Cunha   e Silva Filho
          No decorrer do tempo, a visibilidade
de uma autor, seja critico, cronista, articulista,  ficcionista, 
dramaturgo,  gramático, filólogo,
tradutor, o que seja no domínio  da
escrita literária, se apaga, passa ao limbo à medida que os anos e os séculos se
inscrevem no tempo  decorrido.  O tempo é como um  grande  romance conhecido de Machado de Assis (1839-1908),
tudo devora,  pois é uma sucessão de
passamentos que valem, a meu ver,  por
uma definição, ou melhor,  uma  concepção algo  pessimista 
da vida. Todos  somos tragados,
pulverizados pelo silêncio  do tempo, da
época. Ninguém quase escapa dessa condição humana auto-refletida na vaidade e
na rapidez enlouquecida dos tempos 
pós-modernos.  
       Certa feita,
um professor universitário, diante de seus alunos,confessou essa situação da
existência contingencial diante  dos
valores  conhecidos e incensados numa
data etapa, valores em geral  constitutivos
de nichos,  de grupos, que têm muito em
comum,  até as práticas  acadêmicas, 
as pesquisas semelhantes,  os
interesses intelectuais,  os  postos de comando. Diria  o professor: ”Ele tem o seu grupo, os
seus  seguidores. Nós (não sei a que
grupo ele quis se referir  para si) temos
o nosso. Isso nos basta. Cada um fica na sua fronteira,  no seu espaço conquistado. Não me importo se
eles me estimam ou não. Não quero saber 
disso. Faço a minha parte.”  
      Se a vida
literária nas décadas de 1930, 1940, 1950, somente para  recortar 
um  bom  período de tempo em que  houve tantas 
lutas,  polêmicas,   injustiças a autores,   má 
interpretação de outros, cabotinismo, estrelismo,  luta 
pelo  poder  das ideias 
literárias   ou de métodos  críticos 
ou de  práticas  estéticas 
vigentes  na produção  literária 
brasileira, é caracterizada  por
marchas e contramarchas,  por  grupos a favor  disso ou 
daquilo  no âmbito da literatura  ou de grupos 
contra  o establishment  literária, é
bem visível  igualmente que a voragem do
tempo foi   devastadora.[1] 
     Um crítico
marxista, em livro,  afirmou que  um determinado 
crítico brasileiro  não valia  a pena ser mais lido. Já não falava mais nada
no tocante às suas ideias  sobre
literatura. Vejo, diante de um fato dessa natureza, que  a visibilidade é realmente  uma leve brisa que passa e se fixa no passado
sepultada até que, por uma circunstância ou outra,  sai do limbo.
    Ora,  esta condição de ser um  sujeito 
efêmero na atividade  literária de
alguma maneira   tem um efeito
salutarmente   pedagógico  àquelas figuras  que se 
julgam  ou são  consideradas 
por seus  simpatizantes, seus
contemporâneos,  seus incensadores, ou
endeusadores de suas qualidades ímpares  
muito acima da mediania visto que 
lhes fazem  despertar  para 
as condições impostas  pelo
dinamismo de mudanças  e multiplicidades
de  concepções e de ideias. A história
literária mostra que a contemporaneidade   é apenas uma fase  transitória 
que logo é atropelada  por novos
ventos que se lhe opõem ou a superam.  Diria
Gilbert Frankau (1884-1952): “For all heights are lonely”[2].
      Serve,
então,  de alívio  àqueles que, por diversas  razões 
ou  condicionantes de vida, nunca
se tornaram  figuras marcantes  ou foram 
mal  julgadas  ou rejeitadas na sua  época. A historiografia   literária está repleta de  exemplos 
que se  encaixam nessas condições  de escassa 
visibilidade.  
     Por outro lado,  é confortador   que  o
julgamento  alheio  jamais será 
um indicador  imparcial  de 
valorização  de autores em
qualquer gênero. Os autores que se julgam 
subestimados  não devem ter
uma  postura acabrunhante a ponto de  desejarem  
desistir de seus objetivos  ou
projetos  traçados no terreno  da produção 
de sua obra. Muito ao contrário,  
deveriam ter sempre ao seu alcance 
sua  utopia, o acalanto de um  sonho 
que se realizará  a despeito  dos 
espinhos e dos  dissabores   que  
terão que enfrentar. 
    Sua
grande saída  é revestir-se de uma  grande  
força de vontade  e de
desprendimento  sem sinalizar  nenhuma 
marca  de desânimo e de
abandonar  o percurso   já conquistado com ou sem  visibilidade. Todo o seu esforço deve ser em
direção ao auto-aperfeiçoamento contínuo, resistindo a tudo e a todos e tendo
sempre em mente  a ideias de que todos os
seus pares, mais conhecidos ou menos conhecidos,   conhecerão 
o ocaso  do esquecimento e da
ultrapassagem dos novos, numa sucessão incansável de perdas e ganhos. A metáfora  dessa fase de 
ultrapassagem ou superação das novas gerações  está bem descrita pelo  hoje esquecido  escritor 
Origens Lessa (1903-1986), precisamente  nas
páginas  finais  de seu 
romance O feijão e o sonho, [3]
obra que,  por sinal,  foi adaptada ao cinema. A metáfora a que
aludi constitui parte ponderável dos últimos 
capítulos da obra. Vejamos uma citação que representaria bem  a glória 
literária e a sua  decadência, que
chamei de ultrapassagem:
         [...]
Todo o alto castelo  que construíra com
lágrimas, com sofrimento, com paixão, esbarrondava ao simples sopro de uma
geração que o demolia, como ele tentara 
demolir trinta anos antes, com a mocidade do seu  tempo, as glórias  encontradas.”
NOTAS:
[1] Cf. Acerca da vida literária   duas obras,  a meu  ver,  são fundamentais  ao conhecimento da vida  literária 
brasileira  quanto ao recorte  temporal 
de cada uma.. Ver BROCA,  Brito. A vida literária no Brasil -1900.   3 ed. 
 Introdução de Francisco de Assis
Brasil Rio de Janeiro: Livraria  José
Olympio Editora/PROLIVRO, 1975 e COUTINHO, Afrânio. No hospital das letras.  Rio
de Janeiro: Tempo Brasileiro,  1963.A
primeira  se notabiliza pela notável
abrangência de  exposição e de fatos ; a
segunda,   pelo  tom 
polêmico e contundência da exposição.
[2]  Ver o ensaio desse autor, ”I am a lowbrow.”
Apud ECKERSLEY,  C.E. Brighter English. Revised edition.
London: Longmans, 1964, p. 217. .
[3]  LESSA, 
Orígenes. O feijão e o sonho.
6. edição. rev. Biografia de Renard Perez  e Introdução e notas de Ivan
Cavalcanti Proença.. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, 1968, p. 200.