sábado, 3 de agosto de 2019

Carta imaginária a meu pai, Cunha e Silva(1905-1990),no 114º Ano de seu Nascimento



                  

Rio de Janeiro,  03 de agosto de 2019

       
Querido pai:

           
           Antes de tudo,  me permita  por esta  relembrá-lo de que hoje é  seu 114º aniversário de nascimento. Esta data o Sr. não a esquece, não é? Espero que não. Sei que outros familiares possam tê-la lembrado  por estas bandas internéticas  e   que hoje é dia  diferente,  dia de festejá-lo ainda que  pela dimensão  do espírito, a qual  -  seja dita  essa verdade -,  ao fim e ao cabo,  é o que vai  mais importar  entre a terra e o céu.
        A notícia  que lhe dou  é que  o meu livro Apenas memórias  já foi  editado  em 2016. Recebeu várias resenhas favoráveis de gente que conhece literatura. Está  esgotado e, antes que me esqueça  do fato,    o  espalhei  pelo mundo através das facilidade de sites internacionais, como a www.academia.edu.com – Francisco da Cunha e Silva Filho.
          Repito o que  escrevi na carta anterior: já pode  verificar que  a sua presença   encantadora, em varais passagens  da obra,  tem lugar  sobranceiro por muitos motivos,  principalmente pelo amor  que sempre   manifestei  por sua  pessoa. Alguns dos seus dados  e da família  já corrigi. Também aumentei   um pouquinho  o número de páginas e tentei  livrar as Memórias  das malditas  gralhas do autor ( mea culpa)   e da editora.  
         Fomos dois  grandes amigos, na inocência de três anos em Amarante, na adolescência  durante quinze anos em Teresina e, através de  uma  longa correspondência de mais de duas décadas, com  alguns poucas   visitas minhas  a Teresina e duas visitas suas  ao Rio.
        Quis,  contudo, o destino  que vivêssemos  separados pela distância  entre o Rio – cidade que tanto  amou e nela permaneceu estudando  por seis anos  -  e Teresina. O único  consolo  foi  a nossa  longa correspondência por escrito com tantas  cartas, mais suas do que as minhas,  trocando   carinhos,  elogios,  contando  os sucessos seus e  eu relatando os meus, numa amizade  que  crescia com o passar doa anos  e com a chegada da minha  mocidade  que o Sr. conheceu  em  boa parte,  não o suficiente para   ver meus  maiores sonhos   realizados. Pelo menos   um dos seus  desejos que almejava para seu filho  -  fazer o mestrado  - se concretizou. Mas, fui muito mais adiante do que o Sr. imaginava. Até mesmo  já pertenço à Academia Brasileira de Filologia,   Cadeira  nº 3, e escrevo  para o exterior.
          “Filho, quando vais fazer o mestrado, quero  te ver  professor universitário.” Não sabia, meu pai, que só  um ano depois, em 1991,  ingressaria eu  no mestrado e que só em 2015,  concluiria o Pós-Doutorado. Foi tudo muito árduo  e aflitivo. Nem bolsa  a que tinha direito  ganhei, Tive que  gastar com livros  e  material  de computador   às minhas minguadas  expensas,  pois não era professor  de uma universidade  pública, cujos  pesquisadores  têm  prioridade  na aquisição de bolsas dos  nossos conhecidos fomentos, CNPq e CAPES. Acho isso injusto.
           A dor  maior  para mim sentida foi  me ter deixado na conturbada   Terra sem que lhe pudesse dar o último   beijo na testa amada e envelhecida  à altura dos seus oitenta e cinco  anos,      o último abraço forte,   o último aperto  de mãos -  apertar aquelas mãos   lindas que  tinha, as mais bonitas de Amarante, enfim,   o último   olhar     pedindo a Deus que o Sr.   não me deixasse só, no estado de abandono  e solidão   absoluta e inconsolada.
         Mas, nesta carta agora,  pai,  há outras coisas que , bem sei,  foi bom que não  presenciasse e delas não participasse como  jornalista combatente e intrépido.
        Ainda bem que a sua saída da cena da vida brasileira o poupou de assistir a tantos  dissabores da política brasileira, sobretudo  dos mais  escandalosos acontecimentos  do baixo clero  da  politicagem que o país tem vivido no domínio  petista em agora,   nos primeiros meses da era Bolsonaro,   com  os desacertos  e  o autoritarismo  desse novo governante.       
            Certeza tenho  de que  não ia  aguentar calado  à derrocada ética e à patuscada  preparada  nos circos mambembes  que se instalaram  nos centros do poder, lá em Brasília, nessa era Bolsonaro, dublê do Presidente  Trump ( Isso seria de esperar da inteligência  política de ambos e das trapalhadas  mil)  que   ainda  parece persistir  com  os novos quadros de políticos   recém-chegados  e já nos dando sinais   evidentes  de que a coisa  não mudou em nada,  pelo menos nos privilégios  e benesses de deputados. 
          Assim como,  no  poder Judiciário,   as mordomais  continuam inabaláveis,  com gastanças  faraônicas de mordomias  e suntuosidade à custa dos miseráveis   pagadores de impostos, dos mais humildes  aos mais  velhacos.
         Bem fez a Providência  Divina  que o livrou  de  ver  tanta podridão disseminada  pelos quatro cantos do país manifestada  em  várias   formas: impunidade,  violência  gigantesca  e sem perspectiva de solução,  delinquência juvenil sem  redução de maioridade pelo menos  por  tempo  determinado, economia   escangalhada  por culpa  da roubalheira  do desvio do dinheiro  público, volta da inflação ( com aumentos  escorchantes dos preços dos remédios,  da alimentação,  das tarifas gerais),  cujos efeitos  deletérios já se fazem sentir nas camadas baixas e médias da sociedade, juros altos  determinados  pelo  governo  federal, onda de     desemprego, fechamento  de lojas  por falta   de compradores.
        E esse quadro  de aumentos de custo devida  persiste na era  Bolsonaro assim como  o arrocho salarial  excetuando  os  dos donos do Poder. Veja o exemplo, no Rio de Janeiro, de velhas lojas da Rua da Carioca fechando as portas, política de ajuste fiscal    com mão de ferro a fim de  tapar  os buracos   da arrecadação  em declínio e, por tabela,  para  cobrir, com  o sacrifício  forçado  do contribuinte,  os rombos  das estatais  das quais  saíram  as milionárias  propinas  para encherem  os bolsos  ou as contas  milionárias  de partidos que apoiam   o governo federal     e políticos  corruptos.
          O Sr, meu pai,  que passou  por prisão  durante a ditadura  Vargas,  por  longos anos   de  ditadura militar-civil, por períodos de normalidade  democrática, não alcançou os dias mais perversos  da ditadura  econômica,  dos escândalos do Mensalão, dos assaltos  à Petrobrás   e da mais  deplorável   situação de decadência ética da vida  pública brasileira. Imagine se o Sr. visse  o que fizeram com a Previdência  que teve a culpa de ser o bode expiratório  da gastança  dos três poderes. Fazer uma reforma Previdência ara que possa surtir efeito daqui a dez anos  é uma piada de péssimo gosto do  tiranete da economia,  o superministro neoliberal   do Bolsonaro que surgiu no cenário  econômico de não sei que lugar.
          O Sr, ficaria  perplexo com a qualidade de ministros  empossados pelo   Presidente Bolsonaro. Na maioria  é o que há de mais    mediano . Também iria ficar  apreensivo com o número de militares que   passaram a fazer  parte do era Bolsonaro. Afinal de contas,   o governo  é civil  ou   misto? Não é bom sinal.
          Outra coisa terrível,   foi o governo  atual  não concordar com os altos   índices  de  desmatamento (já constatado no  atual  governo)  da Amazônia,  duvidando da capacidade  de um diretor do INPE,  que  é cientista  reconhecido  junto com  outros  da Instituição. O que será dos “Pulmões do Mundo,” pai? Esse fato é gravíssimo. E já tendo repercussão   internacional.  A Floresta é dos brasileiros  e não de um governo de plantão  que se atropela  nas pernas  e  afirma    coisas  estapafúrdias.
          Jamais, meu pai, iria  imaginar que pudéssemos   chegar a este ponto em que nos encontramos, não por nossa  causa, mas  por culpa da   imoralidade de práticas  de   nossa política, as quais   definem os modos de governança  feitos à base de barganhas mútuas entre o governo federal  e os partidos sem princípios democráticos firmes.
        Se o Sr. se encontrasse ainda entre nós,  teria, assim,  que redobrar  e retemperar  a sua retórica de jornalista desassombrado, cuja trajetória  esteve  quase sempre na oposição e, portanto,  foi vítima no seu tempo  de  perseguições ao ponto de ser demitido  de um  famoso colégio  público em Teresina  por um  governador  do Piauí a  quem  combatia com muita coragem os erros e injustiças de administração
       .Com muitos filhos para criar, sofreu aflições  e privações e, se não fossem uns poucos amigos, as atribulações seriam  ainda piores. Com ânimo forte,  aguentou todos  os percalços e  infâmias  dos governantes desafetos.
            O Sr., meu pai, grande e bravo  jornalista, segundo A. Tito Filho (1924-1992), outro ilustre jornalista e intelectual  do Piauí,   nunca “baixou o topete” diante dos poderosos,  e,  na história do jornalismo  piauiense,    provavelmente tenha  sido  o jornalista  mais  prolífico do seu estado natal.
           Sendo um jornalistas  que sempre  escreveu  freneticamente  à mão (sem nem mesmo   ter aderido à máquina de escrever) e ao correr da  pena, não pôde  alcançar a era do computador, da internet,  dessa maravilhosa e gigantesca    enciclopédia  virtual de âmbito universal, que é o Google,  das celulares, do tablets, dos e-books e de outros mil gadgets que os  milagres tecnológicos dos algoritmos  vêm inventando e tornando  possíveis – para deixarem nós idosos (agora sou idoso, pai) em polvorosa  sobre como  irão  manipular tanta engrenagem   complicada  aos nosso olhos  já cansados.      
           Porém,  estou certo de que  essas conquistas  do mundo eletrônico  teriam a sua aprovação,  pois sempre foi  um homem que tanto  amava as humanidades quanto  as ciências, como são provas  o   belo discurso de posse, na Academia Piauiense de Letras, da cadeira  nº 8 que,  pelo seu talento e suas qualidades de  intelectual,  soube  conquistar e  tão bem a   dignificou. Por enquanto é só, entre tantas outras coisas boas e ruins, que gostaria de lhe contar. Porém, ficam  pra depois. 
      Aceite, meu querido pai, os cumprimentos   pelo seu  114 º aniversário de  nascimento.
       Com as saudades do filho


                              Cunha e Silva  Filho

NOTA:

A  carta acima foi modificada e atualizada. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário