Cunha e Silva Filho
Acho que foi meu pai, Cunha e Silva
(1905-1990) que definiu o brasileiro como
uma gente branda. E eu direi bota
branda nisso, uma vez que está sempre
aceitando tudo que lhe vem imposto de cima para baixo, quer dizer, do
governo federal, dos governos estaduais e municipais. Essa falta de
altivez e auto-estima só lhe é nociva à condição de cidadania, que praticamente
não é exercida pelo povo.
Povo
que, de ordinário, só cumpre ordens e ordens lesivas à sua condição
de brasileiro.Talvez isso sejam
resquícios da escravidão e, mais tarde, do coronelismo, do mandonismo,
das relações autoritárias entre patrão e empregado, humilhados e ofendidos. Ora, essa passividade está incruada no
espírito do povo humilde e acachapado. Dentro desse conceito, vemos que o brasileiro, em vez de problematizar as questões cruciais que nos
afligem, prefere ficar meio
calado, ou mesmo passivo a todas as
velhacarias aprontadas pelas
autoridades.
Nesse caso, se parece com o "soldado amarelo" do romance Vidas secas (1938) de Graciliano Ramos (1892-1953). Aceita quase tudo, não se indigna abertamente com nada. Vê o problema
localizado, circunstancial, pontual, e,
sem atacar o governo e as autoridades
que o prejudicam, prefere bater no médico, quebrar
o patrimônio público e aguentar tudo como se fosse uma ovelhinha
a caminho do abate. Feijão aumentou, a batata também, a gasolina,
o aluguel, os remédios, os
impostos, idem. Suporta tudo de cabeça baixa. Autoridade é autoridade. “Fazer o
quê? É uma interrogação-bordão muito
comum quando um brasileiro cordeirinho
sofre qualquer injustiça que lhe fazem. O povo não procura seus direitos, e ainda acha que o
poder do Estado em tudo manda, tudo pode e tudo muda a seu bel-prazer e interesse
partidário.
Ao povo
cabe obedecer, de topete baixo. Não é sem razão que um policial qualquer, ao
falar com um bandido, este o chama de
“doutor”, “sim, senhor.” Ou seja, o povo humilde ainda
sofre do complexo do “soldado
amarelo” do medo da “autoridade, que
pode prendê-lo e prendê-lo até injustamente. Fica afásico.
Ora, sabendo as autoridades do país que o
seu povo é assim, e aqui incluiria o pobre,
a classe média. Esta última, pelo
menos alguns de seus membros, ainda revela um certo medo infundado dos governos. Já a
burguesia, as elites, não.
Posicionam-se acima da mediania
nacional e a questão da autoridade para essas duas classes tem outro
sentido, pois se sentem protegidas pelo peso
do dinheiro, dos bens materiais,
do poder econômico que
transforma qualquer endinheirado
em “doutor” sem nunca ter sido.
De resto, “doutor” para quem está abaixo delas é
o tratamento que o povão dispensa a quem tem dinheiro, carro
luxuoso, mansões riquíssimas. Um
porteiro, por exemplo, distingue
os moradores de um condomínio
pelo que cada um ostenta de bens
materiais: carros custosos, salários
mais altos, roupa de grife, transporte próprio ou uso
continuado de táxi, duas ou três empregadas domésticas à sua disposição
e outros exibicionismos de melhor status
econômico.
O conselho que certos economistas dão a
quem se queixa dos aumentos, da alta carestia,
é no sentido de procurarem
substituir alimentos mais caros pelos mais baratos, diminuir
os gastos com luz, com compras,
repensar seus gastos. O custo de vida é problema dos pobres e de uma classe média economicamente menos privilegiada, porque essa classe média ainda,
aos sábados e domingos, enche os
restaurantes de padrão médio e vai aproveitar
a vida, indo a shoppings, fazendo
viagens programadas, mas tudo com
algum aperto que, mais
adiante, vai ter.Vive a pagar quase todo a renda familiar ao final
ou início de cada mês. Os cartões de créditos são, nessa conjuntura, os instrumentos de que
se utiliza para empurrar com a
barriga o limite dos seus salários.
Alguns
pobres com alguma consciência social e a
classe média até reclamam dos governos, dos aumentos,
das injustiças sociais.Contudo, o grosso, não. Calam-se diante dos trancos traiçoeiros
dos donos poder.
O
Estado Brasileiro é democrático, mas a
práxis político-econômica é autoritária,
prepotente e injusta. Os que estão no poder, por assim
dizer, privatizam para uso próprio o
Estado enquanto estão no poder, do qual, no exemplo brasileiro, não saem a não ser quando morrem ou
ficam muito velhos e impedidos de
mandar no povo acarneirado.
“Fazer o quê?” é a palavra mágica da submissão
e da acomodação desse povo alegre, festeiro, “cordial” que vai votar, no grosso, nos candidatos fabricados pelos hábeis marqueteiros, vendedores de
imagens fictícias de “bons” políticos.
Aos marqueteiros pouca importa
se o candidato vale alguma coisa
ou se é mais um outro enganador
do povo. O que lhes importa é faturarem milhões nas campanhas.de candidatos que seguramente irão
ser eleitos graças às manipulações do dinheiro público - fruto do suor do trabalho da sociedade - e privado ,através das gordas
doações do empresariado.
Enquanto isso, a sociedade se mostra dividida e desunida, a
atual e a de tempos pretéritos,
com alguns interregnos de governos melhores
e mais éticos.