quinta-feira, 30 de novembro de 2017

TRADUÇÃO DO POEMA "LES DIX PARTIES DU DISCOURS", AUTOR DESCONHECIDO





LES DIX PARTIES DU DISCOURS



Le plus maigre de toute la famille
A de sa race le plus l’estampille:
C’est l’article mince comme une fille.

Le nom se prélassee fait l’important,
Du domain des phrases il est roi tant
Para l’égoïsme que par le clinquant.

L’adjectif, son três humble satellite,
L’aCcompagne comme une ombre maudite
Ou comme sa chienne favorite.

Tel un proconsul romain, le pronom
Tient le haut rang de son maître le nom
Don’t il va sauvegarder le renom.

Verbe est l’exécuteur de hautes  oeuvres
De sa majesté  le nom. Mais il oeuvre
Souvent une trahison de coulevre.

Et fait de son  souverain son sujet,
Ou sa victime, aidé par son valet,
Le participe passé, grand suspect.

Comment agir voilà ce que l’adverbe,
Em sourdine ou  bruyamment, dit au verbe.
En mal, il peut changer l’acte superbe.

Enfin trois personnages en second:
Conjonction, officier de liaison
De l’État-Major général du nom.

Préposition, l’argent diplomatique
Qui decide de façon emphatique
Si l’on sera pour ou contre en pratique.

Et le clown, cet  inévitable fou:
Intejection: plein de bruit, de corroux,
Vide de pensée, pauvre bouche-trou.


  AS DEZ PARTES DO DISCURSO



De toda a família a mais magra
Da sua espécie e mais visível
É o artigo, delgado como uma donzela.

Tem ares de prelado o substantivo
Do domínio da frase é rei tanto
Pelo egoísmo  quanto pelo falso brilho.

O adjetivo, seu satélite mais humilde,
Qual sombra maldita
Ou como seu cão favorito o acompanha.

O pronome que nem um procônsul romano
De seu mestre substantivo ocupa a alta  posição,
Cujo renome salvaguardar vai.

De altas obras de seu executor
De sua majestade, o substantivo é o verbo.
Pois, por vezes, age como uma serpente.

 E  de seu soberano o lugar assume
Ou dele faz vítima por seu criado auxiliado
O particípio passado, grande suspeito.

Como fica, assim, o advérbio
Que, em  surdina,  ou barulhentamente, ao verbo fala?
No mínimo, ele pode o ato soberbo  mudar.

Por fim, três personagens auxiliares:
Conjunção, funcionário  de  ligação
Do Estado Maior geral do substantivo.

Preposição, o  agente diplomático
Que, de modo enfático,  decide
Se, na prática, seremos  prós ou contras.

E o clown, este inevitável desvairado:
Interjeição: cheia de bulha, de furor,
Vazia de ideias, simples figuração.

                                                    (Trad. de Cunha e Silva Filho)




domingo, 26 de novembro de 2017

MODERNISMO BRASILEIRO: A DIMENSÃO QUE LHE FALTOU( CONCLUSÃO)




                                                                  CUNHA E SILVA FILHO



6. CONCLUSÃO


    È ponto pacífico que o Modernismo brasileiro foi o grande emancipador da literatura brasileira, sobretudo pelo que pôde realizar  e de atualizador da realidade nacional, aproximando-se, se não do povo, ao menos de nossos crônicos problemas sociais.
     Não é possível que a esta altura do desenvolvimento alcançado pelo país, posto que com  tantas desigualdades e injustiças gritantes,  a surrada questão  xenófoba possa tomar força entre defensores nacionalistas provincianos que não vêem  na troca de cultura a vantagem de países se beneficiarem mutuamente. O que seria reprovável é a completa passividade do povo em geral de só valorizar voluntariamente, ou por influência de um colonialismo  cultural ainda  arraigado  e reforçado  pelo globalização da mídia,   o que é de fora, sejam teorias modas, produtos ou lazer.
     Repensar o movimento Modernista a partir da perspectiva do povo, tanto como sujeito de nossa realidade como  voz narracional é um passo decisivo para integrarmos o movimento em suas raízes autônomas que pudessem continuar nessa direção o filão inaugurado por Manuel Antônio de Almeida, passando – por que não? – por Machado de Assis (1839-1908), Lima Barreto (1881-1922), Marques Rebelo (1907-1973), Antônio Fraga(1916-1973), e alcançando resultados brilhantes em João Antônio.
    Os conceitos de Modernismo e Modernidade não podem ser dissociados de pressupostos econômicos e culturais, mas também não são corolários indispensáveis ao desenvolvimento só pelo caminho do neoliberalismo. Entretanto, nos parece que os tentáculos neoliberais procuram instilar nos espíritos menos avisados que as premissas  da Modernidade devam sempre estar nas promessas da economia programada além  fronteiras. É possível ser moderno sem ser neoliberal e sem ser tampouco xenófobo.



7 . REFERÊNCIAS  BIBLIOGRÁFICAS.

1.ASSIS,  Machado de. Obra  completa.Rio de Janeiro:  Editora Nova  Aguilar, 1977. Org. por Afrânio Coutinho, V. III.
2.ANDERSON, Benedict. Nação e consciência nacional. São Paulo: Ática, 1989. Série Tema, v. 9. Trad. de Lóror Lourenço de Oliveira.
3.BOURDIEU, Pierre. Contrafogos – táticas para enfrentar a invasão do neoliberalismo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998. Trad. De Lucy Magalhães.
4. BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira.  3. ed. São Paulo: Cultrix, 1986.
5. BRASIL, Assis. História crítica da literatura brasileira.o  Modernismo. Rio de Janeiro: Pallas S.A., 1976.
6.COUTINHO, Afrânio. Conceito de literatura  brasileira. Rio de Janeiro: Ediouro,, s.d.
7. EAGLETON, Terry.  Teoria literária – uma introdução. São Paulo: Martins Fontes, 1997. Trad. de Waltensir Dutra..
8. HOLLANDA, Heloísa  Buarque de. Pós-Modernismo e política. (org.).
Rio de Janeiro: Rocco, 1991.
9.MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia – dos pré-socráticos a Wittenstein. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997.
10. PORTELLA, Eduardo. Fundamentos da investigação literária.  3. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1981.
_______. Confluências – manifestação da consciência comunicativa.  1. ed. Rio de Janeiro:  Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983.
11_____ et alii. As modernidades. Revista  Tempo Brasileiro, 84:5/9. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1986.
12. ____ et alii. Premissas e promessas da modernidade. Revista Tempo Brasileiro,130/131: 5/10. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,  1997.
13._____et alii. Qual modernidade? Revista Tempo Brasileiro, 111: 109/112. Rio de janeiro, 1992.
14._____et alii. Sentido(s) da modernidade. Revista Tempo Brasileiro,76: 118/127. Rio de  janeiro: Tempo Brasileiro,1984.
15. ROUANET, Sérgio Paulo et alii. Perspectivas da cultura brasileira no início do século XXI. Revista Tempo Brasileiro,  130/131: 83/103. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.

16. THEODORO, Janice et alii. “América Latina”: visão especular. Revista Tempo Brasileiro. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

MODERNISMO BRASILEIRO: A DIMENSÃO QUE LHE FALTOU (3)





                                                                           Cunha  e Silva Filho


5. MODERNISMO E MODERNIDADE



         Não só no campo literário como também nos setores institucionais, culturais  e econômicos, o país que pretende inserir-se era da modernidade deve  levar em conta um saber a ser construído tendo como condição prévia as  idéias de diferença, sob pena de se manter unilateralmente uma postura absolutista e autoritária. Esta postura assumida não pode ter por isso um caráter intransitivo.
       O projeto de modernidade brasileiro será eficaz na medida em que se abrir  para a alteridade – a via de acesso à “vida do mundo.” Se, porém, limitar-se às imposições do discurso próprio e não admitir a travessia para o discurso diferente não se constituirá  em projeto solidário e democrático[5]
        Todo discurso autoritário esquece e anula qualquer argumento em contrário. Vejam-se,  no caso brasileiro, a era do Estado Novo, o longo período  da ditadura  militar com o apoio de faixas da sociedade civil. O discurso político brasileiro, mesmo nos períodos considerados democráticos, não se fez tendo como princípio diretivo o bem-estar coletivo do país,  a massa da  população. O desenvolvimento do país, quando houve, foi feito sempre por exclusão. A modernidade que daí surgiu teve sempre um sentido de incompletude. Os grandes projetos de desenvolvimento industrial, tecnológico, as reformas econômicas foram concebidas sem consultar as populações em nossas Casas Legislativas.
       Os dois últimos  governos federais que  tivemos, o de Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso, assimilando modelos de economias  advindos do neoliberalismo, são dois flagrantes exemplos de como o conceito de democracia se relativizou. O que esses governos nos impuseram, através de medidas  provisórias, alterou profundamente a sorte dos brasileiros, sobretudo dos mais desfavorecidos. Tudo isso se fez em nome de uma suposta modernidade de abertura do país à globalização da economia. Ora, alterações bruscas no sistema econômico, se por um lado alavancavam o país a muitas conquistas no campo   da economia do mercado, por outro lado essa modernidade deixava lacunas em que certas camadas da população ainda ficaram presas a modos de vida arcaicos e abandonados pelo Estado brasileiro.
          A melhor imagem que teríamos dessa modernidade abrupta  e intempestiva é a de um país que se tem construído por saltos e com tamanho açodamento que a realidade brasileira se torna um mosaico de realidades convivendo, até hoje,  ao mesmo tempo Primeiro Mundo com Terceiro Mundo, considerando aqui  essa divisão meramente de desigualdades e tempos  desencontrados ou assimétricos. Basta vermos  o que oferece o interior do país não só no Nordeste, mas no Sul e em toda parte, sem se falar das periferias urbanas.
          São populações que – é preciso enfatizar - vivem em tempos   diferentes e num país que se arvorou de chegar à modernidade. Aludimos aqui à coexistência de realidades sociais díspares. Por exemplo, convivemos ainda com  crônicos problemas : analfabetismo, analfabetismo funcional,  ignorância da população sobre benefícios sociais vigentes ou que, no vendaval das reformas, são retirados pelos governos,sem consultar os interessados. E não estamos falando de outros gravíssimos problemas  que permanecem  nos desafiando: violência, educação pública deficiente,  transporte coletivo insuficiente, saneamento  básico precaríssimo.[6] Essa situação assincrônica da realidade brasileira corresponde, no plano cultural, à  advertência de Eduardo Portella: “Com  a chegada da pós-modernidade corremos  o risco de sermos uma cultura pós-moderna sem termos sido moderna.”[7]
      Que modernidade é essa que permanece subserviente a  interesses de em organismos transnacionais que ditam o que bem entendem sobre a  realidade de um país do mudo, gerando mais miséria e um contingente cada  vez maior de desempregados? Que democracia é essa que vem a reboque das ditaduras econômicas? É nessa altura de nossa reflexão que percebemos a pertinência da interpelação lúcida do crítico Eduardo Portela:

 (...) para que serve a modernidade se não é capaz de reforçar a democracia? Se não  conseguir ampliar o campo da justiça social? Não se pode negar que o Brasil vem fazendo algum avanço âmbito da democracia real. Menos satisfatórios ou mesmo insuficientes, se  levarmos em conta cada vez mais a velha  e cada vez mais concentração de rendas, são os ganhos em termos de equidade social. (...) [8]
 
         Na esfera literária, os dois conceitos Modernismo e Modernidade para Eduardo Portella merecem ser melhor equacionados e compreendidos. O  ensaísta levanta, primeiro, uma questão moderno?”  O que sucedeu  ao verde-amarelismo não foi senão   ter descambado para ideários fascistoides?
       No pensamento do ensaísta o que seria mais saudável e proveitoso  à nossa herança cultural teria sido não uma cisão, mas um aproveitamento do legado romântico e a apreensão das novas contribuições que vieram somar-se àquelas oriundas do Romantismo, movimento cultural com amplas ressonâncias que vão até às vanguardas.
      A  realização plena e compensadora entre polos diferentes só se efetiva na convivência das diferenças, ou, como assinala Portella, no “... chegar  de coabitação fácil e frutíferas  convivências imprevisíveis e de intercâmbios simbólicos inabituais.” [9]
      Portella propõe três tipos de modernidade no quadro da cultura brasileira contemporânea, convivendo sucessivamente ou, segundo ele próprio sugere, simultaneamente: modernidades das nações, dos nacionalismos e das desnacionalizações. O ensaísta ainda fala de uma outra, a que chama de “derradeira modernidade.”
          Antes de se configurar como um povo com contorno nítidos o  brasileiro sofre o impacto catastrófico do anonimato e de uma realidade conturbada pela invasão das massas e presa fácil, conforme acentua o ensaísta, de manipulações.
         Retomando  a advertência feita anteriormente no mesmo ensaio ao afirmar  que os  podíamos cair no risco de sermos pós-modernos sem sermos modernos, Portella reclama por uma revisão crítica do Modernismo. Todavia, na concretização desse objetivo ele desqualifica a discussão por ele denominada peleja mesquinha entre mundialização dos mercados e mundialização dos valores. Nesse ponto, não vejo  como peleja mesquinha uma discussão  mais ampla entre duas realidades confrontadas pela Modernidade.
          A globalização afetará, sim, a universalização dos valores. Os males provocados pela economia globalizada neoliberal trazem no  seu bojo os  sacrifícios populações mais desafortunadas, sobretudo com o desemprego, a instabilidade no trabalho com o temor implantado sub-repticiamente    pela engrenagem dos mecanismos psicológicos, a miséria, a fome em gruas progressivos, assim como – e já estamos sentindo isso na pele em nosso país -  a redução do papel do Estado  como   responsável por áreas vitais como saúde, educação, formando um quadro social injusto e comprometendo as condições de vida no planeta.[10]
         Seria muito bom e tranquilo para os destinos da humanidade se a globalização e o universalismo na visão que nos passa Rouanet[11] tivessem na práxis os resultados por ele pretendidos. Não bastam só organismos democraticamente formados para decisões de foro internacional a fim de que soluções sejam encaminhadas convenientemente. O vetor da racionalização, para usarmos o termo desse ensaísta, ipso facto, não vai, posto que de forma duradoura, conviver pacificamente  com o vetor da emancipação dos indivíduos.
          A economia  - ninguém pode refutar esse fato – pouco está se importando com o comportamento humano, uma vez que o racionalismo    nela está assente  em fatores tais como lucro, risco e competição, os quais, por só, nada têm a ver com solidariedade e sentimentos piedosos...
       Portanto, o pensamento projetivo de Rouanet nos parece mais um objetivo de teor triunfalista e mesmo utópico, ainda quando procura atenuar conceitos como  globalização e internacionalismo ao defender  aqueles que lhe parecem mais apropriados ao entendimento da modernidade: autonomia e  universalismo. (Continua).

NOTAS:


[5] PORTELLA.  Eduardo (1984. Op. cit
[6] Este ensaio é uma versão refundida de uma  monografia escrita durante o meu Doutorado na UFRJ, em 1998. A perspectiva  histórico-ideológica se restringe à realidade do país das décadas de 1980 e 1990.  O tema desenvolvido se encontra ainda bem atual.  A  situação social, com  a economia em recessão, foi agravada profundamente. O resultado de governos mal  administrados e perdulários, entre outros  malefícios que nos afligem,  logo se fez  evidente na  escalada da violência.   A nação atravessou e está ainda atravessando  uma  fase de imoralidade política  jamais  vista  na historia política brasileira diante do pipocar de  escândalos de  corrupção governamental nos níveis federal, estadual e municipal.    Corruptores e corrompidos se deram as mãos  no enlace  fatídico e cínico entre o público e o privado. A senha entre público e privado passou a ser a propina, o dinheiro em malas, a formação de quadrilhas e a lavagem de dinheiro   no setor público aliado  a parte do alto empresariado  conforme se viu no Escândalo  do Mensalão, Operação LavaJato e tantos outros  surgidos atualmente no país envolvendo os governos Lula, Dilma, Temer, governadores  e políticos no exercício de seus mandatos.
[7] PORTELLA, Eduardo (1984), op.cit., p.6.
[8] PORTELLA, Eduardo (1986), OP. CIT., P. 5-6.
[9] PORTELLA, Eduardo (1997), OP. CIT., P. 7.
[10] BOURDIEU, Pierre. (1999).
[11] ROUANET,  Sérgio Paulo 1997). Op. Cit.

terça-feira, 14 de novembro de 2017

MODERNISMO BRASILEIRO: A DIMENSÃO QUE LHE FALTOU (2)





                                                                     Cunha e Silva Filho




 3. AS CONTRADIÇÕES: O NACIONAL E O ESTRANGEIRO.



        Nenhum movimento cultural é autônomo nas suas implicações e procedimentos. Portanto, quando reclamamos para o nosso caso uma literatura que reflita o nosso  povo e a nossa nação, tal premissa se exime de ser absoluta em si. Não há essa ideia de pureza e de primitivismo quando delimitamos nossa definição de nacional. Exatamente porque no nacional está implícita a tradição literária por via  da qual se transmitem as técnicas e formas  literárias do exterior.
      É preciso estabelecer com  critério  o conceito de nacional sem o preconceito xenófobo. Lembre-se aqui a oportuna  página de Machado de Assis contida no  ensaio “Instinto  de nacionalidade: O que de deve exigir do escritor antes de tudo é certo sentimento  íntimo, que o torne homem do seu tempo e do seu país, ainda quando trate de assuntos remotos no tempo e no espaço.”[3]
       Sendo o Brasil um país de cultura transplantada e, depois, modificada a custo de variantes mesológicas, étnicas e culturais, a formação de nosso patrimônio literário esteve constantemente recebendo o influxo externo. Por conseguinte, o que aqui se formou foi acompanhado sempre do contributo de fora, primeiro pela influência  portuguesa,  depois, pela francesa e inglesa, sobretudo desta última ainda vigorante. Nosso primeiros homens  ligados à cultura tiveram formação europeia e de lá nos trouxeram as modas  literárias e as doutrinas  filosóficas correntes.
        Quando pleiteamos uma literatura nacional  não estamos  somente nos referindo à temática  local, mas também a fatores  intrínsecos que nos enformaram literariamente, dos quais, entretanto, vamos  pouco a pouco nos libertando por força de uma realidade nova.
     A escrita literária não se originou de um grau zero. Ela se insere no circuito de experiências e conquistas da tradição ocidental. Não fosse por isso, não teríamos nunca entre nós a contribuição de técnicas e descobertas no campo da poesia, da ficção e da teoria que já foram trabalhadas lá fora e, por via  indireta,  dos livros estrangeiros ou nacionais a que os autores locais tiveram  acesso.
     Recusar simplesmente a contribuição alienígena é praticar um ato de insensatez intelectual, sobretudo agora que temos à nossa volta a pressão do conhecimento globalizado via Internet.
     A grande incongruência que existe entre o nacional e o estrangeiro se coloca quando decorre no âmbito das instituições sociais e políticas, conforme se deu em nosso  pais, onde o pensamento liberal de estofo europeu se chocava com o sistema escravocrata do Império ou com  outros  procedimentos  de convivência social avançada apenas para inglês  ver. Da mesma sorte, em outros setores da vida social,  modas, hábitos, lazer, leituras etc.


4. O POVO COMO OBJETVO DE PESQUISA, MAS NÃO COMO SUJEITO PARTICIPATIVO


        Se o Modernismo brasileiro pretendia aproximar a realidade da literatura, não se compreende como, na primeira fase,  a iconoclasta, ele tenha se constituído do ponto de vista de recepção do leitor,  em movimento visceralmente elitista, principalmente no tratamento da linguagem  poética ou ficcional. Neste sentido, o Modernismo deu as costas para o povo, que não leu e ainda não lê a sua produção. Estamos pensando em obras seminais à compreensão desse movimento, como Pauliceia desvairada (1922), Macunaíma (1928), Pau-Brasil (1929), Memórias sentimentais de Joao Miramar (1924).
       É bem provável  que essas obras como outras apenas tenham despertado certa curiosidade no povo, porém não a iniciativa de efetivamente  realizarem  sua leituras, com exceção,  nos parece,  dos autores da ficção de 30, donos de uma literatura em geral sem hermetismos formais e,  por isso, mais acessíveis à média da  população. Haja vista a obra de Jorge Amado (1912-2001).
        Se o movimento procurou a todo custo fazer um balanço das potencialidades do homem  brasileiro, no sentido  até documental, nada indica que ele tenha se afastado de suas vinculações com a burguesia de então,  pelo menos nos seus primeiros  momentos. Quem iria dar efetiva contribuição, pelo menos como  propósito  de transformar o povo em matéria ficcional e, além do mais,  como  voz narrativa seria um contista, surgido na década de 1960 - João Antônio.[4]    
          Na sua ficção deu ele voz a seus personagens, a maioria  do submundo do eixo Rio-São Paulo. Porém, tanto os modernistas   quanto João Antônio, e bem assim  os ficcionistas da geração de 30, que inauguram o ciclo do de romances  do Nordeste, iriam se defrontar  com um  impasse inescapável à condição do intelectual que se vê enredado no dilema  de difícil superação: como lidar com uma literatura que fixa e movimenta uma galeria  de despossuídos que jamais lerão seus livros e não têm o nível suficiente  de escolaridade e de leitura  para se verem retratados nessa ficção marginal?
        Na época do surgimento do romance brasileiro, a partir do Romantismo, o público leitor pertencia em geral à classe burguesa. Por outro lado,  não se poderia  também recriminar um ficcionista à altura dos anos 1960, 1970  e 1980 –  caso de João Antônio e de outros autores  da sua época -  por fazer uma literatura centrada primordialmente nas camadas  desfavorecidas  da população  brasileira, assim como nos temas em torno da vida de malandros (figuras que fizeram do contista  um dos seus mais hábeis  intérpretes na literatura brasileira  moderna), marginais, prostitutas, traficantes,  não obstante   ser a ficção joãontoniana de alta qualidade  literária.
   Assim como não poderíamos reprovar  o fato de que ele se beneficiaria comercialmente dessa temática  populista, uma vez que  a obra ficcional produzida pelo mercado transforma-se em produto de consumo e, por vezes, faz de seu criador, se este provém de classe menos favorecida (exemplo  também de João Antônio) um instrumento do jogo capitalista, gerador de lucro. Da parte da função de escritor, a meu  juízo, não houve apelação ou expediente  espúrio de  explorar  temas que lhe granjeassem  ascensão social  ou  sucesso econômico. O escritor como intelectual é caudatário do sistema que ele próprio  repudia.
      Jorge Amado,   por exemplo,  foi um escritor que,  em determinada fase  de sua  produção literária, foi  duramente criticado  por alguns críticos por fazer  algumas  obras  para deleite do turismo e não por sua  qualidade  literária. Contudo,  essa crítica, sob pena de  se tornar injusta,  não poderia  estender  seu julgamento à obra geral dele. No exemplo de João Antônio, guardadas as diferenças  com  Jorge Amado, o nível  estético  de sua ficção  não sofreu   nenhuma queda.
      O contista não se  sustentou tão-somente com a temática  dos despossuídos,  já que ainda com  boa  qualidade  literária  passou  a explorar   temas da classe média, da qual era um  crítico  feroz  e demolidor, ainda que,  aparentemente  uma contradição,   a sua  nova condição social  o colocasse na classe média. Esse, na verdade,  é o dilema  de  qualquer escritor  que tenha vindo   dos estratos mais  modestos  da pirâmide social. Não importa,  burguês ou não burguês, o escritor  será um porta-voz, seja das classes mais altas, seja   das médias e das humildes. Uma coisa têm os escritores  em comum  no seu ofício: sua arma é a linguagem, não a baioneta.(Continua)




[3] ASSIS, Machado de. Instinto de Nacionalidade. In: Obra Completa, p. 804. V; III.
[4] O autor deste ensaio defendeu, em 2002, uma Tese de Doutorado sobre João Antônio abordando  primacialmente  a figura do malandro no contista paulista. Título da Tese: O conto de João Antônio: na raia da malandragem. Faculdade de Letras,  Rio de Janeiro:  UFRJ, 2002, 349 p. Tese de Doutorado em Literatura Brasileira.

sexta-feira, 10 de novembro de 2017

MODERNISMO BRASILEIRO: A DIMENSÃO QUE LHE FALTOU





                                                              Cunha e Silva Filho


          

                                      

                   [...] O tempo é a época mais o horizonte diacrônico, o que significa dizer – é a época mais as  épocas. O isolacionismo espiritual do corte sincrônico, imobiliza, por amnésia e pela incapacidade de pre-ver. De enxergar que cada época carrega consigo outras épocas passadas e futuras.

                Eduardo Portella, Confluências – manifestações da consciência comunicativa, p. 26.



I.              INTRODUÇÃO


          Desenvolvemos neste estudo alguns tópicos subordinados aos conceitos de Modernismo e Modernidade no Brasil. Na primeira parte, procuramos discutir, ainda que de forma sintética, o movimento modernista brasileiro de 1922, realçando-lhe  a importância como marco fundador de uma nova  era para o Brasil literário, cultural e artístico.
                  Na segunda parte, discutimos os polos nacional e estrangeiro na questão da nossa identidade  literária. Na terceira parte, levantamos um dado de pesquisa que nos parece ainda não pesquisado em profundidade, que é o distanciamento do povo brasileiro como agente participativo do processo de transformação cultural e artístico desencadeado pelo Modernismo de 1922.
         Na última parte,  de forma mais  desenvolvida, estudamos  as implicações  embutidas nos conceitos de Modernismo e Modernidade em nosso  país. Esta seção do estudo visa a desenvolver algumas reflexões sobre os termos  modernismo  e modernidade partindo da leitura  de quatro ensaios de Eduardo Portella ( 1932-2017)[1] e  de um ensaio de Paulo Sérgio Rouanet.[2]

2. VALOR DA RUPTURA

       O projeto de uma literatura modernista para o Brasil não nasceu da noite para o dia. Seus vestígios remontam, sobretudo, à eclosão do Romantismo com a ideia de se inaugurar  também uma literatura que refletisse a realidade social, política e cultural, a exemplo do que ocorreu com a independência  política.
      A ideias de  separação do legado  brasileiro português teve então até o reforço original de José de Alencar (1829-1877) com a sua  tentativa de criar  uma língua brasileira que traduzisse o nosso  modo de produção  estética, sem as interferências ultramarinas engessadas nos lusitanismos lexicais, semânticos e simpáticos, gesto que seria repetido, no século seguinte, em pleno alvorecer do Modernismo,  por Mário de Andrade (1893-1945)), só que dessa vez de forma  radicalizada e que teve tantas repercussões para a delicada questão da linguagem literária no movimento modernista. E em todas  as suas  fases ou desdobramentos.
      O grande saldo  positivo do movimento modernista brasileiro foi o de atualizar os aspectos formais e temáticos da nova literatura om a realidade de um país que não podia permanecer imobilizado em práticas culturais e artística passadista. Ou seja, como  produzir literatura cm a camisa de força  de uma retórica artificialmente  objetiva ou subjetiva (estilo parnasiano, simbolista, fora os epigonismos  românticos  ou até  de períodos anteriores) num país que já passava por  transformações econômicas,  políticas e sociais que não mais admitiam a absolutização de verdades prontas e acabadas?
     Como manter-se uma ficção com bases ainda naturalistas  quando o século XX  já nos apontava para o freudismo,  o bergsonimo, o marxismo e com o surgimento  de profundas  alterações no universo das artes e das diversas manifestação de vanguarda com tantas consequências salutares à renovação   da cultura contemporânea?  Era  possível a essa altura do século XX  continuar-se indefinidamente  num mimetismo cultural só tendo vista para o passado e neste, infelizmente só vendo os aspectos imobilizados e não as suas  conquistas  inovadoras? Porque, no fundo,  todo movimento literário e artístico  avança um passo ao futuro, já que os movimentos não são estanques, mas se  influenciam  mutuamente  no seu dinamismo renovador a fim  de desbravar  novas formas estéticas.
    Mas, o sentido da ruptura entre  passado e presente, cujo marco simbólico foi a Semana de Arte Moderna de 1922 em São Paulo, foi  principalmente  uma vontade de não mais parecer  com o que  se fazia literariamente em Portugal e em nosso país até então, tendo à frente a questão da linguagem, dos temas e das convenções dos gêneros literários.
     Os exemplos mais significativos dessas transformações e práticas literárias  podem-se ver nas obras de Mário de Andrade e Oswald de Andrade (1890-1954). Isso quanto aos aspectos  formais e revolucionários na produção poética e ficcional. Na temática o exemplo mais surpreendente em termos de tratamento seria a larga produção ficcional do romance de 30, inclusive pelo seu aspecto  de recepção por parte dos leitores.
   Veremos, no capítulo seguinte,  como  podemos resolver as contradições trazidas  pelos princípios da estética modernista brasileira tendo em vista os dois  polos de interferência cultural: o nacional e o estrangeiro. (Continua).





[1] Trata-se dos ensaios seguintes: As modernidades. Revista Tempo Brasileiro, 84: 5/9. Rio de Janeiro.  Tempo Brasileiro. Rio de Janeiro, 1986; Premissas e promessas  da modernidade. Revista Tempo Brasileiro, 130/131:5/10. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997; Qual modernidade? Revista Tempo Brasileiro, 111: 109/112. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1992; Sentido(s)  da modernidade, Revista Tempo Brasileiro, 76: Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,  1984.
[2] Perspectivas da cultura brasileira  no início do século XXI. Revista Tempo Brasileiro, 130/131:83/103. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,  1997.