quarta-feira, 21 de maio de 2014

A Pária amada: um povo em desassossego




                              Cunha  e Silva Filho


            Há algumas semanas  envolvido  com  pesquisas  de final de trabalho, cercado de livros e de preocupações de ordem literária, não tenho nem lido jornais,  que,  para mim, são fontes indispensáveis de  informações a despeito  das linhas ideológicas  diferentes  dos editoriais.
           Antonio Candido, esse grande crítico literário,  historiador e ensaísta dos melhores que o pais  conheceu em todos os tempos,  felizmente ainda vivo e lúcido,  com seus  noventa e poucos anos, há tempos aconselhava  a todos, incluindo os  escritores, os críticos,  a lerem  jornais, tendo ele mesmo sido um dos grandes críticos de rodapé nos áureos tempos em que  o jornal  dava atenção  a esse tipo de jornalismo. Talvez devesse ao jornal a sua forma de escrita  clara, objetiva e  contida, com a atenção no público amante dos jornais.
Nesse intervalo  de reclusão e de afastamento  da leitura de jornais, pouco me  sobrou para  manter um mínimo contato com o que está ocorrendo no país. Ás vezes, a ajuda do meu filho Alexandre, que é vidrado em notícias  televisivas,  das quais me passa alguns fatos do quotidiano brasileiro,  me é valiosa. Eu mesmo,  com  alguma folguinha,  dando umas espiadas na TV,  consegui  juntar alguns cacos de notícias  que me deram uma  péssima  impressão do que  está vivendo agora  o país. Por que péssima? Já direi adiante.
Péssima porque o país  está  dando sinais de confusão institucional, não só institucional,  política também e esta última  ainda  fortemente  presa à corrupção   epidêmica Isso tudo ante eventos  que,  por algum  curto período,  vão  anestesiar  partes da população, e aqui incluo todas as classes, todas unidas  para o bem do  Brasil,  terra querida, de povo  cordial,   ordeiro,  amigo, solidário. Podemos falar de eventos que dividem a Nação em duas partes, os a favor  de algumas coisas, e outros,  contra algumas coisas. Entre essas coisas  se interpõem a Copa  Mundial da FIFA e as aspirações  políticas dos candidatos  à Presidência da República.
Para alguns, o futebol, em  torneio  global,  é  o paraíso  dos torcedores e fanáticos; para outros,  a Copa Mundial simboliza  a gastança do dinheiro  público  injetado  a fundo perdido,  dinheiro grosso  gasto em detrimento  de um país  que necessita de  melhorar   em  tantos setores,  educação, transporte, saúde, segurança, todos eles em baixa, em plano inclinado já prestes a se espatifar  na lama da incompetência e da felonia de irresponsáveis pela  causas pública.
Se nosso país não fosse essa ilha da fantasia  instalada nos três poderes  brasílicos,  não teríamos  tantas diligências, tantos cuidados,   tantas exibições  de  força bruta armada,  espalhadas por todos os cantos em que a bola  vai  rolar  solta nos gramados  de estádios  ensanguentados  por  mortes de operários, os pobres operários  de Vinicíus  de Morais ( 1913-1980)
Mas, as Forças Armadas protegem  os estrangeiros que aqui vêm aportar e apostar em suas  seleções. O país da violência será blindado pelas tropas  federais sob o comando de uma almirante. Já se vê  que o combate   da violência é mais para proteger  os de fora. Isso dá ibope e melhora  a “imagem” de um país  feito de simulacros,  de  jogos de aparência,  de troca de espelhos, onde o dado real  se inverte pela  troca  e pelas substituições  de deveres e obrigações, Onde fica o povo sem escola, sem hospital para os desfavorecidos, sem a segurança  do quotidiano de quem  tem como  transporte os  busões em espaços de  sardinha em lata, de quem não pode mais  sair à rua  com a certeza de que vai  voltar, de quem  vive vidas severinas nas grandes  métropoles brasileiras, espaços do  desenfreado   individualismo, desses rat-racers correndo pela sobrevivência e também  pela ganância  do dinheiro  que jamais  sacia a  sede  de  acumulação capitalista.
País realmente dos  confrontos e contrastes para usar a imagem de um título de uma obra de Euclides da Cunha (1866-1909), grande escritor  que, na sua época, já denunciava  os crimes  das Nação  despreparada  e violenta contra  esfarrapados   liderados  por um  messianismo   produto  da desigualdade,  miséria  material  e  espiritual   de um  povo.
Nas grandes e pequenas cidades brasileiras, interligadas  pelas mídias eletrônicas,  vive um povo acossado pela violência sem  limite, entregue à própria sorte, desprotegido pela  impunidade  e anacronismos de nosso  sistema  penal, afundado em drogas, amedrontado nos morros, nos muquinfos ou    em elegantes  apartamentos  ou casas suntuosas. País em que crianças  delinquentes de dez, onze anos,  entram num  estabelecimento comercial,  e,  com uma arma em punho, aponta para quem está do outro lado do balcão, à procura  do dinheiro  fácil e blindado  pelas artigos do  Estatuto  do Adolescente..
Brasil, onde,  um motorista  embriagado, ou não,  atropela alguém, mata, e sai em disparada, ou, quando não,  o atropelador assassino  vai à delegacia, presta depoimento, paga fiança  e sai em liberdade. Ou, o que é pior,  uma senhora idosa, atravessando uma  rua  com o sinal verde, ou seja, na vez dela de pedestre,   de  repente é  jogada no alto por uma viatura policial que nem ao menos   estava  em perseguição de bandidos. O mais intrigante nesse incidente  e acidente  fatal foi  a decisão tomada pelas autoridades  de segurança: aquela  idosa, através de seus familiares,  ainda  teria que arcar com as despesas  que o seu   frágil corpo  havia  causado (!) na lataria  da viatura  policial. Que estranho país é  esse em que  vivemos !
Às vezes, leitor,  me dá a sensação de que  as barbaridades  que vejo no país não passam de um pesadelo, de um “sonho dantesco”  ou de uma descida às profundezas do Hades ou também  ao convívio das profecias enganosas  das feiticeiras  de Macbeth,  à frente das  quais estava Hecades,  a “Rainha do Mal.”   
No entanto, não estou dormindo,  estou, agora,  escrevendo esta crônica, estou acordado  e  lúcido, estou consciente de que  esse sentimento de  indignidade que  me abate não pode ser  só meu. Não é possível que outros não pensem como  eu, a não ser que pertençam àquela fatia, que não é pequena,  a de uma pátria dividida que, ou pela cegueira  da ignorância, ou  por falta de caráter, ou ainda  porque  é cínica, teima  em desfraldar – ia dizer -   uma bandeira, mas apenas  uma imagem  de  meu país conturbado    pelo  descontentamento   social configurado  pelas manifestações populares,  pelo vandalismo,  pelos ônibus  incendiados, por um trânsito  louco, por vezes  causado também  por passeatas,  de setores  ligados  aos transportes,à educação,  à polícia militar e civil, e pela iminência de outras greves do setor público  federal,  estadual e municipal. O país precisa de um nova ordem democrática, de um governo  que  respeite os direitos  da cidadania  brasileira em todos os aspectos da máquina do Estado. Não queremos golpes de Estado. Queremos presidente eleitos que conquistem, sem  laivos populistas,   o respeito geral da Nação brasileira.
 É tempo de patriotismo, não de Por que me ufano de meu país?,  de amor verdadeiro ao país mas sem os antolhos da alienação tanto das camadas  desfavorecidas e,  na maior parte ignorantes e fanzocas  de cantora funk alçada a “filósofa,” quanto da classe média (ou “mérdea,’ na definição escrachada do grande contista João Antônio, 1937-1996) que só pensa na cervejinha, no  futebol, no carnaval,  e nos almoços de pequenos  burgueses  no  final de semana.   




AO PÉ DA PÁGINA

             Costumes  ignóbeis

                                     Cunha e Silva

“Na República Velha, pra vergonha de nossos foros de civilizações, pela imprensa, pela tribuna da praça pública, a linguagem era desabrida contra o adversário, não havia respeito nem ao recesso do lar dele. O adversário era achincalhado de toda  forma. Civis e militares condenavam tis costumes políticos. Veio a revolução de 1930. Nova era se abriu para o Brasil. Criou-se a Justiça Eleitoral e formaram-se partidos políticos de âmbito nacional. Vieram  as campanhas eleitorais no tempo de Getúlio Vargas e depois dele, com a da UDN com o PSD.
Os de outrora ressurgiam ainda com mais veemência. Os xingamentos em comícios e em jornais reproduziram-se com mais violência e ferocidade. Nas últimas campanhas eleitorais, as coisas  não mudaram. A linguagem, nos comícios e jornais, tornou-se até mais achincalhante. Não se respeitava a dignidade do homem. Adversários eram chamados  de veados, de frescos e ofensas outras as mais aviltante.”

Nota do Blog: O  fragmento do recorte de jornal  do meu arquivo pessoal   não vem com data nem o nome do jornal. Porém, na folha do verso, descubro que foi  escrito em 1987.

segunda-feira, 5 de maio de 2014

O Mundo e o Brasil: um páreo duro






                                                  Cunha e Silva Filho


1)     O MUNDO


           Fiquei perplexo com o que li na seção internacional da Folha de São Paulo de domingo  passado. O conteúdo  das notícias que li  me deixaram decepcionado. A esperança que tínhamos, nós ocidentais,  da “Primavera Árabe” se esfumou. As manifestações,  os gritos de clamor dos povos, as vidas perdidas nos embates contra as forças  policiais dos governos  truculentos das nações onde a esperança  parecia  que  ia ser concretizada pela troca de governos  autoritários por governos  democráticos, os desejos  justos   contra  a opressão e a barbárie  praticamente não resultaram em muita coisa.  
 Basta  mencionar   os exemplos da Argélia,  Tunísia, Líbia, Egito,  Síria, Arábia  Saudita, Iraque e Iêmen. Os que realizaram eleições (?)  colocaram no poder  ditadores. Assim, os exemplos da Argélia, do Egito, este último   hoje  governado  por um  presidente  interino; a Síria, que vai  realizar eleições(?) em 3 de junho próximo já conta como  vitorioso o genocida  e ditador Bashar al-Assad; a Arábia Saudita, uma monarquia,  conduz o povo com mão de ferro; o Iraque,  desde a  invasão dos EUA em 2003,   enfrentou  um “ciclo” de violências, onde xiitas  e sunitas  não se entendem, realizou eleições. Resta saber se legítimas ou fraudadas,. Só Deus sabe...
Hoje,  ditadores,  autocratas  falam que,em seus governos,  há democracia, o que nos permite  deduzir que “democracia” no sentido mais lídimo do termo, passa  a ter uma metamorfose  semântica e, o que é mais grave,  de teor pejorativo ou  hilariante.Vai ver que Fidel Castro, Maduro e outros  assemelhados  se definem como  democratas. Como pode haver democracia onde há censura cerrada ou velada?
Tenho observado, em entrevistas de cientistas políticos ou  de pessoas  familiarizadas com  a questões de política internacional, que há um  certa concordância  de entendimento  do que  está acontecendo com  os governos  de algumas nações do  Oriente, do Leste Europeu, da América do Sul e  de alguns países africanos no sentido de que está se revelando ou  constatando  uma estranho   comportamento  político de cunho autoritário respaldado  pelas  suas populações. O povo, assim, aceita o governo  discricionário, elege  os candidatos  a presidentes   com esse perfil  de ditador, naturalmente  pensando – e erradamente,  é claro  – que uma nação precisa de ser  administrada  por  esse tipo de governante.
Esse comportamento dos povos  é preocupante, porquanto   dessa espécie de acordo  silencioso  entre o governo e os seus cidadãos arrisca-se  uma nação  em cair na armadilha  do totalitarismo.
De acordo com uma análise de Roula Khalaf, do Financial  Times, publicada na mencionada  edição  de domingo da Folha de São Paulo, o conhecido  líder militar, Abdel Fattah al-Sisi, tem certa a sua eleição e, conforme disse o analista,   .”.. com aprovação popular esmagadora.” E mais,  até um canal de TV patrocinado  pelos sauditas, retirou do ar Bassem Youssef,  um conhecido  comediante do Egito. Isso para impedi-lo de evitar influenciar   a orientação dos eleitores e a opinião  pública.”   Essa “comédia de uma noite de verão” é o retrato  mais  deprimente  da contrafação política  orquestrada  para  dar vitória a um candidato. O analista, num trecho  do artigo,   chega a  citar  essa opinião , segundo ele, de “muitos egípcios”  “É de um líder forte que o país precisa.”
O que está, na verdade,  acontecendo com  os povos  do mundo? Estão enlouquecendo e pondo, assim, a própria   cabeça  à decapitação?  Para onde estão  lançando os  mais  autênticos  postulados da democracia da Grécia  antiga?


2) O BRASIL
          
           Agora,  leitor,  penetremos  no país do carnaval, sede da bem próxima  Copa Mundial  de  Futebol,  delícias dos fanáticos  matadores   de outros fanáticos  numa  simbiose  que, entra ano, sai ano,  aumenta  a estatística  dos crimes  relacionados a um esporte outrora bem mais  humano, bem menos  milionário, máquina atual  de fazer  uns poucos  jogadores craques   de primeira grandeza e, depois,  transformados  em  businessmen do império  dos cartolas.           
            A pior notícia que ouvi  esta noite  foi a de uma  energúmeno, uma capeta em  forma de humano, que havia arrancado    uma vaso sanitário de um dos banheiros  femininos de um  estádio  de futebol  brasileiro e do alto do estádio o  arremessara em direção a um jovem, possivelmente  torcedor de time  rival, que estava  passando lá embaixo na calçada. O objeto  atingiu  o jovem em cheio e o matara  instantaneamente.
           Em pouco tempo,  o governo  da Dilma, agora na condição de pré-candidata à reeleição,  gastou  rios de dinheiro  construindo  estádios de futebol  pelo país afora,  não se importando  com o estado  escangalhado  dos hospitais  públicos, do transporte  em petição de miséria, da educação pública  em frangalhos,    deixando um povo sofrido e ao deus-dará,  sobretudo em São Paulo,  a cidade mais importante do país, angustiada ainda mais com a escassez de água  para a população  paulistana e a escalada de violência  jamais  vista na história do país, violência que se alastra por toda a nação,  com  pivetes  matando  inocentes de todas as idades e, o que é pior,  sem serem punidos,  sem terem a maioridade penal reduzida.
A falta de controle dos órgãos de segurança  já está levando a um  outro grave problema  criminal: os linchamentos, a lei  feita  por populares,  muitas vezes,  até  matando  inocentes como  foi  o exemplo  de uma jovem senhora  em São Paulo, se não me engano, sacrificada por mãos de populares  ensandecidos tal como  já aconteceu  nos tempos da faroeste  americano, sob a alegação de que ela  seria uma mulher que  sequestrava  crianças para serem  instrumentos de sacrifícios ritualísticos.  A mulher  em questão  era inocente e havia sido  confundida  com a verdadeira criminosa,  cujo paradeiro  ainda se desconhece.O erro foi duplo,  alguém  postou na internet um retrato   falado de uma mulher provavelmente com  alguma  semelhança  com a  inocente  que deixou a família arrasada  para sempre.
        Com tantos gritantes problemas  a serem  minimizados,  o  país ainda  assiste ao escândalo  da compra bilionária  de uma  refinaria  em Pasadena, EUA,  num imbróglio detetivesco que atinge os alicerces da política  petista. E os jornais já andam  falando em outra  compra  cheirando a fraude  envolvendo, se não  incorro em erro,  homens da Petrobrás e o governo. Essas transações,   que não deram  nenhuma   vantagem  aos brasileiros, mas só prejuízos ao Erário  Público,  ainda não foram  bem  justificadas  pelo  governo  em Brasília.
     E, diante de todos esses “malfeitos”, vocábulo do campo semântico petista, assim como o tratamento  cerimonioso   ‘presidenta”  saído das bocas dos aduladores e áulicos   palacianos, como  vai  a pré-candidata, amiga do  “Esse é o cara,” se justificar diante da   opinião  brasileira e nos debates  das campanhas  na corrida presidencial pela televisão e comícios nos quatro cantos  da pátria  amada?

      Estou quase acreditando que o Brasil está  se enfileirando  no mesmo time   dos  “gloriosos”  candidatos-ditadores  que estão  substituindo  a “Primavera Árabe”  por novos  algozes  com pretensões  de  czares  da velha  Rússia  de  Dostoiévski. E me pergunto mais uma vez: quem será, no país, que   deverá ser  calado  para  não cair na mesma  situação  do  comediante  egípcio? Fica no ar a pergunta.





AO  PÉ  DA  PÁGINA


                             Estabilidade institucional


                                                                              Cunha e Silva


“Já é tempo  de sobra para o Brasil ter estabilidade  institucional.É preciso que as instituições democráticas se consolidem, no Brasil, definitivamente. Sigamos o exemplo dos Estados Unidos e da Inglaterra na manutenção de suas instituições políticas já seculares.Os Estados Unidos se tornaram  independentes a quatro(4) de julho de 1776, perfazendo, portanto,  208 anos. Em todo esse período, com exceção  dos quatro anos de guerra da Secessão (1861-1865), nunca  se registraram  revoluções e golpes militares nos Estados Unidos. A Constituição  Americana sofreu,  é verdade,  algumas alterações, mas sem lhe ferirem  o espírito liberal e democrático. Os americanos  respeitam a sua   Carta Magna. A solidez da  democracia americana foi o fator principal para que os Estados Unidos fossem, hoje,  a nação mais  rica,  poderosa e adiantada  do mundo.Se não fosse o seu poderio militar e econômico, o comunismo  já estaria dominando o orbe inteiro. A Argentina, o Chile e o Uruguai enquanto  estiveram sob o regime democrático,  gozaram  de paz  interna e prosperaram bastante. Vieram as ditaduras militares para essa nações e, em consequência,  surgiram nelas desmandos e tropelias,  cenas de banditismo policial, de terrorismo político com a cumplicidade dos governantes, responsáveis pela matança de milhares de cidadãos, alguns em guerrilhas e outros nas prisões e em suas casas.”
N. do Blog.: O fragmento do artigo acima foi  publicado no Jornal do Piauí, possivelmente em 1984. O recorte dos meus arquivos não traz a data.