Meus estimados amigos e conterrâneos de Amarante:
Antes de tudo, gostaria de agradecer, “ab imo pectore, ” ao grupo de organizadores do Salão do Livro de Amarante pelo honrosa escolha de, nesta edição, escolher, como um dos homenageados ilustres, a figura de meu saudoso pai, o professor, jornalista, ficcionista (no gênero da novela e do conto), memorialista, crítico bissexto e, finalmente, poeta dedicando-se, a partir dos 60 anos, a esta forma de poema fixo chamada soneto, modalidade de poema praticada até hoje pelos maiores poetas ocidentais. Os demais escritores homenageados nesse Evento foram Da Costa e Silva, Clóvis Moura e, Nasi Castro Para o Evento foram convidados os ilustres escritores piauienses , membros da Academia Piauiense de Letras (APL), Elmar Carvalho, poeta, ficcionista, memorialista e ensaísta, e Reginaldo Miranda, historiador e pesquisador piauiense.
Cunha e Silva, de quem herdei, com muito orgulho, o mesmo nome e a quem prestei tributo dando igualmente a meu filho mais velho o mesmo nome, nasceu em Amarante, Piauí a 03 de agosto de 1905. Nessa cidade de poetas que também se orna com a antonomásia de “Atenas Piauiense” em razão de, neste torrão natal, ter aqui nascido um bom número de figuras proeminentes nos campos da literatura, sobretudo de poetas celebrados, alguns até nacionalmente, como o nosso poeta maior piauiense, Da Costa e Silva e de outras áreas da vida pública, como governadores, deputados, juristas, prefeitos, vereadores, professores, historiadores, senadores, cientistas, escultores, pintores, entre outras atividades que exigem talento e vocação.
Maior honraria não poderia acontecer a meu pai como esta da qual me muitíssimo me orgulho como filho deste berço e como filho do ilustre amarantino. Meu amado pai, Cunha e Silva, certamente do céu de Amarante “...se há um céu sobre a terra...”, aqui me utilizando do famoso soneto “Amarante, incluído numa das obras poéticas dacostianas, o criativo e festejado livro Zodíaco (1917).
Para mim, a grande contribuição de meu pai, no tocante à vida educacional de Amarante, foi ele haver fundado, em 1932, o famosíssimo Ateneu Rui Barbosa, nesta terra querida e sempre louvada em prosa e verso, no qual, sozinho, lecionou até 1947, quando se estabelece em Teresina como professor no Liceu Piauiense e, mais tarde, no também famoso Ginásio “Des. Antônio Costa,” dirigido pelos irmãos Magalhães, Professor Melo Magalhães e Professor Domício Melo Magalhães.
A permanência de meu pai como proprietário do Atenu Rui Barbosa foi um epoch making. Era um “ professor nato,” como se autodefiniu numa grande e longa entrevista, concedida à Revista Educação, Hoje. (Teresina:Secretaria de Educação do Estado do Piau, Ano III– Nº 6 –revista trimestral, 15/10/198, p.17-22), Essa entrevista é fonte indispensável para entender o seu papel de eminente educador tanto em Amarante quanto em Teresina.
Orgulhava-se de seu Ateneu e afirmava que tinha tido sorte, pois dessa escola foi professor de futuras ilustres figuras da vida nacional, como Francelino Pereira, Eduardo Neiva, Dirceu Arcoverde, entre outros ex-alunos e nas diversas áreas do conhecimento humano. Na sua atividade docente em Teresina, prestou um memorável concurso público para professor catedrático de Historia do Brasil da Escola Normal Antonino Freire. Estava eu ali presente na década de 50 do século passado e assisti, bem menino e embevecido, à sua defesa oral. Foi aprovado com brilho. Meu pai, não sei por que razão, sempre me levava a ocasiões importantes de sua vida pública, como foi a sua posse como diretor do renomado Liceu Piauiense, realizada no Palácio de Karnak.
O seu discurso de posse do cargo de diretor do Liceu foi, como sempre, eloquente, porquanto era um orador de peso e de improviso desde os tempos de Amarante, onde o consideravam o orador de eventos sociais e culturais.
Cunha e Silva teve um educação esmerada, primeiro em escola de Teresina, depois, no Rio de Janeiro, cidade que tanto admirava, no Colégio Salesiano “Santa Rosa,” em Niterói. Finalmente, do Salesiano de Niterói foi para o Seminário de Lavrinhas, em São Paulo, da mesma ordem religiosa, onde foi concluir o noviciado para, em seguida, estudar em Turim, Itália. Desistiu da carreira eclesiástica. Voltou ao Rio e, finalmente, para Amarante – ponto de partida para a docência, primeiro como professor do Ginásio Amarantino, cujo diretor era o ilustre futuro renomado historiador Odilon Nunes e, mais tarde, como fundador e professor do Ateneu Rui Barbosa. Nesse tempo, já dava os primeiros passos vitoriosos no campo do jornalismo, onde, em Teresina, iria dar continuidade à carreira de professor e jornalista. Jornalista intrépido, independente, combativo em artigos assinados e em artigos de fundo.
Não quero cansar esta seleta assistência com uma Mensagem mais prolongada. Entretanto, desejo apenas assinalar um campo de sua atividade intelectual, no qual Cunha e Silva alcançou o merecido sucesso: o jornalista político doutrinário, segundo o definiu o ilustre jurista piauiense Cláudio Pacheco, Professor-assistente do historiador Pedro Calmon na Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil, depois, denominada Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Era um vocacionado para a escrita em jornais revistas piauienses e bem assim para um jornal de São Luís, O imparcial e uns poucos artigos para o jornal Diário de Notícias, do Rio de Janeiro Seus primeiros artigos datam de 1928, escrevendo para o jornal O Floriano, da cidade do mesmo nome. No jornalismo, Cunha e Silva também se destaca na sua veia crítico-satírica. Era um polemista indiscutível, um demolidor como foi exemplo a sua breve e famosa polêmica com um dos mais eminentes intelectuais piauienses de todos os tempos, A. Tito Filho.
Estimados conterrâneos, esta homenagem dirigida ao meu pai muito regozija o meu mundo interior povoado fartamente de memórias felizes ou tristes, cuja origem vem da minha forte inclinação ao sentimento da saudade, razão pela qual escrevi o meu mais recente livro, Apenas memórias (2016), um livro de reminiscências que vão de Amarante a Teresina e desta ao Rio de Janeiro, onde resido há longos anos. Pois bem, meu pai, é figura bem presente naquele livro e aparece em vários passos da obra.
Para concluir essa Mensagem, diria que meu pai atingiu mais notoriedade dos piauienses quando passou a produzir no campo literário e ensaístico. Daí resultaram as seguintes obras legadas à inteligência piauiense: A república dos mendigos (Rio de Janeiro: Gráfica Editora Ltda, 1984), com apresentação e orelhas da minha autoria.; Copa e cozinha, sátira política, misto de ensaio político e memorialismo ( Teresina: Academia Piauiense de Letras/ Projeto Petrônio Portella,1988, que teria o prefácio de Tristão de Athayde (Alceu Amoroso Lima), porém, por uma razão ou outra, não se concretizou, embora o grande crítico e pensador católico carioca me tivesse prometido; Gatos de Palácio (s.d), cujos originais se perderam na voragem do tempo. Trata-se de uma corrosiva sátira sobre a vida política piauiense; A odisseia do cativeiro do Brasil ( Tese, 1952); O papel de Floriano Peixoto na obra da proclamação e consolidação da República (Tese, 1957).
Cunha e Silva, por sua incomensurável contribuição à imprensa do Piauí (Talvez tenha sido o jornalista brasileiro que mais produziu artigos publicados numa trajetória ininterrupta de seis décadas) por sua atividade docente e pelo seu mérito de intelectual do tipo humanista, versado em vários campos do saber, foi acolhido, em 1975, para imortal da Academia Piauiense de Letras, cadeira nº 8, tendo sido recebido por A. Tito Filho, em cujo memorável discurso de recepção exaltou as qualidades de meu pai na oratória, no jornalismo e no magistério público e particular. Neste último lecionou francês (inclusive, para minha alegria e vaidade justa, foi o meu professor dessa disciplina no curso ginasial) por muitos anos no citado Ginásio “Des. Antônio Costa.” Meu pai, por seu turno, no seu discurso de posse na APL, mais uma vez, produziu uma notável peça literária, na qual se podem reconhecer o seu vasto conhecimento, sobretudo nas áreas da história, sociologia, geografia, filosofia, línguas(latim, francês e italiano) ciências políticas e de grande leitor da literatura, quer nacional, quer universal.
Espero que meus conterrâneos presentes ao Evento aproveitem a lição e o exemplo de Cunha e Silva e se orgulhem de o terem como ilustre amarantino, cujos restos mortais jazem no Cemitério desta cidade. Que todos os participantes desta festa da cultura de Amarante sejam bem-vindos ao Salão do Livro de Amarante e que os trabalhos apresentados pelos participantes tenham um excelente resultado. Viva Amarante! Viva Cunha e Silva! Um abraço fraterno do Cunha e Silva Filho