Ante os últimos acontecimentos surgidos no país, apresso-me em expressar o meu assombro, a minha perplexidade de mistura com certo receio pelo que atravessa a nação.
As primeiras manifestações organizadas por estudantes do ensino médio e de universidades tendo como pauta principal o chamado “passe livre” não foram algo precipitado ou saído de uma cabeça desmiolada de algum jovem descontente com as mazelas dos transportes urbanos das nossas principais cidades. Era algo que se desenrolaria cedo ou tarde no Brasil, portanto algo previsível que estava entalado na garganta aparentemente acomodada e supostamente alienada de uma juventude.
Além da realidade concreta provocadora da rebeldia dos estudantes, ou seja, o aumento do preço da passagens de ônibus e a falta do passe livre, havia um descontentamento maciço da população brasileira sufocado, reprimido, porém prestes a explodir como um vulcão adormecido.
Bastou o estopim, a fagulha provocada pela juventude nas ruas para que as manifestações se transformassem, em toda a sua plenitude, em indignação nacional, envolvendo agora, adultos, velhos e crianças acompanhadas dos pais, gritando palavras de ordem, carregando cartazes, com frases alusivas a uma série de desacertos de nosso governantes em áreas de vital importância à normalidade do cotidiano da sociedade brasileira: transporte sucateado, saúde em frangalhos, escalada sem precedente da violência de criminosos impunes, barbarizando pessoas de todas as idades, além de um quadro vergonhoso de representantes do povo em Brasília, no Senado, na Câmara dos Deputados, em alguns governos estaduais, em prefeituras das capitais e do interior, praticamente toda uma classe política que, pelos seus malefícios feitos contra o país, sobretudo por ações de corrupção durante os seus mandatos, pouco ou nenhuma atenção tiveram para com os seus representados, quer dizer, o povo brasileiro que os elegeu com a convicção de que iriam defender os direitos da população brasileira. O gigante ( há muto tempo adormecido) da letra do hino brasileiro acordou por completo, atingindo todo o território nacional em passeatas, em manifestações de protestos vigorosos e candentes contra os males do governo atual.
Nem em outras manifestações anteriores ocorridas no país, como as “Diretas Já”, os caras pintadas contra o governo Collor, tiveram a intensidade e a quantidade de manifestantes quanto estas que vimos há poucos dias, atingindo o país inteiro e com repercussão das comunidades brasileiras em países estrangeiros.Aquele cartaz que vi pela TV de um brasileiro em Londres exibindo a frase tão oportuna Wake up, Brazil! (Acorda, Brasil!) é algo que traduz a percepção distante do país por alguém que explicitamente compartilha e se condói do que está vivendo a nossa sociedade atualmente.
Nenhum governo se sustenta quando seu povo se conscientiza de que alguns de seus direitos de cidadania foram suprimidos. O único lado ruim dessas manifestações foi manchado pela irrupção da onda de vandalismo de grupos criminosos que se misturaram no meio das passeatas realizadas com fins pacíficos. Esse lado obscuro e abominável deve ser contido com rigor pelos órgãos de segurança de cada estado da Federação.
Se os órgãos de repressão contra criminosos não forem acionados de forma constante e estratégica, temo pela integridade do patrimônio público e privado de nossas capitais e outras cidades. Dá-me a impressão, vendo as ações de criminosos oportunistas atacando tudo que vêem pela frente, saqueando lojas, depredando edifícios públicos, incendiando veículos até com passageiros no seu interior, praticando arrastões, furtando, roubando, estilhaçando vidros, quebrando portas, levando mercadorias, jóias, carros, bicicletas, motos, comida, enfim, tudo que lhes chegue às mãos, de que o Estado brasileiro está vivendo uma fase de vazio de autoridade, de acefalia, em nível perigoso para as instituições democráticas que queremos de fato ver consolidadas.
A Presidência da República demorou muito em dar satisfação às reivindicações das manifestações pacíficas e está demorando muito com relação à onda de desordeiros que se alastram pelo pais afora. A sensação que tenho é de um estado de anomia diante de práticas criminosas a que estamos assistindo e veiculadas pela mídia diariamente nos últimos dias.
Há muito venho publicando neste blog artigos advertindo as autoridades brasileiras para os mais graves problemas que o país vem atravessando, desde a corrupção - impune - de parte de nossos políticos até a escalada de violência que parece não ter fim.
Talvez a descrença que o povo brasileiro está manifestando pelos políticos e governantes nossos combinada com a violência cometida por criminosos contra o cidadão brasileiro seja parte de um todo composto de desrespeito pelo bem-estar do povo e pela inoperância das autoridades, em todos os níveis, de solucionar os males crônicos da nação. O mau exemplo das autoridades se reflete seguramente na consciência dos criminosos, quer adolescentes, quer adultos.
Se a impunidade continua soberana no alto da pirâmide, onde se agasalham políticos corruptos, na base da pirâmide, os vândalos, os marginais, de antemão sabem que serão presos e logo depois, por imperativos da lei que os protege, serão liberados para novos crimes contra indefesos e inocentes.
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