego e sem família na grande cidade e mal conseguiam se aguentar numa precária vaga nas redondezas ou nos bairros mais próximos, como Glória, Flamengo, Catete.
Estava eu necessitando de regularizar a minha entrada no restaurante. Entrei na parte do prédio onde funcionava a administração e foi justamente nesse lugar que conheci o Ary Medeiros. Não pôde logo me atender porque estava ocupado em dar explicações a um estrangeiro (pois com ele falava em inglês fluente) sobre o funcionamento do restaurante. Pouco depois, veio me atender e, conversa vai, conversa vem, Ary me disse que lecionava inglês num curso à noite ali mesmo no centro da cidade, se não me engano, numa sala de um Banco privado.Como lhe dissera que sabia relativamente inglês e precisava de ganhar alguns trocados, ele então me convidou para ministrar aulas no mesmo curso. Na época, o curso adotava como livro didático aquela antiga e excelente série –The American Language Series - escrita por A. J. Hald Madsen, professor de nacionalidade dinamarquesa e que, então, era ou fora consultor de inglês da Embaixada dos Estados Unidos no Rio de Janeiro. Por sinal, esse autor fora, uns três anos depois, meu professor de fonética inglesa na Faculdade de Letras da UFRJ, ainda quando situada precariamente na Avenida Chile, centro da cidade. Anos depois, aquela Faculdade iria compor o campus da UFRJ na Ilha do Fundão.
Ary foi trabalhar nos Correios e, se não me engano, em outro setor, não sei bem.
Não posso deixar de registrar um grande favor a mim prestado por ele. Quando me preparava, sozinho, para o vestibular no curso de Letras da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, hoje UFRJ., Ary se prontificou a me ajudar com exercícios de ditados de textos em inglês, visto que nos exames para Letras - que eram rigorosos - uma das partes se constituía de um ditado, outras duas, de gramática e de composição. E sabe, leitor, onde fazíamos isso? Debaixo das frondosas e acolhedora árvores que ainda existem na Avenida Beira-Mar, bem perto mesmo da Nacional de Filosofia.
Nos vimos outras vezes, mas, depois de graduado em Letras, por longo tempo nunca mais tinha visto o Ary. Eu me casara, fora morar no subúrbio carioca e lá trabalhava, e isso ainda mais me afastou dos antigos amigos, cada um tomando seu rumo na vida dentro daquele velho princípio que os ingleses chamam de struggle for life.
Um dia, minha mulher e eu, estávamos esperando uma condução num ponto de ônibus da Estação Rodoviária. Avistei o Ary e o reencontro se deu com satisfação mútua. Lhe dei meu endereço e, por seu turno, ele me deu o endereço e o telefone. Soube que meu amigo graduara-se em Assistência Social pela UFRJ, fizera o Mestrado também em Assistência Social e o Doutorado em Filosofia. Já era então professor, na sua área de estudos, da UFRJ. Um vitorioso, pois. Neste ano se aposentou após três décadas de inestimáveis serviços prestados ao magistério superior.
O professor Ary Medeiros é do interior do Rio Grande do Norte. Nasceu em Angicos. Estudou em Natal no conceituadíssimo Colégio Marista. Adolescente, estudou inglês no Instituto Cultural Brasil – Estados Unidos(IBEU) e, como era excelente nessa língua, fora convidado, ainda quando aluno, para lecionar inglês nessa mesma instituição.
Ary completou setenta anos. Houve missa com bela e enternecida homilia cantada e musicada – em Ação de Graça pelo seu natalício -, na linda Basílica da Imaculada Conceição, em Botafogo. Depois da missa, os convidados fomos presenteados com um delicioso almoço no aprazível playground do edifício em que mora uma filha do Ary.
Um longo tempo já passou. A nossa amizade tem sido a melhor que possa existir entre duas pessoas. Não quero perdê-la nunca. Você, Ary, ao lado de sua Isaura, cercado do carinho dos filhos, todos bem postos na vida, exemplifica aquele tipo de família formada em sólidos alicerces de amor, amizade e companheirismo. Seu amigo, desta coluna, felicita-o mais uma vez e lhe deseja, ab imo pectore, uma longa e feliz existência.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Fernando Pessoa: "Sonnet XXVIII"

Fernando Pessoa; “Sonnet XXVIII”


Sonnet XXVIII


THE EDGE of the Green wave whitely doth hiss
Upon the wetted sand. I look, yet dream.
Surely reality cannot be this!
Some how, somewhere this surely doth but seem!
The sky, the sea, this great extent disclosed
Of outward joy, this bulk of life we feel,
Is not something, but something interposed.
Only what in this is not this is real.
If this be to have sense, if to be awake
Be but to see this bright, great sleep of things,
For the rarer potion mine own dreams I’ll take
And for truth commune with imaginings,
Holding a dream too bitter, a too fair curse,
This common sleep of men, the universe.



Soneto XXVIII


O FIO da onda verde brancamente com força sibila
Sobre a areia molhada. Olho, mas sonho.
Decerto não pode isso a verdade ser!
De algum modo, em algum recanto, com certeza é apenas aparência !
O céu, o mar, este colossal espaço aberto
À alegria exterior, esta grandeza de vida que sentimos,
Não é algo senão mediado.
Só o que nisso não está, verdadeiro é.
Se por acaso sentido faz, se o estar desperto
For apenas a visão deste claro e grandioso das coisas sonho,
Entenderei como a parte mais rara de meus próprios sonhos..
E para a verdade de mãos dadas com a fantasia,
Agarrando meu muito amargo sonho, uma muito justa maldição,
Este sonho único dos homens, o universo.


(Tradução de Cunha e Silva Filho)

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Subúrbios cariocas

Subúrbios cariocas

Cunha e Silva Filho

Há uma diferença enorme, em vários sentidos, entre o subúrbio e a zona sul carioca. Já morei nos dois ambientes, inclusive no centro do Rio, mais no subúrbio do que na zona sul, porque nesta última foi por pouquíssimo espaço de tempo. Hoje moro na zona norte, de que faz parte o meu bairro, a Tijuca, antigo bairro, em certas ruas, ainda com resquícios dos velhos tempos aristocráticos do Império.Gosto do meu atual bairro, mas, de quando em vez, me bate uma saudade do subúrbio, tão forte foi a impressão que me deixou em anos de residência lá. Meus filhos nele se criaram e cresceram. Nele trabalhei por longos anos em escolas públicas, extrapolando até os limites da cidade do Rio de Janeiro quando trabalhei também em Caxias por mais de uma década.
Falei, leitor, da saudade que daqueles tempos suburbanos sinto. Passando, por exemplo, de carro com amigos por algumas ruas que se situam em ambas as margens da Estrada de Ferro Central do Brasil, ou das ruas que ladeiam a Estrada de Ferro Leopoldina - estou usando as velhas denominações dessas vias férreas -, especialmente quando passo, nos bairros de Engenho de Dentro, Engenho Novo, Méier( bairro onde viveu a vida todo o mordacíssimo e famoso crítico Agripino Grieco (1888-1973),Todos os Santos, Encantado (bairros da antiga Central do Brasil) logo me vem à mente a figura do escritor Lima Barreto (1881-1922), na sua época o melhor intérprete, na fase do chamado Pré-Modernismo brasileiro, da vida suburbana carioca. Na fase do Modernismo, teríamos Marques Rebelo (1907-1973) como interprete privilegiado da vida suburbana carioca, assim como, na fase inicial dos nosso primeiros ficcionistas de ambiência carioca, tivemos Manuel Antônio de Almeida.(1831-1861)
Olhando para aquelas casas velhas, algumas centenárias, algumas com datas na fachada, cada qual com diferentes formas de construção e de arquitetura, fico imaginando o tempo que passou, as pessoas que naquelas vetustas moradias viveram, cada uma com seus problemas, com as suas aflições e suas – por que não? - pequenas ou grandes alegrias. Fixo meu olhar num palacete, à altura de Engenho Novo. Quem lá viveu, quem lá vive agora? O palacete fica localizado numa parte alta de terreno. É belo, imponente, branco, impõe respeito, tem um pórtico, jardim, Tenho vontade de vê-lo por dentro. Me basta, contudo, só olhá-lo de fora. Por que mexer com a sua história, os seus muitos moradores ao longo de décadas. Fiquemos com a nossa imaginação, com as nossas fantasias de vê-lo sob mil faces e máscaras. Inclusive, porque seria mal interpretado caso batesse à porta dele e tentasse arrancar algumas informações sobre ele e seus passados residentes. Além do mais, nem mesmo sei se está habitado. Há tantos anos o vejo naquele mesmo lugar, naquela mesma aparência, naquele mesmo estado. Chega a ser um ponto de referência para mim.
Mas, vontade me dá às vezes de chegar até uma rua do subúrbio, pode ser em Madureira, Bento Ribeiro, Deodoro, Oswaldo Cruz, Cascadura, Vila da Penha (onde morei por muito tempo, conforme já disse), Vaz Lobo, Vicente de Carvalho, Irajá, ou embrenhar-me pelas ruas velhas da Leopoldina e descer de ônibus pelos bairros Bonsucesso, Olaria, Penha Circular, Penha (onde, lá no alto do penhasco há a linda Igreja da Penha. Sim descer como um ser anônimo, andando só por andar e vendo cada detalhe das ruas e do casario velho.
O subúrbio é um tanto esquecido das autoridades, pois ele não faz parte do circuito do turismo carioca. Basta dizer que cariocas há da zona sul que nunca foram ao subúrbio e pouco ligam para o que seja essa parte ponderável da cidade do Rio de Janeiro, onde a vida ainda se mostra mais simples, mais à vontade, onde há hábitos diferentes de viver a vida. Não quero omitir que, no subúrbio, haja também boas casas, apartamentos refinados, bons prédios. Até nele podemos encontrar uma classe média mais exigente, que se veste bem e tem vida confortável. Mas, no grosso, o subúrbio continua o mesmo. No tempo de Lima Barreto, que era suburbano de Todos os Santos, era definido por ele como o “refúgio dos fracassados”, citação que, há muitos anos já fiz numa crônica sobre o mesmo tema. Claro que Lima hoje se surpreenderia com as mudanças inúmeras ocorridas nessa parte da vida carioca, segundo já ressaltei na mencionada crônica.
Qualquer dia desse, pego um ônibus e paro num desses bairros que tanto me ensinam da vida carioca, dos seus habitantes, dos tipos populares, dos seus vagabundos, dos seus mendigos, dos seus bêbados, dos seus loucos, da sua pobreza, de velhas caras que conheci ainda jovens. Não se quer afirmar que todos ali se conheçam. Não, não é assim tanto. Vivemos por vezes anos e anos e não conhecemos muita gente que mora não tão afastada de nós. Uma verdade seja dita, o subúrbio nada tem a ver com a zona sul carioca, com sua sofisticação, suas garotas de Ipanema, seus bares requintados, seus apartamentos de luxo, seus hotéis de cinco ou mais estrelas, seu sotaque mais chiado, suas praias, suas butiques finas, seus cinemas , teatros, suas livrarias burguesas, seu lado high society, seus intelectuais highbrow, alguns mais que burgueses, suas bancas de jornais exibindo jornais e revistas em outras línguas,suas população mais bem cuidada, sua segurança maior. A realidade é outra ali e há outra diferença: seus habitantes são mais distantes entre si.. A vida é mais trepidante, há mais solidão talvez. Há menos calor humano talvez. Por isso, no subúrbio posso confessar - me sinto mais livre, mais solto. Por isso também me dá essa vontade inexprimível de, a qualquer hora, dia, não sei, descer num bairro do subúrbio carioca e encontrar nas suas ruas esquecidas e tristes uma pouco da eternidade do passado.

A estreia de Dílson Lages Monteiro

A estreia de Dílson Lages Monteiro na ficção piauiense


Cunha e Silva Filho



A história da literatura piauiense está a pedir uma história da ficção, se não com uma obra de maior alcance, pelo menos com uma boa síntese.
O Piauí não tem muitos autores no campo ficcional, como não possui muitos filósofos segundo, certa vez, afirmou em trabalho ensaístico o jurista Celso Barros Coelho e, ao que me parece, no conto é bem mais aquinhoado, e, quantitativamente, mais ainda o é na seara poética.
O primeiro ficcionista piauiense mais conhecido registrado pela historiografia foi Francisco Gil Castelo Branco (1848-1891), autor de Ataliba o vaqueiro (1878). Valendo-me das principais fontes da historiografia das letras piauienses, a indispensável e pioneira obra de João Pinheiro, Literatura piauiense – escorço histórico, aquela obra de Francisco Gil é por esse historiador considerada uma coletânea de contos, saídos a lume em folhetim do Diário de Noticias do Rio de Janeiro, no ano de 1875.1 Como salientei atrás, a fortuna critica de ficcionistas piauienses é escassa e, num cômputo geral, sobressaem alguns nomes mais conhecidos e poucos os mais festejados.
Dessa maneira, o surgimento de um novo autor no âmbito da prosa de ficção se reveste de momento auspicioso.
Dílson Lages Monteiro é muito jovem Ele é de 1973, nascido em Barras, município do Piauí. Fez Letras na UFPI.
Dílson se estreou como poeta, com obras bem acolhidas pelos leitores e pela critica. Sua atividade também se estende à prática docente, desenvolvida em moldes renovadores tendo como centro de interesse os estudos mais recentes da comunicação escrita, da análise do discurso, da linguística textual. O escritor tem aperfeiçoado estudos nessas áreas feitos no Estado Minas Gerais. Daí ter se tornado logo autor de uma bem acabada obra no campo da Redação, como é exemplo o seu Texto argumentativo para o vestibular (2007), publicado em Teresina e considerado por ele um trabalho sempre em processo de aperfeiçoamento e atualização. Quão longe estamos do Piauí dos anos sessenta em que os estudos de língua e literatura ainda se faziam com tão precários recursos teóricos nesses dois domínios dos estudos literários.Dílson, que é também editor, mantém ainda dois encargos na área do conhecimento da escrita: tem seu Laboratório de Redação, que leva o seu próprio nome e é diretor do prestigiado Portal Entretextos, um verdadeiro fórum cultural com ênfase em assuntos literarios e dispondo de um bom número de competentes colaboradores .
Apesar da juventude, Dílson, dentre múltiplos afazeres, põe-se agora à prova de escritor de ficção com o seu recém-lançado livro O morro da Casa-Grande.2
Propositalmente, usei, no parágrafo anterior, o termo “livro.” Sendo assim, me obrigo a penetrar no terreno da narratividade e, desta forma, me aproximar de uma classificação que a minha experiência teórica melhor indicar, posto que, por ora, provisoriamente.
Mais do que uma taxativa classificação genológica para a narrativa do do Dílson Lages, seria melhor me ater, primeiro, a alguns aspectos envolvendo a capacidade do autor em lidar com a criação ficcional, que para mim, em última instância, é o que mais importa.
Comparando esquematicamente os instrumentos da linguagem do autor empregados na sua produção poética, um dado favorável me vem à tona: a ideia propiciada pela leitura da sua narrativa teria aquela mesma sensação da leitura de um texto poético, não necessariamente da autoria de Dílson Lages, mas daquilo que a leitura de um poema nos provoca, uma camada de natureza opaca, de natureza indefinida, que faria parte do ato da própria criação literária. E essa sensação aqui referida que me passou no momento da leitura aponta muito mais para a fruição de um texto bem pensado e elaborado, tocando os sentidos mais do que o mero ato comunicativo, mais do que o esforço despendido na análise da sua narrativa através do trabalho exaustivo da decomposição de seus elementos estruturantes.
Há um dado que muito conta a favor desse escritor: é que, ao lado da linguagem que, por vezes, tangencia a poetização do seu tecido literário, ao mesmo tempo existe um cuidado especial com a linguagem, com a sintaxe do discurso narrativo, e isso é bem visível no espaço do enunciado, no qual o lirismo de imagens fortes e o lirismo pontencialmente forte se casam, numa harmonia de um discurso que trai um sabor, - diria -, clássico, mas clássico sem ser arcaizante, clássico à maneira do que fez Graciliano Ramos com o seu texto enxuto, comedido, sem arestas. Acompanha Graciliano Ramos no uso do discurso indireto livre. Usa às vezes enunciados de uma frase apenas, e nisso me lembra também Graciliano Ramos. Dílson Lages, atento aos segredos e ao domínio da comunicação literária escrita, não esquece esse recurso retórico, emprega os termos regionais referentes a objetos, a expressões do vocabulário do mundo físico ou cultural típico piauiense que fazem ressoar saborosamente aos nossos ouvidos relembranças do nosso tempo de memória da terra. Prima pela correção sem os exageros do purismo anacrônico, usa da tmese, trabalha a frase até o seu limite máximo de correção, sem, todavia, tornar o discurso narrativo arrevesado. Não cria linguagem nos moldes de Guimarães Rosa, está mais para os escritores sóbrios, de texto legível, claro, cristalino. Na obra houve poucos erros gráficos.
O texto de Dílson nos empurra para a frente – li-o num dia -, nos força o intelecto e nos propõe indagações de ordem vária. Além disso, do início da narrativa até o desfecho, o comentarista dessa pequena narrativa não hesita em reconhecer estar diante de um narrador consciente de seu papel de escritor, de sua pessoal visão da existência dentro dos limites daquele recorte espacial e temporal - seu trabalho é com a memória imaginativa e histórica -, reunindo seres, crianças, mulheres, homens, velhos, natureza, hábitos rurais, costumes, ideologias implícitas, sentido religioso e formas de vida em decadência inescapável. Sua ambiência se passa entre o campo e a cidade interiorana dos anos cinquenta do século passado indo até aos inícios da década de sessenta daquele século. A extensão física da narrativa, segundo já assinalei, é pequena, nem dá para nomeá-la de romance. Entretanto, o que verticaliza as possibilidades positivas da história relatada fica por conta do mundo interior de alguns personagens, com especial destaque para Marciano – símbolo da “ idade de ouro” – a infância.
Marciano, quer me parecer, é personagem perfeito na sua composição. Tem vida própria. Às vezes, durante a leitura de O morro da Casa-Grande, me veio à lembrança a autenticidade e ternura do personagem Ulisses, de O. G. Rego de Carvalho.3 Não que se tenha a mesma situação vivenciada pelo personagem-central do romance do autor de Oeiras, mas pelo bom resultado da composição do personagem Marciano – apenas uma menino, um adolescente de 13 anos, com uma enorme carga emocional, bem como com seus questionamentos próprios da idade, causando perplexidades aos adultos que o cercam. Inclusive Marciano é um personagem que faz a travessia entre o campo e a cidade. Sua participação na história não pode ser negligenciada sob vários enfoques, social, histórico, ideológico, religioso etc. Não podemos negar ser Marciano uma das figuras centrais da narrativa
A fabulação tem, porém, restrito número de peripécias (embora padeça de um grande número de nomes de personagens apenas citados mas sem correspondente desempenho na história, ainda que como figuras secundárias)  Os dois s principais motivos que impulsionam o narrador para a frente são: 1) O acontecimento da morte trágica e misteriosa de Clemílson, com a forma engenhosa de relato não apresentando explicitamente alguns dados adicionais do incidente fatal, ou seja, deixando, a critério do leitor, algum espaço para especulação do fato; 2) Os  antecedentes e as consequências da derrubada da Igreja Matriz de Barras, em 1963, com toda a sequela de desdobramentos religiosos, culturais, políticos e sociais ai implicados.
Os personagens outros que integram o plot, Genésio, coronel Custódio, coronel Alberto Pires, Deusiamar, a bisavó carola de Marciano, deixam lá suas marcas pessoais e inconfundíveis.
Entretanto, o leitmotif da narrativa não deixa de ser a derrubada da igreja na sua imbricação com a imagem fantasmagórica do morro da Casa-Grande. Dessas duas circunstâncias podemos depreender toda a motivação do núcleo da narrativa. A Igreja da Matriz de Barras reforça esse elemento temático-nuclear da narrativa. com a chancela histórica de ilustrações inseridas no corpo da narrativa -, assim como de outras ilustrações e paisagens alusivas ao meio rural, a um antepassado histórico, ao rio Maratoã, a ruas de Barras a outros logradouros da cidade e, finalmente, a ilustrações representativas da Igreja da Matriz. Esses dados da realidade no campo e na cidade, por assim dizer, quebram a chamada ilusão ficcional, predispondo o leitor a uma volta ao mundo empírico e a ver a ficção como uma mera construção imaginativa mas não desligada dos seus liames histórico-culturais.
A Igreja da Matriz funciona como constante índice do desdobramento da intriga até o epílogo.O morro da Casa-Grande e a Igreja da Matriz são os dois esteios centrais do livro. Valem, portanto, como personagens-símbolos. Tudo no desenvolvimento da narrativa serve para encontrar seu ponto de convergência, o morro e a igreja, cujo passo final é a destruição da velha Matriz. A ausência dela explica a própria decadência da vida e da época do coronelismo, exemplificado na frase inicial do capítulo 23: “Coronel era gente que mandava.” 4Atente-se para a forma verbal pretérita “mandava”.
Não há como não pensar na ficção do “romance de 30”, com Fogo morto, de José Lins do Rego, com Vidas secas, de Graciliano Ramos, por exemplo. Num, por retratar a decadência rural, noutro, por linhas transversas, por delinear habilmente personagens como Marciano e o cachorro Tubarão, que palpitam de vida e de humanidade. Claro é que no Morro da Casa-Grande a dramaticidade não voa tão alto nem tem a dimensão trágica das narrativas mais densas. No entanto, na ficção inaugural de Dílson Lages há sinais palpáveis de habilidade e criatividade. Nas descrições modelares da vida rural, da fauna e flora nordestinas, piauiense, diga-se mais exatamente.
Tampouco se ressente essa de uma linguagem que demonstre ausência de recurso técnico-narrativos, visuais, de sondagem psicológicas ( aqui se afastando de traço do gênero novela), de desenhos certeiros e objetivos na caracterização dos personagens.Genésio, o agregado e capataz, por exemplo, é digno de nomeação pela vida que tem como criação literária. Marciano, nem se fala.
Vejo que os comentários que acabo de tecer, num apanhado geral, estão longe de fazer jus a outras camadas subjacentes que fazem dessa narrativa um deleite para a leitura de uma ficção que se recomenda por si mesma e, por outro lado, coloca, sob os ombros do autor, a responsabilidade de dar continuidade a uma carreira de prosador, já promissora por todas as qualidades ou restrições que lhe possamos fazer.
Não quero concluir meus comentários sem, pelo menos, fazer um enquadramento classificatório final. A narrativa de Dílson Lages se insere no gênero da novela. Não obstante propiciar ensejos para uma visão da existência fragmentária, a obra sinaliza, no seu conjunto de capítulos, para possíveis desdobramentos de “células dramáticas” ( Massaud Moisés) próprias de uma novela e não de um romance, que é um passo final para descortinar uma visão totalizadora (Lukács). Em outros temos, para uma visão horizontal e vertical da complexidade da existência física, humana e mental.

NOTAS:
1 PINHEIRO, João. Literatura piauiense – escorço histórico. Teresina: Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 1994. Posfácio de Francisco Miguel de Moura. O leitor pode também consultar com proveito os historiadores Herculano Moraes, Francisco Miguel de Moura e Adião Neto.
2 LAGES MONTEIRO, Dílson. O morro da Casa-Grande. Teresina; Livraria Nova Aliança Editora, 2009.
3 CARVALLHO, O. G .Rego de. Ulisses entre o amor e a morte. 7. ed. Meridiano, 1989.
4 LAGES MONTEIRO, Dílson. Op.cit., p. 95

domingo, 18 de abril de 2010

Frágeis criaturas do Planeta Terra

Frágeis criaturas do Planeta Terra


Cunha e Silva Filho



Quem diria nesses tempos de furor da Natureza-Mãe, como se não bastassem os prejuízos materiais e de vida ceifadas devido ao excesso das chuvas torrenciais no Brasil e no mundo, agora vem a notícia mais recente, desta vez de uma distante ilha da Terra que aloja um país sinônimo de frio, a Islândia. Um vulcão de lá, entre as geleiras e o calor intenso vindo das profundezas do seu interior, de repente irrompe de sua cratera, a céu aberto, lavas e cinzas ascendendo estas a quilômetros de altitude de tal sorte a causarem transtornos, escurecendo e, o que é pior, poluindo os céus. Suas cinzas se espelham pelo ar e vão contaminando o espaço. Sua erupção se deu na quarta-feira desta semana provocando colapso do tráfego aéreo em toda a Europa e com efeitos secundários em outras continentes. O vulcão se esconde sob a geleira Eyjfjallajokull (que nome difícil!).
Não está descartada a hipótese de que o mesmo vulcão possa desencadear a erupção de outro vulcão na mesma ilha e situado bem perto daquela geleira Só nos resta rezarmos para que tal fato não ocorra. Só esse vulcão foi suficiente para trazer inúmeros problemas à vida das pessoas que, em todo o mundo, precisam do avião para suas diversas necessidades: turismo, negócios, estudos, férias, tratamento de saúde em outros países etc.
Lá vem a erupção atropelando todos os planos, atrasando viagens, cancelando viagens, dando prejuízos financeiros tanto a alguns passageiros quanto às companhias aéreas. Como esse movimento se conta em milhões de seres humanos, os problemas se multiplicam e põem a nu as fragilidades a que estão sujeitos os indivíduos em todo o mundo. Somos, pois, reféns da intempéries, dos humores da natureza e pouco podemos contra ela. O mais que podemos fazer é, como afirmou um funcionário da aviação, ouvido pelo rádio, é ter boa dose de paciência. Sobretudo porque, se os aeroplanos teimassem em decolar, as suas turbinas seriam presas fáceis dos componentes das cinzas que poderiam danificá-las e pôr em risco a vida dos passageiros e da tripulação. Mesmo assim, aviões ousaram voar protegendo as aberturas da turbinas.
As cinzas do vulcão nas alturas do espaço, vistas na TV, me lembraram cogumelos gigantescos parecidos com aqueles que se seguem a uma explosão de bomba atômica. Deus nos livre!
De acordo com os especialistas em vulcão, essa erupção que está ocorrendo pode ainda se manter por dias, o que redundaria em mais sérios problemas para o transporte aéreo mundial, com enormes prejuízos para as empresas desse ramo de atividade. E mais: segundo o geólogo brasileiro, Sérgio Brandolise Citroni, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) caso a nuvem baixe, a saúde das pessoas pode sofrer danos causados pela sílica, ou seja, “parte sólida da poeira vulcânica”. Se ela se unir à umidade do ar, surgem pequenos grãos que, inalados, provocam uma doença, a silicose. Em sua manifestação extrema, reduz a capacidade pulmonar e, por suave, vez, diminui a oxigenação do sangue, salienta o geólogo. Além desses efeitos negativas, as cinzas de nuvens também podem prejudicar a agricultura, a água da Islândia, com reflexos na alimentação e, em nível global de poluição, pode ainda piorar o efeito estufa.
Um repórter definiu muito bem o caos instalado pelo colapso aéreo: de repente, a Europa se vê privada do seu mais importante meio de transporte – o aéreo– e como que se transporta ao passado antes da invenção do avião. Os passageiros, diante desse descalabro, voltam-se para o uso dos trens, de navios e mesmo dos veículo motorizados. Passageiros aos milhares, milhares de voos cancelados. Aeroportos lotados de passageiros desesperados, frustrados, preocupados, doidos para voltarem a seus destinos.
Reflexão final: somos, nos dias que correm, frágeis seres a todo instante dependentes dos acidentes da natureza. Nada podemos, portanto, contra os imperativos dessas múltiplas forças colossais. Fazem parte do Universo, cuja origem ainda constitui enigmas para os sábios senhores da Terra.

A ficção de José Ribamar Garcia

FICÇÃO E HISTÓRIA EM JOSÉ RIBAMAR GARCIA*

CUNHA E SILVA FILHO


Sem holofotes de lançamento nem alardes, a recém-editada obra de ficção Entardecer (Editora Litteris, com finalização de capa de Teresa Akil, 2007,110 p.), de José Ribamar Garcia, escritor e advogado piauiense radicado no Rio de Janeiro, o sétimo de sua produção ficcional, traz o sugestivo e ao mesmo tempo lírico-elegíaco título de Entardecer (Litteris Editora, com finalização de capa de Teresa Akil, 2007, 110 p.). Na ficha de catalogação classificaram-no como romance.
Sem importar muito com o trabalho de classificação genológica, o que primeiro me vem ao pensamento, ao tentar resenhar este livro, são aqueles velhos componentes de sua narrativa, a combinação da memória com a História, o enlace entre a recuperação, pelo domínio da prova de ficção, de um entranhado esforço de trazer o testemunho do passado existencial do autor com o seu interesse sempre presente em soldá-lo com a cronologia histórica da sociedade brasileira.e, em particular, da piauiense. Esta estratégia de construção ficcional poderia levar-me a definir sua literatura como uma ficção de substrato histórico. Não que Entardecer seja um romance histórico, mas à semelhança do que encontramos em outra obra do autor, Em preto e branco (Litteris Editora, 2a. ed., 2005), há um plano narrativo que corre paralelo ao plano da fabulação ou da intriga e que, sem dúvida, se utiliza do relato histórico. O certo é que Ribamar Garcia não abre mão das chamadas “marcas registradas” (Alcmeno Bastos, anotações de aula, UFRJ, 1997) encontradiças no romance histórico, marcas documentais que estão presentes nesse gênero de ficção, desde, pelo menos, o Romantismo europeu. Garcia não quis, a meu ver, fazer uma novella (segundo o conceito simplificado de Martin Gray ( A dictionary of literary terms. Longman York Press. 2nd edition, 1992) histórica, mas uma novella de personagem. No caso, narrar parte significativa da história de seu pai, Francisco de Assis Garcia que, para o autor, congrega elementos de natureza heróica e de altruísmo pelo menos para o universo afetivo do autor e daqueles que o conheceram de perto.
Entardecer reúne verdadeiros pequenos afrescos sócio-cultural-históricos que seduzem o leitor duplamente pela habilidade de selecionar apenas o essencial da experiência de vida plasmada em ficcionalidade e pelo prazer, sempre bem-vindo, de partilhar com o leitor o testemunho da memória coletiva. São 42 pequenos capítulos correspondentes, segundo o autor, aos anos da curta vida do pai. Ao tocar na memória coletiva, o leitor é conduzido a reviver fatos do passado – daí sua natureza histórica, mas sem chegar a constituir uma ficção histórica dentro do conceito rígido ou menos rígido de romance histórico -, e, assim, recuperar, pela recepção da leitura, a emoção vivida ainda que em outro tempo e com uma visão diferente, daquela que tem, agora, da História, com olhos de adulto, ou mesmo do amadurecimento intelectual ou da velhice que vai despontando tanto do autor quanto de seus contemporâneos.
Tomemos, inicialmente, alguns dados que, em obras anteriores, costumavam aparecer no contista Garcia e que apontam para um conjunto de referencialidades subsidiárias a seu texto. Recordemos os chamados paratextos, ou seja, as epígrafes, por exemplo, aquela primeira extraída de um livro de Carlos Lacerda, A casa do meu avô: “Não vivemos muito, vivemos depressa” e uma segunda, retirada de um dos autores da preferência do contista, Ernest Hamingway, de “Adeus às armas”: “Aos que trazem tanta coragem a este mundo, o mundo os tem de matar para quebrá-los.” Vejamos outro paratexto, as dedicatórias, a direcionada ao pai, cognaminado-o de “O insubstituível”, lembrando de perto, no caso, a maneira de João Antônio de, em cada livro editado, referir-se, nas dedicatórias, a Lima Barreto como o “pioneiro”; finalmente, as dedicatórias alusivas à mãe do escritor e aos seus familiares. Todos esses paratextos fortemente se vinculam à biografia do personagem central de Entardecer, indicado na narração pelo pronome “Ele” maiusculado.
Antes da abertura da novella, há uma nota – “Esclarecimento” - de importância basilar à sua compreensão e à sua composição.” De resto, mais um exemplo de paratexto. Precisamente nesta nota está implícita a questão controversa e sutil da relação ambígua entre literatura e realidade, questão que se impõe como uma discussão de natureza teórico-crítica, a qual, em última análise, procura investigar como os dados da realidade se transformam em “realidade possíveis”. Quer dizer, em ficção.
Na situação presente, como fazer da “matéria de extração histórica” (e a história pessoal pertence à História) uma produção literária se não temos “realidades possíveis,” levando-se em conta que o protagonista da narrativa é uma figura de carne e osso?
Antonio Candido, nesse ponto, a meu ver, consegue de certa forma, contornar o impasse. Ao afirmar que texto e contexto se fundem, o dado social - o contexto – deixa de ser externo e passa, na organização ficcional, a interno.(CANDIDO, Antonio. “Crítica e sociologia”, in Literatura e sociedade. 7ª ed. Editora Nacional, 1985, p.3-8). Adiantaria apenas que os dados sociais, históricos, culturais, passariam, então, a fazer parte dos dados formais, da estrutura interna da obra de ficção, os quais, segundo Candido, são relevantes para a concepção o sentido da obra.
Ao eleger o pai, Francisco de Assis Garcia, ao estatuto ficcional, o autor o transfere à esfera estética, como, motivação a serviço do que irá construir pela imaginação criadora, como o fizera em trabalhos anteriores, nos quais a mesma figura paterna se transpõe ao universo das “figuras de papel” barthesianas.
Já se disse que O Ateneu (1888) de Raul Pompéia (1863-18950 foi escrito como se fora uma vingança do escritor contra um sistema de ensino castrador e hipócrita. Ribamar Garcia talvez tenha se concentrado na figura paterna como uma espécie de desabafo pessoal contra a perda do pai em tão tenra idade. Ele tinha apenas nove anos quando perdeu o pai. Teria sido uma forma de compensação psicanalítica, uma maneira de preencher o “vazio eterno” sobre o que a vida não lhe pôde dar, com uma presença mais longa de uma existência paterna que não o viu crescer nem se tornar o que sabemos que foi.
Nesse sentido, a história do pai cumpre uma função catártica junto ao escritor e de algum modo age como uma mecanismo de consolo, uma forma de suportar a ausência aniquiladora.
Entardecer inova em alguns ângulos a produção ficcional de Garcia, a começar pela utilização de um recurso icônico ou simbólico em seus três personagens: o pai, a mãe e ele próprio, autor e narrador, designando-os, respectivamente, por “Ele,”, “Mulher e “Menino”, sempre em maiúsculas, à feição dos poetas simbolistas.
Pelas características compositivas dessa narrativa, prefiro, preliminarmente, chamá-la aqui de novella, tendo em vista sua extensão média entre o conto e o romance, na classificação já referida de Martin Gray, e ainda porque não é intenção neste estudo apresentar conclusões a esse respeito.
A narrativa se abre in medias res, à altura em que o personagem “Ele” chega a Teresina. Só ficamos sabendo de mais referências a seu respeito no desenrolar do plot, através de analepses com os quais formaremos o perfil físico e moral do personagem central. O narrador, pouco a pouco, nos vai relatando fatos e ocorrências significativas do “Ele”, compondo, ao final, um belo exemplo de homem destemido, de pai exemplar, amoroso, amigo, solidário, que, por assim dizer, servirá como figura nuclear e balizadora do seu círculo familiar, espécie de liderança que brota espontânea, mercê de seus predicados e de seu descortino, e que passa a ter, no plano da diegese, o lugar de maior destaque. A intenção do narrador , não há como negar, era fazer o elogio do pai, tirá-lo do anonimato e levá-lo ao conhecimento público.
Não obstante já correr nas veias da ascendência paterna os traços de bravura e firmeza de caráter, a narrativa vai nos mostrando até que ponto pode alguém avançar na luta pela sobrevivência e ascensão social e financeira, conquistada graças à ação, à retidão da personalidade e a uma inquietação incomum para alcançar a felicidade própria e alheia.
Do comércio simples da “Garapeira Estudantina” até à vitória financeira, do desvelo invulgar pelo bem-estar da família até a possibilidade de desvio de rumos nos negócios provocado pelos novos tempos que já davam sinais através do surgimento dos refrigerantes que iriam fazer enorme concorrência com a garapa, fora o avanço dos recursos da alta publicidade da indústria de alimentos.
Ao lado do “Ele”, a personagem a “Mulher e a figura ativa do “menino” compõem um tripé modelizador de uma forma de viver especular, irradiando-se para outros entes queridos e familiares.
Cada um na sua posição específica, “Ele”, protegendo a órbita do lar, a “Mulher, o “Menino” e todo o séqüito da comunidade familiar e de amizades. A “Mulher”, da mesma forma, amparando “Ele” em todos os momentos, sobretudo aqueles a partir da revelação da doença que se mostrou fatal para o marido. O “Menino”, por seu turno, era aquela criancinha ativa, observadora que via no jovem pai o exemplo de herói.
A narrativa, à semelhança de Em preto e branco segundo já mencionamos, se estrutura em dois planos: o da representação dramática e o do relato histórico, este último citando acontecimentos históricos e políticos que mobilizam um “mosaico de citações” de personalidades, de autores e obras do passado e da atualidade piauiense e mesmo nacional ou além-fronteiras. Desse modo, o narrador desempenha a função de conduzir a digressão da narrativa quando aí assume o papel de cronista, ou de ensaísta, fazendo citações de obras, transcrevendo trechos e muitas vezes arriscando comentários sentenciosos – artifício retórico que podemos encontrar também na ficção de João Antônio (1937-1996)
Por outro lado, a novella somente ganha mais potência e vigor ficcionais quando o narrador toma as rédeas do discurso dramático, quer dizer, quando a história se volta para si própria, para o universo da ficção. É aí que toma vulto sua dimensão de narrativa, onde o diálogo, a linguagem, o estilo indireto livre, as ações e conflitos, as ironias finas ou desabridas assumem sua grandeza artística. É no domínio da diegese, da criação literária propriamente dita que o leitor percebe a riqueza das situações humanas criadas pela fabulação, pelo jogo da linguagem, situada, agora, fora das referencilidades, porém já dentro do seu mundo imaginado e imaginário, espaço ficcional que cede lugar ao mundo das possibilidades existenciais que só a Arte maiusculada tem o privilégio da realização. É aí que Teresina, que ocupa lugar proeminente no espaço da narração, entra para a ficção, com suas lendas, seus mistérios, suas tragédias, sua vida política trepidante, seus amores, sua culinária, seus costumes, sua topografia, suas construções e monumentos que inundam de nomes tão bem conhecidos dos piauienses natos ou ali radicados de coração.
É nesse conjunto de referências conhecidas, de lugares e eventos, de linguagem e sotaque, de sons e cheiros, de sol escaldante e vegetação verde, que Entardecer se entrega de corpo e alma ao prazer do leitor.
Com mais esse livro Ribamar Garcia reafirma sua competência no domínio da prosa de ficção, e não hesito em afirmar que com sua publicação ele avança em alguns aspectos de sua técnica narrativa, pondo em movimento seu universo pessoal e familiar, articulando-o com os caminhos da História, sem misturar, no entanto, as duas esferas, a real e a imaginária, mas, ao contrário, operando sua literatura esteticamente no sentido de permitir que o peso da ficção seja muito maior, mais dramático e convincente do que meros pormenores biográficos.
A figura paterna de Francisco de Assis Garcia, nome de rua hoje em Teresina, pivô da narrativa, atravessa o texto muito mais engrandecida, viva e comovente graças às virtualidades da arte literária do autor, arte que seguramente faria eco às sábias palavras de Machado de Assis, aquelas que estão incrustadas no monumento ao grande mestre da ficção brasileira de todos os tempos, à entrada da Academia Brasileira de Letras: “Esta é a glória, que fica e eleva, honra e consola.”

* Ensaio originariamente publicado na revista Presença. Ano XXIII – Nº 39 – Órgão do Conselho Estadual de Cultura e da Fundação Cultural do Piauí – Teresina, 1º Quadrimestre,/ 2008, p. 39-41

sábado, 17 de abril de 2010

Agendas: recortes da vida

Agendas: recortes da vida


Cunha e Silva Filho


Pessoas há que atualizam suas agendas pessoais uma vez em cada ano, ou seja, deixam de lado a agenda do ano anterior, que vai cumprir agora sua função de arquivo de referência, e adotam a agenda do ano que transcorre. Só que, ao carregarem consigo a agenda atualizada, esta só terá dados do ano corrente e as informações e anotações das agendas anteriores ficam para trás, ou melhor, ficam em casa como se fossem mais um livro da estante..
Pensando nesse objeto tão útil para os tempos pós-pós, vejo o quanto uma agenda se torna, pelo seu próprio uso continuado de um ano, um repositório de informações que, caso sejam relidas, muito vão contar da trajetória de tarefas, obrigações, lembretes e ligeiras anotações ou pequenos textos que ali ficam registrados. Pode-se mesmo afirmar ser esse material de anotações várias uma espécie de texto sem unidade temática, porquanto na agenda vale tudo para que ali se possa, com rapidez exigida pela nossa época , fazer registro para que a memória não nos traia.
Se fôssemos imaginar um estudo sobre o tema da agendas – e aqui me refiro somente às agendas escritas, não as eletrônicas -, veríamos como tantas surpresas, boas ou ruins, nos aguardariam ao relermos com atenção as agendas passadas. Seria uma espécie de baú do tempo para pegarmos carona no título de um célebre memorialista brasileiro. Nesse “baú” tudo pode. Ali se poderia ver se o possuidor da agenda é uma pessoa organizada ou se é alguém que não dá a mínima para ser uma pessoa organizada no que se relaciona a anotações de seus compromissos. E é aí que me encontro pronto a falar mal de mim mesmo, pois minhas agendas são o pior modelo que se possa ter de quem lida com agendas.
A começar da forma de fazer anotações esquemáticas ou até pequenas anotações textuais, confesso ser o maior transgressor de objeto tão necessário ao nosso cotidiano apressado e mesmo por vezes louco. Sabe-se que as agendas, por si mesmas, têm uma estrutura organizada de forma cronológica com se fossem diários relatando, dia a dia, os sucessos ou insucessos de uma pessoa.
Minhas agendas são assimetricamente anotadas, não respeitam os espaços divididos para inúmeras entradas de anotações. Dessa maneira, quem as lesse teria a impressão de que seu dono é um tresloucado, um indivíduo sem normas nem ordem, um anárquico, um insurrecto, uma rebelde. Sei o quanto isso se me torna um defeito gravíssimo. Mas, que hei de fazer se ajo assim? Tenho muitas agendas antigas, algumas se esfacelando com o tempo, outras já perdidas e sem perspectiva de poder reencontrá-las. Quantas anotações importantes não havia nelas! Tudo perdido!
Pego, para ilustração uma delas, que, por sinal, tem uma encadernação excelente, um verdadeiro livrinho, com impressão de alta qualidade, reunindo um conjunto de informações de grande utilidade para o usuário: calendário do ano em curso, calendário do ano anterior, feriados internacionais, mapas geográficos das Ilhas Britânicas( por aí se vê que a agenda que tomei como modelo para estes comentários é uma agenda inglesa, que luxo!, leitor!) informações sobre viagens e distâncias entre cidades por quilômetros, telefones locais e internacionais, reservas por telefone para viagens marítimas, páginas para dados pessoais do usuário, calendário, sistemas de conversão de sistemas métricos, fusos horários mundiais, discagem direta internacional com todos os prefixos e códigos acompanhados da numerosas cidades no mundo, planejamento de calendário para o ano seguinte, calendário do ano em curso, outras indicações que nem sei exatamente o que sejam e, finalmente, o espaço maior destinado às anotações dos compromissos ao longo dos dias e meses do ano.
Coitado de quem fosse pesquisar dados cronológicos da minha agenda. Ficaria num mato sem cachorro e com muita dificuldade colocaria os dados em ordem, tal o descumprimento que faço das cronologias, pois uso até os espaços do verso da capa e da frente da contracapa, além de anotar, nas margens, horizontal, vertical e diametralmente informações de telefones e dados mais rápidos num caldeirão onde tudo se faz espaço para uma rápida anotação. Se as agendas fossem como os textos literários escritos à mão ou mesmo datilografados (porém impossíveis eletronicamente ), infeliz seria do candidato que se desse ao trabalho de fazer pesquisa de crítica genética. Seguramente estaria embrenhado numa teia de aranha do tamanho da confusão e caos criados por este usuário. Sem dúvida, desistira da pesquisa e ficaria na mesma situação que o homem comum brasileiro diante de uma dificuldade de resolver alguma coisa que, aos olhos dele, seria impossível devido ao seu comportamento passivo e ao seu espírito de conformismo, que o faria exclamar: “Fazer o quê...”

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Fernando Pessoa: English sonnet XXVII"

Sonnet XXVII


HOW YESTERDAY is long ago! The past
Is a fixed infinite distance from to-day,
And bygne things, the first-lived as the last.,
In irreparable sameness far away.
How the to-be is infinitely ever
Out of the place wherein it will be Now,
Like the seen wave yet far up in the river,
Which reaches not us, but the new-waved flow!
This thing Time is, whose being is having none,
The equable tyrant of our different fates,
Who could not be bought off by a shattered sun
Or tricked by new use of of our careful dates.
This thing Time is, that to the grave will bear
My heart, sure but of it and of my fear.


Soneto XXVII


COMO O ONTEM tão distante está! O passado
É a inalterável infinita distância do hoje,
São as coisas pretéritas as primeiras vividas como as derradeiras.
Bem distantes na irreparável mesmice.
Quão infinitamete eterno é o vir-a-ser
Do lugar no qual estará o Agora,
Qual onda ainda avistada nas lonjuras do rio,
Que a nós não alcança senão pelo fluxo de outra!
Tal é o Tempo, cujo ser é o nada ser,
O mesmo tirano de nossos diferentes destinos,
Que não se vende a um estilhaçado sol
Nem tampouco se ilude com um outro uso de nossas sagradas datas.
Tal é o tempo, que até ao túmulo levará
Meu coração, seguramente só este e os temores meus.

(Tradução de Cunha e Silva Filho)

domingo, 11 de abril de 2010

A tragédia do Bumba


Cunha e Silva Filho



Bumba é uma antiga favela de Niterói na qual, no dia 9 deste mês, um descomunal deslizamento de terra soterrou dezenas de casas e parte de seus moradores. Com as chuvas torrenciais e contínuas, parte do Morro do Bumba não suportou o peso das águas, esfarelou-se, descendo com casas e seus moradores, destes fazendo muitas vítimas fatais. Por sorte, alguns sobreviveram fugindo a tempo, outros foram regatados dos escombros . O saldo, porém, foi devastador e apavorante.
Olhando-se para a cratera formada com a avalanche de terra molhada e lama, ela mais me lembra a configuração do comprimento de um pequeno canyon assombrando a todos por seu tamanho, pelo tamanho da abertura daquela parte do morro criando duas margens altas do solo entre o enorme fosso surgido.
Computando as vítimas fatais das chuvas, inundações e desmoronamentos, a Região Metropolitana, a cidade do Rio de Janeiro e outros municípios fluminenses já atingiram 212 mortos em pouo menos de uma semana!
O Corpo de Bombeiros, a Defesa Civil, alguns homens da Força Nacional enviados por determinação do Presidente da República, além do apoio e solidariedade dos próprios moradores, sobreviventes e voluntários têm feito um trabalho digno da admiração de todos. Só temos que agradecer por ainda podermos contar com o inestimável auxilio desses profissionais e dessa gente toda que se empenharam heroicamente para minimizarem as dores, aflições e padecimentos de quem perdeu familiares, amigos e bem materiais, a começar de suas casas construídas com sacrifícios de toda ordem. Choros, gritos desesperados, olhares de imensa tristeza e desolação que a tela da televisão nos mostrou têm sido a rotina das notícias nesta semana de agonia e luto. Não há como não partilhar dessa dor geral, dessa desgraça ocorrida.
Por outro lado, há que se questionar os fundamentos da tragédia do povo fluminense, ou seja, não podemos deixar de apontar responsáveis que, no caso, são os poderes públicos, o Estado brasileiro em suma, e toda a sua hierarquização de instâncias por décadas omissas, a federal, a estadual e a municipal.
Cumpre assinalar que nenhum desses setores da máquina do Estado tem cumprido devidamente, conforme manda a Constituição, seu papel de proteger o cidadão brasileiro por todos os meios disponíveis e sobretudo em situações de calamidade publica, seja para prevenir tragédias desta monta, seja para tomar iniciativas inerentes a gestões da governaça.
Os governos são muito previdentes e rigorosos quando desempenham suas funções de arrecadação e cobrança extorsivas de taxas e impostos com os juros mais altos do mundo. Contudo, quando necessitamos de ações dirigidas a melhorias de áreas vitais ao bem-estar social – habitação, educação, saúde e segurança -, a máquina administrativa, em todos os níveis, é ineficiente, protelatória, improvisada e imprevidente, quando não demagógica.
Na questão da moradia – a tragédia das chuvas só vem confirmar isso - , por que, ao longo de décadas, não se conteve o avanço da favelização em toda a parte e principalmente nos morros do Estado do Rio de Janeiro? Os governantes pouco ou nada fizeram para inibir essa explosão de moradias precárias em lugares de risco, que são os morros, as margens de rios, de riachos e até junto ao mar. Assim como não se formulou até hoje nenhum planejamento para conter o excesso migratório de um contingente enorme de populações do Norte e sobretudo do Nordeste que vêm procurar no Rio e São Paulo uma forma melhor de vida. Isso é pura ilusão dos migrantes que, sem qualificação profissional, ainda vêm inflar cada dia mais as grandes capitais, contribuindo para um colapso da já precária infraestrutura geral das capitais brasileiras. Essa superpopulação nas metrópoles é também causa de um dos males contemporâneos, a escalada da violência.
Num primeiro momento de reflexão sobre as raízes das tragédias, a conclusão a que se poderia chegar é que inegavelmente diversos fatores de ordem social – pobreza, desemprego, explosão demográfica, ausência de políticas públicas efetivas e permanentes -, em grande parte são responsáveis pelas opções de moradia nos morros (ou em outros espaços urbanos inadequados), já que estes se localizam mais perto dos lugares de trabalho da população.
Não são, portanto, a Natureza, o excesso de chuvas os vilões das tragédias, especificamente destas que se abateram sobre o Estado do Rio de Janeiro.
As habitações dos morros não podem servir de espaço para deleite e curiosidade de turistas estrangeiros. A criação da favela é uma realidade que aí está. No entanto, urge saber onde moradias nestas condições podem existir e se manter. Sérias e decisivas políticas de habitação deveriam ser prioridades dos governos a serem implementadas a fim de tornar o mais possível seguras essas habitações, ou seja, sem a constante ameaça dos desmoronamentos ceifando vidas humanas de todas as faixas etárias. Um outro fato não se pode desprezar: que não se permita o surgimento de novas favelas nos morros e em áreas impróprias. A presença do governo deve ser constante e determinada nestas eufemisticamente chamadas comunidades.O termo é impróprio, esconde intenções de natureza ideológica e só contribui para novos incentivos de moradias desse tipo.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Fernando Pessoa: "Sonnet XXVI"

Fernando Pessoa: “Sonnet XXVI”



Sonnet XXVI

THE WORLD is woven all of dream and error
And but one sureness in our truth may lie –
That when we hold to aught our thinking’s mirror
We know it not by knowledge it thereby.
For but one side of things the mirror knows,
And knows it colded from its solidness.
A double lie its truth is; what it shows
By true show’s false and nowhere by true place.
Thought clouds our life’s day-sense with strangenesss, yet
Never from strangeness more than that it’s strange
Doth buy our perplexed thinking, for we get
But the words’ sense from words – knowledge, truth, change.
We know the world is false, ot what is true.
Yet we think on, knowin g, we ne’er shall know.


Soneto XXVI

O MUNDO se tece, inteiro, de sonhos e erros
E apenas de nossa verdade uma certeza negar se pode –
Aquela na qual o espelho de nosso pensamento a qualquer custo seguramos
Conhecemo-lo não por o conhecer por esse meio.
Porquanto das coisas só um lado o espelho vê,
E o sabe fria e inflexivelmente.
Não passa de duas mentiras sua verdade; o que ele revela
Da verdade soa falso, assim como o lugar certo
Com estranhamento o pensamento, porém, os sentidos diários de nossa vida ofusca
Nunca do estranhamento mais do que sua estranheza
Consegue entender nosso pensamento perplexo, visto que alcançamos
Das palavras apenas o sentido – conhecimento, verdade, mudança.
Do mundo conhecemos só o lado falso, não o verdadeiro.
Contudo, pensar é preciso, conhecer a verdade, impossível é.

(Tradução de Cunha e Silva Filho)

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Da fragilidade da Cidade Maravilhosa

Da fragilidade da Cidade Maravilhosa


Cunha e Silva Filho


Em bem menos de uma semana, o estado do Rio de Janeiro já registra quase cento e cinquenta mortos vítimas da chuvarada que sobre ele se abateu sem piedade. As chuvas se distribuíram entre a capital e algumas cidades do estado como Niterói, Petrópolis, Nilópolis, região do lagos e algumas outras áreas metropolitanas. Há, no entanto, uma singularidade nesta tragédia sofrida pelo povo fluminense. A violência das águas, provocando inundações, deslizamentos de terra e consequente desmoronamento de moradias, começa a atingir também casas de luxo situadas, por exemplo, no Alto da Boa Vista.
Deslocando-se o foco de nossa atenção para a cidade do Rio de Janeiro, constatamos que as inundações alcançaram a cidade de forma inteira, desta vez sofreram o velho centro da acidade, a zona norte, a zona sul, o subúrbio, a zona oeste, tudo inundou. É claro que as moradias nas encostas dos morros são mais drasticamente castigadas, já que as construções são mais frágeis e seus alicerces não suportam as avalanches de terra, lama e rochas que, encosta abaixo, vão derruindo tudo o que encontram pela frente. As lágrimas dos sobreviventes pouco consolam as perdas dos entes queridos. A tragédia não é só de perdas de vidas, que é a sua forma mais pungente e dolorosa. A tragédia também é de deixar milhares de pessoas desabrigadas, muitas vezes apenas com a roupa do corpo. Tudo foi despedaçado pelas águas: móveis, alimentos, agasalhos, enfim, tudo que se conseguiu com sacrifício em anos de trabalho e de luta.
São tantos os lugares da tragédia que nem a defesa civil nem o corpo de bombeiros têm dado conta dos chamados para resgate de sobreviventes e recolhimento dos corpos soterrados pelos desmoronamentos de terras sobre as moradias populares. Cenas há tão desesperadoras como naqueles lugares afastados em que filhos procuram cavar, no meio dos escombros, algum ponto no qual possam localizar seus pais . As cenas são desoladoras e mais parecem aquelas destruições provocadas por terremotos.
A quem cabe responsabilizar por todas essas perdas humanas , por todas essas perdas materiais? A natureza inclemente? Não, certamente.
A ocupação do solo urbano carioca dá uma impressão de que a cidade foi surgindo, desde os tempos coloniais, a partir de improvisações de governantes incompetentes e omissos. Vejam-se as favelas cariocas, que cresceram assustadoramente nos últimos cinquenta anos. Tivemos poucos bons governadores e prefeitos. A omissão dos governantes que passaram pela cidade do Rio de Janeiro é flagrante em vários setores vitais educação, saúde, segurança pública, transporte de massa.
As dezenas de vidas perdidas por desmoronamento nos morros são resultado da ausência de ações públicas que não impediram a ocupação do solo em lugares de alto risco, como são as formações de favelas, para as quais migram populações desfavorecidas da sociedade, principalmente vindas do Nordeste
A topografia do Rio de Janeiro, de beleza exuberante, sobretudo pelo contraste entre o espaço urbanizado do asfalto e a vizinhança dos morros, das montanhas, nos mostra que a cidade edificada facilmente fica vulnerável às enxurradas, ao aguaceiro que vem dos morros ocupados por favelas, por construções improvisadas que destrocem a vegetação do solo, deterioram o solo maltratado pelas construções, por alicerces que não respeitam as condições do terreno nas elevações. Do alto do s morros o Rio é um buraco, mas um buraco cheio de beleza e fascinação. Embaixo, no asfalto, bueiros entupidos pela sujeira acumulada nas ruas concorrem para que as águas da chuva não fluam ordenadamente. Além disso, a cidade é cortada por muitos rios, canais que, com chuvas torrenciais, transbordam e espalham suas águas barrentas e enlameadas pelas ruas em várias direções, causando as costumeiras inundações na cidade. São muitos os fatores que, somados, resultam nos transtornos dos alagamentos, sobretudo em pontos já conhecidos do povo e das autoridades.
Ao contrário de outras cidades do mundo que se preparam para situações de riscos, como inundações ou outros desastres naturais, o Rio não se modernizou em obras de infraestrutura de ponta, por exemplo, se utilizando dos recurso e possibilidades propiciados pela engenharia brasileira.Temos pessoal competente nas universidades nossas que poderiam implementar obras de grande porte a fim de melhorar consideravelmente os problemas trazidos pelas inundações. Nosso povo tem um péssimo defeito, que é o de só procurar solucionar problemas críticos quando as desgraças acontecem. Não há senso de previdência, de visão antecipadora para problemas em situações de emergência.
As ações de nossos governantes só vêm a muito custo, apenas quando a tragédia já ocorreu. Faltam-nos governantes capazes e dotados de integridade moral e de vontade política dirigida principalmente ao bem coletivo. Se o habitante do Rio de Janeiro se encontra até hoje refém das águas pluviais, não é absolutamente porque as chuvas são excessivas, como declarou o prefeito atual do Rio.. Não se culpe a natureza pela nossa tragédia. Culpe-se a incompetência dos governantes, culpe-se a falta de educação de quem mora no Rio, que não cuida bem da cidade, espalhando sujeira e lixo por todo lado. Não vemos isso em Curitiba e em outras cidades brasileiras, que ainda são limpas e organizadas. Imitemos o que é bom e sadio para a bela cidade de São Sebastião.

terça-feira, 6 de abril de 2010

A chuva parou o Rio hoje




Cunha e Silva Filho


Certeza não tenho, mas esta é a primeira vez que a Cidade Maravilhosa pára por causa do mau tempo. Hoje é dia 6 de abril. Está chovendo no Rio desde ontem. Chuva que veio forte, depois abrandou, voltou, durante a madrugada, pesada, a cântaros (lembrando um filme a que assisti há muito tempo chamado “As chuvas de Ranchipur”, de 1955, com Richard Burton e Lana Turner)), alagando a cidade inexoravelmente, sem dó nem piedade. Todas as partes do espaço urbano carioca foram açoitadas pela água em abundância, que desce das nuvens, que desce dos morros, causando estragos no asfalto, nas ruas calçadas ou nas ruas de chão batido dos bairros humildes, modificando a paisagem e o quotidiano das pessoas, paralisando parte das atividades da população que, de longe, se move em direção ao trabalho. A cidade parou mesmo. Poucos carros nas ruas. Pouco movimento humano. Um deserto urbano.
O prefeito pediu que as pessoas permanecessem em casa, que não houvesse aulas nas escolas públicas municipais. Alguns bancos fecharam as portas. Houve vítimas de deslizamentos de terra nas encostas dos morros. São setenta as vítimas fatais, em geral, pessoas humildes que se obrigaram a morar nas favelas ou, para ser politicamente correto, nas comunidades, cheias tanto de pessoas dignas quanto de bandidos, de traficantes e outras mazelas.
A cidade do Rio de Janeiro, como outras do país, não está preparada para chuvas torrenciais. Quando vejo o traçado do Rio, me vem à tona a figura do romancista Lima Barreto(1881-1922) Analogia que não deixa de ter sua lógica, não a formal, mas a da força da observação arguta do narrador e da ironia. Sendo uma cidade suja, com bueiros entupidos, com muita sujeira por toda a parte, nos tempos de chuvas, o fluxo da água encontra obstáculos e o resultado são os alagamentos com todas as suas sequelas.
Olho, agora, para fora do apartamento e vejo que a chuva deu uma colher de chá . Mas, o tempo, as nuvens dão sinais de que a água do céu pode retornar. Rezemos para que, se vier mais chuva, que venha fraca e só faça o bem. Chega de tragédias. Gosto de ficar em casa quando chove, gosto do vento mais frio que sopra suave e nos faz respirar mais livremente. Esta é a chuva de que gosto.
Olhava pra rua há pouco, e na rua só havia lama por toda a parte de sua extensão. Minha rua é uma pequena travessa, entre a Barão de Mesquita e a Av. Maracanã. Está merecendo que um abaixo-assinado seja dirigido ao alcaide a fim de que o calçamento nela seja substituído por asfalto e que, lá no meio dela, se coloque um quebra-mola, para evitar que motoristas violentos a atravessem com maior velocidade
Um porteiro nordestino de andar trôpego, com uma pá, muito cuidadoso com seu ofício, estava retirando da calçada do prédio em que trabalha, a lama que borrava parte da calçada, uma calçada feita de ladrilhos com bolinhas pretas. Outro porteiro, mais adiante, usando uma mangueira, indolentemente esguichava água, que é um produto caro hoje, para retirar detritos da calçada do seu prédio, trazidos pela água e lama vindos do transbordamento do vizinho rio Maracanã.
De vez em quando, passava um carro atravessando a minha pequena rua. Neste instante, a chuva recomeça, a indicar que será intermitente. Que não se torne num aguaceiro. Paro aqui meus comentários. Até um próximo encontro pelos caminhos ou descaminhos da escrita, leitor.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

"Viver a vida": a importância do olhar


Cunha e Silva Filho



Não nutro preconceito contra novelas de televisão. Muitas delas são excelentes e a elas novos recursos técnicos estão sempre se incorporando. Já se consolidou como um novo gênero narrativo eletrônico no campo ficcional. No país, foi o crítico e ensaísta Afrânio Coutinho (1911-2000) quem, em artigo no extinto jornal Última Hora, a considerou um novo gênero literário (Cf. SOUSA DANTAS, Jose Maria de. Didática da literatura. Rio de Janeiro: Ed. Forense-Universitária, 1982. Ver capítulo 12, “A Telenovela”, p. 181-183). Coutinho no artigo lembrava que a novela de TV substituía, no século 20, o antigo folhetim, onde, na França, no século 19, foi cultivado por vários escritores, sendo um dos principais Eugène Sue (1804-1857) com Os Mistérios de Paris, aliás muito traduzido.
Esse gênero, no Brasil, também encontrou alguns seguidores, como Manuel Antônio de Almeida, Joaquim Manuel de Macedo, José de Alencar, entre outros.Coutinho, ainda no mencionado artigo, teorizava que o novo gênero reunia elementos do folhetim, que é literatura, teatro e cinema. O crítico previa que a telenovela iria alcançar um nível cada vez melhor, tanto no texto quanto na dramaturgia, inclusive assinalava que sua prática entre nós já conseguira resultados positivos com a “criação de verdadeira escola dramática”, ensejando o aprimoramento do nível de talentosos artistas entre nós.Finalmente, Coutinho antecipava que o novo gênero iria receber forte influência da televisão sobre as “técnicas narrativas” assim como se dera com o folhetim e o cinema.
Pessoas há ainda que pouca ou nenhuma relevância dão às novelas de televisão, sobretudo no meio acadêmico.Outras a veem apenas como uma forma de entretenimento de massa, como uma forma alienada atingindo milhões de telespectadores. Para mim, isso não passa de preconceito de ordem elitista, de highbrowism tupiniquim.
Qualquer indivíduo que lida com a pesquisa cultural não pode subestimar o avanço desse gênero de entretenimento que chegou para ficar. Não nego que há níveis ou graus diferentes de valorização dessa aliciante forma de produzir emoção, prazer e estesia. Se a novela televisiva atende ao gosto popular, ela abrange outros níveis de leitura, não se descartando o estético, o informativo, o do debate de temas propostos pelo próprio enredo, ao qual se adicionam componentes extranarrativos, como o testemunho vivo de pessoas complementando o caleidoscópio de aspectos da realidade empírica com a fantasia ou imaginação.
Costuma-se ainda criticar nas telenovelas brasileiras alguns estereótipos, lugares comuns, maniqueísmos, e repetitiva formatação de enredo, mesmice dos conflitos apresentados, influência do público segundo a direção da fabulação através de enquetes junto ao telespectador. Esse aspecto redundante ou entrópico ainda glamouriza espaços socais elevados, a vida dos ricos e famosos a que autores dão maior peso na novela, sabendo de antemão que isso se ajusta muito bem ao gosto médio ou baixo do repertório cultural do telespectador. Outras vezes, faz contraponto com espaços rebaixados da pirâmide social, mas, como diria um crítico e ensaísta Fábio Lucas ( LUCAS, Fábio. O caráter social da ficção do Brasil São Paulo: Ática, 1985, Série Princípios) sem nunca “problematizar” as questões envolvidas nos enredos. Dessa forma, abortam pela raiz os chamados conflitos de classes e a sociedade permanece firme nas suas diferenças perspectivas e nas suas clivagens sociais.
Afastando, no entanto, essas deficiências do gênero das telenovelas, pode-se também aproveitar certas dimensões subliminarmente introjetadas pelos escritores desse gênero ou mesmo pelos escritores do gênero ficcional ou do teatro, que passaram pela experiência de roteirizar textos para a televisão, como Dias Gomes, Aguinaldo Silva, entre outros.
Já é tempo de se escrever um capítulo em nossas histórias literárias que se ocupe de fornecer uma visão panorâmica das telenovelas. Temos suficiente know-how e um número apreciável de escritores devotados a escrever histórias televisivas, sem esquecermos de que contamos com um número respeitável de bons atores e atrizes quase trabalhando só em novelas de TV. Além dessa contribuição, pode-se lembrar o grande número de obras-primas da ficção brasileira adaptadas para a televisão, algumas vezes, com invulgar talento por parte de experimentados roteiristas.
Na história da telenovela brasileira, há um nome esquecido que, durante um bom período, militou na crítica de televisão. Sendo um bom cronista, foi ainda um melhor crítico de novela televisiva. Estou falando de Artur da Távola (1936-2008)), pseudônimo de Paulo Alberto Monteiro de Barros, cuja carreira de escritor ficou, a meu ver, prejudicada ou torcida quando do seu ingresso na política nacional. Perdemos um bom crítico. Nem sei se seus artigos publicado em O Globo foram reunidos em livros.
Visto ser “o olhar’ o tema principal deste artigo, aproveito para desenvolvê-lo tendo por objeto de análise a novela “Viver a vida”. De antemão previno o leitor de que não me interessam na novela a miudeza, as filigranas de nomes e personagens. Nela me intrigam, no entanto, aspectos que, talvez, não constituam o centro do fiel telespectador em sua maior ou menor capacidade de entendimento de novela.
Dentre outros aspectos, há um em particular - para inspirar-me num conhecido título de um livro de Gilberto Mendonça Teles - que eu chamaria de “estilística do olhar”, recurso ampla e reiteradamente utilizado por Manoel Carlos, autor da novela assistido por colaboradores.
Assim como no cinema, os closes nos permitem ver com maior argúcia a expressão fisionômica da personagem, que, por sua vez, muito revela do seu mundo interior, na novela “Viver a vida” a câmera magistralmente registra a visão do “olhar” da personagem de maneira tão encantadora que a emoção trocada entre dois personagens em cena se torna artisticamente verdadeira e nos abre diversas possibilidades de compreensão dos papéis do atores e atrizes. Pode-se mesmo aventar a hipótese de ser o “olhar” na história uma de suas dimensões de maior carga emotiva.
Não significa, todavia, que o “olhar’ seja um caso isolado de alguns poucos personagens. A contrário, ele se estende a vários atores e atrizes coadjuvantes. Ao longo dos diálogos competentemente urdidos, a estratégia do “olhar’ confirma, pela sua intensidade e verticalidade, ser um dado permanente e por isso reafirma essa “estilística” que perpassa a expressão visual-gestual das personagens.
Por outro lado, vejo a “estilística do olhar’ como um recurso muito associado ao sentimento do amor ou de um possível e latente despertar desse sentimento cedo ou tarde ao longo da história. Vejo mesmo, na focalização da câmera, que esse recurso torna-se, por sua própria natureza, uma expressiva notação da fisionomia da personagem que, por ser reiterativa nessa narrativa televisiva, propicia ao analista uma maior abrangência perceptiva. Quer dizer, esse modo de ver a personagem de maneira sutil se realiza num tempo curto, mas de grande efeito dramático, o qual mais se comunica pelo silêncio acompanhando o “olhar.” Perde-se a oralidade do diálogo, mas se ganha admiravelmente em sua profundidade, em sua verticalidade, repito.
Para completar essa fórmula de comunicação das emoções entre as personagens vivendo uma grande experiência amorosa permanente ou continuada, é inegável que da parte dos telespectadores exista uma fruição que se colocaria no mesmo circuito comunicativo, como que instaurando um tripé de cumplicidade pelo lado da emoção e da identificação sublimadora entre os sentimentos da representação dramática e da própria experiência sentimental do telespectador. Disso são exemplos algumas trocas de olhares entre os personagens gêmeos, Miguel e Jorge, e as figuras femininas com quem formam pares amorosos, O mesmo valeria para os personagem Bruno, Marcos e outros.
Observar detidamente esta “estilística do olhar’ será uma das maneiras fecundas de apreensão da visão do autor sobre o “olhar” e sua indispensável estratégia de dar foros de autenticidade e verossimilhança, e - não se esqueça -, essa estratégia é que reponde por um dos valores estéticos da novela. Em outras palavras, o “olhar” na novela, pelo silêncio e pela suspensão momentânea da fala, é chave valiosa para um mergulho denso de emoções de profunda tentativa de comunicar-se com o ente amado, não o fazendo com palavras explícitas, mas escondendo afirmações e anseios semiotizados pela “estilística do olhar” de quem queria abrir seu coração e afirmar sua subjetividade amorosa. A emoção não verbalizada se frustra em parte, mas no seu interior permanece em ebulição. Tal elemento, na estrutura da novela, se me afigura de capital importância.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

O que o brasileiro deseja para seus filhos

O que o brasileiro deseja para seus filhos

Cunha e Silva Filho


Não é difícil de responder a este tema. Precisa de ser feliz. A palavra felicidade tem muitas direções e cada uma se ocupa de uma fração da felicidade. Sejamos, porém, práticos e vejamos o que faria feliz um brasileiro, um cidadão deste país de tanta beleza e ainda de tantos graves problemas, sobretudo o moral, de difícil solução imediata. Entendo que a moralidade, como a ética, se constrói e sua raiz principal, raiz-mater há que se buscar em dois flancos da vida humana: na família e na educação.
Ninguém pode negar que a sociedade brasileira contemporânea enfrenta sérios percalços de ordem familiar, a começar das camadas mais humildes da população, nas quais inexiste o núcleo familiar: filhos vivem com a mãe, ou com o pai, sendo, pois, ambos separados na convivência e no amor. Outras vezes, nem vivem com os pais, mas nas ruas.
Por outro lado, a família das classes média ou alta se têm pais casados ou separados, na prática muitas vezes em nenhum dos dois casos funciona. Na luta pela sobrevivência e até ambição desmedida, os pais, consciente ou inconscientemente, negligenciam a formação ética e educacional dos filhos, quer dizer, os filhos dispõem de todas as regalias da sociedade de consumo e, ao fim de sua formação físico-picológica, não se dão conta de que a eles faltou algo sumamente relevante que deveriam receber de seus pais afeto, amor, real interesse pelo seu bem-estar, pelas suas aspirações. Nos lares dos excluídos, a família se desagregou, com poucos números que comporiam as exceções.
Tanto os excluídos de qualquer proteção material quanto os incluídos nas benesses de uma vida confortável, por razões que ainda não foram suficientemente pesquisadas, se tornam presas dessa malignidade dos tempos atuais: as drogas. É nesse ponto de exaustão de procedimentos conducentes às tentativas de solução ou melhoria do mal da droga que entram em jogo o concurso dos meios de segurança pública e a escola. Há escolas e escolas. Escolas que funcionam dando boa formação intelectual e cívica e escolas nas quais apenas se cumprem - rotineiramente - princípios burocráticos do sistema de educação. A escola pública burocratizada é um dos maiores males da educação pública brasileira. São de pouco valor essas últimas, pois nada acrescentam à formação da juventude não só pela via do conhecimento mas também pelo caminho da formação cívica, pela internalização de práticas pedagógicas para a vida social equilibrada e sedimentada em valores humanísticos. A inclusão da disciplina filosofia no ensino médio se podia estender para, em aulas dosadas à compreensão do início da adolescência, as duas últimas séries do ensino fundamental, a 8ª e a 9ª.
É preciso que à criança e aos adolescentes, das faixas etárias dos 12 aos 14 anos se deem esmerada orientação para a vida, que até poderia se transformar numa disciplina não-eliminatória, com aulas agradáveis mostrando ao educando o que seria o caminho da dignidade e o da perdição.Lembro-me de que Olavo Bilac que, no campo do civismo, prestou enorme serviço à pátria, via as séries do antigo ginásio como um período fundamental da formação intelectual-moral do estudante. Dever-se-iam, em forma de antologia, reunir algumas conferências desse escritor, cuja atualidade intrínseca da mensagem seria de grande proveito aos alunos brasileiros.
A disciplina que eu chamei atrás de Orientação para a Vida não seria nos moldes da antiga Educação, Moral e Cívica, que foi implantada no período discricionário dos governos militares. Seria, antes, uma disciplina cujo corpus consistisse de informais palestras sem preconceitos com alguns tabus ainda arraigados à nossa visão deformada para enfrentar os desafios dos tempos pós-modernos. Seria uma área de atuação que priorizaria valores humanos imprescindíveis à formação de um cidadão responsável e consciente de seus direitos e obrigações, que fosse desconstruindo velhos preconceitos que só conduzem à cizânia entre indivíduos e sociedades. Desde a infância, passando pelo período da alfabetização efetiva do aluno, os professores já disporão de instrumentos para instilarem sementes de exemplos de brasileiros ou mesmo estrangeiros, que, pela boa educação que tiveram e pela orientação sadia que receberam da família, se tornaram figuras de alta reserva moral e cultural do país e do exterior, realizando feitos e ações nobres nos vários campos da atividade humana que só trouxeram ao país desenvolvimento e bem-estar coletivo. Mas, é preciso saber quem são essa figuras que mereceriam todo o nosso reconhecimento pelo que fizeram em benefício da posteridade.
Na década de quarenta, havia conteúdos de livros didáticos, por exemplo, em francês e inglês, que encerravam temas intimamente relacionados à formação cultural do aluno e ao conhecimento do país através de abordagens e temas que punham em prática o que venho propondo neste artigo. É só conferir. A modernidade pensou primeiro em ser apenas moderna, atual, pautada no avanço científico-tecnológico, e se esqueceu do essencial, ou melhor, da essência do ser, que é voltar-se para o aprimoramento moral do indivíduo.
Livrar o filho das drogas, do tráfico, dos ambientes esconsos e de risco cumpre aos pais e aos órgãos públicos de proteção ao jovem como sua mais alta e nobre tarefa social. O público e o privado devem dar-se as mãos, e com mãos limpas. Não com passeatas inócuas pela paz ou outras questões muito ao gosto da burguesia nossa, mas pelo deslanchar das ações imediatas, urgentíssimas, repensando o que agora se poderia fazer, esquecendo diferenças sociais, religiosas e ideológicas e pensando-se no bem comum, nesse patrimônio da Nação que não se pode perder, que são nosso jovens das favelas, dos palacetes, das ruas, da cidades e do interior, onde crescem assustadoramente a violência, o crime e a ausência de perspectivas para o futuro de cada um deles, sobretudo dos desfavorecidos e brutalizados pelos tempos que correm.

Fernando Pessoa; "English sonnet XXV"

Fernando Pessoa: “English sonnet XXV”

Sonnet XXV

WE ARE IN FATE and Fate’s and do but lack
Outness from soul to know ourselves its dwelling,
And do but compel fate aside or back
By Fate’s own immanence in the compelling.
We are too far in us from outward truth
To know how much we are not what we are,
And live but in the heat of error’s youth,
Yet young enough its acting youth to ignore.
The doubleness of mind fails us, to glance
At our exterior presence amid things.
Sizing from otherness our countenance
And seeing our puppet will’s act-acting strings.
An unkown language speaks in us, which
We are at the words of, fronted from reality.




NO FADO ESTAMOS e do Fado somos, sim, carentes apenas
Da alma do exterior a fim de nós mesmos sua morada conhecermos,
Obrigamos, na realidade, o Fado, afastando-o ou de nós o aproximando
Face à imanência em si de obrigar o Fado
Muito distantes estamos da verdade externa
Para que saibamos o quanto não somos o que somos,
Unicamente dos erros da juventude ao calor vivemos,
No entanto, jovem bastante pra suas imaturas ações desprezar.
Da morte o duplo de ver nos priva
No meio das coisas nossa presença externa,
A partir da alteridade nosso semblante avaliando
E da vontade de nossa marionete o ato de manejar os fios percebemos.
Uma língua estranha fala em nós, com a qual
Diante da realidade por entender lutamos.

(Tradução de Cunha e Silva Filho)