quarta-feira, 26 de julho de 2017

Tradução de um poema de Federico García Lorca ( 1898-1936)




               
           

                   CANCIÓN DE JINETE

             
                         Córdoba,
                         Lejana y sola.

Jaca negra, luna grande,
Y aceitunas em mi alforja.
Aunque sepa los caminhos
Yo nunca llegaré a Córdoba.

Por el llano, por el viento,
Jaca negra, luna roja,
Lamuuerte me  está mirando
Desde las torres de Córdoba.

¡Ay qué caminho tan largo!
¡Ay mi jaca valerosa!
¡Ay que la nuerte me espera,
Antes de llegar a Córdoba!⁢⁢⁢



              CANÇÃO DE UM CAVALEIRO


                     Córdova.
                     Solidão distante.

 Cavalinho negro, lua cheia,
no meu alforge azeitonas.
jamais Córdova alcançarei.

Por ventos e planícies,
cavalinho negro, vermelha lua
das torres de Córdova
me olhando a morte está.

¡Oh,  quão longa a estrada!
¡Oh, meu intrépido cavalinho!
!Oh,  antes que  Córdova  alcance
A morte me aguardando está!⁢



                                                         (Trad. de Cunha e Silva Filho)

terça-feira, 25 de julho de 2017

JOGANDO FORA PAPÉIS VELHOS: APENAS UMA METÁFORA



                                                             CUNHA E SILVA FILHO



           Chega um tempo em que (isso me soa um pouco Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), que me perdoe o leitor) é preciso  jogar fora muita coisa  que não gostaríamos de  jogar no lixo: velhos jornais,  livros que não mais nos interessam (será que não nos arrependeremos mais tarde?)  cadernos  antigos, caixas de papelão de sapatos,  sacolas, plásticos e tantos outros itens que se tornaram , com o tempo,  descartáveis. Há um misto de pena que sinto ao lança-los no lixo, pois  não haverá como recuperá-los  caso  haja o  dito arrependimento.  
          Quem  nos compele a agir dessa forma é o tempo inexorável e a falta de espaço. Porém, quem vive como eu em apartamento de tamanho médio não pode se dar  ao luxo de manter tanta  tralha no espaço caseiro. Sei de pessoas que, morando em casa vai acumulando  coisas velhas   até chegar a um ponto de saturação. Muitas vezes,  se o acúmulo da s coisas velhas cheiram mal, os vizinhos  são os primeiros a se queixar e a pedir a intervenção da saúde  pública. Isso  ocorre amiúde com pessoas que vivem anos a fio na mesma casa e, ainda por cima,  criando uma multidão de gatos e cachorros. O mau cheiro infesta os vizinhos mais  próximos. E o caso vai parar, muitas vezes,  na Polícia.
       Há uma tendência no ser humano a armazenar tudo por um longo período de vida até não poder mais. Esse apego se torna algo  doentio, mas me parece ser  inerente sobretudo às pessoas idosas, senhoras idosas, solteironas,   viúvas, gente que não recebe visitas de nenhum parente ou amigo. Talvez por isso se agarrem, com unhas e dentes, às velhas   tralhas.
     Mudando de assunto,   porque, agora,   a coisa é mais séria do que se pensa: descartar-se de nossos  velhuscos  livros que se acomodaram durante anos em nossas estantes. Bem, aqui  a coisa é diferente e  me atinge em cheio, porquanto não suporto me apartar  dos meus  vetustos  volumes adquiridos, durante anos,  com os sacrifícios de um  estudante e, mais tarde, um modesto  professor e escritor.
     Fazendo um parêntese,  menciono aqui  o que alguns  ex-colegas meus, quando ainda éramos  estudantes de curso de Letras: um certo dia,  um pequeno grupo deles , por um razão que nunca soube,  foram à casa do grande linguista  Joaquim Mattoso Câmara Jr (1904-1970) Entrando na casa do famoso  professor da Universidade do Brasil, que inaugurou,  se não incorro em erro,  os estudos de linguísticos no pais,  qual foi a surpresa desse grupo de alunos ao constatarem que, na casa  do linguista,  uma casa simples,  não havia  um grande biblioteca, o que seria de se esperar  de um  erudito  mestre respeitado  no país e no exterior.
    Como poderia explicar  esses magros livros que havia  na casa de Matoso Câmara? Onde teria o mestre de Princípios de linguística geral  colocado  os esperados  muitos volumes  de uma  grande biblioteca? Até hoje, não sei  a resposta.
    Outra vez,  perguntaram a um  filólogo  bem conhecido, Leodegário Amarante de Azevedo  Filho (1927-2011), ex-professor da UERJ, se ele havia lido  todos aqueles  milhares de livros ostentados em sua  luxuosa  biblioteca. O insigne professor lhes respondeu  que não. Por experiência  própria,  temos, por vezes,  grandes livros, e nunca  os pegamos para ler. Vamos adiando, adiando até parecer  a atitude  daqueles personagens  de uma  crônica de Paulo Mendes Campos (1922-1991) reconhecendo que nós brasileiros estamos sempre protelando alguma coisa que deveríamos  concretizar.
     Creio que  a mania de guardar aquilo de que gostamos se deva a uma espécie de sentimento  interior do ser humano   que o levaria a pensar que somos eternos. Quando todo  ser   humano  sabe que isso não corresponde à verdade. Somos finitos e, queiramos ou não,  deixaremos a vida terrena. Brincamos seriamente com uma verdade insofismável e, assim,  vamos  “fingindo”  como no poema célebre de  Fernando Pessoa (1888-1935)), um notável  poema que resume tanto  do que seja  o traço  mais caracterizador  da  criação literária.
     Olho para os meus livros, companheiros fiéis de minha vida, de minhas mudanças físicas, intelectuais e espirituais, testemunhos   oculares de  minhas alegrias, tristeza e esperanças, cúmplices de meus erros e acertos. Olho para eles como se lhes quisesse falar: “Vocês aí estão esperando  por minha decisão de os ler ou reler. Eles, velhos ou novos,  me parecem  entender: “Um dia, Francisco,  V. nos lerá. Pode  demorar ou mesmo pode acontecer que nunca nos lerá.”  E, então,  infelizmente,  será tarde, muito tarde,  ecoando no  meu  pensamento  as palavras do orador sacro Monte Alverne”(1784-1858).
      Ao ver que alguns livros meus ficaram tão velhinhos,  tão fraquinhos,  cos as lombadas  se soltando,  as páginas se largando,  a capa  rasgando, costumo, há tempos, cuidar dessas enfermidades  que atacam os livros: tento,, à minha maneira artesanal, consertá-los, reforçando-os na capa, nas páginas,  na lombada   alquebrada, . Faço isso com o maior carinho, com paciência de Jó, usando apenas uma  tesoura  maior,  cola,  folhas de papel branco. É uma espécie de cirurgia que lhes vai  permitir alguns anos de vida. Descobri, ao fazer isso, que os livros parecem  pessoas. Às vezes, os mais velhos  duram muito,  continuam firmes, resistem  aos reveses do tempo  insano. Outros, de data muito menos  antiga,  ou morrem de vez, ou permanecem em estado  de causar  dó. O tempo os destruiu. Esses me desesperam.  Sei que seus dias estão contados. Pouco há para fazer por eles. Já estou  resignado. Estão para lá da UTI.
        Se dificilmente  admito a ideias de que terei que  me separar deles um dia, o mesmo sentimento  de  melancolia sinto  dos livros que perdi e, alguns, em momentos de grande aflição. Nunca mais os encontrei. Tentei,  por diversas vezes e sem sucesso,  encontrá-los nos sebos do Rio de Janeiro, depois, com alguma expectativa,  nos sebos da Virtual.   E nada  que os fizessem aparecer. Livros perdidos,  já disse outrora numa crônica, são ...) filhos perdidos, assassinados.” Ai, como me doem  as perdas de alguns livros!⁢
      Ao nos abeirarmos da velhice,  na condição de amantes de livros, ⁢já nos vai assaltando  o fantasma  de qual vai ser o destino de cada livro  amado, daquele livro, cuja descoberta numa livraria  nos deu tanto  prazer.  Levamo-lo para casa álacres,  pressurosos de o poder ler na íntegra, lhe  devorar, antropofagicamente, como o fizeram os  iconoclastas  modernistas de primeira hora,  o conteúdo. Oh, quanta “quilometragem”  de leituras e ao mesmo  quanta “quilometragem”  de não leituras!
    V. acha justo, leitor, esse encargo de nos livrarmos de nossos  próprios volumes tão por nós   reverenciados? Acho  injustas a ideia e a ação de descarte de nosso  patrimônio conseguido, como diria meu pai, com “sangue, suro e lágrimas.”  ⁢
   É melhor mudar de assunto, visto que  aquele descarte  é a última coisa  que não desejo fazer. Por que somos  tão egoístas com os nossos pertences em geral, sobretudo com os nossos livros, tanto  com os que escrevemos quanto com os que possuímos de  outros autores.  A dor é quase igual.⁢
     Oh, só quem ama os livros pode imaginar  o que sentimos  por eles. Oh, com agora entendo bem  o que o Sérgio Buarque de Hollanda (1902--1982)), fato que, de resto,  já narrei em crônica, mas que, agora, vou repetir para reforçar a ideias geral desta crônica) sentia quando, tendo comprado um livro novo, chegava, de mansinho, à sua residência a fim de que a esposa não lhe surpreendesse com um livro a mais que iria tomar mais espaço na casa. Comigo, igual circunstância,  sucede,  às vezes, e suponho que com  outras  esposas  de quem  gosta de livros: “Olhe o espaço! – dizem elas. Daqui a pouco,  os livros nos estão  expulsando de casa.” Quem mora em apartamento não pode ter biblioteca, o que, talvez, tenha levado o  ficcionista Rogel Samuel numa crônica,   declarar: “Biblioteca é para ricos.”
    O fato é que o descarte é, na maioria das vezes,   algo que nos deixa  meio triste, com a querer dizer que aquele objeto jogado fora um dia nos poderia ser útil. Reconheço, contudo,  a ponta de egoísmo  nossa. “fazer o quê? – diria o povo brasileiro  meio impotente diante de situações  adversas.
     É certo que de alguma forma   o que lançamos fora, vai ser de algum proveito  para alguém  e até mesmo lucro. Mas essa coisa  de jogar meus livros fora e  me deixa inquieto e ansioso.
Tenho alguns colegas na mesma  situação quando  o descarte é atinente ao livros. “ Por ora, vou deixar parte de livros não tão consultados mais  nalguma biblioteca pública, vou doá-los a pessoas que fariam deles, vou, sei lá, vendê-los a um  livreiro de um antigo sebo, hoje um comércio  praticamente   extinto no Rio de Janeiro, ou vou vende-los a uma livraria virtual. Não sei ao certo. Vou  pensar,  pensar,  pensar.”
     Vou contar (será que já  lhe contei?), finalmente,  um caso relacionado a livros. Não citarei nomes, mas foi verdade. Um  escritor famoso, dono de uma  baita  biblioteca, assim que faleceu,   familiares  foram logo  procurar algum  potencial  comprador  de  grandes acervos. Não demorou  muito tudo ficou consumado. Apareceu,  um membro da família do autor e, ao abrir a sala da biblioteca  do escritor, exclamou estupefato: “Já se livraram  do acervo? Mas tão cedo? Nem deixaram a poeira assentar?!⁢
     Escrevi  esta crônica  inspirado realmente na situação  que vivi hoje pela manhã. Fui ver algumas folhas velhas, papéis guardados,  jornais  não lidos inteiramente,  livros  fora do meu campo de atuação,  revistas prospectos,  agendas há tempos  ultrapassadas, tudo isso  que, de vez em quando,  temos  que   levar ao livro com muito cuidado, porém, na escolha, na triagem, a fm deque não cometamos  um erro  grosseiro de livrar-nos, por engano,  de algo do qual  poderíamos  nos arrepender mais tarde: pode ser até um simples papel de alguém querido, numa data  recuada no tempo,  desejando-nos felicidade. ⁢⁢⁢
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domingo, 23 de julho de 2017

GOSTO NÃO SE DISCUTE? DISCUTE-SE, SIM



                                                                    CUNHA E SILVA FILHO


        Leitor, não vou,  é óbvio, mencionar conversas  íntimas sobre  o que me dizem  acerca de autores, nacionais ou estrangeiros. Principalmente, hoje, um  domingo de sol  ameno que dá vontade de sair de casa a   esmo  até procurar, em vão, encontrar aquilo que chamam de felicidade na terra.
       Já vi  muita gente culta que acha chato  até Machado de Assis. Encontra erros  em passagens de grandes autores europeus,  por exemplo, Honoré de  Balsac, e além disso, não gosta de poesia moderna. Prefere os românticos,  os parnasianos, os clássicos antigos,  latinos ou gregos. Enquanto outros me dizem que Paulo Coelho tem algum mérito. Fico confuso, embaraçado e nem me dou ao trabalho de lhes fazer um censura e mostrar-lhes que  estão errados e que nada entendem da grande  literatura.
       Uma vez, uma colega, estudante de mestrado,  me confessou que já estava cansada de analisar  Carlos Drummond de Andrade. “Chega de Drummond” – resmungou ela. Outros ainda reclamam de um escritor porque, segundo eles, só escrevem  cenas indecentes,  coprológicas. Outros há que detestam um autor por motivos religiosos. De James  Joyce dizem que nada entendem. Atacam  Tolstói, Gorki, Dostoiévski por uma ou outra razão. Outros tampouco  gostam  de Casanova, de André Villon,  de Rabelais. Mas é difícil falarem mal de Cervantes, de Shakespeare. Também seria demais. Enfatizo, leitor,  que estou aqui  falando de opiniões subjetivas de escritores  e de intelectuais.
       Um professor universitário desdenhou do grande  contista João Antônio e soltou  essa bobagem: “Por que não escolheu  um tema de Machado de Assis? Ele, sim, é escritor.” Esse professor era o mesmo  que nunca  leu  Graça Aranha e seguramente não iria ler. O motivo? Não sei.
        Como vê, leitor,  gosto, a princípio,   não se discute em matéria de tudo, inclusive  de literatura. Assim, se fica sabendo de que, em conversas informais,  não faltam   subjetividades  grosserias dirigidas a uma grande autor e a uma grande obra. De uma tacada só, lá se vai  a reputação  de um escritor  famoso, cuja avaliação, movida pela irracionalidade, mera ignorância ou soberba   pretende (não o conseguirá jamais) destruir  um gigante da literatura universal. Desprestigiar um autor é fácil e é covardia,  particularmente quando  já é falecido.
        O pior ainda é que falam até mal de escritores que nunca leram! É verdade. Nunca leram nem  lerão. E não falo de leitor comum, mas de leitor letrado, especializado em literatura.
       Digo e repito  incansavelmente que a literatura, por ser arte maior,  é coisa séria, que merece respeito e não algo que, subjetivamente,  imbecilmente, se possa  discutir  ferindo injustamente  nomes  de méritos da produção literária em todos os gêneros.
      Eis por que se deve ser cauteloso e prudente quando expressamos alguma ideia  envolvendo  juízos críticos apressados ou sem  embasamento  sólido  no que tange ao valor maior ou menor de um escritor.
      De improvisação não se faz crítica nem  se produz  uma obra  literária, uma vez que toda  obra de arte pressupõe um conhecimento  prévio  que se situaria no que se denomina  tradição literária, na formação dos grandes cânones do Ocidente  –  base e até, de certo modo, inspiração responsável por aquele princípio  formulado por Harold Bloom, que é “a angústia da influência,”  angústia sofrida por  um poeta novo em relação a um poeta predecessor.
        Imaginar um escritor,  poeta ou ficcionista,  que não se tenha mais nada a escrever em literatura  é doloroso, sim,  mas  é também fator, segundo Bloom, de renovação, ou como ele afirma, sem esse voluntário  revisionismo,”  “desleituras,”  “desaprisionamentos,” reação "deliberada" e  “perversa,” “distorcida,” de “caricatura de auto-salvação” não se teria   o surgimento  da poesia moderna (apud GRAY, Martin, Dictionary  of literary terms.  London: Longmans York Press,  2nd revised edition, third impression, 1994, p.28).
    Por conseguinte,  deve-se pensar, pelo menos, duas vezes antes de se  julgar aleatoriamente  um autor, uma obra. E a advertência serve para nós todos que lidamos  com  o fenômeno literário e com estudos literários. Não ser leviano  e ligeiro nos julgamentos  inconsistentes de obras alheias é um desserviço  palmar  que se comete  com o criador e a criação literária.
      Ao contrário,  deve-se ter, como em qualquer  campo de estudos,  uma espécie de “educação para a literatura,”  i.e.,  ser elemento  agregador,  responsável,  ético e não se esquecendo de que até pelos escritores que, em língua inglesa, são chamados de minor writers,  devemos ter nosso apreço.  
      Já disse alguém que a literatura  não se constrói apenas de gênios, mas de pequenos e medianos  autores, e é essa mediania  que  consegue levar adiante  a permanência,  no presente e no futuro, da história literária  de qualquer  país. 
     E, finalmente,  ainda tenho algo a considerar. Por razões ideológicos ou políticas, autores há que descartam  algumas obras por elas não  se afinarem com a sua posição religiosa  ou filosófica ou porque não são obras edificantes. Recordo-me de uma artigo de Tristão de Athayde que ponderava  que a literatura não é moral, nem imoral, mas amoral. A obra  literária, assim como as artes em geral,  não têm  compromisso com a realidade  empírica. Ela é construção da imaginação, da linguagem, de um estilo,  de um objeto criado pelo artista  livre e esteticamente concebido,  de um  mundo possível, não  um  arremedo  da vida em si.
     O que um personagem, num romance,  por exemplo, declara pensa ou faz,   não deve se confundir  com uma pessoa de carne e osso. Ele é uma construção discursiva da linguagem com o seu mundo próprio, específico,  sua autonomia estética, autotélica,  um mundo à parte. 
    Patrulhar as concepções de um personagem não passa de uma perspectiva  distorcida  e ignorante do leitor e das instituições  sociais. Vários escritores, no pais e  no exterior,  foram injustamente  processados pela Justiça porque  se confundiu e ainda se confunde muitas vezes persona, personagem  inventado, ser fictício, “criação de papel,” com  indivíduos da sociedade que se viram retratados ou criticados no imaginário de uma obra  literária.Nada tão longe da verdade.     
       


        

sábado, 22 de julho de 2017

O ASSUSTADOR NÚMERO DE FEMINICÍDIOS NO BRASIL



                                        “Deixem as mulheres amar à vontade.”

Lima Barreto (numa crônica de 1915)


                                                             Cunha  e Silva Filho


           Tenho acompanhado pela TV algo que me causa espécie: o crescente número de mulheres  assassinadas  pelo marido, companheiro ou namorado.A multiplicidade desses casos me leva a pensar  que as autoridades  responsáveis pela segurança  das mulheres não podem  relaxar   nessa questão. Não obstante já se possa contar com a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006, mas só aprovada pelo presidente da República em 2015) os cuidados  com as mulheres brasileiras, jovens ou mais velhas,  vítimas  de crimes  covardes e torpes, muitas vezes cometidos  por razões fúteis, devem ser aperfeiçoados e postos em prática   com  urgência, quer pelas ações das delegacias  da mulher, quer pela delegados de polícia civil.
          No tempo do escritor Lima Barreto (1881-1922)), os matadores de mulher eram chamados de “uxoricidas,” do latim uxor, que significa  mulher, esposa, e –cida, “que mata,” assassino. O escritor, por sinal, foi um dos primeiros  a levantar sua bandeira atacando os “valentões” covardes (permita-me o oximoro)  de crimes passionais.  Em crônicas ácidas e corajosas, criticava  os inúmeros  homicídios de mulheres desprotegidas.Portanto,  o feminicídio já vem sendo tema de crônicas desde as primeiras décadas do século passado, talvez antes.       
        Muitas mulheres que sofrem torturas dos seus companheiros comparecem a uma delegacia, fazem o registro de ocorrência e providências  não são tomadas  efetivamente pelos órgãos de segurança pública, particularmente  quando os maus tratos se repetem e novos  registros são  feitos junto  às delegacias. No caso de a justiça  determinar que o agressor   se afaste  da  ex-companheira  limitando  a distância  que ele deve manter  em relação a ela, a ordem judicial com frequência não é cumprida. Ao contrário,  o agressor começa a  fazer ameaças de morte  contra a ex-mulher, seja por telefone,  por celular ou por palavras ditas à distância.
        Essa desarmonia entre casais se inicia logo que a mulher não deseja mais manter  o relacionamento entre os dois e, nesse caso,  quem mais toma a decisão de separar-se é o lado feminino, ao passo que o companheiro, por sua vez,  é quase sempre aquele que não deseja a separação. Ora, como desejar reconciliar-se o homem que maltrata,  machuca e tortura a mulher? Somente se entenderia essa atitude  masculina   se consideramos que  o homem  é movido  por uma  patologia, uma vontade  de  não querer a ruptura do casal mesmo  continuando a torturar a companheira, a parte mas fraca fisicamente falando, presa fácil dos brutamontes ensandecidos pela rejeição que  ele mesmo  provocou no convívio a dois.
     Tenho observado que essa questão do feminicídio  se encontra com mais frequência em estratos mais baixos da vida social.  É óbvio que também podemos  encontrá-lo  nas camadas  médias  e mais altas da sociedade.
     O feminicídio, vocábulo formado de  dois termos, um grego, phemi, que significa “manifestar seu pensamento, sua opinião, e outro do latim de –cid/um, do mesmo  étimo –cida (mencionado acima),  pode embutir vários componentes da vida familiar e social e se afigura, a meu ver,  um fenômeno  maior  na vida  atual.
      O seu surgimento  também se entrelaça às condições de mudanças no seio  familiar, na cultura machista,   na falta de instrução  e na ausência de  formação  moral e espiritual  do indivíduo.
       Com o esfacelamento do antigo núcleo da família,  com a desagregação  do tecido  social e padrões de comportamento  desvirtuados  e de exagerada liberalidade  e licenciosidade dos costumes, repercutindo  negativamente  no relacionamento  amoroso, antes mais   sólido, mais saudável, a sociedade  de massa, envolta em tantos  problemas   e dificuldades de sobrevivência, sobretudo vivendo no meio da alta violência urbana, naturalmente vai contribuindo para o aceleramento  dessas  desarmonias  de casais, propiciando  desentendimentos,  desavenças e rompimento   dos laços amorosos antes mais duradouros.
        Vivendo numa sociedade afluente, individualista, frenética e imediatista,  pautada mais em valores  materiais e hedonistas, a que se  poderia denominar  sociedade  fundada na impessoalidade, nas desigualdades  e nas facilidades hoje franqueadas aos jovens que, bem imaturos,  principiam sua vida  sexual,  antes vigiada por pais  mais rigorosos que não admitiriam  as atuais  transformações  profundas ocorridas   nas intimidades de vida sexual dos filhos,  onde os namoros à moda antiga  praticamente estão desaparecendo entre as famílias de todas as classes econômicas, sobretudo com o advento  do uso de preservativos.
       Um olhar mais acurado sobre a questão do feminicídio nos vai permitir logo divisar outros fatores que se agregaram  ao elevado índice de violência contra a mulher,  seja adulta,  jovem, velha,  adolescente e mesmo crianças. Todas sofrem  diariamente torturas,  estupros,  lesões no corpo e na alma,  de criminosos que, destituídos de algum valores morais,  voltam-se contra elas sem dó nem piedade. Prometem assassiná-las caso  não voltem ao namoro e ao convívio, casados ou amancebados, o que é mais comum agora.
        Querem, na marra, obrigá-las a ficar com ele, elas que, de tanto padecerem em suas mãos,  já não mais os amam. O  rejeitado, quando sofrendo de algum  desequilíbrio mental, com frequência  um psicopata, um desajustado ou meramente um indivíduo  cruel,    não as  perdoa.  Persegue-as quando veem que elas não mais  o amam mais e, em alguns caso,   já até encontraram  um outro  relacionamento outro, um   amor em suas vidas. É nesse ponto,   que o criminoso, o feminicida, consegue uma maneira de  pôr fim à vida da ex-companheira.
       Fatores outros há que concorrem para essa onda de assassinios de mulheres: a impunidade das leis brasileiras. O facínora, sabendo que não  será punido  com uma longa  prisão e de forma integral,  se vê estimulado a dar cabo  de mulheres por considerá-las como  objeto de posse, dono do destino  feminino e senhor absoluto do poder machista.
       Não podemos, da mesma forma,   desprezar o fato de que tais crimes contra as mulheres se devem - cumpre  reiterar – à falta de instrução da população  masculina, desigualdades sociais,  miséria, desemprego,   ausência de formação  moral e dissolução da família.
      Por outro lado,  agrava ainda a questão do feminicídio a circunstância de que os relacionamentos não mais se sustentam  por muito tempo. As opções feitas por ambos os parceiros se dão em  clima de  improviso, de falta de orientação das mulheres, de amadurecimento maior   e de cultura.  
     As decisões sobre o sentimento amoroso são intempestivas,  não veem bem  com quem estão começando um namoro ou um projeto de vida a dois  estribado   na sinceridade,  na troca  de  conhecimento de um para outro e bem aconselhados no seio da família. Sem referências da família,  as jovens escolhem mal e, ao se portarem assim,  não demora que   desavenças comecem a irromper, com brigas,  insultos mútuos,  e agressões físicas  ou verbais. Perdendo o respeito de um para o outro,  dificilmente o casal  terminará bem sua vida amorosa.

     O feminicídio é parte substancial na escalada da violência  que toma conta  da sociedade  brasileira  e a solução a todas essas diferentes  manifestações de violência  demandam um refundação  de valores éticos,  culturais, sociais,  econômicos  educacionais  e  aos quais  não deve estar ausenta a dimensão  espiritual, a transcendência, o cultivo do humanismo adaptado aos tenebrosos  tempos  pelos quais atravessamos sob a ameaça  constante   de todos os males assinalados  linhas atrás.       

terça-feira, 18 de julho de 2017

AVISO ÀS AUTORIDADES BRASILEIRAS




                                                          Cunha e Silva Filho

             Cansado estou  de ver e ouvir entrevistas em todos os meios  de comunicação, nas quais   especialistas em segurança  dão algumas sugestões para que  a gravíssima   questão de violência no Rio de Janeiro seja amenizada. Entretanto,  não são postas em prática nem as sugestões   de especialistas, nem as autoridades  do governo  estadual  cuidam de dar um basta à selvageria  a que se tem assistido principalmente nos últimos meses na antiga  “Cidade Maravilhosa,” o ponto  obrigatório do turismo  internacional e nacional. Se medidas drásticas não forem  tomadas,  as consequências  dessa desordem urbana  preencherá   todas   as característica de uma cidade em guerra.
             Usando uma  metáfora já empregada  por muita  gente, diríamos que os morros estão descendo ao asfalto em todas  os bairros,  quer os nobres, quer os de classe média. O perigo  está à vista de todos os cariocas. O governador   do Estado e o prefeito do  município nada de importância  estão fazendo  para estancar  essa onda  tsunâmica  que se abateu sobre a cidade  do Rio de Janeiro. Estão matando os nossos policiais, estão matando  as pessoas de bem, estão matando  crianças e adultos  com balas perdidas. O banditismo,  que vem de  dos quatro  cantos da cidade,  está fechando  túneis, para realizar  arrastões vitimando  inocentes e desprotegidos, provocando  terror como capetas vindos  das profundezas do inferno.
             Cidade sitiada,  partida,  dividida em facções da alta bandidagem trucidando-se entre si para se apoderarem  de  pontos de vendas de drogas, usando armas  pesadas, mais potentes do que as  dos agentes policiais. Isso é uma infâmia de  que as autoridades   parecem  não se dar conta. Não é mais  possível  viver-se em paz, e andar  livremente pelas ruas do Rio de Janeiro. A população é unânime (e aqui a unanimidade   não é burra como no tempo de Nelson  Rodrigues (1912-1980). Só alguém insano  poderia afirmar que estamos  exagerando   na dose de reconhecer que  o  Estado  do Rio de Janeiro  não está em perigo. O maior  problema  do país não é a economia,  o desemprego,  a  corrupção. O maior de todos é a violência  tentacular  que está   desmoralizando  os brios de uma cidade antes encantadora  por sua beleza estonteante  e pelo sua hospitalidade.
             O presidente  Temer  é o rei nu, e assim também o é o governador Pezão que,  por sinal,  me disseram estar fora do  país. Que lástima! Nem o alcaide   evangélico  mostra a sua graça  diante da mais  desastrosa  e delicadíssima   situação   de perigo  em que vive  o Rio de Janeiro.
        Vejam mais esta: o atual Ministro  da Justiça, ao ser perguntado pelo  apresentador  do programa policial  Brasil Urgente (programa que deveria ser  visto  diariamente pelo  presidente Temer, pelo governador do Rio e pelo  prefeito Crivella)  dirigido  pelo  experimentadíssimo  Datena,  da Rede Bandeirante, sobre a questão  da desproporcional  violência no país e, sobretudo no Rio e São Paulo, o ministro de plantão simplesmente  declarou  que seriam  precisos dez anos a fim de que  se resolvesse a violência  no país.   Que é isso,  ministro? Dez anos ? Até lá o número de mortos  provocados pela  marginalidade  infernal  será avassalador e equivalerá a uma guerra civil. Então,  ministro teremos que  aguardar a boa vontade  dos políticos, da situação  das nossas finanças, da nossa economia, da nossa impunidade a fim que que  possamos  iniciar  uma  guerra contra a violência? Isso não tem cabimento. 
         A realidade  crucial  é que  a violência tem que ser atacada  de imediato,  com  todos os recursos  de que o governo   federal  dispõe, seja    pela convocação das Forças Armadas coadjuvada pela Polícia Federal, pelos  polícias  estaduais, militares e civis,  pelas guardas  municipais, até mesmo  pelo  cidadão  de bem  armado, por que não?
        O problema da violência exige tratamento  do governo  federal igual àquele que seria necessário  pelo instrumento legal e constitucional que se chama Lei de Segurança  Nacional tal  é  complexidade  da violência  que  nos  assusta, nos apavora  e nos  está provocando  tantas vítimas inocentes   e o  justíssimo clamor  generalizado dos que  se sentem  desprotegidos  pelos segurança  pública, que é obrigação do Estado Brasileiro.
        Ora, se o Ministro da Justiça não tem  nenhum   plano emergencial  de combate ao banditismo sem termo  que assola a vida da sociedade brasileira, quem  o fará? Então,  estamos  condenados  ao sofrimento  e a possibilidades  constantes e iminentes de  perdermos  as nossa vidas e as vidas de que amamos? Que é isso,  senhor ministro? Não é favor  pedirmos o apoio  legal  do governo pela nossas vidas. A sua  Pasta  tem a obrigação  de equacionar   soluções  rigorosas  para dar   combate à carnificina   nacional, aos abusos dos  facínoras que se veem  fortalecidos  diante da fraqueza, incompetência  e  descaso    dos governos  federal e estaduais.
       Se não fizeram  as autoridades de  segurança   do país  alguma coisa  urgentíssima, a indiferença  governamental  seria  crime contra  a sociedade. Os políticos,  os ministros,  os  governadores,  os prefeitos sabem que eles não ficarão ilesos   dessa  violência  descomunal. Sabem que têm filhos,  parentes e amigos que  poderão  também ser vítimas fatais  dessa  violência  indiscriminada que nos   deixa atemorizados  e acuados.
       Não podemos continuar perdendo  nossos  filhos,  nossos pais,  nosso  parentes e amigos diante  das metralhadoras nas mãos de  assassinos cada vez mais ousados, cada vez mais  senhores de que  estão  livres para  fazer vítimas   em qualquer  hora, em qualquer lugar. 
       Que se apressem  os nossos  legisladores para  modificarem e atualizarem  o Código Penal e façam cumprir à risca  as punições contra  os criminosos,  adultos e menores.  Não se pode  passar a mão na cabeça de  delinquentes juvenis. Que as leis  da justiça sejam  postas em ação urgentemente. Que os sentenciados, pobres ou ricos,   cumpram   seu período nas prisões  de forma  integral,  que se   eliminem  os abusos  da justiça  soltando  bandidos,  malfeitores,   estupradores,    feminicidas, criminosos  hediondos  e deixem de proteger  presidiários  empregando  brechas  da justiça, e expedientes  espúrios como   comutação de penas,   bom comportamento e assemelhados.
      É tempo  de que os sentenciados sintam o peso da lei. Só assim  terão que pensar  duas vezes antes de cometerem   crimes. As leis  para criminosos  devem   ser bem claras  para eles de tal maneira  que se  sintam   dissuadidos  a não cometerem   ações delituosas. Que haja um cultura  da lei  contra  os criminosos nestes termos:  se cometerem  um delito, serão  punidos  sem dó nem piedade. É o que devia ser  chamado de  “o fim da impunidade brasileira.”  É neste sentido que  esperamos  a resposta  sem delongas   das autoridades.
     .

          

Apenas memórias

Prezados leitores deste  Blog,  é com prazer que insiro, neste meu espaço virtual, mais uma resenha do  meu livro Apenas memórias (Rio de Janeiro: Quártica, 2016, 299 p.) Desta vez,  de um  professor, advogado e escritor  piauiense, José Ribamar Nunes.                               

                                 
                                      APENAS MEMÓRIAS
                                                                             José de Ribamar Nunes(*)  

          Ao ler Apenas Memorias, de Cunha e Silva Filho, brilhante escritor piauiense, radicado no Rio de Janeiro, fiz uma viagem prazerosa por Teresina da década de 50 e 60 do século passado. 
          A leitura me seduziu desde as primeiras páginas. Agradável, leve, através da qual se vai penetrando no mundo do autor, a partir de suas origens em Amarante e     das recordações do seu pai, jornalista e professor Cunha e Silva, polivalente, culto e sábio. O pai fundou o velho Ateneu de Amarante, no qual lecionava várias disciplinas e foi por ele conduzido durante anos, até sua mudança para Teresina, no final da década de 40 do século passado.
          As lembranças de sua mãe, dona Ivone, onde se capta o grande amor filial por sua genitora, que deu à luz treze rebentos, o que era normal naquela época, em que ainda não se falava em controle de natalidade e ter muitos filhos era quase regra.  Percebe-se que era maior a afinidade do autor com o pai, não só pela grande afetividade entre eles, como pelos vínculos intelectuais, pois conversavam na mesma linguagem.
Relembra a vinda da família para Teresina, quando o autor contava com apenas 3 anos de idade, e já despontava com a mente aguçada, captando impressões da capital teresinense nos anos 50.  A vida da família na Rua Arlindo Nogueira esquina com a Rua São Pedro, as andanças pelo centro de Teresina, os filmes do cine Rex e Teatro  4 de Setembro, a relação com os irmãos, os comportamentos típicos da época, tudo nos remete a momentos de adoráveis nostalgias de nossa infância(somos da mesma geração).
Refaz a imagem do quarto-biblioteca, onde o prof. Cunha e Silva gostava de deitar-se na rede, e o menino costumava refugiar-se para manusear os livros do pai, o que já denotava a vocação pueril para as letras, que depois se concretizaria no escritor que é hoje. Uma cena sublime daquela época é quando ficava alisando a cabeleira do pai, deitado à rede do quarto-biblioteca.
Recorda a ida do jovem Francisco para o Rio de janeiro, em 1964, aos 18 anos de idade, para buscar seus sonhos e ali lutar com todas suas forças, coragem e inteligência para, destacando-se no cenário nacional no mundo acadêmico e literário, como professor de inglês e português, atingindo o grau de doutorado, ensaísta e escritor.
Cunha e Silva Filho nos fala com coragem das próprias agruras, da vida de um estudante numa cidade grande, distante da família, vivendo com pouco dinheiro. Não se furta a rememorar as decepções da vida e as frustrações. Narra também o lado belo, como seu amor por D. Elza, piauiense que fora aluna do seu pai, mas só veio a conhecê-la no Rio de Janeiro e com quem se casou em 15 de julho de 1967, agora completando 50 anos de feliz convivência.
Não esquece também os amigos, principalmente quem o ajudou nos momentos de dificuldades, exaltando aqueles que realmente foram importantes em sua vida e cuja amizade mantém até os dias atuais. A lembrança das primeiras aulas na Faculdade Nacional de Filosofia, da professora Zoé Pedrinha, que citava o Filólogo Evanildo Bechara, já um nome de destaque à época, e o fato de ter sido aluno do poeta Augusto Meyer e de Joaquim Matoso Câmara Jr, o nome de maior relevância, considerado o “Pai da Linguística” no Brasil.
É um livro repleto de lembranças da terra natal, de Teresina, do Rio de Janeiro, da família, da vida escolar, dos amigos, dos professores, colegas de aula. Também é rico em lições de vida, principalmente para os jovens, no sentido de mostrar como é possível transpor as barreiras da vida com estudo, trabalho e dignidade, conquistando posição de destaque nas letras, no meio social e acadêmico como um brilhante intelectual.


*Advogado, professor e escritor. Brevemente estará lançando um livro, se não me engano, de memórias.

          

domingo, 16 de julho de 2017

Tradução de um poema de Federico García Lorca (1898-1936)

Tradução de um poema de Frederico García Lorca (1898-1936)

                                    

                               Es verdad

                    ¡Ay, qué trabajo me custa
             quererte como te quiero!
              Por tu amor me duele el aire,
              el corazón
              y  el sombrero.
               ¿quién me compraría a mí               
                 este cintillo que tengo
               y esta tristeza de hilo
               blanco, para hacer pañuelos?

              !Ay, qué trabajo me custa
              quererte como te quiero!
                                                      
                              
 É verdade
            
                Ai,  quanta dificuldade arrostada
            por  te querer como a ninguém mais!
            Por te amar me doem o ar,
            o coração
            e o chapéu.

              Quem de mí  compraría
         esta  fita que aqui levo
         e esta tristeza de algodão
         branco  com que se tecem lenços?
                                                           

             ⁢Ai, quanta dificuldade arrostada
         Por querer-te como a mais ninguém!
                                                                       
                                                                           (Trad. de Cunha e Silva Filho)




                   


quarta-feira, 12 de julho de 2017

LEITORES DE JORNAIS PARA TODOS OS GOSTOS E OS AUSENTES



                                                                                                        CUNHA E SILVA FILHO

        O Brasil e o mundo são cheios de contradições que não deixam de nos surpreender à medida que envelhecemos. Não quero, contudo,  falar do mundo, esse “vasto mundo” drummondiano. Quero me restringir ao meu país, do qual tenho mais conhecimento. Dito isso,  quero falar aos que me leem de leitores de jornais e de suas idiossincrasias, preferências,  aversões,  indiferença, desistências, não como resultado  de pesquisas de campo ou de estudos  com  estatísticas,  gráficos complicados  etc. Simplesmente fazer alguns comentários  a respeito do assunto que, aliás, sempre me fascinou.
    Creio que não estou sozinho  nessa visada sobre leitura de jornal. Vou me guiar apenas pelo que posso observar  no tempo, nos anos, na minha própria experiência como leitor da velha guarda. Vou começar dizendo que professores da área de Letras já declararam, em diversas ocasiões, em sala de aula ou mesmo  em entrevistas,  que os alunos, mesmo os de Letras,  estão lendo cada vez menos. Se realmente essa é a realidade  presente,  como é que vemos tantas feiras de livros,   encontros de  autores com  leitores, rodas de leituras, surgimento de tantos  autores nos diversos  domínios da literatura, leitores-mirins, juvenis, adultos, idosos? E isso no país todo.
   Mas alguém pode me perguntar: “Você fugiu do assunto do artigo.” Realmente,  estou fugindo, mas não tanto porque há e houve sempre  uma  relação íntima entre a literatura  e o jornal. O próprio jornal, hoje em dia,  por vezes,  tem algum espaço, ainda que magro,   para a literatura.
     De resto, a literatura no  país esteve sempre  de mãos dadas com  o jornal, desde os tempos em que se publicavam os velhos folhetins,   romance  ou “novela em folhetim” (roman feuilleton), conforme prefere nomeá-los  Massaud Moisés (Dicionário de termos literários, São Paulo: Cultrix, 6 ed., 1992, p.231-231) com capítulos publicados semanalmente, ansiosamente aguardados  por leitores compostos sobretudo  de   mocinhas  românticas  do século  XIX que se deliciavam com as histórias de amantes apaixonados, no auge do Romantismo  brasileiro, narradas por Joaquim Manuel de Macedo ( 1820-1882), José de Alencar (1829-1877)  e, mais remotamente, no início da ficção nacional, com as aventuras rocambolescas, de tipos sociais populares, alguns   marginalizados, que aparecem nos folhetins de Teixeira e Sousa (1812-1861), autor de O filho do pescador (1843). 
       Esse tipo de modalidade  literária viera da França e teve como seu mais  celebrado  autor  Eugène Sue (1804-1957), estreando tal novidade com  a obra Les mistères de Paris (1842-1842), em dez volumes. Na Inglaterra, também teve voga. Porém, foi na França que contou com seus grandes cultivadores, Honoré de Balzac (1799-1850) e  Alexandre Dumas,  pai (1802-1870).
      No século XX esses folhetins encontrariam substitutos, como a telenovela, às quais o crítico Afrânio Coutinho (1911-2000) considerou, devido às suas  possibilidades estéticas e comunicativas, amalgamando  em si os gêneros do “antigo folhetim, da ficção, do teatro e do cinema”   um novo gênero literário, uma espécie de folhetim-eletrônico (Apud  SOUSA DANTAS, José Maria de. Didática da literatura. Rio de Janeiro: Ed. Forense-Universitária,1982, p.181-183). Entre os anos  1950 e 1960, aproximadamente,  caíram muito no gosto  popular as revistas de conteúdo  romântico,  piegas, que deliciavam  as adolescentes e até mesmo alguns rapazinhos  ávidos de todo tipo de leitura. Tornaram-se  famosas revistas como  “Capricho,”  “Grande Hotel,” “Ilusão” e outras em tempos em que não havia a televisão em capitais mais atrasadas  do país.    
   Eu mesmo, conforme narrei no meu livro Apenas memórias (Rio de Janeiro: Quártica,  2016), fui leitor  assíduo dessa  publicações e não tenho   constrangimento  de  afirmar isso, já que, para mim,  até leituras  consideradas  subliteratura  prestam, de alguma maneira,   um serviço de  aprendizagem e de experiência  humana, principalmente porque essas fotonovelas, tanto quanto os quadrinhos de Tarzan, de Super-homem,  Mandrake, Homem-Aranha,  Batman   e de outros grandes heróis dos quadrinhos,  não obstante  usando a linguem escrita,   eram  enriquecidos  por belas ilustrações, algumas coloridas,  com  os balões  informando  o pensamento  dos personagens, as tirinhas  indicando as falas   destes últimos, o que, de alguma forma,  constituíam  complementos técnicos, gráficos, pictóricos que as aproximavam  do cinema e de outras formas de comunicação da indústria cultural.
    Ganhou também  a comunicação do entretenimento  de massa pelo fato de que algumas de suas modalidades  foram  acolhidas  para o corpo do jornal. No entanto,  não perdi de vista o fio condutor  que intento associar ao jornal e aos leitores  deste veículo escrito ou  virtual. Para deixar bem claro,  tomo  o sentido de jornal nesta discussão  como veículo  impresso, vendido nas bancas de praças  ou de shoppings ou mesmo  nas calçadas  de uma cidade. Ou seja, tenho em conta  a concretude, a materialidade  do jornal,  que osso usar, pegar  como as minhas mãos,  descartar partes que não me interessam e lê-lo  num dia ou  em mais de um dia, inclusive dele fazer recortes  para pastas de  arquivos.
     O que mais me chama atenção nos leitores de jornais é um fato  que tenho verificado nos últimos tempos: as pessoas  não mais leem  tanto jornais, como se fazia  habitualmente   em tempos idos. Uma vez,  uma  pessoa culta,  refinada , ainda jovem me falara  que não mais se  interessava  por ler artigos,  editoriais, cadernos de culturais,  suplementos  literários   etc. Fiquei perplexo  a ponto de falar com meus botões: “Mais é isso  mesmo o que está acontecendo, ninguém quer mais ler  aquilo  que  faz  pensar,  que  nos exige  a reflexão,  o interesse pelas grandes questões,  pelos problemas que afligem o nosso país e o mundo globalizado? Meus Deus, estamos perdidos?” Foi aí que me veio a ideia de  listar  tipos diferentes de leitores de jornais, que abaixo  relaciono:

1.    O leitor de política nacional;
2.    O leitor de notícias, reportagens e crônicas  de esporte, sobretudo o futebol, aqui no Brasil;
3.    O leitor de política internacional;
4.    O leitor de classificados;
5.    O leitor  de cadernos  culturais;
6.    O leitor de articulistas e de cronistas;
7.    O leitor de páginas do colunismo  social;
8.    O leitor de manchetes;
9.    O leitor da seção de economia;
10. O leitor que protela a leitura para o dia seguinte e vai protelando até que não mais consegue ler aquela edição e guarda o jornal num determinado lugar  de  sua casa;
11. O leitor que só lê  jornal duas vezes por semana, ou por três vezes,  quatro vezes, cinco  vezes, seis vezes e deixa para ler o jornal só nas edições de domingo quando  teria tempo  para  pôr  em dia algumas notícias;
12. O leitor que fila jornal  dos outros;
13.  O leitor-jornaleiro  que não lê jornal;
14. O leitor que compra  jornal ou faz uma assinatura e não lê nada nas duas situações.
15. O leitor que não lê alguns jornais por não acreditar na ideologia  imprimida ao jornal;
16. O leitor,  em geral  intelectualizado,  que afirma ler três ou quatro jornais  por dia...;
17. O leitor que não gosta de jornal;
18. O leitor que quer ler o jornal,  mas não tem  dinheiro  para comprá-lo;
19. O leitor que não  compra  alguns jornais porque  diz que não vai entender  o conteúdo  do periódico;
20. O leitor que só gosta de ler jornais em outra língua por ser um suposto  highbrow;
21. O leitor que só lê os jornais considerados  de massa, com uma linguagem  mais  palatável e sem a complexidade intelectual  dos chamados jornais  das elites, da burguesia e classe média letrada.
22.  O leitor queda um tempo  para a leitura de um certo colunista  ou mesmo  para outros, e, depois,  volta à leitura deles.
23. O leitor que não mais lê jornais impressos, mas foi conquistado pela leitura virtual.

Poderia, se o quisesse,  listar mais outros tipos de leitores de jornais, contudo,  vou terminando  aqui mesmo. Porém, antes veja o leitor em qual/quais  das situações acima se encaixaria. Não lhe estou pedindo que me revele o resultado de  sua escolha. Enquanto  isso,  fique o leitor pensando nesse assunto que me é tão caro e sério. Em antigos artigos sobre a relação  entre leitor e jornal,  já  expus o que pensava e penso sobre o tema, inclusive sobre as minhas preferências  e  desinteresses.
         Estou pensando naquela recomendação que, um dia,  li em Antonio Candido (1918-2017), segundo a qual  o grande crítico  nos aconselhava a ler jornais com constância. Só teríamos a lucrar com isso  do ponto de vista  cultural e até para melhorar a nossa própria  expressão escrita, inclusive seria saudável aos escritores. Boas leituras de jornais, pois, ó caro leitor!

      
      
      
     

   

sábado, 8 de julho de 2017

VILANIAS PÚBLICAS CONTRA O ESTADO DO RIO DE JANEIRO


                                                                    Cunha e Silva Filho

          Inúmeras são  as omissões e mesmo    a falta de  competência  aliada a ações  perversas  de que o Estado do Rio de Janeiro e a sua capital em especial têm sido vítimas desde o  início do desgoverno  de Sérgio  Cabral que destruiu os fundamentos econômico-financeiros desse Estado.     
           Cometendo o ex-governador o maior desfalque ao erário  público, via propina, de que se tem notícia na história dos governadores  brasileiros, o mais odiado governador fluminense, a par do autoritarismo  que  imprimiu ao seus dois mandatos, foi a causa principal e o  maior responsável pelo que o fluminense e o carioca  estão sofrendo duramente, sobretudo  os funcionários  públicos, alguns levados ao desespero,  outros   compelidos a pedirem até  esmola,  privados que ficaram  dos seus  vencimentos  ou do pagamento   em migalhas  feitos ao funcionalismo  aposentado,  justamente  quem  deveria ser  mais amparado   pelo governo.
          O curioso  é que ou sucessor,   o governador  Pezão,  um indivíduo  fraco  e incompetente para dirigir um  Estado importante e populoso  como o Rio de Janeiro, tem pago  regiamente  outros setores do governo, em geral os que mais  recebem,   os de altos salários como  os poderes legislativo e judiciário  e seguramente  os funcionários do primeiro escalão do governo estadual, como  o próprio salário do governador,  do vice-governador,  dos setores de segurança, entre outros  setores beneficiados.  Por isso,  esses setores privilegiados não estão sofrendo as agruras  da falta de dinheiro, como no caso dos barnabés.
       Não bastando  tantas desgraças e  injustiças  sofridas  pelo funcionalismo, outra vilania  que merece  ser acentuada com veemência e  sentimento de justa  indignação  é o  que o governo  estadual  tem feito com  a Universidade Estadual  do Rio de Janeiro (UERJ) que tem  atravessado os dias mais amargos desde a sua  criação. Vítima de um processo contínuo de esvaziamento, de perda de autonomia  e de  condições financeiras cada vez mais  precárias, encontra-se essa universidade  incapaz   de dar continuidade  à sua administração normal, ela que    conta com um quadro docente do mais alto nível nos seus mais  diversos cursos. Só num país como o nosso, no qual a educação  é tratada em segundo plano,   uma universidade  pública  chega a esse estado de penúria, sem poder  funcionar  plenamente,  sem condições  materiais e humanas  e de infraestrutura (elevadores  parados,  banheiros  em  petição de miséria, serviço de limpeza  deficiente, entre outras exigências mínimas).
        Diante de toda  essas precariedades,  os funcionários já ameaçam  entrar em greve geral. Com isso, são prejudicados os estudantes no avanço de seus  cursos,  na sua  conclusão  e  formaturas, com  gravíssimas consequências na vida   dos estudantes  e  na sua futura atuação  profissional. Quanto  mais o universitário se atrasa nos cursos  escolhidos, tanto mais  prejudicada  ficará  a sua  futura  vida profissional.
        Ora,  impedir  a continuidade  normal  das atividades  universitárias  se me afigura um crime contra a cidadania e contra  a liberdade  do  estudante. Ele não tem culpa  dos atrasos  provocados pelas  interrupções  do seus curso. Ele não tem culpa de que, por exemplo, na condição de  estudante de medicina,  não haja um  hospital-universitário (na UERJ, o Hospital Pedro Ernesto, que  também  passa  pelo mesmo  processo de sucateamento) funcionando  normalmente para os estagiários dessa área e de áreas conexas.
     Todas essas mazelas,  sem dúvida verdadeiros crimes  contra o desenvolvimento educacional–cultural-científico-tecnológico de um Estado,  que recaem sobre o Estado do Rio de Janeiro  - é quase impossível acreditar -  foram   provocadas  pelos crimes sucessivos  do  ex-governador  Sérgio Cabral e, ainda acresceria mais,  sem  nenhuma   providência  rigorosa   tomada pelo  Ministério da Educação e pelo   governo-tampão do Michel Temer  que, de resto e por infelicidade,  é do mesmo  partido  do   ex-governador e  do atual  governador, i.e., o PMDB.
       E, por causa disso,  é bem  evidente a razão pela qual  o governador  Pezão não foi ainda  alijado do poder. É bem verdade que também  o lulismo-delmismo   não está  isento de parcela de culpa, uma vez que o ex-presidente Lula e a ex-presidente Dilma,  tinham  como aliados   o PMDB. Não são poucas as imagens  gravadas  em que o  Sr. Lula se encontra,   sorridente,  e   abraçado com  o  odiento  Sérgio Cabral.  Nesse saco de  gatos da  politicalha  brasileira torna-se  difícil  separar  o joio do trigo.    
    São atores que se misturam  na falta de caráter e no crimes  de corrupção que tomaram de assalto  o Estado  Brasileiro e ramificando-se em quase todos os setores da vida pública e privada, me referindo aqui aos mega-empresários  conluiados com   políticos   inescrupulosos e inimigos  da democracia.
    Por fim,  citaria mais uma vilania  perpetrada contra o Rio de Janeiro,_capital  e Estado): a criminalidade  que se apossou  da vida carioca, que ninguém  mais suporta pelos seus gigantescos tentáculos  que nos espreitam  em cada canto   da Cidade Maravilhosa.  Um governo estadual  praticamente falido, como irá  tratar da questão da  violência? Sem dinheiro, sem verba,   sem competência  de governo,  como essa chaga  infernal  será combatida? Até quando policiais  assassinados por traficantes, inocentes de  todas as idades, vítimas fatais   de balas perdidas,  arrastões,  assaltos, furtos, homicídios dos mais variados, ônibus incendiados, estupros  coletivos, engrossarão  as estatísticas de mortos de nossa sociedade?   
  Serão tão insensíveis as autoridades  de nosso  Estado e de outros  Estados  brasileiros  ante crimes e mais crimes (muitos hediondos)  praticados  por bandidos  fortemente  armados, mais armados do que as  forças de segurança?  Como estancar toda essa selvageria num país que dispõe das Forças Armadas? Não seria isso  um caso  de se  estar atentando contra  a Segurança Nacional? Todo esse altíssimo  número de crimes  ocorridos   no país e  diariamente em todo o território nacional  não é  estatística suficiente para que  repensemos  o nosso estado de direito?  
     As famílias brasileiras não suportam mais  essa ausência do poder público diante  de um clima com semelhanças de guerra urbana. Pais, mães,  filhos,  netos   são mortos  por criminosos  que não respeitam  mais  as forças de segurança. Por isso,  são recorrentes nas suas brutalidades  e covardias  contra a sociedade desarmada.
     Se a bandidagem  sabe que  não será punida duramente  e, quando punida,  logo será solta  para cometer as mesmas atrocidades contra   os fracos e os inocentes, então a criminalidade  tende a  crescer  até  alcançar um  estado  de anarquia  no tecido  social.  Se vivemos, agora,  no Rio de Janeiro e em outros lugares do país,  num clima constante de  medo e de pavor, a quem poderemos recorrer: a um Estado  Brasileiro  omisso e irresponsável, com leis  anacrônicas  e cheia de brechas e recursos legais (traduza-se:  benefícios  concedidos a  homicidas,   assaltantes,  traficantes, e marginais de toda espécie)  para  escroques, traficantes   e delinquentes  juvenis   de alta periculosidade e de crimes abomináveis? 
    Diante desse quadro  tétrico, a sociedade civil se vê  abandonada,  clamando  num país cujas autoridades estão  surdas e indiferentes   às reais  e malignas  chagas  sociais  que atormentam  o quotidiano  do cidadão brasileiro. Só ouvimos, estarrecidos e órfãos,  os tiros de  armas pesadas nas mãos de bandidos que, nos morros e nos asfaltos, nas estradas  e no campo dizimam pais de famílias,  idosos,  jovens e crianças. Um país mesmo  de balas perdidas e de incendiários.
    Não é sem  motivo que muita gente  pensa em deixar  o nosso  país, à procura de um  lugar no exterior onde  possa dormir em paz e a salvo  das metralhadoras  nos confrontos  de traficantes  com traficantes impunes e gargalhando diante  do armamento   inferior  de nossos  policiais, eles mesmos  vítimas   do tiroteios  sem fim. Cadê as autoridades  brasileiras?