terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Uma Nação indignada








                                           Cunha e Silva Filho


      Quase parafraseando  Manuel Bandeira (1886-1968),  o grande lírico brasileiro que se tornou  modernista, diria que estou  farto do academicismo conformado, que vai olhar nas obras alheias (nacionais ou estrangeiras)  a base teórica para  elucidar  o que seja brasileiro, o que é direita,  esquerda,  liberal,  neoliberal,  fascista (que serve tanto para a direita quanto para a esquerda caviar-capitalista disfarçada).
      Estou farto das teorizações inócuas, “em cima do muro,”  que escreve  para uns happy few supostos  detentores  soberbos  do conhecimento  global,  novos espadachins às avessas defendendo  uma causa ou outra, em sentidos sempre de emulação  enviesada, dando ao leitor  a impressão de que está afirmando a favor quando o que  exprimir  é o contrário, o chamado muito pelo  contrário, ou imprecisão  conclusiva.
   Impera a anfibolgia, o duplo sentido, o decifratório, o enigma,  a esfinge,  o tabuleiro de xadrez,  o labirinto do Minotauro sem a esperança de um Teseu que viesse derrotá-lo,  livrando sua   pátria, Atenas, do temível  antropófago Minotauro, monstro metade homem, metade touro.  Após ter  derrotado os atenienses, o rei Minos, rei da ilha de Creta,  os condenou a entregar-lhe anualmente  sete jovens, moços e moças.   Teseu, ajudado  contraditoriamente  por  Ariadna,  filha de Minos e apaixonada por  ele,dela recebeu um   novelo  de fio com qaue conseguiu  atravessar o labirinto que o levaria a encontrar o Minotauro. Teseu o matou, , libertando a sua pátria desse castigo.  
   Ante o quadro  tétrico da  política  nacional,  quem não há de se indignar por todos os meios de comunicação que,  felizmente,  ainda temos como fórum de debates, de comentários,  de pontos de vista, de troca de ideias. O Facebook não é esse bicho-papão que andam  apontando como   uma arena  sem sentido. Antes,  é um canal no qual se pode dizer o mínimo sobre o que nos indigna como cidadãos diante dos erros  cometidos  pelo  atual  governo federal.
   Reconheço os defeitos, o besteirol que ainda  pulula no Face e noutras redes sociais. Contudo,  ele está longe de ser uma forma “imbecil” de comunicação  entre seus usuários como, a meu ver, erroneamente  pensava o notável  pensador e semiólogo recém-falecido, Umberto  Eco. O Face tem muitas serventias. Pode até ser um brainwash, mas, neste caso,  o usuário consciente e bem informado culturalmente pode se prevenir de ser contaminado  pela lado  ruim dessa rede social ou de outras.Um usuário do Face também lê jornais,  bons livros,  alarga assim, seu  “horizonte de  expectativa,” o seu repertório cultural.O nível cultural do usuário vai do mais  simples ao mais  intelectualizado. Não pode haver com isso  nenhum preconceito contra as redes sociais. Nisso, da mesma forma,  nelas vejo  uma prática saudável e   democrática, sem cerceamentos às liberdades de expressão e à multiplicidade  de posições  ideológicas.
     Louvo o caráter democrático  que o Face  imprimiu ao universo  virtual, dando  chance a vozes  mais modestas do tecido social e fazendo suas observações  acerca dos problemas  brasileiros, anda que na condição, na maioria da vezes, de leigo. Há temas e questões cruciais e polêmicas  e modos  de  ver o mundo que só essa rede social e outras têm permitido  serem  levadas a cabo e em tempos real.
   Todas  essas especulações e ângulos   que estou  tentando  trazer à baila têm como  fulcro de meu interesse e de minha  atenção os desatinos  da vida brasileira no cenário  político-institucional.Diviso, didaticamente,  pelo  menos três  questões que me têm  provocado   indignação, as quais não  são desconhecidas  do público  em geral: 1) a permanência de uma presidência da República esgotada e desmoralizada;2) os desacertos da nossa economia; 3) a impunidade diante da violência  catastrófica e crônica. E por violência entendo todos os seus tipos  e  todos os seu correlatos.Quer dizer,  esse quadro de desordens e de instabilidade  crescente envolvendo as três questões mencionadas.
    Comentemos, sem muitas minúcias, cada uma. O fato de termos  uma presidente que perdeu a credibilidade e o voto de confiança  de parte substancial do eleitorado  é fator determinante  de uma saída por renúncia ao cargo ou por  razões legais.Os escândalos  que cercam o seu governo com as investigações  em série da Lava Jato já dispõem de suficientes evidências de conluio entre o seu governo e  a propinas recebidas por  empresários à custa do dinheiro público (Petrobrás, por exemplo).
    A soma de notícias de desídias  apontando  a cumplicidade do governo  federal colhidas pela Polícia Federal e veiculadas pelos meios de comunicação, dia após dia,  criou  um  constrangimento  no governo  difícil de  sustentar a continuidade de um mandato presidencial.As notícias recentes recrudescem ainda mais a posição  incômoda da presidente Dilma., sobretudo  as ligadas ao marqueteiro João Santana que cuidou  da publicidade  da campanha da presidente Dilma.     
    Um bilhete escrito à mão pela esposa daquele marqueteiro revela o bas-fond em que se transformou  a relação entre  um marqueteiro e sua forma   duvidosa  de  recebimento de dinheiro proveniente de fontes  públicas e com  pagamento  em depósito no exterior  em dólar  ou  euro. Tudo negociado  ao arrepio da Lei. Isso é gravíssimo e só piora  a situação  já deteriorada do cargo presidencial.
    A segunda questão, de natureza mais técnica,  se refere à política econômica do governo,  a qual,  igualmente,  anda com pernas trôpegas,  em virtude  do desaquecimento da economia, da recessão, do  alarmante  contingente de desempregados e do alto custo de vida  que estamos  enfrentando no país. Ora,  aumentam-se os preços e se arrocham os salários.  O mais pobre é o mais sacrificado. A classe média vai encolhendo suas possibilidades de  consumo e os funcionários públicos têm seus salários reduzidos, encolhidos, pelo arrocho  que lhes é imposto  em decorrência  do desgoverno,  da roubalheira  dessa era  petista.
   Diante dessas  deformidades  de governança, não há como   não se indignar, protestar  e desejar  por mudanças  radicais, como  a saída, por meios legais,  da atual ocupante  do cargo mais alto da Nação. A indignação não é um defeito da alma  humana, antes é uma virtude dos que não são subservientes,  pusilânimes, acovardados,  passivos,  “politicamente   correto”  - detestável forma de  aceitar tudo como se fora  natural e compactuar com   a permissividade perniciosa  co-partícipe das iniquidades humanas,  do imoralismo,  do homem sem alma, sem parâmetros,  sem frios,  fatores degenerescentes  de uma sociedade  cada vez mais hedonista  e insolidária.
  A derradeira  questão mencionada, a da impunidade se imbrica em todas as precedentes  afloradas. A impunidade é fator  decisivo  do alto nível de violência por que o  nosso país está  passando para vergonha  das nações mais  bem organizadas socialmente. Mata-se hoje no  país por qualquer coisa. A morte campeia no trânsito tresloucado, nas ruas infestadas por delinquentes juvenis que são  apenas “apreendidos” e não presos por  seus crimes  abomináveis ceifando  pessoas jovens e promissoras,  crianças,  adultos,  idosos,  nacionais,  estrangeiros, fazendo do Brasil um país mal visto no mundo, um país assediado pela bandidagem  à solta,  assaltos,   sequestros relâmpagos, “saidinhas” de bancos,  balas perdidas afetando mais as crianças pobres nas favelas das metrópoles Rio de Janeiro e São Paulo e em outras capitais e até no interior  do país. Somados a esses males  sociais se encontram as drogas,  os traficantes,  a compra de armas pesadas que vai  fortalecer o poder de fogo da bandidagem em larga escala para a qual a polícia é um inimigo enfraquecido.
     Qual foi ou tem sido a punição exemplar para esses  facínoras? Quase nula. A polícia  prende e a Justiça  liberta.  A lei penal brasileira só vale no papel. O Código Penal  é brando. As brechas da lei facilitam  outros  crimes  dentro da própria legislação criminal  (prisão domiciliar, comutação da pena, condicional,  “bom comportamento,” (posto que fingindo) e outras aberrações prisionais  que só beneficiam os  criminosos e os estimulam a perpetrar  novos  crimes,  permanência renitente da não redução da maioridade penal, fonte   reprodutora  dos crimes hediondos  no país  sem punição  adequada à crueldade  do delito. As mães, os pais , a família  brasileira de todas os níveis sociais e culturais não param de chorar  pelos seus filhos  mortos  por  bandidos cruéis, mesmo  que suas vítimas não esbocem nenhuma reação. Matam  por “maldade,” segundo já se disse. Matam porque  estão drogados ou não. Matam por matar – terrível realidade de nossos  tempos contemporâneos e apocalípticos!
   Violência de todas as formas – acentuamos – a violência de  homens contra mulheres ou vice-versa,  de novos contra idosos,  de pais contra filhos ou vice-versa, a violência  policial ( por que não?),  a violência doméstica, estupros ocorridos no seio da família. A lista  de tipos de  violências  é quase interminável e, para arrolar mais uma   que  eu chamaria de  violência  política,  muito nefasta  e arraigada em nosso país e raiz de muitos tipos de violência porquanto  se reflete na vida da população, na saúde,  na educação,  na segurança, no lazer, na vida social, na vida cultural.    

     Diante desse conjunto de desarmonia  social não tenho eu, leitor,  o dever ético de me indignar e de me  aliar a outras vozes  que, pelo país afora, clamam por uma vida mais digna,  mais fraterna, mais  humana?    Indignar-se é um apanágio dos  que não  se curvam à prepotência  e às atrocidades  do mundo em que vivemos..  

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