sábado, 14 de setembro de 2019

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE: HOMENAGEM JUSTA






                                                     Cunha e Silva Filho

            As manifestações de carinho  para com os oitenta amos Carlos Drummond de Andrade(1902-1987) são  um testemunho inequívoco da importância que ainda se dá à Poesia. Algum tempo atrás até se falou  na morte da poesia. Mas, os anos não confirmaram isso. A poesia está tão viva aqui como alhures que a circunstância de se prestar  merecidas  homenagem a um dos grandes poetas brasileiros, como  Carlos Drummond de Andrade,  vale como insofismável  prova  de que o verso é levado em alta  conta graças a Deus. E ai de nós se não o fosse!
          Mais do que muitas análises críticas que se têm feito sobre o vate,  o depoimento dele para o especial  de televisão da Rede Globo serviu em muito para  elucidar  pontos  obscuros de usa obra, assim como para  fazer-nos   entender  melhor  o homem  a serviço da poesia ou a poesia a serviço do homem.  De tudo,  porém,  que conseguiu relatar, o que mais me comoveu e dele me tornei ainda  maior admirador foi a revelação   feita  sobre  o  próprio  pai, o qual,   fazendo parte  da Câmara Municipal  da sua cidade natal, Itabira,   conseguira   para ela  o fornecimento de luz   e de água encanada. Seu pai, um homem  público, nem mesmo  mereceu  que fosse  agraciado com um nome  de rua, - desabafou tristemente o nosso  poeta maior.
        Uma  outra faceta revelada pelo lírico  é a do seu relacionamento   com  o leitor. Segundo ele,  nada mais gratificante  do que encontrar num leitor anônimo alguma ressonância  ou receptividade de sua poesia. Repare-se, aí,  a humildade (à semelhança  de Manuel Bandeira, 1886-1968,  naquele sentido que lhe deu  o notável ensaio  de Davi Arrigucci Jr.(1)  sobre a lírica bandeiriana),  e a preferência   demonstrada  pelo tipo de leitor  que o deixasse  mais  realizado  na sua  longa e produtiva   atividade de poeta. Não fez, nesse aspecto,  menção aos doutos,  aos  grandes exegetas, aos maiores analistas de sua sólida obra. 
        Preferiu  aqueles humildes  e desconhecidos leitores que o liam  apenas   pelo  prazer  voluntário e  espontâneo de lera  poesia  de um  autor  que ouviam dizer   ser  um grande  poeta. Ou seja,  preferia o leitor sem a “visão armada,”  as armaduras  teóricas   e técnicas analíticas sofisticadas  de ponta     de como  ler melhor   poesia  ou  outro  gênero  da imaginação.
        Carlos Drummond de Andrade foi, na verdade,  um dos mais  atuantes  poetas do Brasil, aquele que esteve sempre  presente  aos   acontecimentos  vitais que pudessem afetar ou prejudicar o progresso da  vida do país. Distinguiu-se como  ótimo, vigoroso   e lúcido   cronista    durante o tempo em que colaborou para o  antigo Jornal do Brasil  em coluna que se tornou um marco,  um fórum,   discutindo   problemas  nossos e  indigitando erros de ações governamentais que fossem provocar algum prejuízo seja de que  espécie fosse. Neste sentido,  foi um  poeta  da sua contemporaneidade  no mais elevado sentido social, bem combinado com  um dos seus poemas bem conhecidos:

          MÃOS DADAS 
Não serei o poeta deum muno caduco
Também não cantarei  o mundo  futuro.
Estou preso à vida, e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
 Entre eles,  considero a enorme realidade,
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao amanhecer, a paisagem vista da janela,
 Não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria,  o tempo  presente, os homens presentes,
a vida presente.(2) (Grifos meus)

          Nos outros dois gêneros a que se dedicou,  o conto e a crônica, nota-se igualmente esta preocupação pelo flagrante,  pela atualidade, pelo dia a dia, O ensaísta  Jose Guilherme Merquior (1941-1991) chamou-o com razão  de poeta nacional. Antonomásia perfeita! Com efeito,  ao longo dos anos, Drummond foi o cronista   arguto na defesa de nossas causas mais  acaloradas  e prementes. 
       Todos os temas  de seu tempo  o interessaram  e se  lhe tornaram   preocupações pessoais e  sociais e sobre els  escreveu com a veemência  de um homem  público. Se tivesse sido mais  ouvido pelas autoridades de seu tempo,, assim como tantos outros homens de bem  que  tinham  ideias semelhantes às  dele, muita coisa ruim  teria sido evitada em nosso país. Mas, os homens do poder  não dão muito ouvido aos poetas.
      Em matéria religiosa, se confessara  agnóstico, Em   politica,  deduzimos  por nossa conta,   era um democrata que viu  muito, que sofreu muito  cm as injustiças  em nosso  país. Como ele dissera,  foi  espectador,  por diversas vezes do sufrágio  popular, abortado pelos regimes fortes. Observamos atentamente  que a sua fisionomia na tela da TV.  se contrai quando  se reporta às injustiças  cometidas  em nossos país.
     Confessou   que é impossível  que mais uma vez,  o  povo seja vítima deu retrocessos,  o que seria  insuportável. É comovedor o seu desabafo impotente  e  profundamente  entristecido quando  fala sobre  Sete Quedas. Os próprios técnicos - pareceu  constatar -  afirmaram  que se poderia  construir a hidrelétrica sem a necessidade desse acabar  com a maravilha  das Sete Quedas. Ora, isso basta  como revelação  lídima  do homem e sua  obra.

NOTAS:

(1); ARRIGUCCI  JR., Davi. Humildade, paixão e morte – A poesia de Manuel Bandeira. Sao Paulo: Companhia das Letras, 1990, 301 p.

(2) DRUMMOND DE ANDRADE, Carlos. Mãos dadas. In: Sentimento do Mundo. Apud  Poesia   e Prosa,  organizada pelo autor. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar,  1983, p. 132.

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