Cunha  e Silva Filho
            Há algumas semanas  envolvido 
com  pesquisas  de final de trabalho, cercado de livros e de
preocupações de ordem literária, não tenho nem lido jornais,  que, 
para mim, são fontes indispensáveis de  informações a despeito  das linhas ideológicas  diferentes 
dos editoriais.
Antonio Candido, esse grande crítico literário, historiador e ensaísta dos melhores que o pais conheceu em todos os tempos, felizmente ainda vivo e lúcido, com seus noventa e poucos anos, há tempos aconselhava a todos, incluindo os escritores, os críticos, a lerem jornais, tendo ele mesmo sido um dos grandes críticos de rodapé nos áureos tempos em que o jornal dava atenção a esse tipo de jornalismo. Talvez devesse ao jornal a sua forma de escrita clara, objetiva e contida, com a atenção no público amante dos jornais.
Antonio Candido, esse grande crítico literário, historiador e ensaísta dos melhores que o pais conheceu em todos os tempos, felizmente ainda vivo e lúcido, com seus noventa e poucos anos, há tempos aconselhava a todos, incluindo os escritores, os críticos, a lerem jornais, tendo ele mesmo sido um dos grandes críticos de rodapé nos áureos tempos em que o jornal dava atenção a esse tipo de jornalismo. Talvez devesse ao jornal a sua forma de escrita clara, objetiva e contida, com a atenção no público amante dos jornais.
Nesse intervalo 
de reclusão e de afastamento  da
leitura de jornais, pouco me  sobrou
para  manter um mínimo contato com o que
está ocorrendo no país. Ás vezes, a ajuda do meu filho Alexandre, que é
vidrado em notícias  televisivas,  das quais me passa alguns fatos do quotidiano
brasileiro,  me é valiosa. Eu mesmo,  com  alguma folguinha,  dando umas espiadas na TV,  consegui 
juntar alguns cacos de notícias 
que me deram uma  péssima  impressão do que  está vivendo agora  o país. Por que péssima? Já direi adiante.
Péssima porque o país 
está  dando sinais de confusão
institucional, não só institucional, 
política também e esta última 
ainda  fortemente  presa à corrupção   epidêmica Isso tudo ante eventos  que, 
por algum  curto período,  vão 
anestesiar  partes da população, e
aqui incluo todas as classes, todas unidas 
para o bem do  Brasil,  terra querida, de povo  cordial,  
ordeiro,  amigo, solidário.
Podemos falar de eventos que dividem a Nação em duas partes, os a favor  de algumas coisas, e outros,  contra algumas coisas. Entre essas
coisas  se interpõem a Copa  Mundial da FIFA e as aspirações  políticas dos candidatos  à Presidência da República. 
Para alguns, o futebol, em  torneio 
global,  é  o paraíso 
dos torcedores e fanáticos; para outros, 
a Copa Mundial simboliza  a
gastança do dinheiro  público  injetado 
a fundo perdido,  dinheiro
grosso  gasto em detrimento  de um país  que necessita de  melhorar   em  tantos setores,  educação, transporte, saúde, segurança, todos
eles em baixa, em plano inclinado já prestes a se espatifar  na lama da incompetência e da felonia de
irresponsáveis pela  causas pública. 
Se nosso país não fosse essa ilha da fantasia  instalada nos três poderes  brasílicos, 
não teríamos  tantas diligências, tantos cuidados,   tantas exibições  de 
força bruta armada,  espalhadas
por todos os cantos em que a bola 
vai  rolar  solta nos gramados  de estádios 
ensanguentados  por  mortes de operários, os pobres operários  de Vinicíus 
de Morais ( 1913-1980)
Mas, as Forças Armadas protegem  os estrangeiros que aqui vêm aportar e
apostar em suas  seleções. O país da
violência será blindado pelas tropas 
federais sob o comando de uma almirante. Já se vê  que o combate   da violência é mais para proteger  os de fora. Isso dá ibope e melhora  a “imagem” de um país  feito de simulacros,  de 
jogos de aparência,  de troca de
espelhos, onde o dado real  se inverte
pela  troca  e pelas substituições  de deveres e obrigações, Onde fica o povo sem
escola, sem hospital para os desfavorecidos, sem a segurança  do quotidiano de quem  tem como 
transporte os  busões em espaços
de  sardinha em lata, de quem não pode
mais  sair à rua  com a certeza de que vai  voltar, de quem  vive vidas severinas nas grandes  métropoles brasileiras, espaços do  desenfreado  
individualismo, desses rat-racers
correndo pela sobrevivência e também  pela
ganância  do dinheiro  que jamais 
sacia a  sede  de  acumulação capitalista.
País realmente dos 
confrontos e contrastes para usar a imagem de um título de uma obra de
Euclides da Cunha (1866-1909), grande escritor 
que, na sua época, já denunciava 
os crimes  das Nação  despreparada 
e violenta contra  esfarrapados   liderados 
por um  messianismo   produto  da desigualdade,  miséria  material 
e  espiritual   de um 
povo. 
Nas grandes e pequenas cidades brasileiras,
interligadas  pelas mídias
eletrônicas,  vive um povo acossado pela
violência sem  limite, entregue à própria
sorte, desprotegido pela  impunidade  e anacronismos de nosso  sistema 
penal, afundado em drogas, amedrontado nos morros, nos muquinfos
ou    em elegantes 
apartamentos  ou casas suntuosas.
País em que crianças  delinquentes de
dez, onze anos,  entram num  estabelecimento comercial,  e,  com uma arma em punho, aponta para quem está do outro lado do balcão, à procura  do dinheiro 
fácil e blindado  pelas artigos do  Estatuto 
do Adolescente.. 
Brasil, onde, 
um motorista  embriagado, ou
não,  atropela alguém, mata, e sai em
disparada, ou, quando não,  o atropelador
assassino  vai à delegacia, presta
depoimento, paga fiança  e sai em liberdade. Ou , o que é pior,  uma senhora idosa, atravessando uma  rua  com
o sinal verde, ou seja, na vez dela de pedestre,   de  repente é  jogada no alto por uma viatura policial que
nem ao menos   estava  em perseguição de bandidos. O mais intrigante
nesse incidente  e acidente  fatal foi 
a decisão tomada pelas autoridades  de segurança: aquela  idosa,
através de seus familiares,  ainda  teria que arcar com as despesas  que o seu   frágil corpo  havia 
causado (!) na lataria  da
viatura  policial. Que estranho país
é  esse em que  vivemos !
Às vezes, leitor, 
me dá a sensação de que  as
barbaridades  que vejo no país não passam
de um pesadelo, de um “sonho dantesco”  ou de uma descida às profundezas do Hades ou
também  ao convívio das profecias
enganosas  das feiticeiras  de Macbeth, 
à frente das  quais estava
Hecades,  a “Rainha do Mal.”   
No entanto, não estou dormindo,  estou, agora, 
escrevendo esta crônica, estou acordado 
e  lúcido, estou consciente de
que  esse sentimento de  indignidade que  me abate não pode ser  só meu. Não é possível que outros não pensem
como  eu, a não ser que pertençam àquela
fatia, que não é pequena,  a de uma pátria
dividida que, ou pela cegueira  da
ignorância, ou  por falta de caráter, ou
ainda  porque  é cínica, teima  em desfraldar – ia dizer -   uma
bandeira, mas apenas  uma imagem  de  meu
país conturbado    pelo 
descontentamento   social
configurado  pelas manifestações
populares,  pelo vandalismo,  pelos ônibus 
incendiados, por um trânsito 
louco, por vezes  causado
também  por passeatas,  de setores 
ligados  aos transportes,à
educação,  à polícia militar e civil, e
pela iminência de outras greves do setor público  federal, 
estadual e municipal. O país precisa de um nova ordem democrática, de um
governo  que  respeite os direitos  da cidadania 
brasileira em todos os aspectos da máquina do Estado. Não queremos
golpes de Estado. Queremos presidente eleitos que conquistem, sem  laivos populistas,   o respeito geral da Nação brasileira.
 É tempo de
patriotismo, não de Por que me ufano de
meu país?,  de amor verdadeiro ao país mas sem os antolhos
da alienação tanto das camadas 
desfavorecidas e,  na maior parte
ignorantes e fanzocas  de cantora funk alçada a “filósofa,” quanto da
classe média (ou “mérdea,’ na definição escrachada do grande contista João
Antônio, 1937-1996) que só pensa na cervejinha, no  futebol, no carnaval,  e nos almoços de pequenos  burgueses  no  final de semana.   
AO
PÉ DA PÁGINA
             Costumes  ignóbeis
                                     Cunha e
Silva
“Na
República Velha, pra vergonha de nossos foros de civilizações, pela imprensa,
pela tribuna da praça pública, a linguagem era desabrida contra o adversário,
não havia respeito nem ao recesso do lar dele. O adversário era achincalhado de
toda  forma. Civis e militares condenavam
tis costumes políticos. Veio a revolução de 1930. Nova era se abriu para o
Brasil. Criou-se a Justiça Eleitoral e formaram-se partidos políticos de âmbito
nacional. Vieram  as campanhas eleitorais
no tempo de Getúlio Vargas e depois dele, com a da UDN com o PSD.
Os
de outrora ressurgiam ainda com mais veemência. Os xingamentos em comícios e em
jornais reproduziram-se com mais violência e ferocidade. Nas últimas campanhas
eleitorais, as coisas  não mudaram. A linguagem,
nos comícios e jornais, tornou-se até mais achincalhante. Não se respeitava a
dignidade do homem. Adversários eram chamados 
de veados, de frescos e ofensas outras as mais aviltante.”
Nota
do Blog: O  fragmento do recorte de
jornal  do meu arquivo pessoal   não vem com data nem o nome do jornal. Porém,
na folha do verso, descubro que foi  escrito em 1987.
