Rio de Janeiro, 03 de agosto de 2019
Querido pai:
Antes de tudo, me permita
por esta relembrá-lo de que hoje
é seu 114º aniversário de nascimento.
Esta data o Sr. não a esquece, não é? Espero que não. Sei que outros familiares
possam tê-la lembrado por estas bandas
internéticas e que
hoje é dia diferente, dia de festejá-lo ainda que pela dimensão
do espírito, a qual - seja dita
essa verdade -, ao fim e ao
cabo, é o que vai mais importar
entre a terra e o céu.
A notícia que lhe dou
é que o meu livro Apenas memórias já foi
editado em 2016. Recebeu várias
resenhas favoráveis de gente que conhece literatura. Está esgotado e, antes que me esqueça do fato,
já o espalhei
pelo mundo através das facilidade de sites internacionais, como a www.academia.edu.com – Francisco da Cunha
e Silva Filho.
Repito o que escrevi na carta anterior: já pode verificar que
a sua presença encantadora, em
varais passagens da obra, tem lugar
sobranceiro por muitos motivos,
principalmente pelo amor que sempre manifestei
por sua pessoa. Alguns dos seus
dados e da família já corrigi. Também aumentei um pouquinho o número de páginas e tentei livrar as Memórias das malditas gralhas do autor ( mea culpa) e da editora.
Fomos dois grandes amigos, na inocência de três anos em
Amarante, na adolescência durante quinze
anos em Teresina e, através de uma longa correspondência de mais de duas
décadas, com alguns poucas visitas minhas a Teresina e duas visitas suas ao Rio.
Quis,
contudo, o destino que
vivêssemos separados pela distância entre o Rio – cidade que tanto amou e nela permaneceu estudando por seis anos
- e Teresina. O único consolo
foi a nossa longa correspondência por escrito com
tantas cartas, mais suas do que as
minhas, trocando carinhos,
elogios, contando os sucessos seus e eu relatando os meus, numa amizade que
crescia com o passar doa anos e
com a chegada da minha mocidade que o Sr. conheceu em boa
parte, não o suficiente para ver meus
maiores sonhos realizados. Pelo
menos um dos seus desejos que almejava para seu filho - fazer
o mestrado - se concretizou. Mas, fui
muito mais adiante do que o Sr. imaginava. Até mesmo já pertenço à Academia Brasileira de
Filologia, Cadeira nº 3, e
escrevo para o exterior.
“Filho, quando vais fazer o mestrado,
quero te ver professor universitário.” Não sabia, meu pai,
que só um ano depois, em 1991, ingressaria eu no mestrado e que só em 2015, concluiria o Pós-Doutorado. Foi tudo muito
árduo e aflitivo. Nem bolsa a que tinha direito ganhei, Tive que gastar com livros e
material de computador às minhas minguadas expensas,
pois não era professor de uma
universidade pública, cujos pesquisadores
têm prioridade na aquisição de bolsas dos nossos conhecidos fomentos, CNPq e CAPES.
Acho isso injusto.
A dor
maior para mim sentida foi me ter deixado na conturbada Terra sem que lhe pudesse dar o último beijo na testa amada e envelhecida à altura dos seus oitenta e cinco anos,
o último abraço forte, o último
aperto de mãos - apertar aquelas mãos lindas que
tinha, as mais bonitas de Amarante, enfim, o último
olhar pedindo a Deus que o Sr. não me deixasse só, no estado de
abandono e solidão absoluta e inconsolada.
Mas, nesta carta agora, pai,
há outras coisas que , bem sei,
foi bom que não presenciasse e
delas não participasse como jornalista
combatente e intrépido.
Ainda bem que a sua saída da cena da
vida brasileira o poupou de assistir a tantos
dissabores da política brasileira, sobretudo dos mais
escandalosos acontecimentos do
baixo clero da politicagem que o país tem vivido no
domínio petista em agora, nos primeiros meses da era Bolsonaro, com os
desacertos e o autoritarismo desse novo governante.
Certeza tenho de que
não ia aguentar calado à derrocada ética e à patuscada preparada
nos circos mambembes que se
instalaram nos centros do poder, lá em
Brasília, nessa era Bolsonaro, dublê do Presidente Trump ( Isso seria de esperar da
inteligência política de ambos e das
trapalhadas mil) que
ainda parece persistir com os
novos quadros de políticos
recém-chegados e já nos dando
sinais evidentes de que a coisa não mudou em nada, pelo menos nos privilégios e benesses de deputados.
Assim como, no
poder Judiciário, as
mordomais continuam inabaláveis, com gastanças
faraônicas de mordomias e
suntuosidade à custa dos miseráveis pagadores
de impostos, dos mais humildes aos
mais velhacos.
Bem
fez a Providência Divina que o livrou
de ver tanta podridão disseminada pelos quatro cantos do país manifestada em
várias formas: impunidade, violência
gigantesca e sem perspectiva de
solução, delinquência juvenil sem redução de maioridade pelo menos por
tempo determinado, economia escangalhada
por culpa da roubalheira do desvio do dinheiro público, volta da inflação ( com
aumentos escorchantes dos preços dos
remédios, da alimentação, das tarifas gerais), cujos efeitos
deletérios já se fazem sentir nas camadas baixas e médias da sociedade,
juros altos determinados pelo
governo federal, onda de desemprego, fechamento de lojas
por falta de compradores.
E esse quadro de aumentos de custo devida persiste na era Bolsonaro assim como o arrocho salarial excetuando
os dos donos do Poder. Veja o
exemplo, no Rio de Janeiro, de velhas lojas da Rua da Carioca fechando as
portas, política de ajuste fiscal com
mão de ferro a fim de tapar os buracos
da arrecadação em declínio e, por
tabela, para cobrir, com
o sacrifício forçado do contribuinte, os rombos
das estatais das quais saíram
as milionárias propinas para encherem
os bolsos ou as contas milionárias
de partidos que apoiam o governo
federal e políticos
corruptos.
O Sr, meu pai, que passou
por prisão durante a
ditadura Vargas, por
longos anos de ditadura militar-civil, por períodos de
normalidade democrática, não alcançou os
dias mais perversos da ditadura econômica,
dos escândalos do Mensalão, dos assaltos
à Petrobrás e da mais deplorável situação de decadência ética da vida pública brasileira. Imagine se o Sr. visse o que fizeram com a Previdência que teve a culpa de ser o bode
expiratório da gastança dos três poderes. Fazer uma reforma
Previdência ara que possa surtir efeito daqui a dez anos é uma piada de péssimo gosto do tiranete da economia, o superministro neoliberal do
Bolsonaro que surgiu no cenário
econômico de não sei que lugar.
O Sr, ficaria perplexo com a qualidade de ministros empossados pelo Presidente Bolsonaro. Na maioria é o que há de mais mediano . Também iria ficar apreensivo com o número de militares que passaram a fazer parte do era Bolsonaro. Afinal de
contas, o governo é civil
ou misto? Não é bom sinal.
Outra coisa terrível, foi o governo atual
não concordar com os altos índices
de desmatamento (já constatado
no atual
governo) da Amazônia, duvidando da capacidade de um diretor do INPE, que é
cientista reconhecido junto com outros da
Instituição. O que será dos “Pulmões do Mundo,” pai? Esse fato é gravíssimo. E
já tendo repercussão
internacional. A Floresta é dos
brasileiros e não de um governo de
plantão que se atropela nas pernas
e afirma coisas
estapafúrdias.
Jamais, meu pai, iria imaginar que pudéssemos chegar a este ponto em que nos encontramos,
não por nossa causa, mas por culpa da
imoralidade de práticas de nossa
política, as quais definem os modos de governança feitos à base de barganhas mútuas entre o
governo federal e os partidos sem
princípios democráticos firmes.
Se o Sr. se encontrasse ainda entre nós,
teria, assim, que redobrar
e retemperar a sua retórica de
jornalista desassombrado, cuja trajetória
esteve quase sempre na oposição
e, portanto, foi vítima no seu
tempo de
perseguições ao ponto de ser demitido
de um famoso colégio público em Teresina por um
governador do Piauí a quem
combatia com muita coragem os erros e injustiças de administração
.Com muitos filhos para criar, sofreu
aflições e privações e, se não fossem
uns poucos amigos, as atribulações seriam
ainda piores. Com ânimo forte, aguentou todos
os percalços e infâmias dos governantes desafetos.
O Sr., meu pai, grande e bravo jornalista, segundo A. Tito Filho (1924-1992),
outro ilustre jornalista e intelectual
do Piauí, nunca “baixou o
topete” diante dos poderosos, e, na história do jornalismo piauiense,
provavelmente tenha sido o jornalista
mais prolífico do seu estado
natal.
Sendo um jornalistas que sempre
escreveu freneticamente à mão (sem nem mesmo ter aderido à máquina de escrever) e ao
correr da pena, não pôde alcançar a era do computador, da
internet, dessa maravilhosa e gigantesca
enciclopédia virtual de âmbito universal, que é o
Google, das celulares, do tablets, dos e-books e de outros mil gadgets
que os milagres tecnológicos dos
algoritmos vêm inventando e tornando possíveis – para deixarem nós idosos (agora
sou idoso, pai) em polvorosa sobre
como irão manipular tanta engrenagem complicada
aos nosso olhos já cansados.
Porém,
estou certo de que essas
conquistas do mundo eletrônico teriam a sua aprovação, pois sempre foi um homem que tanto amava as humanidades quanto as ciências, como são provas o
belo discurso de posse, na Academia Piauiense de Letras, da cadeira nº 8 que,
pelo seu talento e suas qualidades de
intelectual, soube conquistar e tão bem a dignificou. Por enquanto é só, entre tantas
outras coisas boas e ruins, que gostaria de lhe contar. Porém, ficam pra depois.
Aceite, meu querido pai, os
cumprimentos pelo seu 114 º aniversário de nascimento.
Com as saudades do filho
Cunha e
Silva Filho
NOTA:
A carta acima foi modificada e atualizada.
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